IMPÉRIO E DINASTIA DE SARGÃO, O ACÁDIO
1. INTRODUÇÃO
O período das grandes civilizações no início da história na Mesopotâmia abrange o período de cerca de 3200-2700 Antes da Nossa Era e pode ser subdividido em três estágios,c onforme no desenvolvimento da arquitetura, cerâmica, selos e escrita: Uruk Posterior (ca. 3200-3000 ANE), Jemdet Nasr (ca. 3000-2900 ANE) e Dinástico Anterior I , II and III(ca. 2900-2350 ANE).
A Lista de Reis Sumérios, escritas no II Milênio Antes da Nossa Era, fornece o nome de reis com o período de duração de seus reinados, dinastia por dinastia, concluindo com os nomes conhecidos dos reis de Terceira Dinastia de Ur e seus sucessores de Isin. Esta moldura cronológica fornece uma visão bastante difusa da história da Suméria e Ágade depois dos tempos pré-históricos. A monarquia era considerada como uma instituição dada os seres humanos pelos deuses. Eridu era a povoação mais antiga, tendo sido habitada continuamente pelos sumérios, além de ser o centro mais antigo da civilização suméria. A Lista de Reis Sumérios tratava de dinastias contemporâneas como sucessivas. Em termos históricos, nenhum rei estendeu seu domínio e controle além das cidades-estado, até a chegada ao poder de Sargão, O Acádio.
Na Lista de Reis Sumérios, antes do dilúvio se refere a tempos proto-históricos, e depois do dilúvio, a tempos históricos. A parte anti-diluviana da Lista de Reis Sumérios em geral é tida como o Período Dinástico Anterior I, bem como a única fonte de informações para o período. Depois que o dilúvio havia ocorrido por toda terra e que a monarquia tinha descido à terra dos céus Kish tornou-se o centro da monarquia, passando depois de Kish para Uruk. Alguns reis de Kish e Uruk listados na Lista de Reis Sumérios também são mencionados em mitos e lendas em sumério e acádio, tais quais Enmerkar, Lugalbanda, Dumuzi, Gilgamesh e Etana. A dinastia seguinte a Uruk é a de Ur, também identificada em inscrições existentes.
A Suméria do período Dinástico Anterior era uma confederaçao de cidades-estado cujas relações variavam de vassalagem a igualdade, mas nunca de unidade. Não havia um centro ou capital natural, nem mesmo Nippur, o centro religioso e geográfico da Suméria e Ágade. Cada cidade-estado consistia de um centro urbano e sua população, bem como a população periférica das áreas das vizinhanças.
Cada cidade-estado era uma unidade independente com seu próprio governo. A Suméria e Ágade consistiam de cerca de uma dúzia de cidades-estado próximas umas das outras ao longo dos rios Tigre e Eufrates. As inscrições do período Dinástico Anterior estão cheias de referências de batalhas entre as cidades-estado. As grandes muralhas construídas pela maioria das cidades sumérias sugerem que estas estavam sempre em combate. Estas inscrições provam que a Lista de Reis Sumérios está incompleta. Os governantes de algumas cidades, como Lagash, foram excluídos. Mesmo Mesilim (ca. 2550 ANE), rei de Kish, não aparece na lista de reis. Mesilim ficou famoso por delinear a fronteira entre Umma e Lagash, ponto de contenda entre estas duas cidades. A decisão dele, aceita por ambas as partes, pareceu favorecer Lagash, e as terras passaram às mãos de Umma até Eanatum de Lagash l Eanatum of Lagash (ca. 2450 ANE) conquistá-las novamente e traçar outro acordo com o governador (ensi) de Umma.
Eannatum conquistou o Elam e as cidades ao sul da Suméria. Tendo feito estas conquistas, Eanatum sentiu-se poderoso para assumir o título de rei de Kish, o que implicava em ser o rei de toda Suméria. Eanatum havia derrotado Umma, Uruk, Akshak, Mari, Susa, Elam, alguns distritos de Zagros (Irã) e do norte da Mesopotâmia. Umma, economica e militarmente superior a Lagash era em geral a cidade-estado agressora. Eventually, o governador de Umma assinou um tratado de não-agressão com Entemena (2404-2375 BEC), sendo estabelecida uma espécie de união de toda Suméria. .
Em Lagash, Entemena foi sucedido por uma série de governantes que não duraram muito tempo no poder até Uru-inimgina (2351-2341) ter sido escolhido dentro de cerca de 3600 pessoas por Ningirsu, o que no linguajar antigo queria dizer que ele era um usurpador. Uru-inimgina foi louvado por suas reformas éticas e sociais mais do que por seus feitos militares, Durante o reinado de Uru-inimgina, Lugalzagesi (ca. 2340 ANE) um governador ambicioso de Umma, incendiou, saqueou e destruiu praticamente todos os locais sagrados de Lagash. Uru-inimgina ofereceu pouca resistência. Lugalzagesi proclamou que ele havia unificado a Suméria e controlado as rotas de comércio do Mediterrâneo até o Golfo Pérsico. Lugalzagesi foi logo derrotado por Sargão (2334-2279 ANE), semita e fundador da poderosa dinastia acádica.
A cerca de 2900 Antes da Nossa Era, grande número de pessoas com nomes semitas se estabeleceram em Kish e Ágade. Gradualmente, este grupo, identificado como Amoritas, adotou o estido de vida urbano dos sumérios e gradualmente atingiram altos postos no governo, chegando ao poder máximo. O grande rei Hamurabi, por exemplo, era de descendência amorita.
2. SARGÃO, O GRANDE E SEU IMPÉRIO
Sargão, o Grande (2334-2279 Antes da Nossa Era) como é chamado por modernos historiadores, foi um brilhante líder militar, bem como um administrador energético e inovador. Sargão foi o primeiro rei a unir a Mesopotâmia sob o comando de uma só pessoa, sendo que o império acádico por ele montado passou a ser o padrão para outros governantes. Sargão começou sua carreira como um alto oficial da corte do rei sumério de Kish chamado Ur-Zababa. Lugalzagesi destronou ou assassinou o rei Ur-Zababa antes de começar sua série de conquistas. Sargão lançou um ataque surpresa contra a capital de Lugalzagesi, Uruk, e destruiu suas muralhas, assumindo o poder de Kish e estendendo-o após por toda Mesopotãmia do sul e central.
A Lenda de Sargão: Em épicos escritos muitos séculos depois (700 ANTES DA NOSSA ERA) temos o relato de seu nascimento humilde, sendo que seu pai era desconhecido e sua mãe uma sacerdotisa. Como recém-nascido, ele foi colocado numa cesta de vime e enviado rio abaixo (tal qual Moisés muito depois), tendo sido criado sob a proteção da deusa Ishtar. Mais tarde, ele se tornou num alto oficial da corte de Kish. Após um fracasso militar do governante da época e problemas na sucessão deste monarca, Sargão tomou o poder. Não se sabe muito sobre quais foram as circunstâncias exatas sobre como isto se deu.
Aumentando os limites do Imperio: No começo de seu reinado, a grande parte da região Sul da Mesopotâmia (Suméria) estava sob o controle de Lugalzaggesi. Uma vitória sobre ele significaria uma significativa expansão do território de Sargão. Após tê-lo vencido, Sargão dirigiu sua atenção para o Norte da Mesopotâmia. Em inscrições de Sargão, estão mencionadas cidades como Mari e Tuttul (Eurafrates Central, ou Síria Moderna) e mais ao Norte, são citadas Ebla e provavelmente expedições a Anatólia.
O administrador inovador: Um componente importante da política de Sargão e razão do seu sucesso era apontar membros de sua família ou de sua inteira confiança para postos importantes. Ele escreveu: " os filhos da Acádia preenchem as tarefas de enki (autoridades locais) nos países." Sua filha Enheduanna tornou-se alta sacerdotisa da cidade de Ur, dedicada a Inana/Ishtar e Anu. Ser alta sacerdotisa de Ur era uma das posições mais importantes do Sul da Mesopotâmia. Dentre os escribas, Enheduanna é uma das únicas (dentre homens e mulheres) que era conhecida por seu próprio nome, sendo que uma de suas obras-primas é um poema chamado " A Exaltação de Inana". Enheduanna foi temporariamente retirada de seu posto máximo por sacerdotes, provavelmente demonstrando que sua escolha não tinha sido do agrado da população local, talve? Mas ela retorna ao cargo de Alta Sacerdotisa um tempo depois.
Outro fator de sucesso de Sargão na articulação de um governo centralizado eram as ordens por escrito e suas mudanças gerais a nível de administração. Ele criou por decreto um exército de 5.400 homens, de acordo com textos existentes. Este foi provavelmente o primeiro exército profissional. O comércio esta centralizado na Acádia e navios da costa, de origem do Golfo Pérsico, eram obrigados a parar no porto das docas vizinhas da Acádia.
Por exemplo, quando Sargão conquistava cidades-estado, ele destruía suas muralhas de forma que rebeldes em potencial perdessem suas fortalezas. Se o governador estivesse dispost a mudar sua lealdade para Sargão, o monarca acádio mantinha a velha administração no poder. De outra forma, ele preenchia os cargos com pessoas de sua confiança. Desta forma, Sargão incentivava o colapso do velho sistema de cidades-estado, movendo-se na direção de uma administração centralizada.. Sargão instalou guarnições militares em pontos-chave para administrar seu vasto império e assegurar o recebimento ininterrupto de tributos. Ele foi o primeiro rei a ter um exército a seu serviço em tempo integral. Sua capital, a cidade de Ágade, foi construída por ele, e logo se transformou numa das cidades mais prósperas e magníficas da antigüidade. A localização exata de Ágade permanece desconhecida, mas Ágade deu nome ao idioma e à dinastia deste grande imperador e gênio militar.
3. SUCESSORES
Sargão foi primeiro sucedido por seu filho Rimush (2278-2270 Antes da Nossa Era, que herou o império, agora cheio de pontos de revolta. Em batalhas envolvendo milhares de tropas, Rimush reconquistou cidades e países que pertenciam ao império. A Rimush sucedeu-se seu irmão mais velho, talvez seu gêmeo, Maishtushu (2269-2255 Antes da Nossa Era), o qual seguiu trajetória militar e política semelhante a Rimush. Os dois foram assassinados por membros de suas cortes. Manishtushu foi sucedido por seu filho, Naram-Sin (2254-2218), cujas vitórias militares foram numerosas.
Naram-Sim: O último dos monarcas da dinastia de Acádia foi um rei importante, Naram-Sin, que em acádio significa "o adorador do deus da lua, Sin", neto de Sargão, que colecionou feitos militares da estatura de seu avô. Ele se auto-denominou "imperador dos quatro quadrantes", o que significava imperador de todo o mundo naqueles tempos. Seu império era mesmo maior do que o do avô Sargão, como ficou claro depois da descoberta surpreendente em 1974 da cidade de Ebla próxima ao Líbano, na Síria, pois não se esperava que os acádios tivessem se expandido tanto para o lado Oeste.
Deificação de um homem:Naram-Sin foi o primeiro rei a tornar-se divindade. Em algum ponto durante seu reinado, seu nome aparece com um sinal determinativo usado em frente de nomes divinos. Numa estela de vitória, que consta do acervo do Louvre de Paris, Naram-Sin é mostrado com a coroa de chifres, um atributo dos deuses. O período em que seu nome aparece sem o determinativo de um deus é o período no qual ele teve de lidar com revoltas e rebeliões em seu próprio país. No grupo de textos em que seu nome mostra o atributo divino, estes se referem ao final de seu reinado, quando Naram-Sin está ocupado com um novo inimigo, entre os quais estão um povo das montanhas, os Gucianos, que tentaram penetrar na Mesopotâmia vindos do Norte.A deificação de um ser humano não é algo novo. Lugalbanda e Gilgamesh também aparecem nas listas dos deuses, mas no caso de auto-glorificação de Naram-Sin, ele se chamou de "deus da Acádia", um título claramente que pertence à deusa acádia Ishtar. Ela é a padroeira da cidade de Acádia e como tal tinha todas as propriedades da cidade.
A auto-glorificação pode ter sido um ato que perturbou os líderes religiosos e sacerdotes do país, principalmente em Nipur, a capital religiosa da Mesopotâmia. É possível que tal fato tenha sido o resultado de uma quebra-de-braço entre o governo central e as cidades-estado. As cidades-estado sendo representadas por suas divindades padroeiras e seus sacerdotes. A auto-glorificação de Naram-Sin então pode ser vista como um astuto ato político, feito para passar por cima da autoridade dos sacerdotes. Outras interpretações (mais antigas) consideram esta luta como uma disputa entre as divindades sumérias e acádias, espelhando os brigas étnicas entre os sumérios e acádios, para as quais não temos, entretanto, muitas outras evidências.
4. O FIM DO IMPERIO DE SARGÃO
Desastres então passaram a acontecer. Os gucianos invadiram a Mesopotâmia. Os gucianos eram uma horda bárbara e sem regras que desceu das montanhas do Leste. O poema a Maldição de Ágade, uma das composições mais pópulares entre os escribas do Período Antigo Babilônico de tempos posteriores,, conta a história do apogeu e queda da cidade de Ágade, mas muitos eventos não puderam ser verificados por achados arqueológicos. Em resumo, Naram-Sin cometeu um sacrilégio contra Enlil, o deus do Ar e o mais importante, juntamente com Anu, do panteon mesopotâmico. Ele queria construir um templo em Acádia para a deusa Inana/Ishtar, mas depois de executar o ritual de examinar os intestinos de um animal para buscar a permissão divina, os presságios continuaram a ser desfavoráveis. De acordo com a lenda, ele atacou e saqueou o santuário de Enlil, o famoso E-kur, na cidade sagrada de Nipur, a fim de forçar uma resposta positiva. O castigo de Ágade veio sob a forma da queda da cidade sob o reinado do filho de Naram-Sin, Sharkali-shari, denominado "Rei dos Reis". O deus Enlil buscou vingança fazendo os bárbaros gucianos atacarem o império. Os bárbaros gucianos trouxeram a destruição, e a fome então desceu sobre a Suméria e esta levou à inflação. A situação na capital de Ágade tornou-se insuportável e os deuses amaldiçoaram a cidade para sempre. O filho de Naram-Sin, Shar-kali-sharri (2217-2193 Antes da Nossa Era) tentou reverter algumas políticas de seu pai, mas era tarde demais. O reino foi reduzido à cidade de Ágade e suas redondezas. A lista de reis sumérios descreve o reinado do filho de Naram-Sin como um período de anarquia: "quem era o rei? quem não era rei?" são as palavras textuais."A maldição de Ágade" é escrita sob o ponto-de-vista dos sumérios, em geral oponentes/adversários dos acádios em questões políticas. A maior parte dos manuscritos foram encontrados em Nipur, a capital cultural e centro religioso da Suméria. Sobre o mesmo tema, também existem manuscritos datados da Terceira Dinastia de Ur e em Antigo Babilônico. Detalhes das escavações de Nipur não mostram qualquer sinal de destruição do templo de E-kur naquele período. Pelo contrário, tijolos que são inscritos com o nome de Naram-Sin mostram que ele contribuiu de forma significativa para a reconstrução do templo, pois os materiais de construção que se decompunham facilmente, faziam com que reconstruções freqüentes fossem necessárias. A má reputação de Naram-Sin como pouco popular e governante mal sucedido parece ser um registro de tempos posteriores, pois não existem dados que sugiram a veracidade destes famos na literatura contemporânea deste mesmo governante.
O imperio de Sargão durou um pouco mais de um século. Seu colapso final foi devido à invasão de um povo vindo das montanhas de Zagros, que interrompeu o comércio e arruinou o sistema de irrigação. Mas, também ao fim e ao cabo, o colapso do império foi devido a sua cescente instabilidade.
Pouco se sabe sobre as várias dinastias de Uruk até a última, sob o controle de Utu-khegal (2123-2113 Antes de Nossa Era), que foi escolhido pelo grande Deus Enlil, o deus principal da Suméria, para livrar o país dos gucianos. Quando um novo rei guciano foi escolhido, Utu-khegal atacou e foi vitorioso. Ele restaurou politica e economicamente o sul da Mesopotâmia como estado, após a quase completa paralisia imposta pelas invasões gucianas. Os gucianos, entretanto, assimilaram a forma de viver dos sumérios, e se transformaram no grupo político dominante do sul. Outro governante importante foi Gudéia de Lagash (ca. 2144-2121 Antes da Nossa Era). Suas estátuas, quase de tamanho real, têm longas inscrições, demonstrando suas atividades nas construções e reconstruções dos templos de Lagash. Ele também comerciava com quase todo mundo civilizado da antigüidade.
(ver Jerrold S. Cooper, `The curse of Agade', 1983, John Hopkins University Press, ISBN 0-8018-2846-5, com a tradução e transcrição deste texto).