Criação de Jogos no Brasil
Entrevista com Luiz Dal Monte Neto
Podemos considerar que a história da criação de jogos no Brasil se divide em duas fases: Pré-Grow e Pós-Grow.
Antes do aparecimento da Grow, logo no início da década de 70, o jogo era visto de duas formas: jogo para criança e jogo de azar. Os jogos para criança, de tabuleiro ou de cartas, eram vendidos em lojas e fabricados por empresas tradicionais como Estrela e Coluna, que também fabricavam brinquedos. Os jogos de azar, especialmente o carteado, eram destinados aos adultos vistos como “viciados” e dispostos a perder parte do seu dinheiro no jogo. Além disso, havia um certo número de jogadores interessados nos jogos clássicos como xadrez, gamão e bridge, organizados muitas vezes em clubes focados em um só desses jogos.
A Grow surgiu com a proposta de oferecer um lazer inteligente, lançando seu primeiro jogo, o War, que desde então vem sendo o carro-chefe de sua linha de produtos. Foi um tiro certo. Tanto que uma empresa muito pequena tornou-se em poucos anos um fabricante respeitado.A Grow procurava privilegiar os produtos que traziam desafios intelectuais, que levavam a pensar. Essa era a imagem que eles estavam buscando, e que parecia corresponder a uma carência do mercado nacional.
À medida que surgiam novos jogos, como Senha e outros, começaram a se organizar grupos, havia pessoas dispostas a conhecer jogos novos. Alguns começaram inclusive a criar seus próprios jogos.
Um nome chave nessa história, que não pode ser esquecido, é o de Mário Seabra. Foi o primeiro que teve peito de dedicar grande parte do seu tempo a isso, sem garantia nenhuma. Por que não existia a figura do criador de jogos nacional. As empresas traziam seus jogos de fora do país.
Mário Seabra era um publicitário de renome, tendo trabalhado no Brasil e em vários lugares da Europa. E apesar de todas as dificuldades que se tornar um criador de jogos poderia oferecer, ele acreditou nessa direção e resolveu apostar nela.
Muito timidamente, a Grow começou a dar espaço a ele. Os produtos iam bem e isso foi frutificando. Eram jogos para faixas etárias diversas, privilegiando o raciocínio, de acordo com a filosofia da Grow.
Com esse boom de jogos provocado pela Grow, muitos grupos de pessoas interessadas começaram a se reunir para jogar nos sábados à noite e quando fosse possível. Um desses grupos merece destaque particular. O grupo que ficou conhecido como “Elo de Amadores de Jogos”.
Sua origem remonta à 77 ou 78, quando a Editora Abril decidiu encampar um projeto de Mário Seabra, lançando em fascículos a coleção “Todos os Jogos”. Esse foi um ponto importante na História. Eram quase 30 fascículos e no final, você ficava com um volume só sobre jogos de cartas, um volume sobre a História dos jogos clássicos, chamado “Todos os Jogos do Mundo” e um volume com regras detalhadas de uma infinidade de jogos. Isso veio a mudar o próprio conceito de redação de regras, que até então eram muito precariamente redigidas. A Abril montou uma equipe para isso que fez um trabalho excepcional.
Além dos livros, o colecionador recebia ainda uma caixa enorme, com 3 andares e cheia de divisórias, onde podiam ser guardadas as peças plásticas que vinham com os fascículos. A coleção foi um grande sucesso. Hoje ainda é possível encontrar esses livros, mas só em sebos, separados e praticamente nunca com as peças.
O Mário Seabra, que era o consultor e coordenador do projeto, alugou um sobradão enorme no bairro da Liberdade, em São Paulo, que passou a ser uma referência. Era a base editorial da coleção e quem tivesse interesse pelo assunto podia aparecer por lá. O endereço e o convite aberto a todos estava impresso nos fascículos. O espaço começou a se tornar um clube de jogos, não de um jogo, mas de todos os jogos.
Quem ia para jogar jogos de baralho encontrava pessoas dispostas a jogar com ele. Quem ia para jogar Wargames (o Mário Seabra tinha mais de 100 Wargames) encontrava com quem jogar, e assim por diante. Foi nessa época que eu, então aluno de arquitetura, conheci o Mário. E foi nessa época que a coisa começou a deslanchar e ganhou status de hobby. Começaram a aparecer pessoas que inventavam seus próprios jogos.
Na segunda metade da década de 80, três diretores da Grow decidiram sair e montar sua própria empresa. Surgiu a Toyster, inaugurando uma nova fase na história do jogo no Brasil. A Toyster passou a dar um espaço maior para o criador nacional . Fazia quase tudo com criação nacional. E começaram a surgir alguns novos criadores.
Alguns dos principais são Milton Célio de Oliveira Filho, Carlos Seabra, Otávio Lacerda, Fernando Fonseca e Luís Gonzaga, entre outros.
Na década de 90, com a abertura indiscriminada do mercado, houve um sucateamento da Indústria Nacional. Com a invasão de produtos estrangeiros, principalmente chineses, a indústria de brinquedos quase acabou. Várias empresas fecharam as portas, como foi o caso da Troll e mesmo a Estrela esteve perto de seu fim, após ter sido um dos maiores fabricantes de brinquedos do mundo. Acabou sendo vendida, mas reencontrou seu caminho.
Foi um fim de década amargo, em que a encomenda de jogos para criadores diminuiu muito.
Hoje, há razões para otimismo. As empresas já se adaptaram às novas condições.
No entanto, um grande limitador do crescimento do mercado de jogos perdura: a falta de educação adequada de grande parte da população. A educação é uma condição necessária para que se possa apreciar um jogo inteligente. Aliando a isso a falta de dinheiro, vemos que não há no Brasil um grande mercado capaz de consumir jogos sofisticados e mais caros. O foco de preço dos fabricantes é quase sempre 15 reais, até 20. E parte do prazer ao jogar é sem dúvida o fator sensorial, explorar as cartas, conhecer as pecinhas. Mas como o preço é quem manda, os componentes plásticos desaparecem, ou então nos deparamos quase sempre com as mesmas peças, estejam elas representando macacos, detetives ou outra coisa qualquer.
Na Alemanha, onde além da educação e do poder aquisitivo, existe o hábito familiar do lazer em casa e do lazer inteligente, se vende muito mais jogos que no Brasil, talvez 10 vezes mais, sendo que a população alemã é consideravelmente menor que a brasileira.
No Brasil, um jogo que venda 24.000 por ano pode ser considerado um bestseller.
De qualquer modo, o nível de criação dos jogos no Brasil tem melhorado bastante e acredito que no futuro os jogos nacionais poderão chegar a ser vendidos lá fora. Já houve até um caso de jogo brasileiro lançado na Alemanha. Era um jogo de destreza fabricado pela Toyster que foi lançado pela Ravensburger.