Os depressivos de amanhã
Os anúncios fazem mal às crianças? Um estudo nacional sobre o assunto vai avançar, quando há quem defenda a proibição de publicidade para menores de 12 anos
Têm maus hábitos alimentares, pedem brinquedos violentos, querem roupas e calçado de marcas conhecidas. Quase quatro horas diárias de televisão, uns dois mil anúncios por mês, e ei-los, talvez, dentro de alguns anos, a trocar o sofá diante do ecrã pelo divã do psiquiatra, enquanto se empanturram de antidepressivos. Sem querer ser catastrofista ou meter a foice na seara alheia da psicologia, Paulo Morais, professor de Estatística da Universidade Lusíada, partilha desta antevisão dos deprimidos de amanhã. Por isso, vai meter ombros a uma tarefa inédita: coordenar, a pedido da Associação Portuguesa de Direito ao Consumo (APDC), o primeiro estudo destinado a avaliar o impacto da publicidade nas crianças. «Estamos a criar máquinas de consumo padronizadas, em função do que interessa a determinado tipo de indústrias. Hoje, por exemplo, as crianças consomem flocos para amanhã comprarem produtos dietéticos e frequentarem uma clínica para tratar da gordura», diz. Um ciclo vicioso para alguns, um ciclo... delicioso para outros.
Durante os próximos tempos, a APDC tentará sensibilizar os poderes públicos e diversas entidades, no sentido de Portugal avançar para a proibição de publicidade infantil destinada a crianças até aos 12 anos. Tarefa árdua, mesmo se atendermos a que, nestes primeiros seis meses do ano, a Suécia - em cujo território, desde 1996, não está autorizada a divulgação de mensagens publicitárias destinadas àquela faixa etária - possa ajudar à persuasão. Aquele país assume, até Junho, a liderança da União Europeia e faz desta questão uma das principais bandeiras da sua presidência, tendo já agendado um seminário sobre o assunto, a 12 e 13 de Fevereiro, em Estocolmo. Exemplo que a APDC quer repetir por cá.
A legislação portuguesa até nem é muito permissiva em matéria de anúncios, especialmente dirigidos a crianças, mas, para Paulo Morais, o problema reside mais na demora da aplicação da justiça em caso de ilegalidade. «Se o Instituto do Consumidor demorar a actuar, não há legislação que valha.» E os anúncios somam e seguem.
Clonagem via TV
Um dos sinais de alarme sobre o problema foi dado por diversos estudos internacionais. «Está demonstrado que, ao contrário dos adultos, as crianças até aos 12 anos não distinguem entre o que é comunicação publicitária e qualquer outro tipo de informação.»A versão espanhola da série Flinstones é a prova disso. Na verdade, 75% das crianças que assistiam aos episódios identificavam o anúncio do personagem Barney a comer flocos - transmitido ao intervalo - como fazendo parte do filme. A televisão assume-se, deste modo, como a baby-sitter universal ou não fosse ela a «tomar conta» das crianças mais vezes ao dia e a assumir as despesas (des)educativas dos mais novos, substituindo pais sem paciência, exaustos ou com falta de tempo e dinheiro para outras pedagogias.
«Estamos a programar consumidores em vez de cidadãos capazes de desenvolver normalmente o seu processo cognitivo. A publicidade dirigida a crianças ate 12 anos, devia ser proibida na televisão, na rádio, na rua, em qualquer sítio», alerta o professor universitário. A uniformização dos mais novos, essa, continua. Gostos que não se distinguem, da alimentação aos computadores.
Revista “Visão” - 4 de janeiro de 2001 - Miguel Carvalho