Sumário
1. Recapitulando
2. A disputa entre duas
correntes
3. Por que tanta pressa para
privatizar a CVRD?
4. Reservas para 500 anos?
Um
erro crasso da nossa legislação
5. Quanto vale afinal a Vale?
6. O Edital
7. Por quê a Vale
deveria
continuar sob o controle do Estado
8. O Governo está
distante
da realidade
9. A Vale privatizada
10. O conto do grampo
11. Em defesa do
funcionalismo
público
12. Os resultados de 1998
(winners
and losers)
13. Esforço
público,
lucros privados
É bom ter presente que, como demonstra o último relatório das Nações Unidas, o resultado dos programas de "reformas" e de privatização pelo mundo afora não foi tornar o Estado enxuto e redirecionado para a área social. Na verdade ... a transferência de ativos e de empresas públicas para o controle privado foi propiciada pelo "mundo de negócios", no intuito de favorecer este ou aquele lobby empresarial, acentuando a concentração monopolista da riqueza, sobretudo a financeira.
Maria da Conceição Tavares, deputada federal
• falta de meios da iniciativa privada
• razões de Estado
• evitar a falência de empresas com grande significado social
• ambição de tecnocratas ou políticos no poder
As diretrizes de um programa de privatização variam de um governo para outro governo. Nas nações mais maduras do ponto-de-vista político, a privatização desponta como uma oportunidade para o Estado estender o seu benefício ao número máximo de cidadãos daquele país. Quando a França, por exemplo, estabeleceu o seu programa de privatização, houve preocupação em atender a cinco pontos fundamentais (Cf. Machado, 1989, p.125):
• transparência das operações de privatização, assegurada por ampla publicidade;
• engajamento no processo do maior número possível de acionistas individuais (pessoas físicas)
• redução do nível de endividamento do Estado;
• preservação dos interesses nacionais, principalmente no caso das empresas estratégicas.
B) A corrente estatizante, ao contrário, considera que o Estado tem um papel que não se limita a funcionar como agente regulador da atividade econômica da nação. Existem áreas estratégicas onde o Estado deve continuar a atuar, com o objetivo de maximizar os efeitos econômicos e sociais de certas atividades, mormente em áreas ínvias. Isto se torna necessário principalmente na era da globalização, quando em todo o mundo o poder político vem sofrendo uma perda de importância face ao poder econômico (Cf. Forrester, 1996). A economia de mercado parte de uma lógica que ignora as demandas do elo fraco da cadeia econômica - países subdesenvolvidos, regiões atrasadas, minorias, excluídos, idosos, mão-de-obra não qualificada, etc. Cabe ao Governo, e somente ao Governo, estabelecer e executar políticas públicas voltadas para o desenvolvimento regional, correção de desigualdades sociais, eliminação da exclusão social, reforma agrária, geração de empregos e outras iniciativas visando assegurar o bem-estar da população brasileira como um todo.
A reavaliação de reservas minerais
De acordo com a nossa Constituição, no seu Art. 20, alínea IX, consta que "são bens da União ... os recursos minerais, inclusive os do subsolo." No momento de privatizar a Vale, surge, portanto, um impasse jurídico. Isto porque, ao mesmo tempo, as reservas e recursos de que estamos tratando são, do ponto de vista legal, bens da União e, do ponto de vista prático, bens da CVRD. Seria ingênuo argumentar que a Vale recebe uma concessão que poderá ser revogada a qualquer momento, conforme estabelecido em lei. Ora, em qualquer legislação do mundo, o concessionário está sujeito a sanções e penalidades. Este dispositivo, todavia, não justifica a concessão por um prazo quase equivalente à idade das Américas. Equivale a uma pessoa jurídica ter recebido uma concessão das mãos de Cristóvão Colombo, ou de Pedro Álvares Cabral, e estivesse exercendo este direito até os dias de hoje. Simplesmente ridículo e inaceitável, nada mais, nada menos que isso. Outra argumentação utilizada para ocultar esta benesse absurda é que daqui a 500 anos o minério de ferro talvez não tenha qualquer valor para a sociedade. Realmente, as inovações tecnológicas vêm colocando à disposição da sociedade uma quantidade apreciável de novos materiais. Entretanto, nenhum cientista de materiais, em sã consciência, teria a veleidade de afirmar que minério de ferro não terá nenhum valor em 40, 50 ou 60 anos. Em resumo, o problema do prazo de concessão mineral é tão grave que, por si só, seria suficiente para sustar o processo de privatização da CVRD.
Às vésperas do
lançamento
do edital, a Folha de S. Paulo publicou um artigo sobre esta
matéria.
Dentre as avaliações de diversos bancos de investimento,
o Salomon Brothers foi o mais transparente, divulgando os seguintes
dados
para as diversas áreas de negócios da Vale:
Negócios |
(bilhões de dólares) |
Pelotização Ouro Aço Alumínio Papel e Celulose Outros Projetos |
0,258 1,5 1 1,040 0,801 0,650 1 |
Fonte: Grupos avaliam Vale entre R$10 bi e 13 bi - Folha de S. Paulo , 5.03.97, p.1-8
O representante do Salomon Brothers revela que o valor apurado pela sua empresa "é conservador", ressaltando que "o potencial real da Vale está, em parte, escondido".
Segundo consta, o primeiro leilão vai colocar à venda 45% das ações ordinárias, esperando-se que o Governo arrecade o mínimo de R$2,91 bilhões, se prevalecer o preço de R$10 bilhões, estabelecido pelas autoridades. Vários analistas financeiros entrevistados pela Folha acreditam que o vencedor oferecerá um valor entre R$10 e 12 bilhões.
Para tornar a questão
ainda
mais difícil de entender, é ilustrativo fazer uma
comparação
com os dados da Codelco, estatal chilena (não sujeita à
onda
da privatização), cujo porte se aproxima daquele da Vale,
apesar de estar limitada a operar com cobre, molibdênio, ouro e
prata.
Pois bem, quando interrogado sobre o valor da Codelco, se por ventura
viesse
a ser privatizada no futuro, o seu Presidente, Sr. Juan Villarzu,
informou
ao jornal El Diario (News@Chile, 1996) que o valor da empresa se
situaria
entre US$20 e US$35 bilhões, dependendo da rentabilidade futura
de aplicações financeiras sobre os lucros da empresa.
Portanto,
enquanto a Codelco vale, no mínimo, US$20 bilhões, a Vale
pode ser arrematada em leilão por meros US$10 bilhões. O
Senado Federal está a par disso? A quem interessa um valor dessa
ordem?
Autor(es) |
(bilhões de dólares) |
Retorno esperado* 1 Funcionários da Vale 1 Investidores japoneses 1 Vice-Presidente da Vale 2 Ministro do Planejamento 3 Morgan Stanley 4 Opportunity 4 Bozzano, Simonsen 4 Salomon Brothers 4 |
> 9,6 12 18 16-18 10 12,16 10-12 12,3 13,31 |
2 - A privatização da CVRD (editorial) O Estado de São Paulo, 19.12.94 p.A3
3 - Sessão do Senado Federal, em 27.02.97 (O Ministro era então o Sr. Antônio Kandir)
4 - Avaliação de estatal segundo os bancos Folha de S. Paulo, 5.03.97 p.1-8 (box)
* Trevisan & Associados
6. O Edital
As repercussões sobre o
preço
mínimo no Brasil e no exterior foram unânimes em
considerá-lo
abaixo do esperado. Segundo a COPPE, houve subavaliação
de,
no mínimo, R$2,057 bilhões. É interessante notar
que
o estudo realizado pela Merril Lynch e empresas associadas vai custar
ao
bolso do contribuinte a módica quantia de R$198 milhões,
baseada no preço mínimo. Como deverão surgir dois
ou três consórcios, o fee da Merril Lynch ainda
irá
crescer um pouco em função do ágio a ser pago pelo
vencedor do leilão. O quadro abaixo detalha a
avaliação
empreendida pela COPPE.
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CVRD-MRDI |
(no local) |
(US$) |
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desenvolvidos |
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Fonte: Grupo de Assessoramento Técnico (GAT) da COPPE/UFRJ - Vale foi subavaliada em US$2 bilhões Jornal do Brasil, 10.03.97, p.4
Segue um quadro com os
números
da privatização, que não costumam ser divulgados
de
modo muito transparente:
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tagens |
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100,00% |
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em poder da União |
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ações da União |
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estratégico |
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ações ordinárias |
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lote |
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R$3.338.178.240,00 |
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Fonte: Adaptado de "Vale por R$10,3
bilhões"
Correio
Braziliense, 6.03.97
Folha de São Paulo, diversos
números
* A
privatização
de duas companhias de distribuição de energia
elétrica
no Rio Grande do Sul obteve ágios de
82,62%
e 93,55%, respectivamente.
A privatização das siderúrgicas estatais teve uma conotação diferente do caso da CVRD, uma vez que inexiste qualquer fator de preocupação da sociedade brasileira, equivalente ao significado daquilo que se encontra no subsolo: jazidas já conhecidas e mensuradas, aquelas ainda em fase de pesquisa preliminar ou detalhada, bem como outras jazidas que irão se revelar no futuro, em áreas já requeridas ao DNPM pela Vale e suas subsidiárias. Uma siderúrgica é um complexo industrial perfeitamente palpável, passível de avaliação econômica rigorosa e pouco questionável, enquanto o principal ativo de uma mineradora é o seu estoque de jazidas, principalmente quando as jazidas possuem o status de classe internacional. Além das considerações relativas ao mercado, o sucesso de uma siderúrgica repousa basicamente no seu know-how e talento gerencial, enquanto o sucesso de uma mineradora depende fundamentalmente da qualidade e quantidade de suas jazidas. É óbvio que o know-how e o talento gerencial ajudam a empresa de mineração a otimizar o seu desempenho, mas as jazidas de má qualidade não atraem absolutamente o interesse das empresas-líderes do setor. Somente a busca de jazidas de classe internacional explica o sucesso de empreendimentos mineiros em países obscuros como a Papua-Nova Guiné, Botswana ou Namíbia. Se o subsolo dos países do Primeiro Mundo fosse tão pródigo nos dias atuais, ou se a sua tecnologia operasse milagres, por que embrenhar-se em países um tanto exóticos e enfrentar tantos perigos, incluindo animais peçonhentos e doenças tropicais?
A oposição ao Governo não deve ser entendida como a manifestação de um Brasil atrasado, que resiste à modernização, ou que não quer enxergar o futuro. Estas frases de efeito não resistem ao observador mais atento do que se passa na arena política e no ambiente econômico. O que juízes, militares e intelectuais estão enxergando claramente é que estamos dentro de um processo extremamente concentrador de renda, quando estatais de qualquer natureza estão sendo oferecidas a preços altamente convidativos às nossas empresas familiares. A entrada dos fundos de pensão representa, de qualquer forma, um avanço, mas a sociedade brasileira precisa de outros mecanismos que venham a resolver de maneira mais efetiva os nossos problemas sociais crônicos: reforma agrária, geração de empregos, melhores padrões de saúde, educação, habitação, segurança, etc. Ironicamente, a cada privatização a população tem a plena certeza de que sobrevirá mais desemprego, porque a nova empresa necessitará de ficar mais enxuta e mais competitiva dentro de um mundo globalizado. Esta engrenagem é que gera a insatisfação crescente dentro da sociedade brasileira. Se o exemplo da Inglaterra servir para alguma coisa, os interessados devem ler os jornais com farta documentação sobre a recente vitória do Partido Trabalhista. Será que a sociedade britânica aprendeu algo nos últimos 18 anos? Aqui e lá, os frutos do neoliberalismo e da globalização estão indo parar em poucas mãos. As demandas da população como um todo não estão sendo atendidas. Esta frustração desagrada juízes, intelectuais e militares. Está fazendo falta um ombudsman no Planalto?
Tecnicamente, o Consórcio Brasil é o mais fraco dos dois candidatos que compareceram ao leilão da Vale. Sua experiência prévia em mineração se limita à operação de minas cativas de ferro e manganês no Quadrilátero Ferrífero e, no passado, de carvão em Santa Catarina. Fora da siderurgia, não atua na área de metalurgia em geral. A sua origem teve lugar no ramo têxtil, que era uma atividade dinâmica nas primeiras décadas deste século. Todos os seus sócios são meros investidores, nacionais e estrangeiros, extremamente interessados na bottom line. Neste caso, ele será mais tentado ao desmembramento da CVRD do que o consórcio perdedor, liderado pela Votorantim, pelo menos em teoria. Recorde-se que as golden shares protegem exclusivamente o segmento do minério de ferro. Os grupos japoneses já manifestaram o seu desejo de adesão ao Consórcio Brasil, na tentativa de garantir longos prazos de suprimento e preços bem comportados para o minério de ferro. Desse modo, enquanto o discurso oficial do Governo brasileiro primou em afirmar que o minério de ferro não é absolutamente estratégico para nós, os japoneses não perderam tempo em assegurar o seu envolvimento direto com a CSN. Em outras palavras, o tema é estratégico para o Japão e o Brasil ignora solenemente e com determinação a recíproca. Segundo os jornais, a própria Anglo American pretende conseguir também uma fatia do Consórcio Brasil. Enfim, tudo é possível daqui prá frente.
Dentro do novo desenho da siderurgia e da mínero-metalurgia pós-Vale, o mínimo que o Governo deveria patrocinar seria o estudo da nova configuração dos mercados pelo CADE, de modo que o capitalismo selvagem pudesse dar um salto para o capitalismo juvenil. O reconhecimento da necessidade de uma legislação antitruste monitorando o mercado significaria a nossa evolução em direção a um capitalismo juvenil. Um capitalismo maduro vai demorar ainda algumas décadas, na melhor das hipóteses.
Outros detalhes da privatização poderão ser obtidos no artigo "The CVRD privatisation: a hard victory for the government", publicado em novembro no periódico Raw Materials Report - Journal of Mineral Policy, Business and Environment, vol. 12, no. 4, pp. 36-41 (1997).
Como já era esperado, no mês de setembro de 1997 já haviam rolado todas as cabeças importantes da antiga diretoria da Vale, sendo substituídas pelos novos executivos de confiança do Grupo Vicunha. Aguardem novas demissões, dentro da lógica do momento, que norteia os processos de privatização pelo mundo afora.
O Conselho Nacional de Desestatização aprovou em 18.09.97 as diretrizes básicas para a colocação nos mercados nacional e internacional, de 78 milhões de ações ordinárias remanescentes da CVRD, que representam 20% do capital total e 30% do capital votante da empresa, num valor estimado em R$2 bilhões (Gazeta Mercantil, 1997). Para esclarecer melhor a situação, na época da privatização, as ações ordinárias com direito a voto representavam 65,52% do capital social total. Muito generosamente, o governo anuncia que "nosso interesse é pulverizar o melhor possível e expandir o mercado brasileiro de capitais". O vice-presidente do BNDES acrescenta que "o mercado de varejo em outros países representa algo entre 25% e 30% do mercado de capitais. No Brasil, ele desapareceu há pouco mais de 10 anos e recriá-lo, agora, é uma prioridade importante". Ora, num país caracterizado por uma extrema concentração de renda, seria um milagre existir um número expressivo de pequenos investidores agindo no mercado de capitais. Este é o eterno problema do nosso país, na linguagem de grande número de políticos e tecnocratas. O discurso é excelente, mas a prática ...
No dia 10 de outubro de 1997, o jornal "O Liberal" anunciou que "a operação desmanche posta em prática no Pará pela Companhia Vale do Rio Doce, a partir de sua privatização, tem agora como alvo a Docegeo, internacionalmente reconhecida como uma das mais competentes empresas de pesquisa mineral do planeta e responsável por algumas das maiores e mais importantes descobertas do setor já feitas até hoje no Estado. Depois da transferência de parte da estrutura administrativa mantida pela própria Vale em Carajás para São Luis do Maranhão, o ato encenado contra a Docegeo tem um efeito devastador: rigorosamente nada restará, aqui em Belém, do que foi a sede do Distrito Amazônia da empresa ao longo dos últimos 26 anos". Segundo a reportagem, Belém não terá o direito de manter nem mesmo o Centro de Documentação, depositário de um patrimônio técnico, científico e cultural altamente expressivo, reunindo perto de 390 mil itens. "Da CVRD propriamente dita e de suas coligadas, juntando tudo, aqui em Belém, o que sobrar deverá se limitar a meia dúzia de gatos pingados, sem nenhuma autonomia ou expressão", desabafa o geólogo Vanderlei Beisiegel, chefe do Distrito Amazônia de 1985 a 1991. Ele recomenda que "cabe ao Estado do Pará ... usar a lógica correspondente aos interesses de sua população e negociar com a nova Vale nos moldes exigidos - a todo benefício, isenção, incentivo, tratamento preferencial e outras benesses envolvidas deve corresponder a equivalente ação positiva e concreta da empresa".
Em outra reportagem do mesmo dia ("Belém não faz o menor sentido"), O Liberal comenta que "a diversificação das atividades e a consolidação dos vários empreendimentos aqui mantidos pela Vale e pelas suas coligadas fazem do Pará o segundo principal Estado na composição do faturamento global do grupo. As projeções indicam, porém, que já no início do próximo século ele passará a ocupar a primeira posição, superando Minas Gerais, hoje em primeiro lugar. Vislumbrando-se um cenário de médio e longo prazos, o Pará se apresenta para o futuro como a principal fonte de suprimentos da Companhia Vale do Rio Doce. Como se não bastassem as reservas já conhecidas, além do Salobo e Serra Leste, novas e importantes descobertas de ouro e cobre enriqueceram o patrimônio da empresa em Carajás". Mais adiante, a reportagem critica o comportamento omisso de suas lideranças políticas: "segunda maior província mineral do planeta, e caminhando em marcha acelerada para galgar já no início do próximo século à primeira posição, o Pará, por culpa maior de suas elites dirigentes - é preciso reconhecer - não conseguiu se livrar até hoje da deprimente condição de simples depósito (grande e rico, mas um depósito) de bens minerais, que são extraídos e mandados para fora em estado bruto". De fato, o que está ocorrendo na Região Norte não traz nenhuma surpresa, considerando que a lógica empresarial - a racionalidade fria da bottom line - ignora completamente as implicações políticas e sociais, salvo quando a comunidade reage e faz pressão, em busca de alguma forma de distribuição de benefícios legítimos.
A transferência do escritório da Vale de Belém para São Luis continua provocando reações adversas entre políticos do Estado do Pará. No dia 14 de outubro, o deputado Aloísio Chaves entrou com o projeto de lei 89/97, no sentido de revogar a lei no 5758/93, que concedeu isenção de ICMS, por dez anos, às empresas que realizem operações relativas à extração, industrialização, circulação e comercialização de bauxita, alumina, alumínio e seus derivados no território paraense (O Liberal, 1997b). Tal projeto, se aprovado, irá atingir duramente a Vale, que não paga hoje um só centavo de ICMS, além de se beneficiar da lei Kandir, que a isenta do pagamento do imposto na exportação de minérios. "Não queremos os buracos e a poluição que a Vale também traz. Em Oriximiná, que eu conheço, deixaram sobre o lago Batata uma camada de lama vermelha extremamente poluidora ao meio ambiente", declarou o deputado. Hoje Aloísio Chaves define a Vale como uma "latifundiária mineralógica", detendo direitos de lavra outorgados pelo DNPM em mais da metade do território do Pará. "Ela está fazendo reserva de mercado mineral", adiantou. Outro deputado, Zeno Veloso, afirmou que sempre se manifestou contrário à idéia da isenção, e diz que na luta contra a Vale o Estado do Pará deve procurar alternativas "dentro da lógica capitalista". Para ele, "a Vale, hoje, só pensa no lucro, como toda empresa privada".
Enquanto a Assembléia do Estado do Pará reage e toma iniciativas contrárias aos interesses da Vale, a Associação Mineira de Defesa do Meio Ambiente-AMDA decidiu tornar-se acionista da empresa com direito a voto, no intuito de levar suas reivindicações para a assembléia de acionistas (Peixoto, 1997). A intenção da AMDA é de que a empresa venha a reparar danos ambientais provocados pela mineração e pelo transporte ferroviário. "Há quatro anos estamos dialogando e cobrando ações da Vale, mas é muito complicado. A Vale até hoje não tem um sistema de gestão ambiental no Estado", queixa-se Dalce Ricas, presidente da ONG mineira. Indagado sobre tal iniciativa da AMDA, o gerente-geral de imprensa da Vale retrucou que tal entidade "pode esbravejar, falar, fazer o que quiser... os majoritários são quem decide". Temos aí uma amostra grátis do estilo truculento do capitalismo que impera neste país que aspira sofregamente atingir a modernidade. A disposição para o diálogo e para o entendimento com a comunidade são virtudes pouco exercidas pela maioria dos empresários, preocupados com a realização do lucro nosso de cada dia.
Quando a Vale foi privatizada, o governo festejou o ágio de 19,99% pago pelo consórcio vencedor, embora os críticos mencionassem a sua decepção com um ágio tão insignificante, face ao gigantesco patrimônio da empresa, reconhecido no Brasil e no exterior. Em outubro do mesmo ano, duas companhias distribuidoras de energia elétrica foram privatizadas pelo governo gaúcho, o qual recebeu R$3,145 bilhões pela sua venda (Paz, 1997). Note-se que este valor foi pouco inferior a aquele recebido pelo governo federal na privatização da Vale, com a agravante de que as duas estatais gaúchas não são detentoras de direitos minerários sobre jazidas de ouro, de minério de ferro para mais de 400 anos, etc. etc. Mais uma vez, a argumentação usada pelas autoridades durante a privatização da Vale não resiste à crueza dos fatos do próprio programa de privatização oficial, revelado no dia-a-dia para a opinião pública.
Comentando a Crise Asiática, o ex-ministro Rubens Ricupero, atual secretário-geral da UNCTAD, estende as suas considerações para o controvertido desempenho das privatizações no Brasil, alertando que no caso da Light, "a privatização não produz os efeitos desejados, pois em vez de aumentar os investimentos, ela dá lugar a uma distribuição prematura de dividendos, em detrimento do usuário." A propósito da CVRD, ele se manifesta de modo bastante crítico: "Eu creio que ainda há uma grande interrogação sobre se a privatização da Vale do Rio Doce não vai conduzir a um grande desastre, um desmantelamento de uma companhia que tinha boas condições internacionais."
Em sua edição do dia 7 de abril de 1998, a Folha de S. Paulo informa que o governo federal espera arrecadar neste ano a soma de US$20,85 bilhões com a venda de empresas estatais e concessões para a iniciativa privada explorar serviços atualmente oferecidos pelo Estado. Diga-se de passagem que esse valor colocará o Brasil no topo do ranking dos países que efetuam privatizações em todo o mundo. No período 93-97, o país que mais vendeu estatais federais foi a Itália, obtendo uma renda média anual média em torno de US$9 bilhões. Quanto ao Brasil, um país do Terceiro Mundo, arrecadou US$4,3 bilhões no ano passado, ficando à frente das médias obtidas pela Alemanha e Espanha. Se considerarmos também as vendas de estatais dos governos estaduais, o Brasil ganharia facilmente o título de campeão mundial das privatizações no ano de 1997. Segundo o BNDES, os Estados brasileiros arrecadaram perto de US$14 bilhões com privatizações no ano passado. Neste ano, espera-se que o total das privatizações brasileiras atinja US$32,79 bilhões. Esse montante supera, com larga margem, em quatro vezes o PIB anual do Paraguai, nosso parceiro no Mercosul. No tocante às estatísticas das privatizações brasileiras, a origem do dinheiro foi a seguinte: 45% dos leilões foram vencidos por empresas nacionais e só 13% pelo capital estrangeiro. As pessoas físicas ficaram com 14%, os bancos com 15% e os fundos de pensão com 13%.
Entrementes, o que aconteceu com a Companhia Vale do Rio Doce? De acordo com a mesma edição da Folha de S. Paulo, depois da privatização, a CVRD reduziu em cerca de um terço seu quadro de pessoal e registrou em 1997 o maior lucro de sua história - R$756 milhões. Em relação a 96, o lucro cresceu 46,23%. No mês em que foi privatizada, a empresa tinha 15.142 empregados, enquanto que em março de 98 o número caíu para 10.466. Os gastos com o programa de desligamento incentivado somaram R$95 milhões em 97. A partir de julho de 97, dando partida no seu programa de reestruturação, a Vale cortou 30% das despesas, especialmente dos itens materiais, serviços contratados e gastos diversos. Graças ao fim do ICMS sobre as exportações, a Vale teve uma economia de R$38 milhões nos gastos com impostos. Os cortes de pessoal e de despesas já eram esperados por todos aqueles que acompanham a rotina das demissões e enxugamento das despesas ocorrendo no universo das empresas privadas. Todavia, o que mais preocupa o cidadão comum é que a administração da macroeconomia brasileira, pelo governo atual, não consegue gerar empregos na medida em que as demissões se sucedem em cascata. Em outras palavras, o sucesso das privatizações é aplaudido pelas autoridades governamentais e o insucesso de milhões de brasileiros desempregados ou subempregados é encarado com indiferença. Este gênero de capitalismo era praticado nos Estados Unidos nas primeiras décadas deste século, na época conhecida como a idade de ouro dos "robber barons". Não é justo que tamanha concentração de riqueza venha a ocorrer no final do século em que nós vivemos, com uma imensa legião de miseráveis dispersos nas áreas urbanas e rurais deste país. Além de antiético, é extremamente perigoso do ponto de vista das suas conseqüências sociais.
"Era uma vez um país que virou nação, e essa nação implantou um Estado, e esse Estado administrou grandes riquezas, pois a terra em tal maneira era graciosa que nela dava tudo. Mas essas riquezas, por mal administradas, iam parar nas mãos de uns poucos, nativos e estrangeiros. Assim o Estado, falhando aos seus propósitos, se viu incapaz de enfrentar doestos e vitupérios, tanto da parte dos despossuídos como dos possuidores, que mais e mais ambicionavam possuir.
Dispondo estes últimos das regalias da força, e os primeiros tão somente de um reclamo de justiça, não era difícil prever o fim de tal porfia. Ganhou quem de ganhar havia, conforme a lei segundo a qual a razão do mais forte é sempre a melhor.
Sobre o Estado assim diminuído implantou-se a supremacia do mercado, o qual, sem peias de qualquer sorte, passou a reger a riqueza nacional, do que resultou ficarem os ricos ainda mais ricos; os pobres, mais pobres; e a nação, mais endividada. Pelas trombetas mediáticas que propagavam o pensamento único vigente - e saco houvera para agüentar a zoeira das trombetas em altíssimos decibéis - espalhou-se entre as gentes a idéia de que tudo se resolveria com a alienação do patrimônio público, um processo que veio a receber o nome de privatização.
Tal idéia permitia que, tirando-se um pouco de todos para dar muito a alguns, se proporcionassem negócios harto proveitosos. E assim aconteceu que do estrangeiro se exacerbassem cobiças, com miras a pingues lucros. Formaram-se então grupos e parcerias, todos buscando locupletar-se, lautamente. E aqueles que não entravam no negócio, ou de qualquer modo lhe criavam tropeços, eram alvo de mofa e escárnio.
Ao Fundo Monetário Internacional, instância competente das nações ricas, manifestou o governo do país em questão as suas saudáveis intenções de bom pagador, fiel aos imperativos da era da globalização, onde cada país, na rede universal, é uma parcela de um todo único. E esse Fundo prometeu alguns bilhões de sestércios, desde que fosse assegurado aos credores, mediante o necessário controle das finanças do país, o pagamento do principal, acrescido de elevados juros.
Sobrevieram, porém, molestas conseqüências. Tornou-se transparente o que devia ser opaco, e público o que devia ser secreto. Tudo porque mãos criminosas, burlando a vigilância dos centuriões, instalaram num dos palácios reais uma nefanda maquininha chamada grampo, que permitia serem registradas em minúsculos papiros as conversas de respeitáveis autoridades.
E essas autoridades se entregavam a alegres confidências, usando gírias artesanais e palavras até então consideradas chulas, como o curioso apodo de babacas dado em tom chocarreiro aos néscios e pobres de espírito. Tal situação provocou dificuldades assaz infortunadas, justamente quando se preparavam os festejos de um segundo reinado. Daí sucedeu um abalo entre as lealdades nas quais se baseava o rei, bem como indesejáveis açodamentos na disputa por novos cargos em perspectiva.
O soberano, entretanto, não se deu por vencido e, em numerosas orações, pois tinha o dom da palavra fácil, proclamou que não temia o escândalo, tanto o verdadeiro como o forjado.
Em seu refúgio no deserto, um sábio eremita soube das novidades da Corte por um mensageiro alado chamado Televisão, e assim falou: "Em verdade vos digo, senhor rei, que debalde fareis prodígios de oratória se não ouvirdes as lições da sabedoria antiga. De que vale a vossa presunção, se um simples grampo pode deslustrar o régio manto? Acaso tomais ao pé da letra a parábola dos talentos, quando diz que "ao que tem, dar-se-á, e terá em abundância; mas ao que não tem, tirar-se-lhe-á até o que julga ter?"
Já que falais em escândalo, escutai o apóstolo: "Ai do mundo por causa dos escândalos! Eles são inevitáveis, mas ai daquele homem por quem vem o escândalo!"
A voz rouca do anacoreta soou por vales e montanhas, mas não sabe o douto cronista, ao qual nos reportamos, se foi ouvida no palácio real, onde paredes à prova de som - e de grampos - foram instaladas por artesãos de suma perícia. E todas as atenções se voltaram para o próximo lance da interessante história."
Seria cômico se não fosse trágico, comentaria outro autor quinhentista, William Shakespeare.
A questão, portanto, é mais de cultura que de suposta superioridade inerente de uma ou outra abordagem. Falou-se em 'cultura da privatização', mas melhor seria falar em cultura do setor privado ou do setor público. Cultura é sistema de valores, crenças e práticas. Na área privada, a cultura se organiza em torno da busca da auto-realização por meio do êxito material. Isto é, a eficiência tem como recompensa a fortuna. Em contraste, não se abraça, salvo as exceções aberrantes, o serviço público para ficar rico. A recompensa terá de vir por outros caminhos: o prestígio da promoção, a consciência de servir o bem comum, de promover os interesses da comunidade e não os particulares, por mais legítimos e respeitáveis."
Ele acrescenta uma lista de funcionários abnegados que muito contribuíram para o engrandecimento do nosso país: Machado de Assis, Carlos Drummond de Andrade, Simões Lopes, Guimarães Rosa, Rio Branco, Oswaldo Cruz, Mario Pinotti, Nelson de Morais, Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro, John Cotrim, Mario Bhering, Orlando e Claudio Villas Bôas, dentre outros. Duvida o Sr. Ricupero que "a quarentena resolva o problema de separar a esfera do público da do privado no caso da nomeação de pessoas inspiradas pelo valor do êxito material. O melhor seria dar condições de trabalho e remuneração satisfatórias a carreiras como a do Tesouro, da Receita ou criar algo semelhante aos inspetores de finanças franceses. Afinal, não havia essa relação incestuosa com o mercado no tempo em que os assessores dos ministros da Fazenda eram retirados dos quadros do Banco do Brasil ou dos fiscais do imposto do consumo."
O Globo, em sua edição de 22.03.99, noticiou que a Vale foi multada pela Secretaria Executiva do Estado do Pará em R$ 191 milhões por sonegação fiscal. Segundo esse jornal, foi a maior multa por sonegação já aplicada pelo estado. A multa foi aplicada pelo fato da empresa não vir recolhendo o ICMS na importação de equipamentos para a sua coligada Albrás e para projetos da própria companhia desenvolvidos na Serra dos Carajás, no sul do Pará. Consta que as suas relações com o Governo do Pará estão abaladas desde que houve desistência da Vale de prosseguir com o Projeto Salobo, que representaria um investimento de cerca de US$ 1,5 bilhão, engavetado após a privatização. Localizado na região de Carajás, o projeto Salobo possui reservas de 1,2 bilhão de toneladas de minério de cobre, contendo como subprodutos 240 toneladas de ouro e 700 toneladas de prata. O próprio governador tem queixas da Vale, ao afirmar que a empresa recolhe aos cofres do Estado apenas R$ 300 mil mensais, o equivalente ao recolhimento de um grande supermercado da cidade de Belém. O clima tem estado tão tenso, segundo o Globo, que o Governo do Estado tem ameaçado retirar a Polícia Militar de uma área de 400 mil hectares que a empresa mantém na área do Projeto Carajás e que é cobiçada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST).
Apesar do seu perfil
'low-tech',
segundo a ótica do governo federal, a Vale foi o maior
exportador
individual em 98, alcançando suas exportações o
valor
de US$ 1,756 bilhão (Folha de S. Paulo, 4.04.99, p. 2-1). Em
segundo
lugar, vem a Embraer com US$ 1,173 bi e, em escala decrescente, a
Ceval,
a Fiat, a Ford, a CST, a General Motors, a Petrobrás, a
Volkswagen
e a Souza Cruz. Enquanto a indústria de
transformação
não obtém um sucesso maior no mercado internacional,
é
a indústria extrativa mineral que se mantém, durante anos
sucessivos, no pódio com a medalha de ouro. Isto acontece
porque,
durante mais de 54 anos como estatal, a Vale teve uma
administração
eficiente e compatível com as oportunidades que a
mineração
brasileira oferecia. Sem empreguismo, sem politicagem, sem
vícios,
sem os males que justificaram os programas de
privatização
no mundo inteiro. A Vale representou a ovelha sacrificada no alto da
pirâmide
da privatização.
Segundo informações do Globo On, do dia 21.05.2000, "nas próximas semanas, o BNDES recebe a proposta de solução negociada entre os sócios para a venda de ações da Vale e da CSN. Na mesa de negociação está a possibilidade de a Previ e o Bradesco venderem suas ações da CSN para seu principal acionista, Steinbruch. A CSN, por sua vez, venderia suas ações da Vale para os dois sócios." Continua a reportagem: "Para tentar deslanchar o acerto entre os sócios, o BNDES está disposto a financiar a CSN. É que as ações que a siderúrgica teria que comprar da Previ e do Bradesco custam mais caro do que os papéis da Vale que venderia. A diferença, calculam técnicos do banco, ficaria em torno de R$ 600 milhões." Ação entre amigos?
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Gazeta Mercantil CND define a venda das sobras do leilão da Vale, 19.09.97
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Paz, Wálmaro Leilão de energéticas do RS obtém ágio de 90% O Estado de São Paulo, 22.10.97
Peixoto, Paulo Ambientalistas viram acionistas da Vale Folha de São Paulo, 22.10.97
Relatório Reservado Decálogo do besteirol feito sob medida para a Vale do Rio Doce, 11.05.2000 p.1-4
Ricupero, R. Questão de cultura Folha de São Paulo, 28.11.98
Seidl, Antonio Carlos "Vale e CSN terão lucro maior apesar da recessão" Folha de São Paulo, 14.03.99.
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Última atualização: 24.05.2000