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Dinah Silveira de Queiróz


     Ao longo de uma carreira literária de 44 anos, Dinah Silveira de Queiroz praticou com rara habilidade e maestria um grande número de gêneros literários, nos quais sua estrela brilhou e seu gênio criativo se afirmou e se implantou de forma definitiva na moderna literatura brasileira. DSQ fez ficção em prosa, romance psicológico, romance histórico, conto, biografia, literatura infantil e juvenil, ficção cientifica, jornalismo literário, teatro, pesquisa literária, crônica jornalística e radiofônica, etc. Foi o romance o campo por excelência da criatividade artística dessa escritora brasileira. Nesse gênero alcançou, e plenamente realizou, o ideal de artista da palavra, cultivando um soberbo estilo na língua portuguesa, que soube reconhecidamente manejar com riqueza, profundidade, variedade, correção e limpidez. No sentido completo da palavra, DSQ foi uma grande escritora da língua portuguesa, estilista de escol, mantendo em toda a sua vida o compromisso de escrever bem. A língua portuguesa, sem dúvida, fica a dever a Dinah Silveira de Queiroz pelo empenho que pôs no seu cultivo cuidadoso, aprimorado e lapidado, sem concessões.

     Nascida de uma família de escritores — o pai Alarico Silveira, foi autor da monumental Enciclopédia Brasileira; o tio, Valdomiro Silveira, foi o fundador da moderna literatura regional brasileira, precursor sob vários sentidos de Guimarães Rosa, e admirável pesquisador da linguagem cabocla brasileira; outro tio foi o conhecido poeta Agenor Silveira; a irmã, Helena Silveira, foi renomada contista e romancista em São Paulo; o primo, Miroel Silveira, se realçou como dramatista; a prima, Isa Silveira, é romancista; outro primo, é o editor Enio Silveira; o primeiro marido, Narcélio de Queiroz, foi um juiz, autor de obras jurídicas e um grande bibliófilo, como o é sua filha Zelinda de Queiroz Lee. DSQ estreou nas letras em 1939, com o romance — até hoje um best-seller — Floradas na Serra. Um ano antes, fizera um conto, Pecado, que impressionou e surpreendeu o pai, que o classificou de dickensiano, conto que mereceu ser traduzido para o inglês e, consequentemente, premiado num concurso de literatura latinoamericano promovido pela Revista Mademoiselle, de Nova York, que o publicou em seu número de agosto de 1943, sob o título Sir. Pela mesma época, Dinah Silveira de Queiroz escreveu também uma noveleta, A Sereia Verde, publicada pela primeira vez na Revista do Brasil, então dirigida por Otávio Tarquínio de Souza. Essa obra captou a atenção de Gilberto Freyre que a ela se referiu, em carta a Otávio Tarquínio de Souza, como uma nova escritora “que escreve muito bem”.

     Floradas na Serra surgiu em setembro de 1939, em pleno início da II Guerra Mundial. O livro constituiu um êxito absoluto de vendagem e de crítica e com ele DSQ ficou imediatamente lançada e conhecida como escritora. Esgotado em menos de um mês, novas tiragens foram feitas dessa obra em que Dinah verteu muito de sua obsessão pelo tema da tuberculose, doença de que morrera sua mãe e em circunstâncias que lhe marcaram a vida, ainda uma criança, e nela infundindo o sentimento de um dia resgatar a lembrança daquele momento e produzir uma obra que literariamente o transmitisse ao grande público. Floradas na Serra, Prêmio Alcântara Machado, da Academia Paulista de Letras, hoje perto da 30a ediçao pela Editora José Olympio, através da qual DSQ editou a maior parte de sua grande obra literária, é o romance que aborda, estuda e põe em contraste o mundo dos sãos e o mundo dos enfermos, a esperança e o desencanto, a vida e a morte. Quando, muitos anos depois, Dinah assistiu ao filme Love Story, associou-o em uma de suas crônicas diárias à linha de concepção e de pensamento de Floradas na Serra. Em seu romance, a doença era a tuberculose. Na película, o câncer. Mas o drama entre os sadios e os doentes, entre os livres e os condenados, era, em toda a sua essência, o mesmo. Floradas na Serra foi objeto de um filme dirigido por Luciano Salci, com uma artista brasileira de grande renome, Cacilda Becker, no papel principal. Foi tema de rádio-novela, de história em quadrinhos e de seriado em televisão, com 22 capítulos, pela TV-Cultura de São Paulo, em 1982, presentemente sendo apresentado em numerosas estações de televisão do Brasil. Em 1942, a obra foi publicada na Argentina pelo Clube del Libro A.L.A., de Buenos Aires, sob o título Cuando la Sierra Florece. Com a finalidade de obter experiência e traduzir o ambiente em sua plenitude, inclusive do ponto de vista médico, Dinah viveu algum tempo na cidade de Campos de Jordão, no Estado de São Paulo, conhecida pelo clima excelente e propício a cura da tuberculose, numa época anterior à descoberta dos antibióticos que alteraram radicalmente a terapeutica da doenca.

     Em 1950, Dinah Silveira de Queiroz publicou Margarida La Rocque que, no dizer de Renard Pérez, representa um abismo de distância num confronto com seu romance de estréia: “É uma obra estranha, em que a escritora toma caminhos completamente inesperados. Nada, aqui, do romantismo juvenil de Floradas na Serra; é como uma libertação. A história recua no tempo — o romance se passa na época dos Descobrimentos — e no espaço — Dinah vai bucar sua heroina na França, para jogá-la numa ilha perdida, com sua ama e seu amado. O romance é o conflito desse trio, a mover-se num clima de pesadelo. História de angústia e de aviltamento a que pode chegar o ser humano, movido pelo ciúme e pela solidão. Quanto a técnica e ao estilo, a autora realizou-se também amplamente, fazendo de seu livro uma bela realização literária”. Margarida La Rocque, o livro da predileção invariável de DSQ ao longo de sua vida, é escrito em lindo, soberbo português, em tom levemente arcaizante. A beleza da língua portuguesa esplende em sua riqueza e perfeicão estilística e gramatical. Diz o crítico Ivan Junqueira, que Dinah Silveira de Queiroz será sempre lembrada e celebrada graças a esse extraordinário Margarida La Rocque: “Mas o que de fato cria a intriga, o clima espectral do romance, o que lhe confere a condição de obra prima, é a linguagem através da qual se torce, retorce e contorce a pungente e insólita história que a personagem central relata a um interlocutor mudo, talvez o avesso de sua própria consciência, pois a confissão de Margarida La Rocque nada mais é do que um monólogo dialogal”. Diz, ainda, o crítico do jornal O Globo que DSQ recorreu a dois elementos estilísticos basilares: intensa pulsação poética e arcaização da linguagem, de que se serviu “com inexcedível mestria, (...), criando assim o claro-escuro, a movediça franja de luz e treva indispensável a operação de fazer com que se fundissem, em um único e inconsútil mosaico ficcional, o real e o irreal, o corriqueiro e o fantástico, o pagão e o cristão”. DSQ sempre explicou, em entrevistas diversas, que esse romance deveria entender-se como o reflexo de um grande sofrimento por que ela atravessara a época em que o concebeu e escreveu. É apontado por muitos como precursor do realismo fantástico. Disse o Aguinaldo Silva, que o colocou na lista dos dez maiores livros da literatura brasileira, ao lado do O Ateneu, de Raul Pompéia, Grande Sertão e Veredas, de Guimarães Rosa, e outros. Margarida La Rocque foi traduzido e editado em espanhol, italiano, francês, japonês e coreano. Colette disse desse romance: “Le meilleur démon de notre enfer!”.

     Em 1954, Dinah Silveira de Queiroz, deixando combinar-se seu ideal artístico de escritora e estilista com seu amor a terra natal, São Paulo, lançou A Muralha, romance histórico de grande envergadura, tendo por painel o período em que começou a formar-se, no fim do século XVII e princípios do seculo XVIII, um espírito, uma consciência nacional brasileira em plena fase de nossa história colonial. A primeira edição da Editora José Olympio, em 1954, foi precedida da publicação do romance em folhetins na revista semanal O Cruzeiro, do Rio de Janeiro. Em 1969, A Muralha se tornaria uma novela de televisão, com mais de cem capítulos, com a participação de grandes artístas de cinema e da televisão do Brasil. Montou-a com êxito a TV-Excelsior do Rio de Janeiro. A Editora Brasil-América lancou A Muralha em quadrinhos. A obra foi traduzida e editada no Japão, Coréia do Sul, Estados Unidos da América, Paquistão, Bangladesh e Birmânia. Diz Adonias Filho que “A Muralha é um romance típico que completa a permanente sondagem literária do mundo brasileiro”. Assinala ainda o grande crítico e novelista brasileiro: “Dinah Silveira de Queiroz, ficcionista experiente, não podia ignorar que no romance histórico, como no documentário, a contribuição imaginária apenas suplementa. O instrumento primordial se integra na percepção psicologica do romancista, na capacidade de examinar para reconstituir, na facilidade em reanimar o episódio histórico sem esvaziá-lo do conteúdo humano e social. Completa-se a perspectiva impulsionada por Walter Scott em um plano de exterioridade — naquela perspectiva mais densa que Tolstoi converteu em análise de caracteres interiorizando os conflitos, a personagem histórica ressurgindo finalmente como a criatura viva na grandeza das paixões, dos nervos, do sangue e da carne”. No romance, segundo Adonias Filho, Dinah “levanta o véu lentamente, reconstituindo a paisagem e os costumes do tempo, a familia paulista da época exposta em sua força de tronco, as lutas dos homens na selva, a guerra pelo ouro que a terra virgem não ocultava. No centro, senhor da vida e morte, o patriarca que tem em sua vontade a própria lei. As enérgicas mulheres que vão gerar um povo. Índios e escravos na base, padres e judeus, os aventureiros que transformam ossos em alicerces de uma nação. No bojo dessa órbita de violência, desespero e heroismo e traição, corre paralelamente o drama meramente romanesco, humano e poderoso, a romancista separando no fluxo da narrativa a sua da história da terra. São dois movimentos episódicos inter-relacionados, é verdade, que permanecem autônomos, cada qual transitando em sua própria”. Conclui por afirmar que o objetivo de DSQ, de aproveitar material histórico brasileiro e transformá-lo em manifestação artística, “foi admiravelmente conseguido”.

     Dinah Silveira de Queiroz escreveu As Aventuras do Homem Vegetal, literatura infantil, Edições Condé, 1951; O Oitavo Dia, teatro sobre tema bíblico, em que imaginou como se teria dado a alvorada das paixões após a criação humana, em delicadíssima teia. Poderia classificar-se como literatura do tipo da que fez Archibald McLeish em Job. As Noites do Morro do Encanto, uma coletânea de 13 contos, foi publicada pela Editora Civilização Brasileira em 1957 e mereceu o Prêmio Afonso Arinos, da Academia Brasileira de Letras. Em 1960, pela Gráfica Editora Record, editou Era Uma Vez Uma Princesa, literatura juvenil, uma biografia da Princesa Isabel, filha do Imperador Pedro II, que assinou a Lei Aurea, em 13 de maio de 1888, em emancipação dos escravos no Brasil. Ainda no mesmo ano, pela Editora GRD, publicou Eles Herdarão a Terra, contos de ficção científica, gênero em que, no Brasil, Dinah é reconhecida como um de seus conspícuos precursores. Em 1963, em Moscou, onde acompanhava seu segundo marido Dário Moreira de Castro Alves, com quem se casara em 1962, dois anos após sua viuvez, DSQ escreveu Os Invasores, um texto histórico em que foi oferecida uma solucão romanesca a misteriosa, nunca esclarecida, morte do corsário frances Duclerc, ao tempo de Luis XIV. O Rio de Janeiro do princípio do século XVIII, com suas doze mil almas, foi reconstituído em comovedora miniatura, com episódios, como o Monólogo de D. Inês, de valor antológico. Inicialmente escrito como peça de teatro, com forte tom nacionalista, em que o papel dos estudantes da época na luta contra o invasor frances foi ressaltado, DSQ a transformou em romance e o editou em 1965, pela Gráfica Record Editora. Em novo período no exterior, em Roma, acompanhando o marido em função diplomática, DSQ escreveu um romance da vida moderna no Rio de Janeiro, o Verão dos Infiéis, publicado pela Editora José Olympio em 1968. Dele disse Paulo Rônai: “Ao longo de todo o livro a autora soube tirar partido de inúmeras motivações cariocas: a falta de água, a vida noturna, as manifestações de protesto, as reuniões interconfessionais, assim como entremear aos fios da intriga o mistério da morte de Getúlio Vargas. As rápidas modificações de enfoque, as interferências do sonho e da embriaguez na realidade material, as alternâncias de sombra e luz dotam a história de um ritmo febril e envolvente, conferindo ao romance uma beleza áspera e exótica”. O romance põe em foco um Rio de Janeiro açoitado em três dias por um violento aguaceiro de verão, em que as mazelas da cidade se ressaltam: inundações, desabamentos de casas, cenas pungentes em meio à catástrofe mas, de permeio, uma história dramática de uma familia em busca do pai. Dinah disse que teve um rasgo de inspiração para fazer essa história num longo passeio de automóvel no bairro de Queens, em Nova York, após escutar o discurso do Papa Paulo VI na Assembléia Geral da ONU. Teve a idéia de um mundo inquieto em busca de um pai que lhe trouxesse a serenidade e o conforto da orientação segura. O crítico Fábio Lucas, disse desse livro de DSQ: “Obra moderna, nova, densa, em que o destino das personagens é jogado ao sabor de certas fixações do mundo contemporâneo: sexo, politica, gratuidade e solidão. O livro passou a ter indiscutível lugar de realce na obra da autora”. Verão dos Infiéis foi imediato bestseller no ano de seu lançamento, tendo tido ampla aceitação da critica.

     No longo período em que viveu em Brasilia, a nova capital do Brasil, de 1970 a principios de 1979, Dinah Silveira de Queiroz escreveu uma obra que a apaixonou intensamente: uma “autobiografia” de Cristo, em dois volumes. O Memorial de Cristo constitui uma narrativa da vida de Cristo, na primeira pessoa, desde o momento de sua concepção divina no ventre de Maria:
— “Do infinito painel da eternidade, do ontem, do hoje e do amanhã, eis que amanheço como uma planta na intimidade de minha mãe. Como se formam as constelações, como a vida principia brumosa nos astros ou nas profundezas dos mares, ou apenas pressentimentos na semente de uma for que vai germinar”
— até a Paixão, morte e aparição a Maria de Madalena sob a forma de um suave e cândido hortelão, a vida do sublime Mestre é contada por “Ele” próprio, em linguagem pura, plena de docura mas sem pieguice, alta, nobre, de caráter verdadeiramente apologético. Por nem um só instante o livro descai do estilo alto, e que se afigura justo e adequado, em que a escritura é concebida de forma engenhosa, sutil, fina como um estilete. O Papa Paulo VI mandou seu Secretário de Estado elogiar o Memorial de Cristo em carta a autora em que assinala “a pena bem aparada” de que se serviu para homenagear a memória do Cristo.

     Em Lisboa, onde a escritora residiu de 1979 ate 1982, ano de seu falecimento, ocorrido em São Paulo, Dinah Silveira de Queiroz escreveu um romance de atualidade, passado em Portugal, Suiça, Itália e São Paulo. Nele, conta a história de uma mulher bela e má, movida pelo propósito de crescer, subir, brilhar e afastar de si o próprio filho, estranho alvo de sua desafeição, ao ponto de negar sua condição de mãe. Numa narrativa entremeada de acontecimentos do tempo — Dinah redigiu o romance com os jornais e revistas da época à mão para inserir no entrecho os acontecimentos internacionais à medida que se davam, — sequestros, terremotos, eleições, escândalos — desenrola-se o fio de uma história terrível. Por vaidade e por ambição de impor-se, vencendo antigos complexos, pelo ideal do luxo, da beleza e da elegância, Guida chega ao ponto de conduzir seu filho a uma cena de incesto para provar-lhe que não era sua mãe. No fundo, porém, perpassa ao longo do livro Guida, Caríssima Guida (este é o título da edição brasileira; em Portugal, foi publicado pela Editora Livros do Brasil sob o titulo O Desfrute), leve sombra de ambiguidade sobre a filiação de Marcos, problema que a autora, em sua ardilosa trama, preferiu não esclarecer de todo.

     A extensa obra de Dinah Silveira de Queiroz está a merecer um livro em que todos os aspectos de sua criatividade venham analisados e sejam compendiados pelo menos uma parte dos numerosos artigos, textos, entrevistas, ensaios e comentários que sobre ela foram escritos. Dalmo Jeunon, seu ex-secretário, prepara presentemente a publicação de um ensaio biográfico e crítico sobre a obra da escritora. Bela Josef escreveu um apanhado crítico para acompanhar uma antologia que a Editora José Olymplo editou sobre DSQ em 1974. Importantes análises sobre sua obra podem ser encontradas em discursos que proferiram em ocasiões acadêmicas R. Magalhães Júnior, ao saudar DSQ quando de sua posse como membro efetivo da Academia Brasileira de Letras, em 7 de abril de 1981; Sérgio Corrêa da Costa, ao ser recebido na mesma Academia, na vaga de DSQ, em 15 de junho de 1984; Nelson Carneiro, ao ser recebido na Academia Brasiliense de Letras, em Brasilia, em 12 de junho de 1984; Almeida Fischer, ao receber DSQ na Academia Brasiliense de Letras, em 5 de julho de 1971. em Brasilia. Também importante é o texto preparado por Almeida Fischer para O Estado de São Paulo, de 6 de fevereiro de 1983. intitulado O Humano e a Literário em Dinah Silveira de Queiroz, como homenagem póstuma a autora, traduzido e reproduzido na revista Écriture Française dans le Monde, Quebec, volume 6, 1984; O discurso de posse de Edilberto Coutinho, na vaga de DSQ no Pen Clube do Brasil, em 24 de outubro de 1983; o necrológio publicado na Folha de São Paulo, em 29 de novembro de l982; a publicação Dinah Silveira de Queiroz Cadeira 7, com fotografias, textos e amplas referências bibliográficas, de autoria da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, 1981, textos de Antonio Soares Amora e Henrique L. Alves; o discurso de posse de DSQ na Academia Brasiliense de Letras, em 5 de julho de 1971, todo dedicado a uma intensa pesquisa sobre a presença das mulheres em toda a obra de Machado de Assis; o discurso de DSQ na Academia Brasileira de Letras, ao ser recebida na cadeira No 7, cujo patrono e o poeta Castro Alves, em 7 de abril de 1981; o livro com citações antológicas de DSQ, e apresentação crítico-biográfica, preparado com esmero por Nataniel Dantas, um de seus ex-secretários.

     Malcolm Silverman fez excelente e profundo ensaio sobre a obra de Dinah Silveira de Queiroz, que consta de livro sobre escritores brasileiros. Danilo Gomes publicou entrevista de Dinah em coletânea de entrevistas intitulada Escritores Brasileiros ao Vivo. Josué Montello, Alceu Amoroso Lima, Rachel de Queiroz, Antonio Olinto, Tito Lívio Ferreira, Oliveiros Litrento, Joaquim Inojosa, Marques Gastão, Hellé Vellozo Fernandes, Álvaro Salema, Gilberto Freyre, Teophilo de Andrade, Marcos Almir Madeira, Mellilo Moreira de Mello, Yvonne Grubenmann-de-Athayde, Maria Helena Dias, Luís Canales, Fred Garcia, Jorge Amado, Claude Hulet, Almir Brunetti, William Grossman, Maria Isabel de Abreu, Maria Teresa Leal, Teresa Bernardino, H. Pereira da Silva, Nilo Scalzo, Pedro Calmon, Antonio Carlos Vilaça, Lygia Fagundes Telles, Luiz Forjaz Trigueiros, Austregésilo de Athayde, para citar apenas uns poucos, conheceram e escreveram sobre a obra de Dinah Silveira de Queiroz. Seu livro de contos Comba Malina, em que são publicados contos de ficção científica, mereceu louvor da Universidade da Alta Bretanha, de Rennes, na Franca, pelo “misto de calor humano de Bradbury e do humor de Schecley” que perpassam em seus escritos.

     Dinah Silveira de Queiroz liderou uma campanha para ver mudado o estatuto da Academia Brasileira de Letras, que não permitia até 1977 a admissão de mulheres em seus quadros efetivos. De 1970 a 1977 dirigiu esforços nessa direção e finalmente a Academia alterou seus estatutos. Fez questão de não ser a primeira mulher a candidatar-se. Em 1980, quando Rachel de Queiroz já pertencia a Academia, Dinah candidatou-se e foi eleita. Fez parte também das seguintes instituições acadêmicas: Academia de Ciências de Lisboa, Academia Brasiliense de Letras, Academia Carioca de Letras, Academia de Letras do Estado do Espírito Santo, Academia Paulista de Letras e Pen Clube do Brasil. Recebeu numerosas condecorações do Brasil e do exterior. Foi incluída em numerosas antologias de contos no Brasil, Portugal, EUA, Peru, Itália, Venezuela, Japão, Israel, Noruega, etc.

     Foi deixada para o fim esta referência de suma importância para o conhecimento e estudo da obra de Dinah Silveira de Queiroz: em cerca de 40 anos de atividade diária como cronista e colunista de jornais e radio, produziu mais de onze mil textos de aproximadamente uma lauda, todos publicados em jornais e guardados em recortes nos arquivos de Dário Moreira de Castro Alves, muitos deles finas jóias de literatura do gênero. Infatigável trabalhadora, nunca interrompia essa atividade que amava muito especialmente, pelo que significava de diálogo e contato constante com o grande público. Três livros foram publicados com coletâneas de crônicas.

     Dinah sempre dizia que só pararia de escrever quando morresse. E, já muito grave seu estado de saúde, continuava, mesmo assim, a ditar, em São Paulo, suas crônicas diárias. E ditou-as até três dias antes de passar para a Eternidade.


Escrito por Dário Moreira de Castro Alves, transcrito do livro Dinah, Caríssima Dinah


A ESQUECIDA DINAH

Márcio José Lauria

     Quem acumulou razoável quantidade de livros, de recortes, de fotos, sabe como é inevitável: você se propõe procurar uma coisa e acaba se entretendo com outras, perdendo tempo, desviando-se facilmente do objetivo inicial.

     E assim foi que me caiu às mãos, uma tarde destas, Floradas na Serra, belo romance de Dinah Silveira de Queirós, volume integrante de uma coleção de Literatura Brasileira Contemporânea, coedição da José Olympio/Civilização Brasileira/Editora Três, 1974.

     Lembro-me bem do enredo do livro, que trata dos conflitos vividos por tuberculosos internos nos sanatórios de Campos do Jordão. Não me lembrava da dedicatória da autora nem das circunstâncias em que a mereci. Mas, forçando a memória e valendo-me de alguns apontamentos encontrados depois de exaustiva procura, localizei-me em abril de 1981, quando a pedido da Gazeta do Rio Pardo, onde eu colaborava com assiduidade, lá fui eu entrevistar a escritora então no auge da popularidade por causa de sua eleição para a Academia Brasileira de Letras.

     Dinah passava uns dias na Fazenda Santa Cecília, desdobramento atual da imensa Santa Lúcia, onde ela vivera férias escolares, junto com a irmã também escritora, Helena Silveira.

     Na sala de estar de um casarão novo, de muito bom gosto, construído quase todo com material reaproveitado de outras demolições de fazendas, lá estava posta em sossego, muito bem cuidada e afável, Dinah Silveira de Queiroz. Num discreto mas interessado segundo plano, o marido, Dário de Castro Alves, então embaixador do Brasil em Portugal.

     Ficara estabelecido com o jornal que minha tarefa seria a de pôr um grãozinho de sal na conversa, de forma a evitar que a entrevista caísse logo nas tentadoras tramas da crônica rigorosamente mundana. Para me sair menos mal, no pouco tempo que tive antes de partirmos para a fazenda, organizei uma espécie de roteiro que, por acaso, encontro agora entre as páginas de meu exemplar de Floradas na Serra, levado para receber o autógrafo da autora. A mensagem dela é simples e simpática, descontado o exagero de me elevar à condição de colega.

     O início de nosso diálogo, que demorou muito mais do que podiam supor ou desejar os dois colunistas sociais ali presentes, foram as necessárias e inevitáveis lembranças da permanente ligação da escritora com São José do Rio Pardo. Veio à tona o episódio que envolve seu tio, Waldomiro Silveira, o excelente contista de Os Caboclos, e Euclides da Cunha, no período da reconstrução da ponte metálica do rio Pardo: Waldomiro emprestara a Euclides O Monge de Cister, de Alexandre Herculano. No encontro posterior entre os dois, Euclides teria recebido Waldomiro com estas palavras proferidas de longe: “Waldomiro, o Herculano é pesado!” Chegando mais perto do amigo, completaria e retificaria o duro conceito: “Mas tem o peso do ouro maciço...”

     Depois desfilaram com nitidez e saudade as reminiscências da infância de Dinah, emergindo então a respeitável figura da tia-avó Zelinda Ribeiro. Por último, a coincidência mais recente – ela ocupar na Academia a cadeira n.º 7, de que Euclides fora também titular.

     Conseguimos vencer todas as etapas de meu roteiro, que envolvia assuntos como:

*Carlos Pedroso da Silveira, o longínquo bandeirante antepassado familiar: da realidade à ficção de A Muralha.

     Com maior ou menor ênfase, Dinah discorreu sobre cada um deles. Num só instante ela perdeu a postura, algo hierática: o fotógrafo lhe sacou umas fotos sem prévio aviso, quem sabe apanhando ângulos menos favoráveis daquele rosto bem tratado, onde o tempo perdia uns bons anos para a aparência. “Jamais faça uma coisas dessas”, ensinou ao assustado rapaz.

     Meses depois, a propósito dos oitenta anos da publicação de Os Sertões, responsabilizei-me por uma vasta pesquisa intitulada “Os Sertões, hoje”. Enviei o questionário específico a Dinah, em Lisboa. A resposta não tardou e veio com o endereço da Embaixada do Brasil, Avenida das Descobertas, n.º 1.

      “Os Sertões” é uma obra de valor absolutamente permanente, pela profundidade dos conhecimentos de natureza humana como geográfica, pela densidade da obra em si, pela beleza de seu estilo e pelo valor de um belo depoimento sobre um fato histórico de grande importância. Por isso, hoje ou amanhã, e estou certa de que para sempre, “Os Sertões” permanece uma obra de valor absoluto na literatura brasileira e, na verdade, com projeção mundial (...)

     Que eu saiba, a reportagem nunca foi publicada no jornal que a encomendou. Talvez tivessem achado muito difícil a montagem do texto a partir de uma gravação. Também não tive a boa idéia de ao menos guardar para mim a fita original, quem sabe logo superposta com a entrevista de uma notabilidade política ou futebolística local.

     Anos depois, acompanhei com interesse a minissérie baseada em A Muralha, assunto que pode voltar à baila, porque a tal muralha nada mais é do que a serra do Mar, que teve de ser vencida a duras penas para se chegar à conquista do território onde se localiza a cidade de São Paulo. 2004 terá grandes festas comemorativas dos quatrocentos e cinqüenta anos da fundação de nossa metrópole. A Muralha será certamente reposta em circulação.

     De qualquer modo, e para sempre, ficou gravada em mim a figura daquela mulher culta, polida, vivida, com invejável capacidade de criar tipos e armar situações, porque entendia bem as pessoas e suas circunstâncias.


Por Márcio José Lauria - professor de Português (aposentado); ex-diretor da Faculdade de Filosofia e da Casa de Cultura Euclides da Cunha, de São José do Rio Pardo; professor de Latim, Teoria da Literatura e Literatura Portuguesa na UNIP - Universidade Paulista, câmpus de São José do Rio Pardo. Obras publicadas: Tempo & Memória; Ensaios Euclidianos; Nós, os Nossos, Alguns Intrusos; Tratador de Palavras.

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BIBLIOTECA DINAH SILVEIRA DE QUEIRÓZ

Inaugurada em julho de 1981 com uma área total de 242 m2, tem um acervo em livros de 14300 exemplares, aproximadamente, e capacidade de atendimento para 44 leitores (sentados). Dispõe também de jornais, revistas, mapas, atlas videoteca e arquivo de recortes. Reúne documentação sobre o bairro. A pesquisa é feita no local e há empréstimo domiciliar de livros e revistas. Possuí serviço de caixa estante. Desenvolve atividades com grupos de Terceira Idade.

Endereço: Av. Ataliba Leonel, 3400 Tucuruvi - Cep 02242-001 - São Paulo, SP
Tel.: 6981-6263
Subprefeitura: Santana/Tucuruvi
Horário: 2ª a 6ª feira das 9h às 17h e sábado das 9h às 13h
Responsável: Neide Melo Souza Venturini


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