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Histórias

 

                    

         

 

  imperadores que adoram declarar guerra aos três reinos mais próximos todos os dias.

Outros há cuja predilecção é construir belos castelos e palácios, cada um deles maior e melhor que o anterior. Mas o imperador desta história tinha uma paixão menos comum: adorava roupas novas. Era sabido que o imperador passava a maior parte do dia a experimentar um facto após outro, para assim descobrir qual era que favorecia mais a sua real (e generosa...) figura.

Certo dia, chegou à corte um par de velhacos que mais não queria do que viver uma vida boa e ganhar algum dinheiro.

Anunciaram-se como tecelões e trataram de fazer saber que não eram quaisquer uns:

-         O tecido que fabricamos – diziam eles – é tão fino e o seu desenho tão raro e delicado que apenas as pessoas mais inteligentes e mais cultas são capazes de vê-lo.

Não tardou que a notícia de vinda destes pretensos tecelões chegasse aos ouvidos do imperador.

“Que útil”, disse ele para os botões. “Se eu vestisse um facto feito com aquele tecido, poderia em três tempos saber quais dos meus ministros são demasiado estúpidos e inadequados para desempenhar as suas funções.”

Assim, ordenou que os tecelões comparecessem diante de si. Quando chegaram à corte, os dois trapaceiros fizeram uma grande vénia.

-         De que modo podemos servir Vossa Alteza Imperial? – apressaram-se a perguntar.

-         Gostaria de ter um fato todo feito com o vosso famoso tecido – declarou o imperador. – E quero que esteja pronto até ao final desta semana!

-         Com certeza – retorquiram os tecelões tranquilamente. – Temos apenas de tirar algumas medidas... Mas, meu Deus, Vossa Alteza tem o perfil de um homem de...vinte anos!

Em seguida, os tecelões mandaram vir rolos de fios de seda e de ouro para, segundo diziam, com eles fabricarem o seu famoso tecido. Foram instalados dois enormes teares num quarto igualmente dotado de todos os confortos. Passavam o dia em frente aos respectivos teares, a fingir que teciam, mas, claro está, não havia qualquer fio para tecer.

O imperador estava ansioso por ver o andamento do trabalho no seu fato, mas, apesar de saber que era o homem mais esperto daquelas redondezas, ficou um pouco preocupado com o facto de talvez não conseguir ver o tecido.

O imperador pensou bastante e durante muito tempo (aliás, para o homem mais esperto das redondezas, é surpreendente o quanto e durante quanto tempo ele pensou), até que teve uma ideia.

-         Chamem o meu primeiro- ministro! – berrou. – Ele irá inteirara-se do andamento do trabalho que os tecelões estão a fazer para mim.

Pois bem, o primeiro-ministro também não conseguia ver nada, mas receou que o imperador o dispensasse se demonstrasse ser um daqueles infelizes demasiado estúpidos para apreciar o tecido.

-         É absolutamente perfeito para Vossa Alteza – relatou. – Com toda a honestidade afirmo que nunca vi nada igual.

A cada dia que passava, os tecelões iam pedindo mais seda e mais fio de ouro. Estes iam sendo guardados nas suas malas de viagem, para poderem estar prontos para uma fuga rápida!

Não tardou que o imperador ficasse novamente impaciente. Enviou o seu chanceler para inspeccionar o trabalho, só que o pobre homem não conseguia ver fosse o que fosse, e a verdade é que também ele não queria perder o seu emprego.

-         É de uma beleza incomparável – declarou. – Vossa Alteza ficará verdadeiramente encantada.

Por fim, o imperador já não aguentou mais. Apressou-se a ir ao quarto onde trabalhavam os tecelões e abriu as portas de par em par.

Os tecelões, que tinham ouvido o barulho das roupas do rei a arrastar pelo corredor, estavam atarefados de volta dos seus teares. As  suas mãos andavam para a frente e para trás e seguravam... em absolutamente nada!

O imperador estancou. Parecia um pesadelo! Só ele, de toda a sua corte, era demasiado estúpido para conseguir ver o maravilhoso tecido. Sentia a garganta seca e a voz até tremeu quando anunciou:

-         O primeiro –ministro e o chanceler foram pouco entusiásticos nos seus elogios. Este tecido é efectivamente lindo de mais para poder ser descrito por palavras!

No final da semana iria realizar-se uma grandiosa procissão. Naturalmente, era de esperar que o imperador fosse usar roupas feitas com  aquele novo tecido, de que já todo o império ouvira falar. Os tecelões não pararam de dia e noite, ocupados a cortar o ar com grandes pares de tesouras, a coser com fios invisíveis e a fingir ir pregando botões. Quando se cansaram disso, sorriram um para o outro e disseram:

-         Aí está! Um fato digno de um imperador!

Na manhã da procissão, o imperador estava de ceroulas enquanto os tecelões o ajudavam a vestir a roupa nova. Concordou com tudo o que lhe disseram acerca do corte e das características do tecido. Depois de andar umas quantas vezes para a frente e para trás, de modo a, segundo os tecelões, poder ver como a cauda do manto assentava bem, quase se convenceu que conseguis mesmo ver o fato e que estava efectivamente muito bem feito.

E foi assim que o imperador saiu à rua, todo orgulhoso, a comandar o regimento real, vestido apenas com as suas segundas melhores ceroulas.

Começou por reinar um silêncio de espanto por entre a multidão que enchia as ruas, mas como já todos tinham ouvido falar de que apenas as pessoas inteligentes conseguiam ver aquelas roupas, primeiro um, depois outro dos súbditos exclamaram, à medida que o imperador ia passando:

-         Maravilhoso! Soberbo!

Dali a pouco, já toda a gente aplaudia e dava vivas. O imperador não cabia em si de contente.

Quanto toda a gente está a fazer muito barulho, acontece por  vezes haver de repente breves momentos de silêncio. Um desses momentos deu-se quando o imperador chegou à praça principal da cidade. No meio desse silêncio, a voz de um rapazinho fez-se ouvir claramente em toda a praça.

-         Mas, mãe – gritou ele -, o imperador não traz nada vestido!

Naquele momento terrível, a multidão caiu em si, vendo que rapaz dissera a verdade e que tinham sido tão palermas como o imperador. Uma após outra, as pessoas começaram a rir. Durante alguns segundos, o imperador ainda tentou manter a pose digna da sua posição, mas depois lançou o seu manto imaginário para trás do ombro e desatou a correr de regresso ao palácio, numa atitude muito pouco digna de um monarca.

Diz-se que, depois disso, o imperador deixou de ser tão vaidoso em relação às suas roupas e  talvez até devesse agradecer aos malvados tecelões. Aqueles dois patifes tornaram-se tão invisíveis como as famosas roupas do imperador e nunca mais ninguém lhes pôs a vista em cima.

 In "Contos de Hans Christian Andersen", adaptados por Cathie Shuttleworth, Círculo de Leitores 1998

 

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