A
INICIAÇÃO EM YOGA E TANTRA:
SHIVARATRI, UM CONTO ENCANTADOR QUE INICIA O PRATICANTE EM PURNA YOGA (A YOGA COMPLETA E TANTRA).
SHIVARATRI,
A CONSUMAÇÃO DA UNIÃO ETERNA DE SHIVA E SHAKTI.
A
palavra YOGA do sânscrito “YOG”, do radical “YUDJ”, significa união.
Aqui temos a significativa história da união eterna de Shiva (consciência,
masculino, espírito, guru) com
Shakti (energia, feminino, matéria, discípulo, mente/corpo), a complementação
das forças opostas do universo. O dia de Shivaratri é comemorado em toda a Índia
nos templos de Shiva e nos principais centros de yoga no décimo quarto dia após a Lua cheia, no início de Fevereiro ou final de Janeiro. É um dia muito
especial, em que dentre as comemorações extremamente favorecedoras, se narra
esta história para atrair os ótimos fluídos em nossas vidas e se ter sucesso
com as práticas de yoga. Foi com o advento da união matrimonial de Shiva com
Shakti que surgiram os ensinamentos de yoga e foram revelados de Shiva para sua
esposa a pedido dela, em benefício dos seres humanos e dos animais. O conto de
profundo e abrangente simbolismo, segue assim.
Na
antiga e longínqua Índia, berço da sabedoria infinita, em tempos muitos
remotos, desde que Parvati (que significa Filha das Montanhas), encarnação de
Sati, eterna consorte de Shiva,
nasceu na casa do rei Himachala (divindade do Himalaia), como sua filha, as
montanhas se converteram em uma morada de bênçãos e prosperidade. Os sábios
ergueram belas ermidas por toda parte e o Himalaia proporcionou a todos bons refúgios
(na forma de cavernas, etc.).
Jovens
árvores de variedades distintas foram dotadas de botões e frutos que nunca
terminavam e nas belas montanhas apareceram minas e depósitos naturais de
diversas classes de pedras preciosas e talismãs.
Um
asceta de cabelo emaranhado e coração livre de todo anseio, completamente nu e
com estranhos adereços, tal será seu senhor, pois eu posso ler na palma de sua
mão”.
O
chefe dos sábios, Narada, respondeu-lhe: “Escuta, oh Himavan; ninguém pode
mudar o que o destino preparou, nem deuses, demônios, seres humanos, Nagas ou sábios.
Entretanto, te darei uma solução: pode ser que te sirva se o céu te ajudar.
Sem dúvida Uma terá o esposo que te descrevi. Mas, de acordo aos meus
conhecimentos, os defeitos do esposo de Uma estão presentes em Siva. Se ela se
casar com Shamkara (um dos nomes de Siva, significa: “Bondade
Personificada”), todos considerarão os defeitos tão bons como as virtudes.
Ainda que o Sri Hari (Vishnu, a divindade da manutenção e da continuidade)
utilize o deus-serpente como leito e durma sobre ele, os sábios não o culpam
por isto. Ainda que o Sol e o fogo, absorvam toda a umidade em todos os objetos,
esta não lhe umidece. Todo tipo de água pura e impura flui no Ganges, mas o
santo rio não é considerado impuro. Tal qual o Sol, o fogo e o Ganges, o sábio
não conhece a culpa. Sentindo-se orgulhosos de sua sabedoria, os homens imitam
os grandes sábios e com esta ofensa são lançados ao fogo do inferno durante
todo um KALPA, período de duração da vida no universo. Pode uma alma
encarnada lutar contra Deus?”
Dizendo
isto e com a mente fixa em Sri Hari, sua divindade tutelar, Narada deu suas bênçãos
a Guiridja e disse: “Esqueça todo o temor, oh senhor das montanhas; tudo sairá
bem”.
“Esqueça
toda preocupação querida, e fixa tua mente no Senhor. Só Ele que criou
Parvati lhe dará a felicidade. Se tens amor por sua filha, vá e aconselhe-a a
praticar austeridades para que produza sua
união com Siva; não há outra forma de superar a tristeza. As palavras de
Narada são sábias e cheias de razão. Siva (que carrega um touro como emblema)
é fonte de belezas e virtudes; sabendo disto não abrigues nenhum temor.
Shamkara (Siva) é irresistível em todos os aspectos”.
Depois
de ouvir as palavras de seu esposo, Mena se sentiu contente; num instante se
ergueu e foi onde estava Guiridja. Ao ver Uma, lágrimas brotaram de seus olhos
e com carinho colheu a menina em seu regaço. Por vezes lhe abraçara, sua voz
estava tomada pela emoção e sua língua estava paralisada. A mãe do universo,
a onisciente Bhavani, falou então estas doces palavras que alegraram o coração
de sua mãe.
Amando
em seu coração os pés de seu senhor, Uma foi ao bosque e começou sua penitência.
Sua delicada constituição não era muito apropriada para fazer austeridades,
mas ela renunciou a todos os luxos fixando a mente nos pés de seu senhor. Sua
devoção aos pés de Siva aumentava a cada dia e ficou tão absorta na penitência
que perdeu toda consciência de seu corpo. Durante mil anos viveu só de raízes
e frutos. Nos cem anos seguintes sobreviveu apenas com vegetais. Logo, por uns
dias seus únicos alimentos foram à água e o ar e depois jejuou alguns dias
mais. Durante três mil anos se alimentou de folhas secas que caiam da árvore
Bel (consagrada a Siva). Finalmente deixou inclusive de comer estas folhas. Então
adotou o nome de APARNA (que vive até sem folhas). Vendo seu corpo mortificado
de tanto sacrifício, a voz profunda de Brahma (o criador) ressoou no céu:
“Escuta, filha do rei da montanha; teu desejo será cumprido. Abandona tuas
penitências; aquele que destruiu Tripura será logo teu. Já houveram muitos sábios,
controlados e iluminados, mas nenhum deles realizou tais penitências, Bhavani.
Agora desfruta destas palavras supremas do céu e saiba que são verdadeiras e
sagradas para sempre. Quando teu pai chegar a ti não resista e volte para casa
em seguida. E quando vires os sete sábios (constelação Ursa Maior), confia na
veracidade deste oráculo”. Guiridja se regozijou ao ouvir estas palavras de
Brahman que o céu havia derramado e sentiu um estremecimento de alegria por
todo seu corpo.
O sábio
Yajnavalkya (pronuncia-se Yaguiniavalkya) que estava narrando este conto ao rei
Bharadwaja disse: “Te contei a bela história de Uma; agora escuta o
maravilhoso relato da história de Shambho (Siva). Desde que Sati abandonou seu
corpo, a mente de Siva afastou-se de tudo e submergiu em profunda meditação. A
encarnação da inteligência e da sorte, a fonte da felicidade, Siva, que está
livre do erro, da arrogância e do desejo, vagava pela terra
com o coração fixo em sua essência sublime. Ensinava a sabedoria aos sábios.
Ainda que livre de paixão e onisciente, o Senhor estava aflito pela separação
de sua devota, a amada Sati. Assim passou muito tempo. Sri Rama (uma das formas
de Vishnu), que é um em essência
com Siva, apareceu perante Shamkara (Siva) e lhe falou de muitas formas – Quem
senão tu podes cumprir tal promessa?” Yaguiniavalkya prosseguiu: Sri Rama lhe
deu muitos conselhos e lhe falou de Sati reencarnada como Parvati. Sri Rama em
sua infinita compaixão lhe contou detalhadamente as ações yoguis de Guirija e
seu fervoroso propósito.
Em
resposta: “Me sinto muito fraca para cumprir minha missão. Vós rireis ao
escutar minhas loucuras. Minha mente adotou uma postura rígida e não presta
atenção aos conselhos; poderia inclusive levantar um muro d’água. Confiando
na verdade da profecia de Narada anseio voar mesmo sem ter asas. Fixa em minha
loucura, sempre anseio em ter Siva como esposo.”
Ao
ouvir isto; Bhavani riu e disse: “Vós haveis dado conta de que meu corpo é
feito de pedra. Preferia morrer antes de abandonar meu propósito. O ouro é um
produto da pedra que não perde sua qualidade apesar de ser lançado no fogo. Eu
não posso esquecer-me das palavras de Narada, a mim não me importa se minha
casa esteja cheia ou vazia. Aquele que não tem fé nas palavras de seu mestre não
pode alcançar a felicidade, êxito, nem sequer em sonhos.”
“Se
estais empenhados em unir um casal e não podeis evitá-lo, não faltam
pretendentes e donzelas que podeis unir, os que encontram satisfação nessas
atividades não conhecem aborrecimento. Mas eu devo casar-me com Shambho ou
continuar virgem, não importa se tenho que continuar tentando por mais dez milhões
de vidas. Não me esquecerei dos conselhos de Narada ainda que o próprio
Shambho me diga cem vezes que o faça . Me prostro aos vossos pés. Por favor
voltem para vossa casa, já é tarde .“ Ao ver a glória e devoção de
Parvati, os grandes sábios exclamaram: “Glória a ti oh Bhavani, mãe do
universo! Tu és Maya enquanto Siva é o próprio Deus. Vos sois os pais do
universo inteiro.” Prostrando a cabeça aos pés de Parvati, partiram. Por
seus corpos corria um estremecimento de emoção que lhes invadia uma e outra
vez.
Logo
Shambho, concentrou sua mente e começou a meditar. Naqueles dias havia
aparecido um demônio chamado Taraka; sua força, glória e majestade eram
verdadeiramente grandes. Havia conquistado todas as dimensões e planos bem como
seus guardiões e todos os deuses se achavam destituídos de felicidade e
prosperidade. Taraka não conhecia a idade nem a morte e era invencível. Os
deuses haviam lutado contra ele muitas vezes e sempre perdiam. Então foram até
Virantchi (Brahma) e lhe falaram de seus males. O criador os encontrou em um
estado muito miserável. E lhes consolou dizendo: “O demônio só será destruído
quando nasça um filho do lombo de Shambho, pois só ele poderá vencer Taraka.
Atuem de acordo com o que vos digo. Obterão ajuda divina e vossos planos terão
êxito. Sati que deixou seu corpo no YAGUIA (fogo sacrificial) realizado pelo
rei Daksha, voltou a nascer na casa de Himachala. Ela fez penitência para se
casar com Shambho; e Siva que renunciou a tudo está absorvido em profunda
meditação. Ainda que não pareça adequada escutem minha proposta. Ide até
KAMADEVA (o cupido da mitologia hindu) e enviem-no até Siva; deixem que rompa a
serenidade de sua mente. Logo iremos e prostrando-nos aos pés de Siva o
convenceremos para que se case ainda que seja contra sua vontade. Só assim serão
atendidos os pedidos dos deuses.”
Todos
ali presentes responderam: ”A idéia é excelente”. Então os deuses rezaram
com grande fervor e o deus do amor, armado com cinco flechas (o lótus branco, a
flor Asoka, o botão da mangueira, o jasmim, o lótus azul) e com um peixe como
emblema em seu estandarte, apareceu perante eles.
Viveka
(discernimento) iniciou um vôo com seus aliados, seus grandes guerreiros se
retiraram do campo de batalha. Se foram todos e se esconderam nas cavernas das
montanhas, que eram os livros sagrados daquele tempo. Houve uma grande revolução
no mundo e todos disseram: “Deus meu, que irá suceder? Que poder nos salvará?
Quem é este sobre-humano com duas cabeças, que para vence-lo o senhor de Rati,
o Amor, levantou com fúria seu arco e flechas?”
Todas
as mentes se encherem de luxúria, os ramos das árvores de dobraram ao ver as
trepadeiras. Os rios, como torrentes se precipitaram a unir-se com o oceano; os
lagos e tanques se uniram com mútuo amor. Se tais coisas se sucederam na criação
inanimada, quem poderia dizer as ações dos seres sensíveis. As bestas que
caminhavam sobre a terra, os pássaros que sulcam o ar e a água perderam todo
sentido do tempo e foram vítimas da luxúria. O mundo inteiro entrou em um
estado de agitação e ficou ofuscado pela paixão. Os deuses, demônios, seres
humanos, kinaras (semideuses), serpentes, espíritos do mal, fantasmas e
vampiros, até os siddhas (adeptos espirituais de grande realização), os sábios
que não sentem atração pelo mundo e os que praticam penitências e
austeridades esqueceram-se de suas práticas sob a influência da luxúria. E se
tais pessoas estavam possuídos pela luxúria, quem dirá o povo comum! Aqueles
que sempre haviam olhado a criação animada e inanimada como cheia e impregnada
de uma única essência indestrutível e eterna, agora a viam constituída
apenas de puro sexo. As mulheres viam o mundo cheio de homens, enquanto que para
estes estava cheio de mulheres. E este maravilhoso jogo do Amor durou no
universo quase uma hora.
A
mente do Senhor estava muito perturbada. Abrindo os olhos, mirou os arredores.
Quando viu Kama escondido atrás das folhas da mangueira, ficou muito furioso e
isto fez tremer as três esferas (a animal, a humana e a divina). Então Siva
abriu o seu terceiro olho e fitou Kama que ficou reduzido a cinzas. Um grande
lamento se estendeu por todo universo. Os deuses estavam alarmados e os demônios
satisfeitos. Pensar nas perdas dos prazeres sensuais entristecia aos
voluptuosos, enquanto que muitos se sentiam livres de um espinho. Os que viviam
em meditação ficaram livres de tormentos, enquanto que Rati (esposa de Kama)
desmaiou ao interar-se da sorte de seu senhor. Aproximou-se de Shamkara
chorando, lamentando-se e suplicando de muitas formas ficou parada perante Siva
com as mãos juntas. Ao ver a desvalida mulher, o bondoso Senhor Siva, a quem é
fácil de aplacar, profetizou deste modo: “De agora em diante Rati, teu esposo
será chamado Ananga (incorpóreo); terá poderes mesmo carecendo de corpo.
Escuta agora como voltarás a estar com ele. Quando Sri Krishna descender na
linhagem de Yadu para aliviar a Terra do sofrimento, teu senhor nascerá de novo
como Seu filho (Pradyumna); esta predição não pode deixar de se cumprir.”
Ao
escutar a Bhavani e ver sua devoção e sua fé, os sábios se alegraram.
Inclinaram suas cabeças perante ela e foram até Himavan. Contaram-lhe o
ocorrido e ele se sentiu muito triste ao saber que Siva tinha queimado o deus do
amor. Logo os sábios lhe disseram do favor concedido a Rati e deste modo
Himavan se sentiu mais consolado. Recordando a glória de Shambho, Himachala
citou grandes sábios. Fixou uma data favorável segundo as posições das
estrelas e uma hora bem determinada. Depois de decidir o momento exato do
casamento anotou todos estes dados segundo os preceitos védicos. Himachala
entregou as anotações com a hora exata do casamento aos Sete Sábios e unindo
os pés, lhe apresentou suas súplicas. Chamando Brahma lhe deram as anotações
e quando as leu, seu coração estava transbordando de felicidade. Brahma leu as
anotações para todos os deuses e sábios que se alegraram ao escutá-las.
Caiam flores do ar, a música saia de diversos instrumentos e se colocaram
jarros propícios em toda parte.
Os
deuses começaram a enfeitar seus carros aéreos, se viam sinais de felicidade e
bons presságios, donzelas celestiais cantavam cheias de júbilo. Os servos de
Shambho começaram a enfeitar seu Senhor. Seus cabelos formavam uma coroa e
foram adornados com uma crista de serpentes. Como pingentes e braceletes tinha
também serpentes; seu corpo foi coberto de cinzas e sobre as costas levava a
pele de um leão. Em sua bela fronte brilhava a meia Lua, o rio Ganges na coroa
de sua cabeça e o cordão sagrado estava formado por três olhos e uma
serpente. Sua garganta estava negra com a marca do veneno que fora tragado no início
da criação e levava uma guirlanda de crânios humanos em volta do pescoço.
Embora vestido com seus misteriosos atavios, seguia sendo uma fonte de bênçãos
e de profunda misericórdia. Um tridente e um damaru (pequeno tambor) adornavam
suas mãos. Siva cavalgava um touro enquanto tocavam os instrumentos. As
divindades femininas sorriam e diziam: “Não há no mundo todo uma noiva digna
deste noivo.” Vishnu, Brahma e outros deuses se uniram ao cortejo do noivo em
seus respectivos carros. Os imortais apresentavam um aspecto impecável e ainda
assim, quase não eram dignos de estar na presença de Siva.
Vishnu
chamou os guardas dos diferentes exércitos e sorrindo lhes falou: “Cada um
com seu próprio séqüito deve marchar separadamente. A procissão não é
digna do noivo. É como se estivessem passando por ridículo em uma cidade
desconhecida.” Ao ouvir as palavras de Vishnu, os deuses sorriram e partiram
cada um com seu grupo. O grande senhor Siva sorriu ao ver que o humor de Sri
Rama (Vishnu) nunca falhava. Enquanto ouvia estes belos comentários de seu
amigo, enviou Bhrnji para que chamasse seus servos. Ao chamado de Siva vieram
todos e prostraram a cabeça aos seus pés de lótus. Siva riu ao ver seu exército
vestido com roupas multicoloridas e avançando em toda classe de veículos.
Alguns não tinham cabeça, enquanto que outros eram monstros de muitas cabeças,
alguns não tinham pés nem mãos . Outros tinham numerosos olhos e outros não
tinham nenhum. Alguns eram fortes e
bem formados enquanto que outros eram magérrimos. Alguns tinham corpos muito
fracos e outros entretanto eram robustos; uns eram limpos e asseados enquanto
outros eram sujos e mal trajados. Iam adornados de forma temível com caveiras
nas mãos e besuntados com sangue fresco. Tinham cabeças de burros, cachorros,
cervos, chacais, havia seres com olhos na barriga que andavam saltitando e a
diversidade de seus adereços era incontável. Os grupos de espíritos,
duendes e fadas não se podia descrever.
O rei
da montanha havia mandado decorar com gosto várias casas, todos os convidados
foram alojados nelas, cada um ocupando a que lhe correspondia segundo sua posição.
O esplendor da cidade era tão cativante que depois de admira-la uma vez, a
capacidade criadora do próprio Brahma parecia pequena demais. Pela magnitude de
todos presentes ali as árvores e jardins, ruas, lagos e rios eram de inesquecível
beleza. Cada casa estava decorada com arcos triunfais, bandeiras e estandartes.
Os homens e mulheres da cidade eram tão agradáveis e inteligentes que chegavam
a cativar os corações dos sábios. A cidade na qual tinha encarnado a mãe do
universo superava qualquer descrição. A prosperidade, o êxito, aumentavam e
se manifestavam de novas formas.
Quando
ouviu o cortejo do noivo chegando, a cidade se sentiu comovida e parecia ainda
mais bela. Um grupo de homens adornados e com veículos decorados de muitas
formas se adiantou para receber o cortejo do noivo. Ao ver os imortais, seus
corações se alegraram. E ainda se sentiram mais felizes ao ver Sri Rama (Vishnu).
Mas ao ver a comitiva de Siva, todos os animais sobre os quais montavam, começaram
a retroceder e fugir cheios de medo. As pessoas mais velhas raciocinavam e
ficavam paradas no seu lugar, as crianças começavam a correr para salvar suas
vidas. Quando chegavam em casa e seus pais lhe perguntavam, falavam com todo o
corpo tremendo de medo: “Que podemos dizer? O aspecto não se pode descrever.
Não sabemos se era o cortejo do noivo ou o exército da morte! O noivo é um
que cavalga um touro e seus ornamentos são serpentes, caveiras e cinzas do
crematório. Seu corpo está coberto por tais cinzas e enfeitado com serpentes e
caveiras. Está desnudo, seu cabelo é emaranhado e o seu aspecto é terrível.
Vai acompanhado de fantasmas, espíritos maus, duendes, fadas e demônios de
rostos espantosos. Aquele que sobrevive ao ver o cortejo do noivo é um homem
muito afortunado e só ele será testemunha do casamento de Uma.” Isto diziam
as crianças indo de casa em casa. Os pais sorriam, pois sabiam que falavam do séqüito
de Siva. Tranqüilizavam seus filhos e lhes diziam: “Não temam, não há razão
para ter medo.”
O
grupo que havia saído para receber o noivo e seu cortejo regressou e ofereceu
belos alojamentos para todos os convidados. Mena (mãe de Parvati) acendeu
tochas de bons auspícios (dhup, feitas de resinas aromáticas) para iluminar o
noivo e as mulheres que a acompanhavam cantavam melodias de júbilo. Uma bandeja
de ouro adornava as belas mãos de Mena e esta recebeu o Senhor Hara cheia de
alegria. Quando viram Rudra com seu aspecto temível, as mulheres ficaram com
muito medo. Fugiram cheias de pânico e entravam em suas casas, enquanto que o
Senhor Siva se dirigia aos alojamentos do cortejo nupcial. Mena se sentia triste
e mandou chamar Parvati. Com grande carinho a fez sentar em seu regaço; as lágrimas
brotaram em seus olhos que pareciam dois lótus azuis. “E pensar que o Criador
te fez tão bela e foi tão louco de dar-te um homem tão lunático por esposo!
Que estranho que o Criador que te fez tão charmosa tenha te dado um homem tão
louco por esposo! A fruta que deveria enfeitar a árvore que satisfaz os desejos
se vê irremediavelmente em uma planta espinhosa. Tomando-te em meus braços
preferiria cair de cima de uma montanha, ou atirar-me nas chamas ou afogar-me no
mar. Que minha casa fique destruída e eu seja mal considerada no mundo, tudo
menos deixar que tu te cases com este louco enquanto eu esteja viva.”
Ao
ouvir o relato de Narada, a tristeza desapareceu de seus corações. Num
instante estas novas se divulgaram por toda cidade. Logo Mena e Himavan se
regozijaram e se prostraram aos pés de Parvati repetidas vezes. Todos os cidadãos,
homens, mulheres e crianças, tanto os jovens quanto os anciãos se sentiam
felizes. Começou a se ouvir canções de festa, colocaram potes de ouro por
todas as partes. Preparou-se uma
infinidade pratos diferentes de acordo as leis gastronômicas. Himachala chamou
todos os membros da comitiva do noivo, incluindo Vishnu, Brahma e outros deuses.
Os cozinheiros convidados começaram a lhes servir. Ao ver os deuses comendo,
grupos de mulheres começaram a rodear-lhes, cantando suaves melodias.
Belas
mulheres lhes cantavam doces melodias e lhes provocavam de diversas formas. Os
deuses se divertiam muito escutando-as e o banquete durou muito tempo. A alegria
presente na cena não pode ser descrita nem por milhões de línguas! Depois de
lavar a boca com água no final da cena, os deuses receberam folhas de noz
moscada e regressaram aos seus alojamentos.
Neste
momento, para a grande surpresa dos convidados ali presentes, os adornos de Siva
e de sua comitiva se transformaram de súbito nas mais requintadas e belas obras
ornamentais do universo, a cinza de seu corpo cedeu lugar ao traje mais belo e
garboso de todos. O aspecto temível dos seus atendentes se transformou em feições
divinas e de beleza insuperável, emitiam uma fragrância inebriante que colocou
todos em puro êxtase, eram muito belos e alguns deles pairavam nas alturas com
seus renovados aspectos, derramando chuvas de flores jamais vistas, vindas das
regiões celestiais, muitas de pétalas iridescentes e com transparências e
perfumes encantadores. Os sons que emitiam eram uma vibração indizível e o
ambiente se encheu do mais requintado esplendor que o universo foi capaz de
presenciar!
Então
os sábios foram buscar Uma que vinha acompanhada de suas donzelas e ricamente
trajada. Todos os deuses ficaram extasiados ante sua beleza. Que poeta seria
capaz de descrever tanta harmonia? Reconhecendo nela a mãe do universo e esposa
de Siva, as divindades se prostraram mentalmente perante a Deusa. A perfeição
e a beleza de Bhavani não podia ser enaltecida nem por milhões de vozes. A Mãe
Bhavani, caminhou até o centro do pavilhão circular onde estava Siva. Por sua
timidez, não podia olhar os pés de lótus de Seu Senhor, ainda que Seu coração
permanecesse fixo neles como uma abelha. Seguindo as instruções dos sábios,
Shambho e Bhavani ofereceram honras divinas ao Senhor Ganesha (filho de Siva e
Parvati). Que ninguém se admire disto pois os deuses são eternos e existem
desde sempre.
Os
grandes sábios celebraram a cerimônia com todos os detalhes como está
assinalado nos Vedas. Colhendo a erva sagrada e tomando a noiva pela mão, o rei
da montanha Himalaia a ofereceu para Bhava (Siva) sabendo que ela é sua eterna
companheira. Quando o grande Senhor Siva tomou a mão da noiva, os grandes
deuses se alegraram em extremo. Os sábios cantavam as fórmulas védicas (mantras),
enquanto os deuses exclamavam: “JAYA SHAMKARA, JAYA SHAMKARA...” Querendo
dizer; toda vitória a Shamkara! Ouviam-se instrumentos de todos os tipos e do céu
caiam infinitas variedades de flores. Assim foi concluído o casamento de Hara e
Guiridja. Grande regozijo reinava em todo universo.
Após a consumação
do casamento, Siva e Parvati com sua comitiva, se recolheram para a moradia de
Shamkara no monte Kailesh (no sul do Tibet, quase fronteira com a Índia, ponto
milenar de peregrinação de yoguis e hindus). Ananga, o deus do amor, mesmo sem
corpo se fazia presente por sua emissária, a rainha das estações, a
primavera. Todas as montanhas e vales circundando o local de Siva, pareciam a
moradia eterna da primavera e seus encantos, as flores e seus aromas formavam
uma quilométrica guirlanda natural ao redor da sagrada montanha.
As núpcias do casal divino
transformaram os pares opostos de todo o universo em complementos um do outro e
todo conflito pausou em trégua. O significado do termo yoga surgia neste
momento com a consumação da perfeita união. Encontrava-se ali a origem e
finalidade da yoga (união). Ocorria a união do criador com a criação, do espírito
universal com a natureza, do que está em cima com o que está em baixo. A
harmonia era a ordem no universo inteiro e o contentamento existencial se
estendeu para todas as criaturas moveis e imóveis. O júbilo e o êxtase eram
sentidos em cada célula ou partícula da criação e a paz encontrava-se em seu
palácio e reinado absoluto.
Por milênios ininterruptos as
núpcias prosseguiram, os jogos amorosos do casal formaram a base de toda iniciação
ao amor que se tenha conhecimento e era totalmente
dedicado ao momento mais divino da existência de tudo; a harmonia
universal. As escrituras tântricas que ensinam a união e a sublimação da
energia sexual, tais como Kama Sutras e o Ananga Ranga, as conhecidas e as nunca
divulgadas, contendo as sessenta e quatro posturas para a união e as mais
diversas carícias que são capazes de transformar seres humanos em divindades
no amor, foram inspiradas em apenas uma faísca do que veio a ser as núpcias de
Siva com Shakti.
Como a natureza e os deuses
também foram participantes desta união, revelaram por sua vez os seus
respectivos TANTRAS. Surya, a divindade solar, o deus Sol, com seus adeptos
formaram o SAURA TANTRA, suas escrituras e linhagem. Vishnu, com seus devotos
constituíram o VAISHNAVA TANTRA. Igualmente, um dos filhos de Siva e Parvati, o
Senhor Ganesha, formou o compêndio e tradição dos GANAPATYA TANTRA. E por sua
vez, os que vieram diretamente de Parvati ficaram identificados como SHAKTA
TANTRA e formam a tradição, práticas e escrituras mais significativas. O
TANTRA que é dedicado a Siva diretamente é o SHAIVA TANTRA. Com o decorrer dos
tempos os cinco TANTRAS haveriam de se espalhar pelos cinco continentes para o
benefício de todos no mundo.
Após a síntese de toda a criação
ter sido repassada, com os segredos de seu aparecimento, manutenção e dissolução,
por meio de fórmulas (mantras), diagramas (yantras) e as diversas práticas
para tal. Em um belo dia Parvati indagou ao seu Senhor: “Oh divindade venerável,
de todos os rituais dedicados à sua honra, qual deles mais Lhe agrada?”
Parvati estava profundamente
impressionada pela fala do Senhor Siva. Ela repetiu isto para suas amigas, que
por sua vez repassaram para as princesas governantes da Terra. Assim a santidade
de Shivaratri foi divulgada para o mundo inteiro.
O rei dos textos originais do
TANTRA é uma escritura para yoguis que possuem iniciação monástica e que se
encarregam da missão de dar iniciação em yoga e Tantra para os demais,
conhecido pelo nome de “MAHANIRVANA TANTRA” (O TANTRA DA ILUMINAÇÃO),
possui duas partes ou dois tonos, o primeiro é bem conhecido e o segundo é um
segredo não revelado, pois ensina as fórmulas e diagramas para a reconstrução,
manutenção e destruição (transformação) do universo manifesto. Nos aponta
a origem de tudo e como não poderia deixar de faltar, a origem do próprio
TANTRA e da YOGA. Em sua primeira parte intitulada “A ILUMINAÇÃO DOS
SERES”, consta o que se segue.
-Oh Deus dos Deuses, Senhor do
mundo, Jóia da Misericórdia, meu marido, Vós sois meu Senhor, em Ti sou
sempre dependente (por serem da mesma essência) e a Ti sou sempre obediente.
Tudo o que falo sempre é pela Tua fala. Oh grande Senhor, se tens afeto por
Mim, Lhe suplico que Me esclareça o que passa por Minha mente. Quem mais senão
Tu, oh Senhor Magnânimo, nos três mundos seria capaz de dissolver minhas dúvidas,
pois conheces todas as escrituras e tudo quanto há.” V. 11-13
-O que foi que disse? Oh grande
ser de soberba sabedoria e amada de meu coração, Eu Lhe revelaria qualquer
coisa, estivesse o quanto fosse envolto em tamanho mistério que não pudesse
ser dito nem na presença de nossos filhos Ganesha e Skanda o comandante dos exércitos
do seres divinos (que encarnou par livrar os deuses das imposições dos seres
demoníacos, como consta na história de Shivaratri). O que poderia haver nos três
mundos que estaria ocultado de Ti? Pois Tu és o meu próprio Ser. Não há
nenhuma diferença entre Mim e Vossa Pessoa! És onipresente, o que haveria então
que ainda não conheças para que me indague desta maneira como quem nada
sabe?” V. 14-16
V. 17-74
De acordo a tradição e as
escrituras, o Senhor Siva é o fundador da yoga. Ele criou as práticas e as
ensinou a seu primeiro discípulo, Parvati. As ASANAS ou posturas de yoga foi a
parte que mais se popularizou, é dito que eram originalmente 8.400.000
diferente Asanas e que representavam as 8.400.000 encarnações que cada indivíduo
deve passar antes de se atingir iluminação, ou libertação do ciclo de
nascimentos e mortes. Tais posturas representam a evolução desde a forma mais
simples de vida ao ser humano iluminado como um PURNA YOGUI; o yogui completo.
É dito que praticando todas estas posturas devidamente, uma pessoa pode
ultrapassar todas encarnações em apenas uma vida e ao mesmo tempo adquirir o
amadurecimento equivalente a ter vivido todas estas vidas em simplesmente uma
encarnação.
No decorrer dos séculos, as
asanas yoguis foram modificadas e reduzidas em número pelos grandes sábios e
yoguis a tal ponto que hoje só se conhece algumas centenas delas. Destas,
apenas 84 são explicadas e tão somente umas 32 são tidas como úteis para o
homem moderno.
A simbologia é
riquíssima e move elementos básicos universais da mente sub-consciente ao se
travar contato com a história e de maneira muito favorável. Em primeira mão
temos a aproximação do aluno, discípulo (Parvati, Shakti), ao mestre dos
yoguis (Shiva). É o marco tradicionalmente oficial do início em yoga e tantra,
tantra e yoga são como teoria e prática de uma mesma matéria e doravante não
faremos mais diferenciação neste texto em mãos e trataremos ambos por
simplesmente yoga. Antes do aparecimento do mestre yogui na vida de um
praticante ele se encontra ao nível da busca, um aspirante e sua evolução é
mínima com as práticas. Após o encontro não haverá mais busca, mas
encontros! Em yoga há os que buscam, os que encontraram e tentam se firmar em
sua conquista e os que são aquilo que se busca, estes últimos gozam de uma
conquista tão sólida em yoga que são um com aquilo que todos buscam.
Yoga só começa quando
encontramos quem nos ensine, na tradição yogui não são aceitos casos de
pessoas que tiram itens de sua mera imaginação e assim se auto-intitulam
yoguis, mestres, etc. Alguém aprendeu com alguém e todos aprenderam com o
Senhor Shiva, o mestre número um, o primeiro! Quando isto é assim, então
sabemos o que se pratica e o que se conquista com as práticas, do contrário o
rendimento é incerto e duvidoso. Os benefícios após a iniciação obtida de
um mestre autêntico podem ser verificados com exatidão pelo praticante, é
tipo antes e depois.
O relacionamento entre mestre e
discípulo é o mais rico da existência e baseado em amor universal, respeito,
alegria, entusiasmo e dinâmica, assim temos simbolizado a forma elevada e
carinhosa com que a história retrata o relacionamento de Shiva e Parvati. Na
verdade não é algo imposto a ninguém, se desenrola livremente como decorrência
do nível de evolução e maturidade do discípulo e tudo que ocorre entre eles
move o ser inteiro do yogui e nada mais é do que um reflexo de dois fluxos. Ao
ter atraído para sua experiência o contato com o conto de SHIVARATRI, algo
deve ter ocorrido em sua evolução para ter tido isto como reflexo.
Os muitos monstros que são
representados como os atendentes e seguidores do Senhor Shiva somos nós, os
yoguis em estado de evolução, suas grotescas imperfeições são o reflexo de
nossas atuais imperfeições e limitações, sofrimentos e bloqueios. A prática
nos leva à perfeição e quando nossa energia vital (Parvati) se une a consciência,
ou o espírito, aquilo que atualmente são nossos defeitos, serão nossas
futuras virtudes, na versão correlata. Por exemplo, se o yogui busca se livrar
de insatisfação existencial, com suas práticas culminando em amadurecimento a
sua virtude natural e não superficialmente imposta, será a plena satisfação
existencial. Shivaratri é um marco decisivo na yoga e no yogui! Yoguis evoluídos
são bem conscientes dos marcos em seu caminho evolutivo, pois são referências
concretas de sua conquista na evolução.
O evento é no âmbito
universal e possui a participação de todos, é a união do individual com o
universal, do social com o cósmico, do hemisfério direito com o esquerdo no cérebro,
do mundo objetivo em complemento com o mundo subjetivo, onde antes se registrava
conflitos entre os dois.
Note que foi Parvati quem tomou
a iniciativa e se moveu em direção à conquista de seu companheiro cósmico.
Parvati é a mente e Shiva o espírito, consciência, quando a percepção
mental, que é a substância essencial da mente, se move no sentido de se fixar
na experiência do espírito, da essência da existência em si mesma, ocorre
tecnicamente yoga e quando ela se fixa em algo de mental, como pensamentos,
sentimentos, sensações, ou nas experiências geradas pelos cinco sentidos
(tato, audição,etc), aí então ocorre BHOGA, o contrário de yoga, que é
desagregação, ao passo que yoga é agregação de energia vital e mental. Em
resumo, em yoga as disciplinas mentais e físicas são o que existem de grande
importância na conquista de paz interior e sabedoria, bens do espírito, do
Senhor Shiva. Em tantra, nas práticas de união homem e mulher, é a mulher
quem faz a dinâmica e a inicia. O simbolismo da união e complementação dos
pares opostos, contida maravilhosamente no conto de Shivaratri, é aplicado em
tudo na yoga, é o sentido da palavra yoga, o seu fundamento, filosofia básica
e finalidade.
COMO SE
CAMINHA DO INÍCIO AO FIM EM YOGA
VAMA TANTRA e DAKSHINA TANTRA
tem sido erroneamente traduzidos como sendo TANTRA da Mão Esquerda e TANTRA da
Mão Direita, respectivamente. VAMA quer dizer esquerda sim, mas também
significa “esposa” e segundo Paramhamsa Satyananda é esta a correta conotação
do termo e embora DAKSHINA também seja direita, a conotação
é seu outro significado, ou seja “dádiva de si, dedicação”.
DAKSHINA tem vários significados. VAMA MARGA ou DAKSHINA MARGA, MARGA significa
caminho.
Em PURNA YOGA e em TANTRA os vários sistemas e métodos são estruturados em dois grupos principais denominados: BAHIRANGA YOGA e ANTARANGA YOGA. São como Shiva e Parvati, BAHIRANGA é “externo”, são as técnicas com o corpo. ANTARANGA quer dizer “interno”, são as práticas internas, ou mentais, emocionais. O complemento de uma com a outra é o lado espiritual, a comunhão perfeita. BAHIRANGA (se diz barriranga) é Parvati e ANTARANGA (se pronuncia assim mesmo) é Shiva. Evoluir é conquistar o equilíbrio entre as forças opostas, paz interior com paz externa. Realização interna deve ser seguida e complementada com realização externa e vice-versa.