O Jogo do Ganso
Um dos jogos de maior importância, maior
alcance e maior fascínio da História é o Jogo do Ganso, também conhecido como o
Real Jogo do Ganso (The Game of Goose na Inglaterra, Jeu de l’Oie na
França).
As primeiras referências ao jogo datam do final
do século XVI, vindas da Itália. Ao longo dos séculos XVI e XVII, o jogo se
popularizou em grande parte da Europa. Há tabuleiros e mesmo uma regra impressa
que datam de uma época relativamente próxima à do seu suposto surgimento. É
possível, no entanto, que sua origem seja mais antiga.
É considerado por muitos como sendo não apenas
um jogo de criança, mas uma parábola sobre a vida e suas
contrariedades.
O tabuleiro traz um percurso espiral, cuja casa
final está no centro e que deve portanto ser percorrido do exterior ao interior.
As casas são numeradas de 1 a 63 e
os jogadores, em geral de 3 a 8, jogam 2 dados para avançar. Os jogadores
começam com o mesmo número de fichas (por exemplo 25) e de início cada um coloca
5 fichas num espaço comum. Muitas vezes esse espaço é o próprio centro do
tabuleiro, onde a casa final,
representando o Jardim do Ganso, é expandida. O primeiro, ou os
primeiros, a completar a jornada, leva as fichas.
Diversas casas especiais determinam ações
específicas e os jogadores devem decidir de início qual o valor das multas
associadas a algumas delas:
Além dessas, há várias casas com a figura de um
ganso. Quando o jogador cai em uma delas, avança novamente o mesmo número de
casas tirado no dado. Se cair em outro ganso, avança mais uma vez, até que caia
em uma casa sem ganso. É interessante notar que, como é necessário um número
exato para chegar a última casa e que um número maior do que o necessário o faz
voltar, o efeito duplicador dos gansos pode às vezes arrastá-lo na direção
inversa.
As casas com ganso tradicionalmente eram os
múltiplos de 9: 9, 18, 27, 36, 45, 54 e 63. Mais tarde foram incluídos gansos
intermediários, com 4 ou 5 casas de distância, para tornar o jogo mais
divertido.
Há ainda 2 casas no percurso com efeito
particular. A casa 26 e a casa 53. Na casa 26 estão desenhados 2 dados, com os
resultados 6 e 3. Na casa 53 outros 2 dados, com os resultados 5 e 4. Caso o
jogador tire em sua jogada inicial uma dessas 2 combinações, ele avança
diretamente até a casa com o desenho. Embora esse mecanismo pareça favorecer em
muito o jogador, na verdade ele evita que alguém possa ganhar logo no primeiro
lance. Afinal, se tirasse 9 (possível com 6 e 3 ou com 5 e 4), o jogador
chegaria até um ganso e avançaria mais 9. Chegaria então ao próximo ganso e
novamente avançaria 9. E assim sucessivamente. Nada poderia impedir que chegasse
à casa final apenas com um 9.
Ao longo de sua jornada, a pior coisa que pode
acontecer a um jogador é cair na casa 58, a Morte. Inafortunadamente, essa é a
casa em que o peão tem mais chance de cair, já que pode parar nela tanto na ida
como na volta, isto é, tanto a caminho da casa 63 como voltando dela no caso de
ter tirado um número maior do que o necessário para chegar ao final. Entretanto,
por mais grave que possa parecer, mesmo a Morte não é definitiva. Mas ela força
o jogador a voltar para o início, reduzindo sua chance de
sucesso.
Há todo um simbolismo ligado ao Jogo do Ganso,
tanto nas imagens, quanto nos números. Oye (ganso) em francês, tem uma
raiz que pode ser relacionada a ouïr (ouvir). E jars (ganso
macho), não está distante de jargon (jargão, língua que não se
compreende) e de jaser (tagarelar, fofocar).
No
século XVII, surgia na França a expressão contes de ma mère l’Oye (contos
da mamãe ganso). A imagem do ganso está portanto ligada à idéia de ouvir e à
idéia de falar, à idéia de uma transmissão oral, da boca ao ouvido. A mamãe
ganso possui o saber e é preciso saber ouvir.
Curiosamente, a figura no ponto de chegada
mostra muitas vezes um ganso, um casal ou mesmo um bando deles, com um ou vários
ovos. Isso parece se ligar ao papel do ganso como símbolo de fertilidade. Em
mitos e contos de fada, os ovos são muitas vezes símbolo de criação e da própria
vida.
Um detalhe intrigante: em holandês antigo, o
Natal era conhecido como Ganzenfeest, a Festa do Ganso. Teria esse termo
como razão única o fato de o ganso ser geralmente servido assado nessa
data?
Finalmente, para se ter um quadro completo do
imaginário ligado ao ganso, é preciso lembrar que, na Europa medieval, o ganso
fazia parte da vida cotidiana, servindo aos camponeses como uma espécie de cão
de guarda.
Em relação ao percurso do jogo, pode ser
considerado um labirinto, ainda que simples. Um fato da época permitiu a ligação
entre o labirinto e ouvir. São contemporâneas aos primeiros jogos do ganso as
primeiras anatomias do ouvido interno, onde há um labirinto espiral. Além disso,
para muitos estudiosos, as espirais e os labirintos podem representar o teste
por que passa o herói, superando a morte e renascendo para a
vida.
Embora o simbolismo dos números esteja além da
compreensão da maioria dos pesquisadores, é interessante notar que os números do
jogo respeitam alguns padrões. Os gansos são 7 e estão colocados a cada 9 casas.
Os acidentes estão separados por 13, 12, 11 e 10 casas.
Além de seu aspecto educativo, no sentido maior
da palavra, o Jogo do Ganso teve grande importância na História dos jogos de
sociedade. Não seria absurdo dizer que o jogo antecedeu o período dos jogos
modernos, caracterizado entre outras coisas pela introdução de elementos
temáticos e ilustrativos nos jogos que até então costumavam se limitar a
representações abstratas.
Pode-se dizer ainda que boa parte da indústria
moderna de jogos de tabuleiro nasceu e cresceu nas asas do ganso. Muitas
companhias começaram com esse jogo ou com variantes suas representando a vida e
realçando por vezes aspectos morais da conduta do homem.
Um exemplo significativo é a empresa americana
Milton Bradley, que teve seu primeiro grande sucesso com The Game of Life (O
Jogo da Vida), que até hoje é comercializado, em uma versão mais
moderna.