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EL NINÕ

O que é o fenômeno - O que ocorre com o El Ninõ - O que normalmente ocorre - El Ninõ em Santa Catarina

Reportagens da revista VEJA (#01 - #02)


O que é

Denomina-se «El Niño» ao aumento anormal na temperatura da superfície do mar na costa oeste da América do Sul, durante o verão no hemisfério sul. Esta ocorrência de águas quentes foi identificada séculos atrás por pescadores peruanos, que deram o nome de El Niño (menino, em espanhol) ao observarem anos em que ocorria uma enorme diminuição na quantidade de peixes, sempre próxima ao Natal (nascimento do menino Jesus).

Este fenômeno, que se apresenta normalmente em intervalos de dois a sete anos, caracteriza-se com a temperatura da superfície do mar e a atmosfera sobre ele apresentando uma condição anormal durante um período de doze a dezoito meses. Entretanto, com as alterações climáticas que vêm ocorrendo no planeta, tanto a periodicidade quanto a duração ou mesmo a época têm variado.

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  O que ocorre com El Niño

Quando ocorre o fenômeno El Niño, as temperaturas das águas superficiais ficam acima da média no setor leste da bacia (costa oeste da América do Sul) e em torno ou até abaixo no setor oeste (região da Indonésia e setores norte/nordeste da Austrália) desta bacia. Os ventos relaxam chegando, em algumas áreas na faixa tropical, a inverterem o sentido soprando de oeste para leste. Esta condição, associada ao enfraquecimento de um sistema de alta pressão em superfície (que gira no sentido anti-horário) atuante no sudeste do Pacífico preferencialmente junto à costa do Chile, favorece ao aquecimento das águas no setor leste da bacia.

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O que ocorre normalmente

Normalmente os ventos tropicais sopram em direção à Ásia (de leste para oeste) nesta área do oceano Pacífico, "empilhando" as águas mais aquecidas no setor oeste do mesmo, fazendo com que o nível do oceano na Indonésia fique cerca de meio metro acima do nível da costa oeste da América do Sul.

A temperatura na superfície do mar é cerca de 8°C mais elevada no setor oeste (região da Indonésia e setores norte/nordeste da Austrália), sendo que a temperatura menor na costa oeste da América do Sul deve-se as águas frias que sobem de níveis mais profundos do oceano.

Estas águas frias são ricas em nutrientes, permitindo a manutenção de diversos ecosistemas marinhos e atraindo cardumes.

Em anos sem El Niño há forte movimento ascendente (formação de nuvens e consequente chuvas) no setor oeste (região da Indonésia e setores norte/nordeste da Austrália) e movimento subsidente (de cima para baixo, de ar seco e frio) na parte leste, em particular na costa oeste da América do Sul. Este fato inibe a formação de nuvens acarretando a ocorrência de pouca chuva nessa última região.

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EFEITOS DO EL NIÑO NO ESTADO DE SANTA CATARINA

As conclusões sobre as relações entre El Niño e o aumento da precipitação em Santa Catarina são feitas pela observação que ocorre normalmente nesses anos no Estado. Essas observações, indicam que existe um aumento na precipitação média e no número de cheias no Estado nos anos de El Niño. Nota-se, também, que o efeito do El Niño no Estado depende da intensidade do mesmo, sendo que nos anos El Niños de forte intensidade o efeito em Santa Catarina é mais pronunciado.

Estudos estatísticos mostram que, normalmente, durante o final do inverno e primavera, inicia o período de maior influência do El Niño em Santa Catarina, devendo manter essa influência durante todo o ano seguinte.

O El Niño faz com que os ventos em altos níveis (12 Km de altura), chamados de Jato Subtropical, (fig. 6) sejam mais intensos que o normal e, assim, as frentes frias ficam estacionárias sobre o Sul do país. Dessa forma, a precipitação e temperatura média do inverno observadas em anos de anomalias positiva (El Niño), sejam acima da média climatológica.

Apesar de fases positivas (El Niño) estarem associadas à grande probabilidade de ocorrência de um número de cheias acima da média no Estado, isso não significa necessariamente que em anos de El Niño ocorram enchentes em uma bacia hidrográfica em particular. A ocorrência de cheias dependem do tamanho da bacia e da posição e período de tempo que a frente fria ficar estacionária, além da intensidade da chuva.

Além do El Niño, existem outros fatores que influenciam na climatologia de chuvas e enchentes no Estado. As temperaturas do Oceano Atlântico, na costa catarinense, por exemplo, podem ser responsáveis pelo aumento da precipitação no Litoral. Apesar da meteorologia ter compreendido, ainda falta muito por ser estudado sobre outros mecanismos como Complexos Convectivos de Mesoescala (CCM) e a Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS), etc.

CONCLUSÕES

 

 Nas tabelas 1 e 2 abaixo são mostrados as cheias em Blumenau e os anos de El Niño / La Niña respectivamente.

 

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Menino travesso

El Niño retorna mais poderoso e ameaça
enlouquecer o tempo em todo o mundo

Thomas Traumann

Ele voltou e veio bravo. El Niño, a inversão térmica que esquenta parte das águas do Oceano Pacífico e muda o clima de quase todo o planeta, atingiu na semana passada a temperatura mais alta desde os anos 80. Os 29 graus Celsius medidos na mancha de água quente que se espalha por 5.000 quilômetros de extensão provocaram uma série de previsões sombrias sobre o clima dos próximos meses. Alguns cientistas chegaram a anunciar uma temporada mais desastrosa que a de 1983/1984, marcada na memória brasileira pela enchente devastadora na Região Sul e por uma das piores secas no Nordeste. "Este pode ser o pior El Niño já visto", afirma o climatologista americano Stephen Zebiak, do observatório Lamont-Doherty. "Ele é maior e, portanto, potencialmente mais perigoso que o dos anos anteriores."

O primeiro alarme foi disparado na Califórnia. O Instituto Scripps de Oceanografia informou que nos próximos oito meses a região será castigada por uma série de tempestades e talvez sofra a pior inundação da década. A notícia causou um pandemônio nos institutos de meteorologia. Ao fenômeno El Niño deste ano já são atribuídas catástrofes como a intensidade excepcional do tufão Winnie, que matou mais de 200 pessoas nas Filipinas, na China e em Taiwan, a forte seca na Austrália e o surpreendente calor do início da semana nas regiões Sul e Sudeste do Brasil. Na segunda-feira passada, enquanto 60.000 pessoas perdiam suas casas na inundação em Lulao, nas Filipinas, os termômetros de Porto Alegre chegaram a marcar 33,3 graus a maior temperatura para um mês de agosto desde 1955. Uma frente fria derrubou a temperatura na sexta-feira para 12 graus. Para o resto do ano, a situação pode se inverter. De acordo com os climatologistas, El Niño irá aumentar as chuvas no Sul do Brasil, no Sudeste americano e na região costeira do Peru, causando ao mesmo tempo secas nas Filipinas, na Austrália e no Nordeste brasileiro .

Satélites - El Niño, uma referência em espanhol ao Menino Jesus, recebeu esse nome por geralmente acontecer na época do Natal e até os anos 70 era um problema que só preocupava os pescadores peruanos de anchovas. Depois dos desastres ocorridos entre 1983 e 1984, porém, mais de 2.000 cientistas de vinte países começaram um mutirão para entender o fenômeno. Atualmente o acréscimo de meio grau nas águas do Pacífico é detectado pelos sensores de satélites americanos, enquanto bóias francesas com altímetros registram até o desnivelamento de 2 centímetros na altura das águas do oceano. Esse esforço permite que se conheça a intensidade do fenômeno com meses de antecedência, mas ainda não sugeriu uma teoria para enfrentá-lo. El Niño é provocado pela irregularidade dos ventos tropicais que sopram da América do Sul em direção à Ásia, mas não se sabe por que isso ocorre .

Mesmo entre pesquisadores, há divergências nas previsões. A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, Embrapa, que acompanha de perto os estudos sobre o assunto, considera que ainda não há indícios suficientes para alterar o plantio da safra de verão, que começa no mês que vem. "O calor de julho e agosto no Sul e no Sudeste do Brasil foi normal", afirma o diretor do Centro de Pesquisa Agropecuária da Universidade Estadual de Campinas, Hilton Silveira Pinto. "É simplismo achar que um fenômeno isolado no Pacífico consegue afetar todo mundo sem a ajuda de outros fatores, como o aquecimento global." Um dos principais argumentos dos que preferem cautela nas previsões catastróficas é a evolução deste El Niño. A temperatura recorde registrou-se quatro meses antes que nos anos anteriores, o que pode significar que os seus efeitos diminuam com o tempo. "Mas é melhor estar preparado. Se as previsões estiverem erradas, tanto melhor", diz Prakki Sapyamurty, do Centro de Previsão do Tempo do Instituto de Pesquisas Espaciais, Inpe. "Mas, se elas forem ignoradas e estiverem corretas, o prejuízo é muito maior."

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A FÚRIA NATURAL

Fenômeno climático mais assustador
do mundo, o El Niño prepara um novo ataque

Euripedes Alcântara

É Ele. Entre a pequena e aguerrida comunidade mundial de meteorologistas não há dúvida. Ele é El Niño, O Menino, que periodicamente vira o clima mundial de cabeça para baixo. Durante anos, o El Niño foi assunto restrito ao círculo de meteorologistas e curiosos. Não mais. Agora, o seu nome e os seus sinais secas, inundações, queimadas se espalham pelo planeta. Pelos sinais recolhidos por sensores dos satélites e por uma rede planetária de bóias equipadas com termômetros, as águas do Oceano Pacífico, numa enorme região que vai da costa da América do Sul até quase o litoral da Austrália, estão 5,5 graus Celsius acima da temperatura média normal. É extremamente raro constatar tal variação de temperatura naquele lugar. Quando isso acontece, sabem bem os cientistas, o El Niño está atacando. Pela violência dos primeiros sinais, neste ano Ele está vindo com força total. Há dias, especialistas da ONU reunidos em Genebra, na Suíça, fizeram o alerta oficial: "Este El Niño pode ser o evento climático do século".

Apertem os cintos. Como o pico do fenômeno costuma ocorrer na época do Natal, o El Niño foi batizado no século XVIII por pescadores peruanos, num misto de reverência e temor ao Menino Jesus. Pouca gente ainda acredita em sua origem sagrada, mas não há como fugir de seus tentáculos. Há meses, em quase todas as partes do mundo, episódios estranhos vêm sendo colocados na conta de truques e confusões que o El Niño costuma trazer. O Rio de Janeiro teve, em pleno inverno, o dia mais quente do ano, com 42 graus Celsius em setembro. Paris, na semana passada, sufocou-se numa inversão térmica que, se ainda não pode ser diretamente relacionada ao El Niño, é no mínimo intrigante. O governo francês decretou um rodízio de automóveis para aliviar o fumacê da capital. Yuma, um vilarejo de faroeste no meio do deserto do Arizona, nos Estados Unidos, um lugar tão seco que as casas nem têm teto, foi lambida por um temporal tropical. A secura do ar na Indonésia e na Malásia provocou incêndios florestais, poluiu cidades e enfumaçou o céu de tal forma que até a semana passada havia provocado dois desastres horrendos. Num deles, um jato de passageiros estatelou-se no chão na Indonésia matando todas as 234 pessoas a bordo. Dias mais tarde, dois navios, cegados pela fumaça, trombaram a poucos quilômetros dali, deixando trinta marujos mortos no choque.

"É preciso ter cuidado para não demonizar o El Niño, mas não há como negar que a situação é preocupante, pois o fenômeno ainda é um bebê e só estará inteiramente formado em dezembro", alerta o americano Kevin Trenberth, chefe do Centro Nacional de Pesquisas Atmosféricas, em Boulder, no Colorado. Com base no estrago deixado pelo surgimento de El Niños no passado, é bom acompanhar com carinho o crescimento e o comportamento deste que é gerado nas águas cálidas do Pacífico. O maior El Niño já medido, o de 1982-1983, foi um flagelo. Ele provocou a maior seca da história do Nordeste brasileiro, ao mesmo tempo que afogava Santa Catarina e o Paraná num dilúvio sem precedentes. Centenas de pessoas morreram, milhares ficaram desabrigados e os prejuízos materiais passaram de 1 bilhão de dólares. Em todo o mundo, o El Niño do começo da década passada espetou uma conta de mais de 8 bilhões de dólares. "Os impactos econômicos mundiais de um El Niño forte são perturbadores", diz Trenberth.

Perdão da dívida - O historiador francês Fernand Braudel (1902-1985), autor de O Mediterrâneo, mostrou que os fatores climáticos pesam mais do que se imagina e que a cabeça dos governantes se equilibra muito mais precariamente sobre os ombros em épocas de cataclismos. Ele estudou especialmente a chamada "Pequena Idade do Gelo", um período de invernos atrozes que fustigou a Europa entre 1500 e 1850, destruindo colheitas, espalhando fome e miséria. Segundo Braudel, o reinado de Luís XVI teria chance de não ter sucumbido à Revolução de 1789 caso a França vivesse uma época de bonança climática. O atual El Niño não chega a ser uma Idade do Gelo, mas traz inquietações econômicas. O Banco Mundial anunciou na semana passada que separou 100 milhões de dólares para ajudar os países mais atingidos por secas e inundações provocadas pelo El Niño neste ano. Os técnicos estão preocupados com turbulências políticas no sul da África. Phyllis Pomerantz, diretor do BID, defendeu o perdão de 80% da dívida externa de 5,5 bilhões de dólares de Moçambique. "As previsões do El Niño somadas às condições atuais de Moçambique podem liquidar o país", disse Pomerantz.

Com exceção do Caribe, que se livra da temporada de furacões, para o resto do mundo um El Niño forte é um flagelo. O economista Francisco de Assis, do Banco Marka, do Rio de Janeiro, vem declarando que considera o El Niño a maior ameaça atual ao equilíbrio da economia brasileira. É um argumento de força razoável. Em primeiro lugar, o preço baixo dos alimentos é que vem puxando a inflação do real para a casa do zero. E, como se sabe, o primeiro efeito econômico de secas e enchentes é o aumento do preço dos alimentos. Na quebra da safra brasileira provocada pelo El Niño de 1983, os preços agrícolas subiram 40% em poucas semanas. Em segundo, as maiores culturas brasileiras de exportação, como o café, a laranja, a soja e o cacau, podem sofrer com as inundações, as secas prolongadas e os problemas de infra-estrutura que um El Niño poderoso costuma trazer. O Peru vivia uma situação premonitória, na semana passada, quando chuvas torrenciais fecharam o porto de Talara, paralisando indefinidamente as importações de petróleo. Fora alguns projetos tramitando no Senado, o Brasil não tem um plano nacional para se prevenir contra as agruras de um El Niño cruel. É bom começar a mostrar serviço nessa área.

Até o aparecimento do super-El Niño do começo dos anos 80, os pesquisadores consideravam o fenômeno do súbito aquecimento das águas do Pacífico apenas um laboratório privilegiado para estudar as interações climáticas periódicas entre o mar e a atmosfera. Depois da onda de secas, inundações, epidemias, naufrágios e tormentas atribuídas a Ele, prevê-lo com a maior antecedência possível passou a ser vital para a economia. Sem nenhum aviso prévio sobre o El Niño de 1987, 75% da produção de grãos do Ceará foi perdida. Cinco anos mais tarde, o governo cearense foi alertado com meses de antecedência, os agricultores anteciparam o plantio e, como resultado, a seca trazida pelo El Niño de 1991-1992 ceifou apenas 18% da plantação. Neste ano, antes que seus piores efeitos se façam sentir, ele já mexeu no bolso dos brasileiros (veja quadro).

Bóias gigantescas - "Decifrar a lógica do El Niño hoje é um desafio para a ciência e será um alívio para as regiões que sofrem com seus humores", diz Candace Gudmundson, climatologista da Universidade George Washington. O super-El Niño de 1982-1983 deu um susto nos pesquisadores. Foi um frango histórico no jogo de prever o tempo. Desde então antecipar seus sinais tornou-se uma obsessão. Climatologistas americanos e australianos competem com brasileiros, peruanos e chilenos pela primazia de avistar a fera. Neste ano, o primeiro alerta veio de Cachoeira Paulista, no interior de São Paulo, onde funciona o Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos, CPTEC. Pesquisadores do CPTEC, chefiado pelo meteorologista Carlos Nobre, emitiram um boletim no dia 9 de junho dando conta de que, com base na leitura de dados dos satélites meteorológicos, o ovo da serpente do Pacífico emitia sinais de vida. Dias depois, pesquisadores americanos do TAO, organismo internacional que faz a telemetria dos termômetros grudados em 69 gigantescas bóias espalhadas pela faixa tropical dos oceanos, confirmaram a anomalia. Era das grandes. "Ficamos boquiabertos. Os dados davam conta de que este El Niño que está cozinhando pode ser o maior do século", conta Michael McPhaden, diretor do TAO.

Modelagem dinâmica - Vernon Kousky, meteorologista do NWSCPC, o centro de previsões meteorológicas do governo americano, situado em Camp Springs, nas cercanias de Washington, é um veterano caçador de El Niño. Ele foi apresentado ao fenômeno há quinze anos, quando trabalhava no Instituto de Pesquisas Espaciais, o Inpe, de São José dos Campos, interior de São Paulo. Kousky concorda que o atual aquecimento das águas do Pacífico começou com uma energia só vista no devastador El Niño de 1982-1983. "Batemos agora numa temperatura superficial de 29,5 graus Celsius. Em poucos lugares do mundo, apenas em raríssimas circunstâncias a água do oceano atinge temperaturas tão altas", disse Kousky a VEJA. "Podemos, portanto, esperar um El Niño tão perturbador quanto o do começo da década passada, mas não há razão ainda para acreditar que seja mais forte." Kousky alerta para o fato de que mesmo que os dados coletados no mar mostrem que se estão armando as condições materiais para uma revolução climática de proporções planetárias, é cedo para afirmar como ela efetivamente acontecerá. "Não podemos prever agora qual será a magnitude da resposta atmosférica ao aquecimento do Pacífico ao longo dos próximos meses", diz Kousky. "Os impactos globais, então, são ainda mais difíceis de ser antecipados."

Saber no começo de junho as feições de um fenômeno de grandes proporções que só a partir de dezembro trará conseqüências potencialmente graves para milhões de pessoas já é uma vitória significativa para os meteorologistas. A rigor, eles não podem sequer afirmar com certeza, numa quarta-feira, se vai dar praia no fim de semana. Previsão meteorológica com mais de 48 horas de antecedência é ainda uma ciência que engatinha. Para tentar entender o impacto do El Niño, os cientistas utilizam dois tipos de análise. Uma, tradicional, é a simples e boa estatística. A outra, mais moderna, é chamada de modelagem dinâmica. A primeira se baseia na comparação pura e simples de dados históricos arquivados ao longo de décadas de observação. Foi uma análise dessa natureza que deu ao meteorologista inglês Gilbert Walker, nos anos 20, a primeira pista científica da existência do El Niño. Walker observou que sempre que chovia muito na Índia, onde ele mantinha seu laboratório, a Austrália experimentava um período de seca. Ele chamou essa gangorra de "Oscilação Sul". Sem saber, Walker flagrou a primeira "teleconexão", termo com que os meteorologistas de hoje definem a relação aparente entre fenômenos atmosféricos distantes. As teleconexões explicam o fato de o El Niño se fazer sentir em lugares tão distintos quanto o Nordeste brasileiro, o oeste dos Estados Unidos e a Malásia.

Cenários virtuais - Até bem pouco tempo atrás, a comparação estatística era a única arma da ciência para prever o impacto de fenômenos como o El Niño. Só recentemente entrou em ação a modelagem, que utiliza computadores poderosos para criar complexos cenários virtuais de circulação das correntes marítimas e de ventos. "Esses modelos computacionais estão se tornando cada vez mais ricos em dados e, portanto, mais precisos", explica Kousky. "Graças à modelagem podemos, com alto grau de certeza, afirmar com nove meses de antecedência quais serão os impactos mais gerais de um El Niño poderoso." A modelagem permitiu entender com mais detalhes como as correntes marítimas influenciam o regime de ventos superficiais e, por intermédio deles, as correntes da alta atmosfera. Essa relação é o fenômeno mais significativo da máquina climática planetária. Quando os cientistas conseguirem entender, em sua totalidade, como uma mancha de calor na água do mar afeta as correntes de vento, eles terão decifrado o enigma da biosfera.

Briga doméstica - Com todo esse arsenal teórico, o clima do planeta é ainda uma caixa-preta para os pesquisadores. Os cientistas sabem infinitamente menos sobre o clima do que sobre o funcionamento de outros sistemas aparentemente mais complexos como, por exemplo, a circulação do sangue no corpo humano ou até mesmo a caldeira atômica que gera a luz das estrelas. "A melhor comparação é a de alguém que vê um motor funcionando, conhece suas peças mas é incapaz de saber como elas se encaixam", diz Gudmundson. Pior. Não sabe sequer em que ordem montar as peças. No caso do El Niño, quem dá o pontapé inicial no jogo? É o mar ou são os ventos? Ninguém sabe ao certo. Talvez nunca se saiba.

"O que ocorre ali é mais ou menos o que se passa quando uma conversa se transforma numa discussão agressiva", explica Gudmundson, com graça e originalidade. "A água do mar e os ventos estabelecem no meio do Oceano Pacífico um diálogo constante em que a temperatura é o idioma comum. O fato é que esse diálogo pode se ir tornando cada vez mais intenso, de modo que os interlocutores emitam mensagens cada vez mais fortes. As perturbações de lado a lado se potencializam e se amplificam até que, como num bate-boca entre marido e mulher, em que nunca se sabe exatamente quem estourou primeiro, o sistema entra em total desequilíbrio." Pelo que Ele anda aprontando pelo mundo nos últimos dias, a briga já começou.

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A contabilidade brasileira do fenômeno

Liquidação de inverno
em agosto, em São Paulo:
faturamento 19% menor
 

Como o fenômeno El Niño provoca estragos maiores no segundo semestre, o impacto econômico de sua passagem pelo Brasil ainda está por ser medido com precisão. Até agora, a única vítima foi o setor de confecções. Como o brasileiro não sentiu frio em 1997, não comprou novos agasalhos. As lojas de várias capitais fizeram quinze dias de liquidação, cortaram pela metade o preço de seus produtos e mesmo assim tiveram prejuízo. Segundo a Federação do Comércio de São Paulo, as lojas de roupas faturaram 19% menos do que no mesmo período de 1996. "Todas tinham feito encomendas muito grandes, esperando um inverno rigoroso, e ficaram com o estoque encalhado", diz Vladimir Furtado, economista da federação.

Cinco meses depois do início do El Niño, que, esperava-se, traria um rastro de desgraças em sua passagem, o balanço não tem sido ruim. Porque choveu em maio, os agricultores plantaram sua safrinha de inverno em ótimas condições. Trigo, aveia, centeio, milho, cana-de-açúcar e mandioca cresceram rapidamente. Quem lida com turismo também lucrou. Em julho, além das estâncias turísticas em serras, como Campos de Jordão, em São Paulo, os hotéis de praia também lotaram. No litoral da Região Sudeste, em vez do tradicional céu nublado de meio de ano, brilhava um sol radiante. Os hotéis, que costumam ficar com 70% de seus apartamentos desocupados nessa época, tiveram 80% de ocupação. A venda de ventiladores saltou 30%. Foram vendidos 124.000 aparelhos em julho, um recorde no inverno.

No Brasil, em 1983, a cidade de Blumenau, em Santa Catarina, foi praticamente destruída por uma enchente. No Nordeste, a seca matou os rebanhos e toda a agricultura. Em plena recessão, a safra encolheu 10% e a inflação explodiu. Em 1983, o El Niño pôde ser conferido até no índice de inflação, que chegou a 211% pelo IGP o dobro do ano anterior. Neste ano, o clima brasileiro tem estado completamente desarranjado. Choveu demais em maio, época em que normalmente ocorre seca no centro-oeste, sudeste e sul do país. Depois, em vez de inverno frio, com geadas, veio um inverno quentíssimo e seco. O El Niño começou em maio e só passou a preocupar o governo no final de agosto. Foi criada uma comissão especial para avaliar como evitar catástrofes. Ninguém sabe ao certo o que esperar, mas existe uma preocupação com a safra agrícola. Acontece que os agricultores começam a plantar a safra de verão (que representa 70% da produção do país) justamente agora. Se as chuvas aumentarem muito no sul do país, podem atrapalhar o resultado da colheita do ano que vem.

Eliana Simonetti

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