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UM CONTO DE TERROR

 

 1

     Como de costume, eu estava olhando os classificados, à procura de algo que me interessasse na seção de informática. Estava louco para gastar o dinheiro que havia ganho no meu recente aniversário de dezesseis anos. Guardar dinheiro era algo que eu realmente nunca soubera fazer muito bem, é verdade. Ainda mais quando  queria incrementar o meu já envenenado computador, um Pentium 200 MMX. Pena que ninguém soubesse dele, era o melhor computador do prédio. Também, do jeito que eu era introvertido, sem pôr o pé na rua durante vários dias, muitos dos que ali viviam mal sabiam que eu existia.
     De repente, algo despertou minha curiosidade, quando  passava os olhos nos últimos anúncios. Um CD, que por coincidência custava exatamente o dinheiro que eu possuía. Era um jogo, chamado Um conto de terror. Nunca ouvira nada antes sobre tal jogo, mas assim mesmo o anúncio me chamou muito a atenção e, sem pensar duas vezes, fui até a loja desconhecida, em busca do enigmático jogo de computador.
     Grande erro.
     Uma hora e dois ônibus foram necessários para chegar onde desejava. Quase fora da cidade, quase dentro de um terreno baldio, eu quase com vontade de desistir de procurar o lugar, achei-o, finalmente. Ali, na periferia da cidade, isolado. Por incrível que pareça, a loja era grande. Luxuosa, incrementada, mas aparentemente despretensiosa.
     Aparentemente.
     Entrei; local sombrio, aquele. Sinistro. Grande variedade de produtos de informática decoravam as prateleiras do lugar. Muito bom. Como é que ninguém ainda havia ouvido falar de tal lugar? Obviamente era um ponto de informática novo.
     Sem que eu percebesse, vindo não sei de onde, surge um homem de negro, pálido, de estatura mediana e cara de poucos amigos. A única pessoa que havia por ali. Idade difícil de adivinhar. Devia estar na casa do quarenta.
     Aproximou-se silenciosamente. Perguntei-lhe sobre o game que me interessava; minha indagação foi repondida quando ele puxou de uma gaveta uma caixa preta. Continha o CD do jogo. Sem ilustrações, só o título na capa: Um conto de terror. Nome estranho, mas chamativo.
     Confirmei o preço: exatamente o que eu possuía. Apressado, paguei logo. Foi aí que ele falou, com uma voz seca e rouca:
     — Vá até o fim do jogo. Se não acabar com ele, ele acaba com você.
     — Pode deixar, não tem game que resista às minhas habilidades.
     Nunca me relacionei bem com estranhos. Tinha poucos amigos, nenhum conhecido ou simpatizante; minha falta de tato com os outros era grande. Acho que foi por isso que o homem pareceu não entender o que eu disse, pois não mudou sua expressão taciturna.
     — Acabe o jogo — repetiu. — Vença-o. Ou ele vence você.
     O tom de sua voz desta vez parecia mais sombrio. Parecia querer pôr medo em mim. Eu, muito suscetível às  emoções alheias, realmente me amedrontei um pouco. Mas só um pouco. Fiquei brabo com a atitude do homem. Peguei o que era meu e fui embora logo, sem me despedir ou agradecer.       Porém o sentimento de felicidade e expectativa em relação à minha compra logo abafou a imagem macabra do vendedor.
     Saí apressado. Fiquei me perguntando por que o CD que eu comprara não estava na prateleira. Pelo que percebera, parecia único. Fiquei pensando por que aquele jogo era tão especial assim.
     Eu logo saberia.

2

     Cheguei em casa na hora do almoço. A mesa já estava posta à minha espera.
     — É você, Mendes?
     — Não mãe. Papai ainda não chegou.
     Meu pai morrera, deixando-nos uma pensão e um polpudo seguro de vida, mas minha mãe jamais acreditara na morte dele. Nunca se recuperou do choque. Pensa que seu querido marido foi viajar. Sabe Deus pra onde. Às vezes ela me confunde com ele, e eu digo sempre a mesma coisa quando chego em casa. Que meu pai continua viajando.
     Meu querido pai.
     Célebre engenheiro, tinha uma vida modesta com sua famíla, apesar de seus ganhos serem grandes. Ótimo profissional. Mas um monstro em casa. Ainda não consigo entender o que ele pensava. O que ele queria. Tinha amantes. Em alguns finais de semana, sumia. Reaparecia bêbado, ingeria um coquetel de remédios, e lá ia o Doutor Mendes para seu trabalho na segunda-feira. Quase sempre, nesses finais de semana,  minha mãe e eu éramos espancados até que ele se cansasse. Apanhávamos sempre com o mesmo cinto. A fivela tinha o seu nome gravado. Vaca,. ele rosnava para minha mãe. Cretino, ele me chamava.
      Minha mãe nada fazia. Não se queixava. Chorava, mas logo parecia bem. Sabia que, se não parasse de chorar, pior seria para ela e para mim. Nunca quis enfrentar o próprio marido. Eu sentia raiva dessa fraqueza, mas hoje posso compreendê-la. É estranho, mas ela gostava muito de meu pai. Já eu não posso dizer o mesmo. Mas o máximo que fiz contra ele foi xingá-lo. Não lembro o que eu disse, mas é por isso que os dedos da mão minha direita ainda dóem quando os fecho. Ele colocou minha mão na dobradiça da porta e fechou-a. O garoto é muito travesso, disse meu pai, sorridente, aos médicos que enfaixavam minha mão, quebrada ao colocá-la acidentalmente na correia, quando andava de bicicleta.
     Já fazem quase quatro anos que ele se foi. Minha mãe nunca aceitou, e penso que nunca aceitará isso. Alimento sua fantasia com a eterna viagem de papai. Ninguém sabe de sua loucura; ela vive trancada em casa. Apenas eu sei da fragilidade de sua mente.
     Depois de um bom almoço, fui testar o CD do jogo. Um Conto de Terror. Ainda não sabia dizer se gostava ou não desse título. Tinha tudo para ser um bom jogo de computador. Mas eu sentia que havia algo estranho, enigmático, naquilo tudo. Desde a localização da loja ao vendedor de ares vampirescos.
     Comecei a notar a estranheza quando abri a caixa. Sem manuais, sem instruções ou garantia. Dizia apenas, na caixinha do CD: Para instalar, digite 666. Estranho marketing, pensei. Mas fui em frente. Liguei o computador. Inseri o CD.
     Digitei 666. Teclei Enter.
     A tela colorida do meu Windows escureceu. Tudo preto. Passaram-se alguns segundos, e nada. Nem um som, nem uma imagem, nem o barulho do disco sendo lido. Nada. Apertei várias teclas, o que não resultou em coisa alguma, também.
     Refleti, e resolvi reinicializar o computador. Mas os comandos não eram obedecidos. Já sem paciência, resolvi retirar o CD. Não consegui; estava emperrado.
     Amaldiçoei o vendedor do CD, que se tornou alvo de minhas piores injúrias do momento. Fui procurar pelos classificados. Iria pegar o telefone da maldita loja e reclamar sobre o jogo. Folheei diversas vezes o jornal, e nada do anúncio. Pensei no exemplar do dia anterior, então. Fui buscá-lo. Nada, também. Onde se havia enfiado aquele maldito anúncio? Procurei e procurei, mas não consegui encontrá-lo. Estranho, poderia jurar que o jornal era aquele…
     De repente, ouço um ruído vindo do computador. Deixo os jornais de lado. Sento-me em frente à máquina. O barulho vem de novo. É um som curto. Que diabos...?, pensei. O que eu havia ouvido era um gemido. Um gemido baixo, mas notadamente agonizante. Parecia haver alguém ou alguma coisa dentro do meu monitor, pois era dali que o som vinha. As caixas de som estavam desligadas.
     Ouço novamente. Podia perceber uma respiração regular, agora. Mas ela ia aumentando. Acelerando. Tornou-se uma espécie de bufar. Começei a me assustar. Me assustar de verdade. Foi quando ouvi algo arranhando a tela escurecida do monitor, pelo lado de dentro. Dei um pequeno grito involuntário. Levantei-me da cadeira. Um som horrível de algo arranhando o vidro podia ser ouvido.
     Eu sentia que havia alguém mais no meu quarto. Numa atitude consciente, puxei violentamente a tomada do computador.
     O computador não desligou.
     Os barulhos não cessaram. Tornarem-se mais fortes, mais violentos. O monitor balançava na mesa, parecia que ia quebrar. Então, enquanto eu entrava num misto de confusão e pânico, o monitor explodiou. Literalmente. E todos os cacos, desafiando qualquer lei da Física,  voaram teleguiadamente em direção ao meu rosto.
     Eu desmaiei.

3

     Ao acordar, meu primeiro movimento foi tatear minha face em busca de ferimentos. Não havia um arranhão sequer.
     O que realmente me surpreendeu foi o fato de não estar em casa. Estava num local isolado, aparentemente longe da cidade. Parecia uma clareira num grande terreno baldio, atravessado por uma trilha de terra batida. Logo percebi onde estava.
     Estava deitado no local onde antes havia aquela maldita loja.
     Só depois de absorver o choque dessa descoberta voltei minha atenção para o que me cercava. Era noite. Escura, sem estrelas. Devia ser quase de madruagada. Isso queria dizer que eu passara horas desmaiado. Lembro-me de ter perdido a consciência antes de ser atingido pelos cacos de vidro de meu monitor. Se é que eles me haviam atingido...
     Como não dava para pensar racionalmente sobre o que estava acontecendo, comecei a caminhar.A força do medo superou o limite da razão.  Só queria sair daquele local — que se tornara uma imagem apavorante para mim — e continuar andando.
     Enquanto caminhava em direção à cidade, tentei visualizar a imagem do meu monitor explodindo. Não me lembrava de ter visto o que estava atrás dos estilhaços, dentro do monitor. Que diabos está acontecendo?, pensei. Aquilo era assustador demais para um cara racional e cético como eu.
     Depois de quase uma hora de caminhada, cheguei de volta à cidade. Mas havia algo errado. Não ouvia som algum. Estranhamente, não sentia a presença de nada nem de ninguém. As luzes dos postes, parques e metrô estavam acesas, mas as das casas e prédios não. Não havia uma mosca sequer voando. Mais adiante, confirmei o que eu esperava ver: nada de carros nas ruas, nem pessoas conversando ou andando. Percebi que eu era o único ser vivo ali.
     A cidade estava morta.
     Estava começando a ficar desesperado. Tentei pensar em várias hipóteses para aquilo tudo que acontecia. Estava quase ultrapassando a frágil linha que divide a sanidade da loucura. Não sabia se chorava ou se ria. Era demais para minha mente. Apesar de tudo, continuava caminhando.
     Perguntei-me o que podia ter acontecido com minha mãe, nisso tudo. Pensei em várias coisas ruins. Imagens de meu pai surgiram na minha cabeça.
     Comecei a correr.

4

     Exausto, finalmente cheguei em frente ao meu prédio.
     Sem pensar duas vezes, peguei o elevador, que nunca costumava estar onde o encontrei, no térreo. Grande coisa. Depois de passar pelas ruas mais movimentadas e encontrá-las desérticas, eu já não me importava com pequenos detalhes. Apertei o botão do meu andar. A porta se fechou. O elevador começou a subir. Só que subia devagar. Muito devagar. Me assustei com a incrível lentidão do usualmente rápido elevador. Eis que, de repente, ouço algo vindo dos andares superiores. O som está longe, abafado. Faço silêncio, concentro-me.
     Parecem gritos.
     O elevador subia, na sua lentidão assustadora. Passaram-se quase três minutos para ultrapassar apenas o primeiro andar. Apertei o botão de emergência. Não deveria, mas me surpreendi quando não funcionou. Os gritos aumentavam, à medida em que eu subia. A solidão do prédio permitia que eu os ouvisse melhor. Eram gritos conhecidos. Estridentes, agonizantes. Não cessavam.
     Quanto mais me aproximava dos gritos, mais rezava para que o elevador não parasse no andar de onde vinham. Não me recordo muito bem desse momento, mas foi por volta do quarto andar, ainda bem abaixo do meu apartamento, que o elevador parou. A primeira porta, a corrediça, abriu. Só a outra, a manual, me separava do que havia do outro lado.
     Os gritos vinham dali.
     Eu estava quase enlouquecendo. Estava abaixado num canto do elevador, esperando que a porta se fechasse e ele subisse. Mas não era o que acontecia. Fiquei olhando para a porta daquele andar, cujo número não quero lembrar, ainda hoje. Além dos gritos, podia ouvir agora outros sons. Havia mais alguém ali fora. Alguém ou alguma coisa.
     Podia ouvir um bufar, como o de um touro. Mas era um bufar distorcido, agressivo. Parecia… Não, não havia descrição ou comparação para aquele ruído. Limitei-me a compará-lo ao bufar de um touro enlouquecido.
     Não poderia agüentar aquilo por muito tempo. Era desesperador. Num ato impensado, levantei-me e espiei pelo pequeno vidro da porta.
     Empalideci.
     O que via era indescritível. Os gritos eram de Rafael, meu irmão mais velho, falecido há cinco anos. Ele estava ali. Com a mesma cara e roupas que usava no dia de sua morte, quando o câncer o consumiu totalmente. A expressão em seu rosto era de pavor. Ele estava do lado de dentro da porta semi-aberta de um apartamento à minha frente. Procurava fechar a porta, enquanto uma coisa abominável tentava entrar. A coisa parecia algo entre um touro e um cão, e movimentava-se  nas duas patas traseiras; totalmente desprovida de pêlos, tinha a pele vermelha e reluzente sob a fraca luz do corredor que iluminava a cena. Possuía chifres e rosto chato, com uma enorme boca de dentes longos e afiados. Sem sair do lugar, cabeceava a porta forçando entrada, emitindo seus horríveis bufos. Rafael segurava a porta pelo lado de dentro, com a força derivada de seu estado total de desespero.
     Eu assistia atônito àquela cena. Não levou muito tempo para a coisa desferir um golpe tão forte que algumas dobradiças racharam e outras quebraram completamente. O pé de Rafael, que estava ajudando a segurar o ser demoníaco, foi parar no pequeno espaço entre a porta e chão, provocando-lhe urros de dor. Uma outra cabeçada derrubou a porta, e a alavanca que foi exercida quebrou o pé de Rafael, deixando-o tão fino  no meio quanto uma folha de papel. Ele caiu com a porta sobre si. Um som de ossos se quebrando encheu o ar.
     Os gritos não eram mais de desespero, e sim de dor. A coisa subiu sobre ele e mordeu ferozmente seu ombro, parte mais exposta do corpo esmagado pelo peso da  porta e da besta. Barulhos horríveis de carne e ossos partindo-se ecoavam por toda parte. Rafael estava sendo estraçalhado.
     Apertei novamente o botão de meu andar. O elevador se fechou e começou a subir, com a mesma lentidão de antes. Parecia querer que eu ficasse ali para ouvir os sons agonizantes de meu irmão.
     Logo os gritos cessaram.
     Chocado, encolhi-me num canto. Há muito não pensava em Rafael. Desde pequeno ele já sofria de câncer, tendo morrido quase sem conseguir caminhar. Vê-lo ali, forte e com energia, e logo sendo estraçalhado por aquela coisa do inferno, era algo ao mesmo tempo inaceitável e aterrorizante. Ali, no meu canto, comecei a chorar como uma criança pequena.

5

     Cheguei em casa.
     Depois de agüentar a subida lenta e torturante do elevador, queria ver minha mãe. Era a única pessoa que eu tinha neste mundo, e a única capaz de me tirar dessa loucura que eu estava vivendo.
     Não me surpreendeu encontrar a porta destrancada.
     Dentro de casa as luzes estavam fracas, dando um aspecto sombrio ao ambiente. Mas ter conseguido chegar lá foi um alívio;  controlei-me e resolvi procurar por minha mãe, naquela semi-escuridão.
     Fui logo em direção ao seu quarto. Mãe?, chamava eu, com certa cautela. Para minha surpresa, encontrei-a no fundo do corredor, sentada em uma cadeira de balanço. Vê-la deveria ser como achar uma luz no fim do túnel daquela loucura toda, mas não foi o que aconteceu. Havia algo errado. Algo estava diferente.
     Não entendi o que ela fazia ali, no fundo do corredor. Aquela cadeira costumava ficar na sala. E ela não estava lendo, como costumava fazer. Estava agitada, me olhando cheia de ódio, totalmente diferente dela mesma.
     — M…Mãe?…
     — Seu cretino!
     Parei. Deixei de caminhar até ela. Estava mudada. Ela nunca proferira uma palavra agressiva antes. Nunca.
     — Você nunca me contou a verdade…
     — Verdade?…
     — Seu pai está morto! Morto!
     Ela começou a chorar. Eu comecei a tremer. Meu mundo estava desmoronando. Para meu desespero, mesmo chorando ela não tirava os olhos de mim. Eu era o culpado. Falhara no dever de manter em sigilo a morte de meu pai.
     Recuei. O corredor parecia mais estreito e comprido. Virei-me e comecei a correr.
     Foi então que notei que havia alguém do outro lado do corredor, na entrada. Não estava lá antes. Podia apenas observar sua silhueta sob a luz fraca. Vi que carregava algo numa das mãos, reluzindo sob a débil luminosidade. Era uma fivela, num velho cinto de couro.
     Eu tinha certeza de que nela estava gravado um nome — Mendes.
 Aquela figura aterrorizante deu dois passo para a frente. Pude ver quem era.
 Era ele.
 — Filho, —disse aquela voz aterrorizante — você não tem sido um bom garoto.
     Minhas pernas estavam bambas. Senti um líquido quente escorrer por dentro de minhas calças. Estava doente de medo, a tal ponto que fui obrigado a sentar-me no chão.
     — Agora vamos ao seu corretivo.
     Ele começou a aumentar de tamanho. O barulho de sua pele esticando era horrível, até que ela se rasgou, revelando um corpo forte, alto e de coloração avermelhada. Possuía imensas garras pretas, que seguiam segurando o cinto. Com quase três metro de altura, aquilo possuía a cabeça de meu pai, com os olhos esbranquiçados e dentes podres e frouxos.
     Ele começou a avançar na minha direção. Era demais para mim. Minha sanidade havia sido completamente despedaçada. Não saí de meu lugar e não falei nada. Sabia o que ele iria fazer.
     Nesse momento, dentro do meu cérebro surgiu uma luz. Uma luz de esperança, naquele universo louco.
     Lembrei-me das recomendações do maldito vendedor. Vença o jogo, ele dissera.
     Então, numa atitude completamente diferente de minha personalidade inibida e introvertida, levantei-me e avançei com passo firme na direção do monstro. Ele parecia ficar menor à medida em que eu me aproximava. Quando parei frente a ele, estávamos do mesmo tamanho.
     Acertei um soco na cara da criatura.

     Minha mão doeu. Mas um leve sorriso de ódio e felicidade despontou em meu rosto. Ódio dele, felicidade por me superar. Aquela cara odiosa encheu-se de desespero, e ele começou a diminuir e a recuar. Fiquei parado no mesmo lugar. Sentia-me tonto. Tonto mas feliz. Uma estranha felicidade. As paredes começaram a ficar distorcidas.
     Desmaiei novamente.

6

     (Um mês depois)
         Daquele dia para cá, muita coisa mudou, dentro de mim. E muita coisa não mudou, também.
     Tudo aquilo —concluí eu — era uma espécie de jogo. Um maldito jogo. Tudo está aparentemente como antes. Parece que foi um sonho, ou melhor, um pesadelo. Minha mãe continua sem saber sobre meu pai. Tudo e todos à minha volta estão como se nada tivesse acontecido. Com ligeiras mudanças.
     Tornei-me uma pessoa melhor. Mais sociável, mais maduro, mais forte para a vida. Tenho amigos, vários. Namorada, inclusive. Os poucos que me conheciam comentam minha transformação repentina. Foi uma mudança realmente brusca, é verdade. Para melhor. Mas, se eu pudesse escolher, preferia não ter passado por tudo aquilo, e continuaria sendo como era antes.
     Ainda procuro uma explicação lógica e racional para a experiência que tive. Não sei se era para ser algo benéfico, ou se eu me superei e a tornei assim. Só espero nunca ter de passar por isso novamente.
     A única coisa que me intriga é ter visto, no jornal de ontem, o mesmo anúncio, daquele mesmo jogo, daquela mesma loja, naquele mesmo lugar. Ora, o que posso fazer? O que posso dizer para alguém que inadvertidamente cometa o mesmo erro de ir até lá?
 Espero que o próximo também consiga finalizar o jogo…
 

Francisco Rodriguez Antunes