Sinfonia Neoliberal

Sinfonia Neoliberal


"As vantagens da sociedade devem ser distribuídas eqüitativamente entre todos os seus membros."(Beccaria - Dos Delitos e das Penas. Milão, 1766)


Texto extraído da prova de Língua Portuguesa, do Concurso do Tribunal de Justiça do Distrito Federal - TJDF, realizado em 24/11/97, para preenchimento de vagas no Cargo de ANALISTA JUDICIÁRIO - ÁREA JUDICIÁRIA - ATIVIDADE PROCESSUAL.

A história não é minha. Veio numa revista estrangeira. Tampouco é recente. O que confirma a velha sentença de Salomão, segundo a qual nada existe de novo sob o Sol. Vamos a ela.

No mundo da modernidade e da eficiência, um presidente de empresa recebeu convite para uma audição da Sinfonia Inacabada, de Schubert. Como tinha compromisso anteriormente assumido, transferiu o convite para o segundo homem do board, pedindo-lhe um relatório da missão. No dia seguinte recebeu um paper:

  1. Durante períodos consideráveis, quatro músicos que tocavam oboé nada tinham para fazer. Eles podiam ser eliminados, donde: os custos seriam distribuídos e haveria mais lucro.

  2. Quarenta violinos tocaram notas idênticas. Um desperdício. Essa parte poderia ser drasticamente reduzida.

  3. Notou-se esforço desnecessário na execução de bemóis e sustenidos. Se o autor os tivesse suprimido, arredondando o valor de cada um deles pela nota mais simples ( o si bemol seria apenas si, o dó sustenido seria ré), obter-se-ia considerável economia de meios e uma execução mais rápida e fluente.

  4. Não detectei nenhuma finalidade prática na repetição pelos metais dos mesmos temas já executados pelas cordas. Se essas passagens redundantes fossem eliminadas, o concerto poderia obter os mesmos resultados com a economia aproximada de 20 minutos, donde o autor, o vienense Franz Schubert, poderia ter completado sua sinfonia inacabada.

O relatório foi apresentado na reunião semanal da diretoria. Consideraram-no excelente. Na semana seguinte, o presidente do "board" foi surpreendido com a aceitação de seu pedido de demissão _ demissão que ele não pedira. Um novo gênio do neoliberalismo ocuparia o seu lugar, justamente o segundo homem da empresa, autor do relatório sobre a peça de Schubert.

No exercício seguinte, a empresa demitiu 3.570 empregados, fechou 18 filiais espalhadas em 12 Estados e, numa licitação pública do Ministério do Meio Ambiente, foi considerada a mais indicada para enlatar o ar da Suíça a ser vendido no Cubatão.

( Carlos Heitor Cony. Sinfonia neoliberal. Folha de S. Paulo, 7/8/95



Atualizada em 05/05/98

(Qualquer semelhança com alguma organização conhecida por você, é mera coincidência).

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