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COMUNICADO DO COMITÊ CLANDESTINO REVOLUCIONÁRIO INDÍGENA - COMANDO GERAL DO EXÉRCITO ZAPATISTA DE LIBERTAÇÃO NACIONAL. MÉXICO.

 

            19 de junho de 2000.

            Ao Povo do México:

            Aos Povos e Governos do Mundo:

            Irmãos e irmãs:

 

            O CCRI-CG do EZLN diz a sua palavra diante do próximo processo eleitoral nacional.

            Primeiro. No México, vivemos uma situação de guerra. Entre as montanhas do sudeste mexicano, nos Estados de Chiapas, Guerrero, Oaxaca, Hidalgo, Puebla, Veracruz, San Luis Potosí e em outros lugares com população indígena, dezenas de milhares de soldados do governo federal e de policiais de diferentes corporações levam adiante uma guerra de extermínio contra os povos indígenas do México. Dia após dia, vai se acumulando sangue indígena morto ou aprisionado. O destino dos primeiros moradores destas terras é decidido entre o cárcere e o túmulo.

            A pobreza extrema, a perseguição e o não reconhecimento dos direitos indígenas não só tem feito continuar a resistência dos povos zapatistas na região sudeste do México, como tem mantido ativas as guerrilhas do ERPI e do EPR. Agora, outros grupos armados vêm se somando a estes com demandas de justiça e democracia. São pouco os países da América que têm tantos grupos armados de oposição como os que existem no México.

            Ainda que ignorada pelos meios de comunicação, esta guerra continua o seu curso. Seu desfecho não está relacionado ao poder de fogo e ao número de combatentes e sim ao atendimento de demandas justas e à abertura de espaços de participação democrática.

            No Estado de Chiapas, continuam os enfrentamentos armados iniciados no dia 1º de janeiro de 1994. Não obstante o EZLN tenha dado provas de sua vontade de uma solução pacífica e negociada para o conflito, os governos federal e estadual continuam levando adiante ações violentas contra as comunidades zapatistas e fugindo do cumprimento dos acordos de San Andrés, aos quais se comprometeram já faz quase 5 anos.

            Com esta guerra inominável como pano de fundo, o nosso país se aproxima do momento em que se renovarão as autoridades federais através de um processo eleitoral: o poder executivo e o poder legislativo.

            Segundo. Neste processo eleitoral, tem ficado evidente que o cidadão-eleitor não é respeitado. Em seu lugar, têm sido os meios de comunicação, e sobretudo a mídia eletrônica, a transmitir a voz do cantor. O uso indiscriminado das “pesquisas”, muitas delas realizadas sem o menor rigor científico, têm deslocado o voto do cidadão-eleitor. Neste momento, o que importa não é disputar uma eleição nas urnas, e sim ganhá-la ou perdê-la nas manchetes da imprensa escrita e dos noticiários do rádio e da televisão.

            O cidadão não toma a sua decisão diante das diferentes opções políticas, e sim diante dos meios de comunicação, ou seja, diante da imagem das propostas políticas que estes apresentam. Para o nosso país, a modernidade não foi sinônimo de transição para a democracia, para o governo do povo, pelo povo e para o povo. O exercício do poder político não passou da classe política para os cidadãos, e sim para todos os publicitários, os chefes de redação, os locutores e comentaristas.

            Se uma vez foi dito que se podia governar através dos meios de comunicação, hoje isso foi subvertido: agora se governa (e se disputa o governo) nos e para os meios de comunicação. A substituição do cidadão pelo rádio e a TV não é um sinal de democracia, e sim de um governo virtual e de uma mudança virtual de governo. Os palácios do governo, os âmbitos do legislativo e os distritos eleitorais não estão em seus domicílios reais e sim na programação dos noticiários.

            É neste cenário (no verdadeiro sentido da palavra) no qual a nação é substituída pelo “rating”, que tem se desenrolado fundamentalmente a disputa eleitoral. Salvo honrosas exceções, os candidatos à presidência têm dirigido seus esforços (e recursos econômicos) quase exclusivamente no âmbito dos meios de comunicação. Além dos lucros evidentes, a mídia tem conseguido um papel político que supera, e muito, suas prerrogativas e, sobretudo suas capacidades.

            Para os partidos políticos, é claro que a oportunidade de dar a conhecer suas posições através do rádio e da televisão representa um avanço importante na democratização. E é de aplaudir que os partidos se aproveitem disso.

            O problema está no fato de que, não poucas vezes, esta divulgação não é eqüitativa (o partido oficial arrasa em termos de tempos e horários nobres) e não é uma posição política que está sendo divulgada, e sim opta-se pelo escândalo, pelo insulto, pela infâmia ou por uma fofoca qualquer. E, ainda, é muito freqüente que o comunicador se transforme em juiz daquilo que está comunicando, e decida o que e como deve ser o que está sendo informado.

            Como tem sido assinalado por vários trabalhadores da imprensa, o papel da mídia não é o de eleitor, e sim o de comunicador. O fato de não ter este entendimento e de não agir coerentemente com ele, já provocou mais de uma situação na qual alguém comete excessos lamentáveis.

            Neste momento, no México, os meios de comunicação têm um papel mais determinante na vida nacional. É justo reconhecer que diante do novo caráter de sua profissão, não têm crescido só a irresponsabilidade de alguns, como, em não poucos, têm aumentado a independência, o espírito crítico e a honestidade. Sem dúvida, porém, a postura responsável não tem sido majoritária no interior da imprensa eletrônica e escrita.

            Não é deixando de lado os meios de comunicação ou calando-os que se evita esta substituição da decisão do cidadão, e sim normatizando o direito dos cidadãos e das organizações políticas à luz da equidade, da verdade, da honestidade e da responsabilidade dos comunicadores no âmbito político.

            O cidadão tem direito à informação verídica, oportuna e completa. Não há nenhuma lei que lhe garanta isso, nem instância que defenda isso ou zele para que seja cumprido.

            Hoje, diante do atual processo eleitoral, nós zapatistas reafirmamos um dos pontos da nossa luta: o direito à informação e à cultura.

            Terceiro. Dirigidos os holofotes dos meios de comunicação exclusivamente para a disputa presidencial, tem se deixado de lado um elemento fundamental na vida de uma república: o poder legislativo.

            No iminente processo eleitoral decide-se não só quem será o titular do poder executivo como também são eleitos os deputados federais e os senadores da república.

            No México, o presidencialismo tem sido uma carga pesada e um obstáculo para a democracia. Mesmo que nos últimos 70 anos não tenhamos tido um presidente que não seja do partido oficial, a possível chegada da oposição à cadeira presidencial não significa a “transição à democracia” se nos próximos seis anos o poder continua concentrado numa única pessoa e se os poderes encarregados de legislar e de fazer justiça são elementos decorativos renovados a cada 3 e seis anos. A sobrevivência do sistema presidencialista no México é um fato. Que democracia é essa que durante seis anos faz com que as decisões fundamentais de uma nação recaiam num único indivíduo?

            Numa democracia, é imprescindível um poder legislativo autônomo e independente do executivo. Sem dúvida, as campanhas para deputado e senador têm passado desapercebidas. A paixão natural colocada na disputa presidencial tem conseguido ocultar um avanço já percebido no mandato que termina: um poder legislativo que luta por sua independência e autonomia.

            Além de enfrentar o executivo, o poder legislativo deve ser independente das lideranças partidárias que, não poucas vezes, suplantam os líderes das frações parlamentares nos acordos e nas disposições que dizem respeito exclusivamente ao âmbito legislativo. Legislar não é prerrogativa dos partidos políticos e sim daqueles que são democraticamente eleitos para esta tarefa.

            Indo no encalço das campanhas presidenciais, as dos candidatos ao poder legislativo não ganham nada para si e nem beneficiam os que almejam o poder executivo. São eleições diferentes porque sua função é diferente. As legislativas merecem uma atenção que não tem tido.

            Tomara que o próximo poder legislativo, que nestas eleições tem ficado tão apagado, não desempenhe seu trabalho amarrado a compromissos com suas direções partidárias ou com o executivo eleito, e sim com os mexicanos e mexicanas que, tendo votado ou não em suas candidaturas, formam a nação mexicana para e com a qual terão que fazer as leis.

Hoje, diante do atual processo eleitoral, nós zapatistas nos pronunciamos por um autêntico equilíbrio entre os poderes. Não só no exercício de suas funções, mas também na disputa pelas vagas. Conhecer as propostas e as posições dos candidatos à presidência da república é tão importante quanto conhecer as daqueles que procuram se eleger deputados e senadores. O fim do presidencialismo é condição para a democracia no México.

Quarto. O atual processo eleitoral não tem sido eqüitativo. Toda a máquina governamental tem se mobilizado a favor do PRI e do seu candidato. A compra de votos, a coação, o transporte, a ameaça e o favoritismo de alguns meios de comunicação, têm sido usados para apoiar a imposição do candidato do PRI, Francisco Labastida Ochoa. Algumas destas iniquidades têm sido oportunamente apontadas pelos observadores nacionais e internacionais, por organização não-governamentais e pela imprensa honesta.

Hoje, diante do atual processo eleitoral, nós zapatistas enunciamos que não se trata de uma eleição de cidadãos que estão diante de propostas políticas e daqueles que as representam, e sim de uma eleição de Estado, na qual a oposição enfrenta não só o partido oficial, como todo o aparato do Estado mexicano. Nestas condições, nenhuma eleição pode ser qualificada de “democrática”.

Quinto. Apesar do apoio opressor e escandaloso do governo à campanha do PRI, o descontentamento cidadão é cada vez mais eloqüente. Hoje, diz-se que é possível que o PRI não obtenha a votação necessária para ocupar a cadeira presidencial, e que o próximo presidente do México venha da oposição.

Diante desta possibilidade, além dos recursos materiais das mais diferentes espécies, tem sido mobilizado um argumento: a instabilidade. Como é de costume, no fim de cada mandato o governo e os círculos a ele próximos fazem chover advertências quanto às catástrofes que se abaterão sobre os mexicanos caso alguém que não é do PRI chegue à presidência da república. Guerra, desvalorizações, fuga de capitais, descontentamento social, aumento dos preços, falências, desemprego, caos.

Para não ir muito longe, tenho que lembrar do que nos advertia Zedillo (quando o assassinato de Colossio o tornou candidato) caso fosse eleito um partido que não fosse o oficial. Foi com Zedillo que ocorreram a crise de dezembro de 1994, a retomada da guerra no sudeste mexicano, o descumprimento dos acordos de San Andrés, os massacres de Aguas Blancas e El Charco no Estado de Guerrero, o massacre de Acteal, a entrada da PFP na UNAM, a morte dos sem documentos mexicanos nos EUA, o assassinato e a extorsão dos migrantes centro-americanos, a fuga de capitais e a desvalorização do Peso.

Temos sofrido também pelo aumento do descontentamento social, pela proliferação de grupos armados ativos, pelo aumento dos preços dos produtos básicos, pelo aumento do desemprego, pelo FOBOPROA-IPAB, pela quebradeira de pequenas e médias empresas, pelos vínculos mais estreitos entre o crime organizado e o governo federal, pela impunidade para os criminosos de colarinho branco, pelo aprisionamento de lutadores sociais, pela militarização das áreas indígenas, pelo aumento do narcotráfico, pelas tentativas de privatização do setor elétrico e do petróleo, bem como da educação superior, pelo aumento das relações de dependência com o exterior. Resumindo: a destruição do México enquanto país livre e soberano. A única coisa boa do mandato do senhor Zedillo é que está quase terminando.

Hoje, diante do atual processo eleitoral, nós zapatistas lembramos que durante e por meio do governo do PRI tem caído sobre nós todo tipo de catástrofe e desgraça humana. Ao longo dos mais de 70 anos em que o PRI governa o México, têm acontecido todos os desastres que se supunha aconteceriam somente com um outro partido no poder e temos dificuldade em achar que possa ser pior com a oposição no governo.

Sexto. A simples possibilidade que o candidato de oposição chegue à presidência tem levantado disparates e deturpações não só entre as fileiras governamentais. Diante do avanço das opções eleitorais da oposição, em certos setores da intelectualidade e da política surgiu a idéia do “Voto Útil” (ou sua versão mais palatável: o “voto condicionado”).

Concretamente, a possibilidade de o candidato da Aliança para a Mudança (PAN-PVEM), Vicente Fox, conseguir um número significativo de votos, tem provocado uma verdadeira ofensiva contra o candidato da Aliança para o México (PRD-PT-PAS-CD-PSN), Cuauhtémoc Cárdenas Solórzano, para que renuncie e apoie o senhor Fox em sua corrida presidencial. Os argumentos para este malabarismo político variam em sua complexidade, mas podem ser resumidos no que segue: o mais importante é tirar o PRI de Los Pinos, Fox tem boas chances, logo, Cárdenas tem que transformar sua derrota em mais chances para Fox e garantir assim a vitória sobre o PRI (e sobre a Aliança para o México, mas eles não dizem isso em sua argumentação).

Aqueles que propõem isso estão propondo que as opções eleitorais deixem de ser políticas (projetos de nação e posições diante dos diferentes problemas do país) e que o eleitor não tenha a possibilidade de apoiar uma ou outra força política com a qual se sinta ou não identificado.

A renúncia do Engenheiro Cárdenas à disputa eleitoral pela presidência, e seu apoio à campanha de Vicente Fox, não significariam somente a renúncia de uma pessoa e a soma de seus votos aos do candidato da Aliança para a Mudança. Significariam também o desaparecimento de uma opção eleitoral de esquerda na luta pela presidência. Não ignoramos o debate sobre se Cárdenas e o PRD são de esquerda, com todas as nuanças e as críticas que podem ser propostas, sublinhando - e insistindo - que a esquerda política é maior do cardenismo e, de conseqüências, do perredismo.

Eliminada a esquerda do panorama eleitoral, ou seja, eliminada uma via pacífica de mudança política, que opção sobra para milhões de mexicanos que apostam sua esperança e seu esforço numa profunda mudança social? A abstenção? A guerrilha?

É evidente que os senhores Vicente Fox e Cuauhtémoc Cárdenas representam dois projetos diferentes de país. As propostas de um e de outro tem o respaldo de milhões de cidadãos. O veredicto sobre qual delas é a melhor não será dado pelo número de votos conseguidos, e sim pelos resultados alcançados quando chegarem a ser governo.

A campanha do Engenheiro Cárdenas é mais do que uma campanha pela cadeira presidencial. Para milhões de mexicanos e mexicanas é o argumento de que é possível ser de esquerda e lutar por mudanças sem ter que ir para a clandestinidade, para a ilegalidade, para a luta armada.

A renúncia do engenheiro Cárdenas à disputa eleitoral significaria a renúncia (pelo menos de imediato) da esquerda partidária e institucional à mudança pacífica e eleitoral.

Mais cedo ou mais tarde, a história vem cobrar as contas. Aqueles que antes se queixavam pelo fato dos zapatistas não apoiarem o PRD, “Porque mesmo que isso não seja politicamente conveniente para eles, é melhor que o PRI, e ao não votar no PRD propiciam o triunfo do PRI em Chiapas”, se defrontam agora com o mesmo argumento pragmático. Agora que eles mesmos respondem que “os princípios vêm em primeiro lugar”, será que têm resposta à pergunta sobre por que os zapatistas não votam no PRD em Chiapas?

Para os zapatistas a política é uma questão de princípios. Não só de princípios, mas também de princípios. Aqueles que têm por princípios a mudança social e a luta civil e pacífica para alcançá-la, devem agir coerentemente, sem se importar com as adversidades e os acontecimentos do presente se querem ter legitimidade no México dos debaixo.

Hoje, diante do atual processo eleitoral, nós zapatistas nos pronunciamos pelo respeito à esta forma de luta civil e pacífica na qual todas as ações políticas (de direita e de esquerda, para usar termos geográficos) estejam representadas de modo que o cidadão possa realmente escolher entre elas. Rechaçamos o argumento do “voto útil”.

Sétimo. Além de organizar as eleições, o Instituto Eleitoral Federal, por lei, será quem vai dizer quem são os ganhadores do próximo pleito.

Apesar da avalanche de denúncias da oposição e das organizações não-governamentais, o presidente do IFE tem se adiantado em dizer que será uma eleição “limpa e transparente”. Este senhor não faz só profecias temerárias, como, além do mais, exige dos candidatos de oposição e dos cidadãos que apoiem incondicionalmente o seu veredicto e que desde agora aceitemos os resultados de uma eleição que ainda não se realizou. O presidente do IFE nos pede para que demos nota “10” para uma tarefa que ainda não terminou.

Há uma grande quantidade de fraudes que já estão sendo levadas adiante mesmo antes das eleições (compra de votos, vinculação de programas governamentais, falta de equidade na divulgação da mídia, ameaças, chantagens, etc.) e não se vê como ele tenha a capacidade de vigiar e evitar que, além das urnas, sejam realizadas ações fraudulentas.

Deve-se assinalar que, em algumas ocasiões, o IFE tem sido usado para tarefas que não tem nada a ver com as suas funções. Um grande número de zapatistas não tem título de eleitor. Isso acontece porque o pessoal do IFE que é encarregado de fazer o credenciamento em Chiapas, está em conluio com os serviços de inteligência militar. O acesso aos dados e às fotografias para o título de eleitor é “facilitado” ao exército federal para que, com a ajuda de “informantes”, identifiquem os zapatistas e seus povos. O IFE funciona como um braço da contra-insurreição.

É inegável que a cidadanização do IFE é um avanço, e que alguns de seus membros têm suportado fortes pressões por parte do governo e do PRI. Mas não se pode pedir a alguém de aceitar os resultados de um processo eleitoral antes que ele se realize, sobretudo num país como o México, onde as eleições são sinônimo de um mundo paralelo de “ratazanas enlouquecidas”, “operações pamonha” e etceteras que superam qualquer ficção literária.

Hoje, diante do atual processo eleitoral, nós zapatistas declaramos que a fraude eleitoral já está em andamento e que nada garante que o dia 2 de julho de 2000 não termine numa descarada imposição de graves conseqüências.

Oitavo. Para nós zapatistas, a democracia é muito mais do que uma disputa eleitoral ou a alternância no poder. Mas é também disputa eleitoral quando esta é limpa, eqüitativa, honesta e plural.

Por isso, dizemos que a democracia eleitoral não esgota a democracia, mas é parte importante dela. Por isso, não somos contrários às eleições. Achamos que os partidos políticos têm um papel a cumprir (tampouco somos contrários aos partidos, mas temos críticas à ação partidária).

Achamos que, para milhões de pessoas, as eleições representam um espaço de luta digno e que merece respeito.

O tempo eleitoral não é o tempo dos zapatistas. E não é só pelo nosso ser sem rosto e pela nossa resistência armada. Mas também, e sobretudo, pelo nosso afã de encontrarmos uma nova forma de fazer política que tem pouco ou nada a ver com a atual. Queremos encontrar uma forma de fazer política que vá de baixo para cima, na qual o “mandar obedecendo” seja mais do que uma palavra de ordem; onde a meta não seja o poder, e o “referendum” e o “plebiscito” sejam mais do que palavras de ortografia complexa; uma forma de fazer política na qual um funcionário possa ser removido do seu cargo através de votação popular.

Quanto aos partidos políticos, dizemos que não nos sentimos representados por nenhum deles. Não somos perredistas, nem panistas e muito menos priistas.

Criticamos aos partidos seu distanciamento da sociedade, sua existência e atividade relacionadas somente ao calendário eleitoral, o pragmatismo político que impera em suas direções, o malabarismo cínico de alguns de seus membros, o desprezo para quem é diferente.

Independentemente de quem está no cargo, a democracia é quando a maioria do povo tem poder de decisão sobre os assuntos que são de sua incumbência. É o poder das pessoas sancionarem quem está no governo dependendo de sua capacidade, honestidade e eficácia.

No ideário zapatista, a democracia é algo que se constrói a partir debaixo e com todos. Inclusive com aqueles que têm um pensamento diferente do nosso. A democracia é o exercício do poder por parte das pessoas o tempo todo e em todos os lugares.

Hoje, diante do atual processo eleitoral, nós zapatistas reafirmamos nossa luta pela democracia. Não só pela democracia eleitoral, mas também pela democracia eleitoral.

Nono. No que diz respeito à nossa posição na conjuntura nacional, dizemos que continuaremos esperando o cumprimento dos acordos de San Andrés e sinais claros, deste ou do próximo governo, de que tem um sério compromisso com a via política para a solução da guerra.

Enquanto não são cumpridas as devidas condições, não haverá diálogo e nem negociação (1).

Não queremos falsas promessas ou que nos digam do que é que precisamos ou aquilo que nos convêm. Tampouco estamos procurando emprego de policiais ou guardas florestais.

Queremos um ouvido atento, uma palavra verdadeira e um compromisso sério com um diálogo que acabe com a guerra.

Se, como é de se esperar, o governo do senhor Zedillo insistir na sua guerra, no descumprimento da sua palavra e na irresponsabilidade como norma política, então o próximo governo herdará uma guerra, aquela que nós zapatistas lhe declaramos no dia 1º de janeiro de 1994.

Diante desta guerra, o novo governo terá só duas opções:

Continuar com a política do senhor Zedillo que simula soluções enquanto continua militarizando, perseguindo, matando e mentindo.

Ou cumprir com as condições para o diálogo, dar mostras de seriedade e responsabilidade no cumprimento dos compromissos e resolver não só a guerra, mas também as demandas dos povos indígenas do México.

Não há outras opções: aqueles que estando no poder acariciam a possibilidade de uma solução militar “definitiva” estão completamente equivocados.

O EZLN não pode ser aniquilado militarmente. Qualquer campanha militar de caráter ofensivo contra nós não está destinada a durar horas ou dias (como se supõe nos altos círculos militares) e nem, tampouco, semanas, meses ou anos. Poderão tentar isso por décadas inteiras, e o EZLN continuará ainda armado e mascarado, exigindo democracia, liberdade e justiça.

Seja qual for a decisão do novo governo, sem que tenha importância sua filiação política, terá uma resposta coerente por parte do EZLN.

Se for optar pela violência de baixa intensidade, a simulação e o engano, verá que o tempo vai passar sem que o problema seja solucionado e terá o desprezo e a desconfiança dos zapatistas.

É necessário dizer que, caso o governo tente uma solução militar em qualquer de suas variantes (seja o golpe cirúrgico, a invasão parcial ou total das comunidades, ou uma ação militar desse tipo) se defrontará com milhões de indígenas armados, em guerra, dispostos a tudo, menos à rendição ou à derrota.

Não morreremos, o martírio individual ou coletivo não está na agenda zapatista.

O EZLN está pronto para a paz ou para a guerra. O novo governo terá a palavra e a oportunidade de escolher.

Décimo. Pelo que dissemos antes, declaramos que:

- Não colocaremos obstáculos às eleições federais do dia 2 de julho do ano 2000.

- Será permitida a instalação de seções eleitorais nas zonas zapatistas.

- Não se realizarão atos de sabotagem ou ação alguma contra as instalações eleitorais, funcionários do IFE e eleitores.

- Não se chamará a votar por nenhum candidato ou por seus partidos.

- As bases de apoio zapatistas votarão ou não de acordo com sua própria avaliação. As bases de apoio irão votar sem que seja definida alguma orientação a respeito e sem sanções em função de sua opção partidária.

- Convocamos todos os mexicanos e as mexicanas que vêem nas eleições uma possibilidade de luta, a lutar neste terreno e com estes meios, e a defender o voto.

            Irmãos e irmãs:

            Esta hora não é a nossa hora. O será algum dia, quando terá paz e respeito para os povos indígenas. Quando a democracia irá além de um calendário eleitoral.

            Nesse dia, o México não será democrático só pelos zapatistas, mas também por eles. Nesse dia não estaremos disputando um cargo no governo, e sim caminhando ao lado de milhões de mulheres e homens que, como nós, lutam por

 

            DEMOCRACIA!

            LIBERDADE!

            JUSTIÇA!

 

Das montanhas do Sudeste Mexicano

 

Pelo Comitê Clandestino Revolucionário Indígena - Comando Geral do Exército Zapatista de Libertação Nacional.

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Subcomandante Insurgente Marcos

 

México, junho de 2000.

 

 

À IMPRENSA NACIONAL E INTERNACIONAL

 

          19 de junho de 2000.

            Damas e Cavalheiros:

            A seguir vai o comunicado com a nossa posição diante das próximas eleições. O que diz é o bastante. Pedimos clemência aos chefes de redação.

            Enquanto isso, por aqui estamos tremendo. E não é porque o “bolachas pra cachorro” Albores contratou Alasraki para “levantar” a sua imagem (provavelmente, Albores já está procurando trampo na promoção de comida pra cachorro), e nem pelos seiscentos mil dólares que ele vai pagar (com o dinheiro inicialmente destinado a “resolver as condições de pobreza e marginalização dos indígenas chiapanecos” - Zedillo dixit). Muito menos pelos latidos do cachorro Montoya Liévano (que agora está ainda mais nervoso porque já estão descobrindo que os responsáveis pelo ataque à Segurança Pública, no 12 de junho passado, foram seus “rapazes” - ou seja, seus paramilitares). Não. Estamos tremendo porque estamos encharcados pela chuva. E acontece que entre helicópteros e tormentas, não dá pra achar um abrigo. La Mar diz que, seja como for, saímos de uma tormenta pra outra e que ainda tem chão para o 03 de julho. Eu suspiro e amaldiçoou a falta de guarda-chuva. Que mais poderia fazer?

            Valeu. Saúde e vejam se por aí tem umas pílulas anticoncepcionais. Tem mais de uma urna que precisa delas urgente.

Do Comitê Promotor do Voto Inútil, desculpem, das montanhas do Sudeste Mexicano

O SupMarcos

México, junho de 2000.

 

P.S. QUE CONTA UM CONTO QUE VEM AO CASO PARA OS DIAS ATUAIS. Era uma vez uma pesquisa que andava sozinha e abandonada. Ia de um lado pra outro, mas ninguém reparava nela. Desesperada, a pesquisa sozinha-e-abandonada resolveu passar num especialista em mercadotecnia e imagem. A consulta com o agente publicitário saiu muito cara para a pesquisa sozinha-e-abandonada, não só pelo cheque que teve que pagar, mas também pelo valor do taxi que ficou esperando por ela do lado de fora do escritório. É que o assessor de imagem tinha uma grande demanda por parte dos candidatos de um certo partido oficial. A pesquisa sozinha-e-abandonada seguiu ao pé da letra as dicas do assessor e mudou completamente seu “look” (vejam vocês mesmos como o P.S. já adota a nova linguagem). Feito isso, voltou a percorrer os gabinetes partidários. Todos a acolheram com entusiasmo e ela se tornou muito famosa e requisitada. Enquanto caminhava pelas ruas da cidade, foi vista por uma criança que perguntou à sua mãe: por que aquele espelho anda? Tan, tan.