PÓS-MODERNIDADE*
Uma
luz que para uns brilha
e
para outros ofusca no fim do túnel
por
JUSSARA MALAFAIA MORAES **
* Artigo publicado na Revista
Veiga Mais – Edição: Otimismo - Ano 3 - Número 5 – 2004.1
** Formada em Comunicação
Social/Jornalismo pela UVA - Universidade Veiga de Almeida, no Rio de Janeiro
com Pós-Graduação em Comunicação com o Mercado, na Escola Superior de
Propaganda e Marketing.
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A pós-modernidade é
definida por muitos autores como a época das incertezas, das fragmentações,
das desconstruções, da troca de valores. É possível ser otimista na era da
pós- modernidade? |
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Às
vezes parece que o mundo está de pernas para o ar. No bombardeio de informações
e notícias que chegam à sociedade a cada instante, seja por meio do rádio, da
televisão, de revistas ou da Internet, a violência, os atos de corrupção, os
seqüestros, os crimes com requintes de crueldade ganham cada vez mais
destaque. A educação recebida dos pais e das escolas, os valores como
ética, moral e caráter, a religião, a solidez do casamento e da família, estão
perdendo espaço para novas formas de comportamento regidas pelas leis do mercado, do consumo e do espetáculo.
Vive-se numa época de grande barbárie e de pouca solidariedade. São
tempos de alta competitividade guiados pela lógica da acumulação de bens e das
aparências. Em nome dessa nova ideologia, os indivíduos se permitem agir
passando por cima de valores que sequer chegaram a formar. O que importa é ser
reconhecido, ser admirado, ter acesso a uma infinidade de produtos e serviços e
usufruir o máximo do prazer.
E
para isso, tudo é válido. Age-se de acordo com o momento e com a conveniência.
“Pegar um atalho”, como se diz na linguagem da informática, tornou-se uma
prática comum. Nesse contexto, não há por que esperar e se sacrificar para
adquirir bens e ter sucesso, se existe meios mais rápidos para conseguir o que
se pretende. Mas afinal, que tempos são esses em que as pessoas passam umas por
cima das outras, sem qualquer constrangimento ou culpa, em busca de dinheiro e
poder? Será que é possível encontrar uma luz no fim do túnel e ter otimismo
nesse cenário?
A
Pós-Modernidade como divisor de águas
Para muitos teóricos, filósofos e sociólogos, a época atual é marcada
por fenômenos que representam um divisor de águas com a Modernidade. Chamada e
estudada como Pós-Modernidade, ela é caracterizada por mudanças significativas
provocadas e vividas pelo homem. Entre as mais evidentes, e que desencadearam
muitas outras, pode-se apontar a globalização, unificadora das sociedades do
planeta, um novo modo de cultura e as novas condições que põem em perigo a
continuidade da espécie humana.
A
Pós-Modernidade surgiu com a desconstrução de princípios, conceitos e sistemas
construídos na modernidade, desfazendo todas as amarras da rigidez que foi
imposta ao homem moderno. Com isso, os três valores supremos, o Fim,
representado por Deus, a Unidade, simbolizada pelo conhecimento científico e a
Verdade, como os conceitos universais e eternos, já estudados por Nietzsche no
fim do século XIX, entraram em decadência acelerada na Pós-Modernidade.
Por conta disso, para a maioria dos autores, a Pós-Modernidade é traçada
como a época das incertezas, das fragmentações, da
troca de valores, do vazio, do niilismo, da deserção, do imediatismo, da
efemeridade, do hedonismo, da substituição da ética pela estética, do
narcisismo, da apatia, do consumo de sensações e do fim dos grandes
discursos.
O
efeito cascata das grandes mudanças
Como conseqüência dessa derrocada, surgiram outros fenômenos sociais e
culturais. O declínio da esfera pública e da política, a crise ecológica, o
impasse histórico do socialismo, os tribalismos, a expansão dos
fundamentalismos, as novas formas de identidade social e as conseqüências da
informatização sobre a produção e sobre o cotidiano trouxeram à tona a
discussão sobre a pluralidade
e a fragmentação presentes na época atual.
Essas mudanças e outras que também marcaram a história da humanidade,
como a explosão da bomba atômica em Hiroshima, o perigo nuclear e o terrorismo
internacional, fizeram com que o futuro se tornasse incerto e ameaçador,
enfraquecendo a crença na posteridade e fazendo com que as ações humanas
passassem a ser conduzidas focando apenas o presente, diluindo assim o sentido
da continuidade histórica.
Essa conduta, associada ao avanço ininterrupto dos meios tecnológicos de
comunicação e aos efeitos da globalização
com a sua queda de fronteiras, fez emergir um novo tipo de sociedade,
caracterizada, salvo raras exceções, pelo narcisismo, pelo hedonismo, pelo
imediatismo e pelo consumismo. Sem a pretensão de tomada do poder, essa nova
organização social participa, sem envolvimento profundo, de pequenas causas e
dá adeus à esperança e aos grandes ideais. No entanto, ao afrouxar os laços
sociais, vai, inconscientemente, esvaziando as instituições num processo
chamado por sociólogos, como Gilles Lypovetsky, de deserção do social.
A
deserção de valores e de instituições
Após a agitação política e cultural dos anos 60, a despolitização, a dessindicalização
e a deserção adquiriram proporções nunca antes atingidas. Como exemplo, na
guerra da Coréia em 1950, não houve desertores. Na do Vietnã, em 1975, houve
aos montes.
Mas a deserção não parou por aí. A esperança revolucionária, a contestação
estudantil e a vanguarda esgotaram-se nos seus conceitos e movimentos, fazendo
surgir uma espécie de apatia, de neutralização e de banalização do
social. Com isso, a vida particular emerge vitoriosa. Torna-se possível
zelar, sem culpa, apenas por seus próprios interesses, perder os complexos,
enfim, viver o presente sem maiores preocupações com as tradições, com a
alteridade e com a posteridade.
A
decadência das grandes idéias e o mundo Pós-Moderno
Ao mesmo tempo em que se associou à Pós-Modernidade a decadência das
grandes idéias, valores e instituições ocidentais como Deus, Ser, Razão,
Sentido, Verdade, Totalidade, Ciência, Sujeito, Consciência, Produção, Estado,
Revolução e Família, valorizou-se outros temas considerados menores ou marginais
em filosofia, como Desejo, Loucura, Sexualidade, Linguagem, Poesia, Sociedades
Primitivas, Jogo, Cotidiano, enfim, elementos que abrem novas perspectivas para
a liberação individual.
O
Mundo Pós-Moderno |
“Um mundo de presente eterno, sem origem
ou destino, passado ou futuro; um mundo no qual é impossível achar um centro
ou qualquer ponto ou perspectiva do qual seja possível olhá-lo firmemente e
considerá-lo como um todo; um mundo em que tudo que se apresenta é
temporário, mutável ou tem o caráter de formas locais de conhecimento e
experiência. Aqui não há estruturas profundas, nenhuma causa secreta ou final; tudo é (ou não é) o que
parece na superfície. É um fim à modernidade e a tudo que ela prometeu e
propôs.” Krishan Kumar |
O que pensam os especialistas
E
nesse mundo, é possível ter otimismo?
Profissionais
de diversas especialidades respondem
HOLGONSI
SOARES GONÇALVES SIQUEIRA
Antes de responder sobre o otimismo, Holgonsi Soares Gonçalves Siqueira
ressalta dois aspectos que considera relevantes em qualquer debate sobre a
Pós-Modernidade. Primeiro, aceita o termo como digno de crédito. Segundo,
considera a Pós-Modernidade não apenas uma teoria, mas, sobretudo como uma
condição ou contexto histórico que diz respeito à sociedade cultura atual, à
economia, à política e ao atual estágio de desenvolvimento tecnológico.
Professor Doutor do Departamento de Sociologia e Política da
Universidade Federal de Santa Maria, RS, Holgonsi defendeu a tese
“Pós-Modernidade, Política e Educação” em agosto de 2003. Para ele, a
Pós-Modernidade é a condição histórica na qual vivemos, pensamos, agimos,
amamos, navegamos, ou na qual deixamos de viver, de sentir, de amar. “Por isso,
ela constitui-se de contradições produtivas e não-produtivas”.
Em sua opinião, pelo viés das contradições produtivas, é possível chegar
às novas oportunidades e às positividades geradas pelo momento atual. Neste
contexto, afirma que é otimista. Ele exemplifica o seu ponto de vista
primeiramente pelo espaço conquistado pelas minorias e pelas novas formas de se entender e de
se fazer política, o que amplia o espaço democrático e estimula uma nova cidadania.
Segundo, pela questão da flexibilidade, que considera uma das
categorias centrais da pós-modernidade. Para ele, “a flexibilidade na arena das
relações sociais e humanas gera o diálogo, as proposições abertas, a conversa em
andamento, ao contrário do prevalecimento das verdades formulares da
modernidade, que nos colocavam sob molduras rígidas de pensamento e ação”.
Pela ótica das contradições não produtivas, Holgonsi analisa os limites,
as negatividades e os problemas de todas as ordens, com ênfase na questão social. Nesse ponto, enfatiza o
pessimismo em decorrência do lado negativo da sociedade cultura, principalmente
no que diz respeito ao consumismo, à negação de solidariedade, ao hedonismo, à
troca de valores, ao narcisismo, ao niilismo, à substituição da ética pela
estética e a outras percepções afins.
“Na Pós-Modernidade, o otimismo deve ser entendido e visto ao lado do
pessimismo e vice-versa”, afirma. “Classifico como ingênuos os posicionamentos
e visões unilaterais de nossa condição histórica. Seja por motivos políticos
ideológicos, ou por falta de um maior entendimento da questão, posições apenas
otimistas ou apenas pessimistas, servem somente para confundir e empobrecer o
debate. Mas também digo, a partir do pensamento de Frederic Jameson, que o
pessimismo sobre nossa realidade faz parte do demasiadamente óbvio”, conclui.
LUIS
CARLOS FRIDMAN
Para Luis Carlos Fridman, Doutor em Sociologia pelo IUPERJ,
Professor do Departamento de Sociologia e do Programa de Pós-Graduação em
Sociologia e Direito da UFF, autor do livro Vertigens Pós-Modernas (ed.
Relume Dumará), é possível ter otimismo no “viver”, mas não no contexto da
“pós-modernidade”.
“O trajeto humano é conduzido pelo desejo e pela esperança, a
matéria-bruta do existir. A história ensina que as conseqüências não
pretendidas inauguram processos novos ainda que a partir do Iluminismo os
homens tenham pretendido moldar o mundo através da Razão visando uma vida
satisfatória para todos, algo que permanece altamente duvidoso”, pondera.
Em relação à Pós-Modernidade, não se considera propriamente otimista,
pois o que está em curso é um desmantelamento e uma sucessiva reconstrução das
instituições, o que muitas vezes torna os laços humanos muito fluidos. Ele
exemplifica seu ponto de vista apontando duas questões, a primeira em relação à
introdução da informática na esfera produtiva; a segunda, em relação às
flutuações financeiras globais.
No que diz respeito à primeira questão, argumenta que a introdução da
informática na esfera produtiva permitiu o surgimento do capitalismo da especialização flexível, onde se
solicita “plasticidade” dos trabalhadores para a adaptação a novos projetos e
campos de trabalho. “A informática permitiu o desenvolvimento do capitalismo
‘ao gosto do freguês’, em que as mercadorias são produzidas para a satisfação
de nichos cada vez mais específicos do mercado. Assim, a estrutura produtiva é
permanentemente alterada com conseqüências imensas sobre os trajetos de vida”.
MIRIAN
GOLDENBERG
Mirian Goldberg diz que
não sabe se a questão é ter ou não otimismo. Doutora em Antropologia Social
pela UFRJ, autora de Ser Homem-Ser Mulher, Dentro e Fora do Casamento
(RJ, ed. Revan, 1991), A Arte de Pesquisar: como fazer pesquisa qualitativa
em Ciências Sociais (RJ, ed. Record, 1997), entre outros livros, argumenta,
mais voltada para as questões de relacionamento homem/mulher, que nunca, como
hoje, as relações foram tão democráticas, igualitárias e criativas. “Se
olharmos as relações afetivo-sexuais, podemos perceber que nunca antes homens e
mulheres viveram tão intensamente suas moções, desejos e fantasias. Nunca se
preocuparam tanto com seus próprios desejos e realizações”.
Admite, porém, que esta preocupação com o “eu” tem gerado problemas
novos, como a extrema preocupação com o corpo e sua perfeição, com o prazer e
estimulando um consumo compulsivo de coisas e pessoas. Por outro lado, alega
que isso tem gerado pessoas mais reflexivas, mais preocupadas com o meio
ambiente e com a humanidade e mais sensíveis aos problemas sociais.
Com uma visão otimista, sustenta que um dos aspectos mais visíveis da
época em que vivemos é a capacidade que cada indivíduo tem de inventar novos
arranjos conjugais, novas formas de atuar profissionalmente e socialmente, sem
obedecer às determinações sociais. “Vê-se ainda a capacidade de aceitar e
até valorizar grupos que eram estigmatizados socialmente, como os homossexuais,
os divorciados, os solteiros e os sem filhos”, argumenta. Concluindo, ela
afirma que a Pós-Modernidade não se caracteriza apenas pelas incertezas, pelo
vazio, pelo narcisismo, pelo hedonismo, mas também pelas idéias de invenção, criação
e negociação.
MUNIZ
SODRÉ
Optando por chamar a época em que vivemos de “baixa modernidade”,
Muniz Sodré de Araújo Cabral, doutor em comunicação pela UFRJ, autor de
vários livros com abordagem sobre o Pós-Modernismo, entre eles A Máquina de
Narciso, afirma que é possível ser otimista. Na sua visão, tudo que se
aponta como incerteza e desconstrução é conseqüência de um niilismo que não se
deve entender como negação radical de valores e sim, como enfraquecimento da
velha identidade que os lastreava. “Desta forma, embora vivamos em meio a uma
crescente violência social, o niilismo contemporâneo tende à não violência
conceitual, à pluralidade dos padrões e das orientações. Tudo isso é razão para
otimismo”.
VERA
RITA DE MELO FERREIRA
Para a psicanalista Vera Rita de Melo Ferreira, o otimismo é uma
possibilidade da mente. Autora do livro O Componente Emocional –
Funcionamento Mental e Ilusão à Luz das transformações econômicas no Brasil
desde 1985 (SP, ed. Papel e Virtual), com Mestrado em Psicologia Social e
do Trabalho na USP e Doutoranda em Psicologia Social na PUC-SP, Vera é
seguidora do pensamento do psicanalista inglês Wilford Bion que considera a
mente humana como um universo em expansão. “Aquilo que não sabemos é muito mais
vasto do que a parte minúscula que conhecemos”.
Em sua opinião, se atualmente vive-se na incerteza, significa que não se
sabe tampouco a direção exata para onde se está indo, ou seja, que pode haver
chances de se descobrir alternativas inesperadas. “O fato de não conseguirmos
enxergar motivos claros para acreditar que o futuro seja viável não significa
necessariamente que estes não existam. A falta de perspectiva pode refletir a
limitação de nosso pensamento, incapaz de alcançar aquilo que não existe no momento”,
completa.
LIGIA
LINDBERGH SILVA
Compartilhando do ponto de vista da psicanalista Vera Rita, Ligia
Lindbergh Silva, formada em Filosofia, também é otimista. Citando a
tese do “Otimismo Trágico” de Viktor E. Frankl, professor de Neurologia e
Psiquiatria na Universidade de Viena, na qual ele descreve sua experiência nos
campos de concentração de Auschawitz, afirma que é possível a pessoa ser
permanentemente otimista apesar da tríade trágica dos aspectos da existência
humana – a dor, a culpa e a morte. “O homem tem a capacidade de
transformar criativamente os aspectos negativos em algo construtivo ou
positivo. O que importa é tirar o melhor de cada situação”. Para ela, o
potencial humano sempre permite transformar o sofrimento numa conquista e numa
relação humana, extrair da culpa a oportunidade de mudar a si mesmo para melhor
e fazer da transitoriedade da vida um incentivo para realizar ações
responsáveis.
ALEX
DE PAULA TAVARES
Aprofundando mais a questão das desigualdades e suas
conseqüências, o psicólogo Alex de Paula Tavares admite que é
difícil ser otimista quando os contrastes sociais (riqueza e pobreza), as
epidemias (AIDS, dengue, DST), a violência ecológica (desmatamentos, queimadas,
extinção de animais, efeito estufa) e a violência humana (homicídios,
narcotráfico e consumo de drogas, prostituição infantil, corrupção, impunidade)
são verdadeiras avalanches que parecem a todos soterrar. “Tantos desequilíbrios
externos refletem um maior, o interno”, ressalta.
Na sua visão, o que se projeta no mundo são os medos, as angústias, o
isolamento, as ambições pessoais e a insensibilidade que, muitas vezes, remontam
à barbárie de séculos idos, quando o córtex cerebral do homem era menos
desenvolvido e não se tinha a conquista da neurolinguística que existe
hoje. “No passado, entre o impulso e o ato não havia a palavra mediadora.
Hoje estamos em outro estágio”, argumenta. “Somos capazes de engendrar o
projeto genoma, de chegar até a outros planetas, de clonar espécies que levaram
bilhões de anos para se desenvolver, mas não somos capazes de aplacar a fome, a
miséria, de reduzir as desigualdades e de respeitar a natureza. Quando constato
toda essa realidade ao nosso redor, não sou otimista”, justifica.
Ele avalia, porém, que não é a partir daí que nascerá uma construção,
ainda que utópica, de uma nova realidade. Para ele, existe uma morada que
transborda do coração humano e que remete todos a uma exigência primordial e
axiomática na fundação do Ser Humano e nas inter-relações que este estabelece
com o Cosmos e com todos os seres. “Ela clama pela crença de que o homem
encontrará o seu ritmo, seu lugar no Cosmos, sua morada telúrica e eterna. É o
‘amar apesar de tudo’, como lembra Jean-Yves Leloup”, profetiza.
“É uma visão e uma percepção que vem de dentro, da tomada de consciência
e da certeza de que o mundo vai bem se estou bem. Mas irá muito pior se
mergulho mais e mais na escuridão do egoísmo, do isolamento e da inverdade”,
continua. “São certezas que precisamos revisitar a cada instante para acreditar
e para transformar o que é possível dentro e fora de nós. Assim estaremos sendo
não otimistas, mas tornando ótimo cada instante milagroso com que a vida nos
brinda”, conclui.
RALF
RICKLI
Cidadão do mundo, fundador e coordenador da TRÓPIS (http://www.tropis.org) ,
entidade voltada para educação alternativa de jovens carentes na periferia de
São Vicente, SP, Ralf Rickli também caminha pela filosofia,
visitando a história e até mesmo a física quântica, para falar do
otimismo. Ele afirma que embora não seja possível ter otimismo, este
sentimento é absolutamente indispensável. “Como dizia a filosofia dos muros de
Paris em 1968: seja realista, peça o impossível”, recorda.
Citando o pensador alemão Hans Vaihinger, autor da obra A Filosofia
do Como Se (‘Die Philosophie des Als Ob’), apregoa que se os seres humanos
agirem como se fosse possível o otimismo, no mínimo pela incerteza quântica,
terão alguma chance de que algo dê certo.
Na sua concepção, não foi a Pós-Modernidade que desencantou o mundo e
que dificultou o otimismo. Foi a Modernidade, com sua pretensão de grandes
sistemas. Já a fragmentação desses sistemas pela Pós-Modernidade reabre espaço
para a liberdade, para a inovação plural, para alguma chance de dar certo,
apesar de tudo, no mínimo pela incerteza descoberta pela física quântica
presente em todos os níveis da realidade, como mostram as teorias do caos.
Ralf destaca que nunca houve uma época que não se julgasse de crise e de
perda de valores. “Como diria Heráclito ou os budistas, a única coisa
permanente é a mudança. Na medida em que se reconhece isso não como uma
deficiência, e sim como um valor, aprendendo a lidar positivamente com isso, a
Pós-Modernidade é um efetivo progresso que nos dá razões para sermos
otimistas”, ensina.
Aprofundando ainda mais a questão, ele pondera que o risco da
Pós-Modernidade não está na fragmentação ou pluralidade, mas, sim, em que ela
venha admitir que cresça dentro dessa pluralidade alguma tendência de negá-la.
“A tolerância
pode tolerar tudo, menos a intolerância, pois a tolerância que tolera a
intolerância é suicida”, sentencia.
Essa frase é a expressão simples do “Princípio do Pluralismo Sistemático”,
parte da Filosofia do Convívio Universal, que conduz todo o trabalho da TROPIS.
“Com a adoção consciente de um princípio, temos razão de muito otimismo na
Pós-Modernidade, razão para esperar que ela seja uma época ainda mais fértil
que Atenas do período clássico – outra época que se julgava em crise e que
deixou riquezas inestimáveis para a humanidade futura”, encerra.
Na sua concepção, durante todo o século XX, os indivíduos aferravam-se
às suas carreiras, inclusive para a sustentação de suas identidades. No capitalismo de especialização flexível,
as carreiras tendem a desaparecer em nome de uma nova ordem produtiva que explode
os laços de confiança mútua, solidariedade e lealdade entre companheiros de
trabalho. “Até agora, não há motivos para otimismo.”, declara.
Em relação às flutuações financeiras globais, é ainda mais enfático.
“Riquezas imensas e penúrias assustadoras surgem da noite para o dia porque o
capital se move à velocidade do sinal eletrônico”, explica. Por um lado, afirma
que não há como ser contra o desenvolvimento da tecnologia, pois isso seria o
mesmo que repetir as revoltas operárias no início da Revolução Industrial,
quando os trabalhadores quebravam as máquinas por acreditarem que estas eram a
causa de seus infortúnios. Mas por outro lado, entende que a questão é como os
contemporâneos moldarão as instituições de forma que a economia possa estar
sujeita às decisões e ao controle dos povos. “Talvez quando, e se, isso
acontecer, seja possível ter otimismo”, avalia.
A deserção nos reinos da ação humana |
Jair Ferreira dos Santos, no seu ensaio O Que é Pós-Moderno,
expõe de forma objetiva o processo da deserção nos reinos em que ela
mais se destaca, como, na História, no Político e no Ideológico, no Trabalho,
na Família e na Religião. |
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Na história: a sociedade moderna acreditava que a
história e seus países marchavam pela revolução ou para situações mais
democráticas e felizes. A sociedade pós-moderna perdeu a crença na
continuidade histórica e vive sem as tradições do passado e sem projeto de
futuro. Enquanto a sociedade moderna queria a história quente e combativa, a
pós-moderna esfria a história e a congela numa sucessão de instantes isolados
e sem rumo. |
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No político e no ideológico: com as trapaças políticas, a sociedade
pós-moderna deixou de acreditar que os políticos e tecnocratas representam o
povo ou possuem altos ideais. Hoje as eleições dependem mais do desempenho
dos candidatos no “mass media” do que de suas idéias. Essa descrença no
político fez a massa pós-moderna abandonar as grandes causas, cobrando do
sistema, de forma pragmática e não ideológica, eficiência na administração e
nos serviços como educação, transportes, saúde. Ao contrário da sociedade
moderna que teve grande participação política, a pós-moderna evita a
militância fogosa. Ela é fria e prefere movimentos com fins práticos. Ela não
quer lutas prolongadas ou patrulhamento ideológico. |
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No trabalho: a sociedade pós-moderna não crê no valor
moral do trabalho e nem vê na profissão o único caminho para a
auto-realização. Mais concentrado no setor de serviços (lojas, bancos,
escritórios, laboratórios, administração), o trabalho tornou-se um jogo de
comunicação entre pessoas. Sem a tensão da linha de montagem moderna, hoje
ele pede o sorriso e a descontração. Embora os ambientes sejam mais leves, os
trabalhadores correm atrás do lazer e lutam mais por uma semana de quatro
dias do que por melhores salários. |
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Na família: na formação da personalidade do
indivíduo, a família perdeu espaço para o “mass media”. Ao contrário da
modernidade, na pós-modernidade descasa-se com facilidade, reproduz-se pouco
e o poder paterno enfraquece. Com a moral branda, surge o amor descontraído,
sem preconceitos e sem compromissos. |
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Na religião: religiões antigas perdem seus fiéis para
pequenas seitas sem futuro. Os indivíduos procuram credos menos coletivos e
mais personalizados, como meditações, zen-budismo, yoga, esoterismo e astrologia.
O homem pós-moderno não é religioso, é psicológico. Pensa mais na expansão da
mente que na salvação da alma. Enquanto a cultura religiosa era
culpabilizante, negando o corpo e o prazer, a cultura psi da Pós-Modernidade
é libertadora. E ao indivíduo pós-moderno não interessa uma consciência
vigilante, mas sim, um ego sem fronteiras. |