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A cerâmica portuguesa tem as suas mais profundas raízes nas culturas megalíticas de milénios e que ocuparam o Ocidente da Península Ibérica. Quem se debruça sobre a nossa olaria encontra nela vestígios dos antepassados romanos, árabes, visigodos e celtas. Tanto os métodos de produção como os elementos decorativos e as próprias características das formas e função dos objectos são testemunhos irrefutáveis da sua origem. Já as citações de Garcia de Resende, Gil Vicente e Camões e dos cronistas da era de quinhentos atestam a evidência destes factos.

Nos começos do Séc. XVI começam a aparecer provas documentais da existência das nossas cerâmicas vidradas, mais propriamente das faianças portuguesas. Assim encontramos na Quinta da Bacalhoa em Azeitão, os painéis de faiança datados de 1505, bem como os da Igreja de São Roque, respeitantes a 1584.

Mas não foi só Lisboa e a sua região centro, produto de grande relevância. Outro tanto sucedeu noutras zonas do Pais, principalmente nos finais dos anos de seiscentos.

A grande qualidade desta louça e a forma como aborda a extraordinária cerâmica chinesa muito contribuíram para a preferência e sucesso destas nossas cerâmicas.

Em meados do Séc. XVII assistimos ao aparecimento de louça muito desenhada, de muitas pequenas figuras, paisagens, fauna, flora e construções de tipo chinês, decorações estas que constituíram mais um motivo ornamental que passou a ser conhecido por «desenho miúdo». No final do Séc. XVII inicia-se na Holanda a manufactura da faiança, que vem substituir a Majólica, indo buscar temas directos à porcelana da China, importada pela Real Companhia das Índias Holandesas. Assiste-se, então, ao aparecimento de notáveis manufacturas de faiança em Roterdão, Amsterdão, Antuérpia, Frislândia e principalmente, em Delft. Mas não foram só as faianças europeias as influenciadas pelos motivos das porcelanas chinesas. Também e, por sua vez, as de origem chinesa começaram a ser influenciadas pela cerâmica não só portuguesa mas também pelas de outras origens e que iam nas naus de Portugal para essas longínquas paragens. E não eram só as naus que serviam de intermediários. Eram, também as caravanas que se abaiançavam a atingir a China, percorrendo as Rotas de Prestes João e Marco Polo, com o aliciante das especiarias e das sedas orientais. Desta comercialização sempre crescente nasceria, sem dúvida, um intercâmbio com fortes repercussões nos costumes e também nas artes, principalmente nas decorativas. Foi principalmente nestas que se exerceu a influência do Oriente. Foi a utilização das formas e a visão decorativa aliada à cor que mais influência exerceram no gosto do Ocidente.

A expansão política, religiosa e económica dos portugueses teve nas artes do Extremo Oriente não propriamente sugestões, mas sim influências na arte indiana ou persa, chinesa e japonesa. Atestam-no os biombos japoneses e as lacas alusivas aos desembarques portugueses em Fundi e Nagasaki, peças de grande valor decorativo. O mesmo diríamos dos temas europeus e dos brasões nacionais na porcelana da China, integrados na história e evolução da arte chinesa e relações políticas com os governadores. Nos tecidos da Índia, nos marfins e mobiliário, vemos, a par da simbologia hindu e civilização oriental de animais e plantas, episódios tirados da Bíblia e Novo Testamento. Na utilização, na técnica e no sentido decorativo souberam os artistas Indígenas introduzir evocações de temas europeus. Criou-se assim uma arte indo-portuguesa que teve muito a ver com a nossa permanência de séculos na Índia Portuguesa. Há, de facto, uma integração das artes orientais na arte-portuguesa – nas faianças, nas porcelanas, nas colchas e tapetes e no mobiliário. Introduziram assim na sua evolução aspectos dum exotismo renovador. Podemos, assim dizer que foram os portugueses os percursores da influência oriental na arte europeia.

Dos modelos importados procedia-se à cópia directa e renovando-a depois associando aos símbolos chineses os temas nacionais. Antes da influência oriental ter dominado a faiança portuguesa do Séc. XVII, cultivámos o gosto da Majólica italiana, conhecida entre nós como Louça de Pisa ou de Veneza, portos por onde era exportada.

Foi tão forte a influência das faianças italianas em Portugal que se tem como segura a existência no Séc. XVII de ainda 28 fornos de louça de Veneza. À forte concorrência das faianças holandesas, italianas, inglesas e espanholas, seguiu-se forte abrandamento das exportações das faianças portuguesas, daí resultando a decadência desta produção nacional, com profundos reflexos na qualidade do produto, com peças mais pesadas, esmaltes, mais grosseiros, uma pintura menos cuidada, ganhando esta faiança um cunho muito popular em que a fraca selecção do desenho vem denotar o pouco interesse do mercado consumidor. Era quase geral o panorama da nossa faiança até princípios do Séc. XVIII.

Com as leis promulgadas nos finais do Séc. XVIII pelo Marquês de Pombal, conheceu a faiança novo impulso, com a concessão de privilégios e isenções, e ainda avultados subsídios pecuniários aos empregados das fábricas, cujos progressos e desenvolvimento patrocinava, sendo, nalguns casos, empresário o próprio Estado. E assim começaram a surgir fábricas de faiança em vários pontos do País, como sejam: Fábrica de Darque (1744), Fábrica de Massarelos (1766), Fábrica Viúva Antunes em Estremoz (1770), Fábrica Miragaia (1775), Fábrica de Manuel Brioso (1779), Fábrica de Santo António do Vale da Piedade (1790), Fábrica da Fervena (1824), Fábrica da Bandeira (1835), Fábrica da Fonte Nova em Aveiro (1882).

Cabe a honra a Coimbra de ter as fábricas de mais remota instalação, ambas no ano de 1700. O célebre ceramista que viria a dar um fortíssimo impulso à faiança coimbrã foi o italiano Domingos Vandelli, natural de Pádua, que fora contratado em 1784 (no tempo do Marquês de Pombal) para leccionar química na Universidade de Coimbra. Encantado com as argilas da região, monta uma unidade fabril (1784) e, servindo-se dos seus conhecimentos, cria um novo tipo de faiança coimbrã, em que na finura das peças, aliada a uma delicada pintura, vemos dominarem os tons verde-ervilha e amarelo-claro. Se nos finais do Séc. XVIII tinha aparecido a “louça Brioso”, também não é menos verdade que na mesma época apareceu, também, a “louça Vandelli”. Falar da nossa faiança e não falar destes dois grandes mestres, além de cometer grave injustiça, é dar nota da mais profunda ignorância.

Brioso, cuja obra continua ainda actualmente a despertar o maior interesse entre os críticos e coleccionadores, só viria a ser «descoberto», no entanto, mais de um século depois pelo ceramógrafo António Augusto Gonçalves, o primeiro a chamar a atenção para o grande valor artístico das suas faianças. Uma das raras peças assinadas por Briosa, e considerada uma das melhores, diz respeito a uma esplêndida travessa com a borda decorada em relevo branco, contornado a castanho-arroxeado sob esmalte azulado, cujo fundo tem uma caçada a cores.

Atribuíram-se por muito tempo a Vandelli as faianças de Brioso, sem base alguma que justificasse tal atribuição, o que, demais, é costume fazer-se entre nós. As louças de Vandelli nada vieram a ter de comum com as de Brioso. Nunca chegaram à beleza de formas e à perfeição decorativa que o nosso ceramista soube imprimir aos seus produtos. Além das qualidades apontadas, estas faianças diferençam-se das daquele técnico italiano pelo anilado da vidragem, que algumas vezes vai quase ao valor de meia-tinta, e que, nas peças somente decoradas a azul, atinge quase a classificação francesa de «ton sur ton». Os esmaltes de Vandelli diferem daqueles pela cor láctea e por serem de mais perfeita homogeneidade. O castanho-avinhado que decora as peças de Vandelli é mais intenso do que o empregue por Brioso.

Após o desaparecimento de Brioso e Vandelli, que marcam fortemente a escola cerâmica portuguesa, a nossa faiança continuou a manter excelente qualidade, mercê do talento de inúmeros outros artistas-artesãos. Ao fim do Séc. XIX pertencem, por exemplo, as magnificas faianças com ornamentação a tinta azul sob esmalte branco e melado, algumas vezes com retoques a cor castanha-arroxeada. E, a partir daí, a olaria popular de Coimbra manteve-se ainda muito produtiva, tanto em louça de barro comum, de diversas qualidades, como em louça de faiança, esta de acabamento muito menos apurado do que a louça fina, e, por isso mesmo, designada de «faiança ratinha».

Ainda hoje se mantêm, em Condeixa, pelo menos em boa parte, os processos de produção dos tradicionais pratos, vasos, potes, encanastrados e castiçais ou das tão procuradas terrinas, travessas, jarras e fontes de parede. Oficinas e artesãos têm sabido manter esta característica tão própria da louça regional de Coimbra, não procurando numa faiança fina e em decorações modernistas uma falsa identidade, que ao fim e ao cabo resultaria numa cerâmica incaracterística, igual a tantas outras, mas nunca uma bela e inconfundível louça da região de Condeixa.

Importa na verdade, acima de tudo, preservar a arte desta cerâmica que, no dizer do ceramógrafo Joaquim de Vasconcelos “é a única, em Portugal, que representa a tradição oriental e, sobretudo, a influência do estilo árabe”. O estilo hispano-árabe, da Idade Média, intimamente ligado, como se sabe, ao estilo persa, implantou-se profundamente na zona, particularmente no que respeita aos aspectos decorativos.

Em termos de composição esta cerâmica parte de uma pasta argilosa, em cuja manufactura entram argilas da região, com decoração apenas manual, sem utilização de decalcomanias, tem como parte final e como revestimento um vidrado estanífero, que depois do cozimento dá à louça aquele tom lácteo e tão castiço.

Desde o princípio que esta unidade cerâmica se sentiu obrigada a cumprir com os ditames dos grandes mestres de cerâmica coimbrã, Brioso e o italiano Vandelli. A componente decoração é integralmente executada à mão, assinada e documentada pela mão do artista. Utilizando este processo de cariz artesanal, torna cada peça «peça única». Com um elevado sentido estético de reproduções dos Sécs. XV, XVI, XVII e XVIII e imbuídas dum cunho artístico e decorativo, tornam-se únicas no País, representando a tradição oriental e a forte influência do estilo árabe.

Mantendo desta forma os processos tradicionais de produção, tem conseguido manter um carácter que torna esta louça inconfundível e verdadeiramente regional.