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A Flecha de Austroch




- Parte Dois de Três -

Chuva. Chuva de sempre, que nunca parou. Chuva cinza, que a vida de Juo sempre amaldiçoou. Mas esta, somente esta chuva, era dourada, era diferente. Uma gota dela, mágica como a cor dourada radiando daquela água, parecia fugir da gravidade, simplesmente não cair. Então, Juo olhou aquela gota, que voou com o vento e tocou sua mão. Uma estranha mágica, desconhecida e, ainda, insignificante.

A chuva parou, assim como a magia e o brilho. As pernas haviam novamente entrado em descompasso com o espírito, e caminharam sozinhas por si. Um bosque surgiu em torno do arqueiro. Névoa, não, bruma enfeitava o bosque, dificultando a visão. Considerando, talvez as pernas passassem a obedecer o destino ao invés do espírito, quando a magia estivesse no ar. Mas, agora, quem conduzia Juo era o bosque, seduzindo-o e tonteando-o a cada respirar, a bruma de seu nome o embriagando.

O cheiro lembrava algo, mas não sabia o que era. Parecia seu lar. Mas não era... apenas lembrava-o. Era a praça, a fumaça do cozido, e os bonecos. Uma velha história, outra memória. Eram as marionetes de Andaluzia. Era engraçado, mas virou um pecado pensar nisso depois do que aconteceu. Um boneco batia no outro com um porrete: todos riam, felizes. Depois, os bonecos dançavam, desajeitadamente mas; mas todos riam. De Juo, todos riam, quando ele era bem pequeno. Mas depois, pararam de rir dele. Então, ele fez o que o boneco fazia. Ninguém gostou, então o homem grande o bateu e deixou ele na estrada.

Como mania antiga, suas pernas caminhavam para o caminho errado. Encarou então outra coisa para afetar as pessoas: a guerra. Foi, errante por aí, que ganhou essa mórbida fascinação pela guerra; ele batia com o porrete e voltava, e todos ficavam felizes. Aos poucos, a graça do porrete foi acabando, e ninguém mais precisava de Juo, nem achavam graça quando ele batia em alguém.

Então, Juo foi, com a vida cinza sempre. Aprendeu a caçar, porque simplesmente precisou. Com o arco matou muitos javalis e descobriu algo; desta vez ele ria. Certa vez, um homem apareceu na cidade. Este homem pegou Juo e muitos de seus amigos. Deu-lhes sabedoria, comida, amigos e algo para acreditar, algo para amar.

Então, a criança e louco de ontém agora era o nobre guerreiro. Olhar frio, capa ao vento, postura altiva. Mortes diversas enchiam sua vida. Por um lado, eram iguais, o sangue e a flecha. Por outro, eram nobres, eram mortes sobre amor: sangue feito pela flecha para a flecha. Sangue poético, sangue ao vento, sangue apaixonado: NUNCA o sangue do herói, o protegido da Flecha.

E então, depois de uma pequena vida apaixonada e sangrenta de cinco anos, ele viu o que e porque ele viveu: por nada.



Os homens da paixão, da Flecha e da sabedoria não se importavam, nem se importam, com sua cria. A paixão de Juo morreu: riam de sua cara. Juo não lutará mais para eles: menos um em suas fileiras. Juo os amou e agora os odeia: foi feito para odiar, pena que não escolhe alvos. O jovem avança mais naquele bosque fantasmagórico. A floresta é morta e negra, ouve-se apenas a coruja piando. Um vento sopra, e Juo caminha, exausto. Então, cai, simplesmente, em estampido surdo e choro mudo.

O corpo inerte no chão parece morto. Mórbido, combina com as nevóas e com o negro. O pio da coruja completa a cena fúnebre. Se, de novo, houvesse alguém a assistir a cena, certamente nem desconfiaria que a alma ainda preenchesse aquele corpo. Desconfiaria ainda menos dos sonhos desta alma. Pois bem, inconsciente de Juo, a alma sincera, pensava e, entre nós, existia e sonhava.

Seus sonhos, insólitos como a névoa, a situação e a vida de Juo, tem início: um rosto branco, sem rugas, belo, fala ao sonhador. Ele é velho, sabe-se, mesmo com tal belo rosto. É oferecida vida a Juo: mão pálida, estentida, segura uma flecha: a Flecha de Austroch. O sonhador sorriu, agarrou a flecha e continuou a sorrir, em seu sonho, por cinco anos. Só que, nesses cinco anos, ele matou, roubou, destruiu: sorrindo. Então, a flecha dissolveu-se, aquele que a ama caiu de joelhos, sobre as cinzas. Juntou-as com as mãos e os farelos criaram um sorriso. Uma risada ecoou, acordando Das Brumas.



Um feixe de clareza invadiu a mente do recém acordado: fora corrompido, sendo abençoado, fora demônio sendo declarado santo. Sua paixão não era a Flecha, era a morte, a pilhagem, o sangue. Num ato instintivo, lançou mão da adaga que não precisara até agora e só agora percebera. Apertou-a contra o ventre, última alternativa: suicídio. Em sua salvação, um segundo feixe de compreensão o agraciou: por que morrer pelas cinzas? Por que morrer pelo medo? A lua apareceu, linda como nunca, para Juo das Brumas. Ele assumiu, finalmente, o que era: assassino. A coruja parou de piar, e o uivo de um lobo foi ouvido.

Jurado foi para o lobo e a para a lua, nas palavras de Juo das Brumas: "Nunca mais trairei minha natureza... Nunca!". Choro, na ocasião, seria apropriado: mas não... Juo gargalhou. "Alguém pagará muito caro também. Juro!" Seu riso ecoou entre as névoas, fazendo parceiria com o uivo do lobo, dançando no palco misterioso que era aquele bosque e na luz sangrenta que era aquela lua. Agora, o que ele faria? Mataria, o arqueiro Juo das Brumas.


Jonathas Tarasconi Torres.