Manual de urgência
contra as birras
Poucas coisas como as
birras conseguem pôr à prova a paciência e a serenidade dos pais. Podem
acontecer em qualquer fase, mas a sua época por excelência é entre o ano e
meio e os três anos. As crianças nestas idades são, regra geral, muito
expressivas, mas onde verdadeiramente isso se faz notar é quando decidem fazer
uma berreiro: choram, gritam, dão pontapés nos móveis, cabeçadas contra a
parede, ficam inchadas de raiva, passam de vermelho a azul... Enfim, não se
poupam a esforços. E não é nada fácil para os pais permanecerem calmos.
Por mais aborrecidas que sejam as birras é normal acontecerem. E tal como surge a fase dos dentes, também surge a fase dos caprichos. Há crianças mais sossegadas e outras mais temperamentais, e também as que têm muitas ou poucas birras. Mas se uma criança desta idade não tem qualquer capricho, isso é raro. Deve preocupar-nos mais uma criança demasiado sossegada do que as que, esporadicamente, têm actos de rebeldia, porque o normal... é eles acontecerem.
Ai da criança que não as tenha...!
Quais são os motivos?
Nesta idade estão a constituir-se os sentimentos de identidade, associados a
uma vontade própria que começa a manifestar-se. E isso acontece numa etapa em
que sendo as crianças ainda tão pequenas e dependentes, necessariamente,
obrigará à vivência de várias frustrações. Querem mexer em tudo, querem
fazer tudo, querem chegar a todos os sítios, e as suas próprias limitações
físicas impedem-nas. Além disso, muitas das vezes querem pedir algo e não
podem, porque a sua linguagem ainda é escassa e faltam-lhes as palavras (embora
tenhamos, sobretudo as mães, uma capacidade assombrosa para descodificar o que
nos querem dizer).
Como se isto fosse pouco, os próprios pais também não têm outro remédio
senão impedir que façam ou obtenham uma quantidade de coisas. Têm desejos que
não podem ser consentidos ou que não são convenientes.
Tudo tem o seu tempo, mas ainda não entendem
Devido à sua idade, ainda não compreendem muitas vezes as explicações. E mesmo que as entendam, não lhes servem de nada. Não são como os adultos, que possuem já a capacidade de saber esperar para poderem concretizar os seus desejos. Mas, os adultos podem dizer a si próprios "Se não posso tê-lo ou fazê-lo agora, sei que o poderei ter ou fazer amanhã, ou no mês que vem" e, mais ou menos, são capazes de se conformar. Porém, as crianças, quando querem alguma coisa, querem-na imediatamente. É muito difícil ter de esperar. Não podem ainda abstrair a noção de tempo, de futuro e, quando não conseguem algo de imediato sofrem um terrível desgosto.
E é por isso que as birras acontecem e é normal acontecerem precisamente nesta idade. São, entre outras coisas, uma manifestação de uma maior independência; as crianças querem fazer as coisas à sua maneira e não como lhes pedem. Ou seja, as birras estão relacionadas com processos de autonomização próprios destas idades. Mas o facto de serem normais não implica que sejam fáceis de suportar, sobretudo se acontecem em público. Estas, dependem, em parte, do temperamento, que é a parte inata da personalidade, algo que varia muito de uma crianças para outra, inclusivamente entre irmãos.
Há crianças que raramente fazem birras e há outras que têm estes comportamentos muito frequentemente. Portanto, não há que ter vergonha se são muito frequentes, nem orgulhar-se se são raras (já referimos que é um pouco estranho não fazer nenhuma).
A tendência que a criança tem para os caprichos resulta de uma combinação do seu temperamento inato e da educação que recebe, ou seja, da atitude que os seus pais têm a esse respeito. Não é preciso assustar-se com as birras, mas antes ter em consideração que é sempre possível tentar diminuir a sua frequência e intensidade. Pode ajudar a criança a aprender formas mais adequadas para expressar a sua vontade e os seus desejos sem renunciar à sua crescente independência. Porque existe o risco que os caprichos, que são episódios normais no desenvolvimento infantil, se tornem num hábito e num traço de personalidade no futuro.
O primeiro grupo de regras deve aplicar-se antes que a birra aconteça. Consiste em prevenir, sempre que possível: muitas vezes é fácil adivinhar quais as situações que as podem provocar e, consequentemente, escapar-se a tempo. Por exemplo, deve evitar-se o cansaço ou a excitação em demasia, parar com as actividades antes que a criança fique demasiado cansada ou muito excitada e, com isso, controlar as suas emoções. Não deve dar-lhe tarefas demasiado complicadas procurando mudar o cenário antes que fique frustrada por não poder fazer o que quer.
Se, por exemplo, fica frustada porque uma determinada tarefa ou um brinquedo são demasiado complicados para ela, podemos dar-lhe outra coisa para fazer ou guardar o brinquedo até que esteja preparada para brincar com ele. Ou ajudá-la a rodar o carrinho que resiste ou a encaixar a peça do puzzle. Quando aparece o seu primo um pouco mais velho que a diverte muito, mas cujas brincadeiras acabam sempre num choro, terá que o advertir sobre o que aborrece a criança ou então pedir-lhe que a excitação da brincadeira não exceda um determinado nível.
Nem sempre a prevenção funciona
Às vezes as medidas preventivas não dão resultado, e rapidamente encontra-se no meio de uma sonora birra. Que fazer então? Comece pelo que não tem de fazer. Primeiro, não perder a calma e recordar que está perante um comportamento normal, embora pouco agradável. A tarefa mais difícil quando se enfrenta uma criança muito aborrecida é controlar a nossa própria raiva.
É importante que os pais sejam um bom modelo de autocontrole, embora possa parecer difícil perante uma criança com birras frequentes. Apesar de tudo, uma mensagem de amor incondicional é muito importante para uma criança que acaba de perder o controlo. Por exemplo, uma bilhete que poderia ser formulado desta maneira: «Embora me aborreça muito o que fazes, nunca deixarei de gostar de ti».
Não deve bater nem castigar. Deve evitar a raiva e gritar mais alto que a criança. Também não é eficaz tentar o diálogo nesses momentos: a criança, embrenhada nas suas emoções, é pouco acessível ao diálogo quando está em pleno choro. As explicações podem ser oportunas, mas uma vez superada a crise. O que é absolutamente proibido é ceder quando a birra é fruto duma proibição dos pais que, por sua vez, acham ser a atitude mais correcta.
Isto não quer dizer que seja inflexível. Às vezes podemos apercebermo-nos que fomos demasiado rígidos ou que o desejo da criança, afinal, não era assim tão descabido. Em algumas ocasiões pode inclusivamente decidir que não vale a pena desencadear uma birra. Mas o que é preciso evitar é que descubra nestas uma forma de "levar a sua avante".
À medida que as crianças crescem, e com a ajuda dos progenitores, compreenderão melhor as coisas e será mais fácil que se controlem de uma forma mais razoável.
As birras num local público põem os pais à prova, que às vezes não sabem como reagir. Se, pressionados pelo o que dirão as pessoas, aceder, por exemplo, em comprar à criança algo que não quer, para a próxima vez fará o mesmo. Assim, tenha em conta o seguinte:
· O melhor é actuar como em casa. Deve colocar a criança num canto e esperar que se acalme. Se for necessário, pode levá-la para um local mais isolado e, sem aborrecer as outras pessoas (por exemplo, num restaurante) fecharmos a porta até que fique mais calma.
· Não se deve incomodar com o facto de outras pessoas presenciarem a cena. As pessoas sabem que é uma criança e, se alguém não o entende, esse é um problema que não é seu.
· Às vezes é possível prevenir as birras em público evitando confrontar a criança com situações que de certeza não vai suportar: um dia de compras demasiado comprido, por exemplo.
· Também se pode distraí-la. Uma grande ajuda é fazer com que participe numa actividade (não a deixar de lado), solicitando a sua colaboração e comentado tudo o que estamos a fazer.
Resta-nos acrescentar que conforme vão superando o imperioso desejo de conseguir tudo aqui e agora e porque sim, as birras irão diminuindo pouco a pouco.
Revista "Bebé d'Hoje"