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Entre a Física e a Metafísica, Hilda Hilst

- Deus, a paixão e a morte. Estes são os três temas sobre os quais a escritora paulista construiu uma das mais intrigantes obras da literatura mundial -

por Cláudio Fragata, para "Globo Ciência", ano 6 - agosto 1996 - nš 61

 

      Desde Presságios, seu primeiro livro, publicado em 1950, até Estar Sendo, Ter Sido, seu último trabalho, que será lançado em breve pela Editora Albatroz, Hilda descreveu uma longa trajetória, ora feita de prosa, ora de poesia, sempre repleta de indagações metafísicas.

      Tão fundo ela foi nesse incessante questionamento, que acabou cruzando a fronteira da literatura para enveredar pelas ciências exatas. Quem visitá-la em sua chácara, a poucos quilômetros da cidade paulista de Campinas, vai encontrá-la rodeada por pilhas de livros, mas poucos deles tratam de literatura. Em sua maioria, são leituras teóricas, relacionadas à física, à filosofia e à matemática, com as quais ela procura refletir sobre questões como a imortalidade da alma, "do ponto de vista científico, não apenas metafísico", como ela diz. Por isso, Hilda vive mergulhada na obra do físico Stephane Lupasco, que defende a idéia de que a alma é feita de matéria quântica.

      Foi a preocupação com a imortalidade da alma, aliás, que a levou, na década de 70, a realizar uma série de experiências com o intuito de gravar vozes de mortos. O estímulo surgiu a partir de pesquisas semelhantes feitas pelo cientista sueco Friederich Yuergenson, cujos resultados foram estudados pelo Instituto Max Planck, da Alemanha. Sob o olhar incrédulo, mas interessado, de físicos respeitados, como César Lattes, Mário Schenberg e Newton Bernardes, Hilda passou a esparramar gravadores de rolo pela sua chácara, deixando-os ligados. Trocou-os depois por gravadores cassetes acoplados a rádios sintonizados entre duas estações. Foi assim que captou e gravou vozes enigmáticas pronunciando palavras e fragmentos de frases, algumas, segundo ela, com até 12 vocábulos. Não foi levada a sério e suas experiências acabaram postas de lado. "Fosse hoje, com os cientistas buscando novos paradigmas, eu não passaria por louca", ironiza.

      Na literatura, Hilda viveu a situação contrária: foi sempre levada a sério. Até demais. Carregou durante toda a sua carreira literária a fama de escritora difícil e de poucos leitores. Resolveu acabar com a pecha seis anos atrás, ao publicar uma trilogia pornográfica, iniciada com O Caderno Rosa de Lory Lambi, que deixou os críticos de cabelos em pé. Conseguiu o que queria: chamar a atenção sobre o seu trabalho. Hoje, de volta à literatura "séria", ela se divide entre o novo livro e a idéia de transformar sua chácara num centro de estudos psíquicos, filosóficos e científicos, que promova a integração entre diversas áreas do conhecimento.

      Hilda afirma que escritores como Joyce e Kafka anteciparam, na literatura, a dimensão einsteiniana do espaço e do tempo: "É por isso que não acredito mais no texto linear, em romances com começo, meio e fim", adverte. "Nunca é assim na própria vida." Mas ela vê outras conexões entre a literatura e as ciências exatas. Acha que, no fundo, não há muita diferença entre o escritor e o matemático, a não ser o uso de seus respectivos signos, ou seja, as palavras e os números: "Eu sempre me fascinei com o matemático indiano Srinivasa Ramanujan", conta. "Ele dizia que para resolver seus intricados teoremas era movido apenas pela beleza das equações. Na poesia também é assim. É uma espécie de exercício do não-dizer, mas que nos dilata de beleza quando acabamos de ler um poema." Hilda estende estas relações até mesmo para a nomenclatura da física: "Eu vivia dizendo para o Schenberg que expressões como 'número quântico de estranheza', 'algures absoluto' ou 'luz interdita' tinham tudo a ver com a poesia e a metafísica."

      Embora preocupada com a morte e a finitude das coisas, Hilda não perde, na vida e na arte, a sua conhecida irreverência. Talvez seja esta a sua principal marca, que um episódio acontecido anos atrás ilustra bem.

      Durante uma aula na Unicamp, ao lado de Mário Schenberg, Hilda falava para uma platéia de físicos e estudantes. No meio da exposição, notou que um físico presente caçoava de suas idéias, ao mesmo tempo em que insistia em coçar as virilhas. Lá pelas tantas, ele torpedeou: "Quer dizer que a senhora acredita realmente na imortalidade da alma?" E Hilda, rápida: "Eu acredito na imortalidade da minha alma, porque se o senhor continuar apenas rindo e coçando o saco, sequer constituirá uma alma."

      Foi publicado pela nankin editorial.

 

Texto Anexo

      Nem sempre o trânsito de Hilda pelas ciências foi muito fácil. Ela lembra que, em menina, era péssima em matemática. "As freiras do colégio onde eu era interna propunham problemas impossíveis para mim, tais como: eu tenho 3 galinhas, uma ficou doente e morreu, outra desapareceu; com quantas galinhas eu fico? Isso me deixava desesperada, porque eu queria saber a razão destes fenômenos. Por que deixaram a galinha morrer? Por que descuidaram da outra para que sumisse? Eram exemplos muito sacrificiais que me davam. Eu achava as freiras horríveis."

 

Trecho do livro Estar sendo. Ter Sido.

      "devo dizer que tenho visto deus. é um tipo minhon, quase maneiroso. (...) insisto com Matias que é assim mesmo. ele diz impossível, deus só pode ser grandalhão e vermelho. bobagem. um conceito conservador. e com aquele vozeirão. ao contrário: voz de moça e pulsos e canelas finas. como é que você pôde ver as canelas? tô te dizendo, Matias, vi. (...) e se você falasse com o padre Esteira? (...) ele, sim, vê deus. e como é o deus dele? é luz, Vittorio, é luz. tento explicar a Matias que a luz é entropia. andei lendo sobre isso no Lupasco. he, cara complicado. Lupasco, é? antagonismo. é a palavra-chave em Lupasco."

 

 
 
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