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AS RELAÇÕES HÍDRICAS DAS PLANTAS VASCULARES

 

(12ª Parte)

 

 

 

Alexandra Rosa da Costa,

PhD (Stirling, U.K.)

 

Departamento de Biologia

Universidade de Évora

Portugal

 

Novembro de 2001

 

 

          4. O STRESSE DA SECA (Cont.):

 

            4.3. EFEITOS DA SECA NA FISIOLOGIA DAS PLANTAS:

 

            O termo seca indica um período sem precipitação apreciável, durante o qual o conteúdo em água do solo é reduzido de tal modo que as plantas sofrem de falta de água. Frequentemente, mas não invariavelmente a secura do solo está associada a uma forte evaporação causada pela secura do ar e elevados níveis de radiação (Larcher, 1995).

            Algumas das primeiras respostas ao stresse parecem ser mediadas predominantemente por acontecimentos biofísicos mais do que por alterações de reacções químicas causadas pela desidratação (Taiz & Zeiger, 1998). Na figura 49 podemos observar a sequência de acontecimentos que vão surgindo gradualmente à medida que o stresse de seca se vai desenvolvendo.

 

            4.3.1. ALTERAÇÕES NO CRESCIMENTO

            À medida que o conteúdo em água diminui, a célula encolhe cada vez mais e as paredes relaxam, os solutos ficam cada vez mais concentrados e a membrana plasmática torna-se mais espessa, uma vez que cobre uma área menor. Como a perda de turgidez é o primeiro efeito biofísico da carência hídrica, as actividades relacionadas com a turgidez são as mais sensíveis ao deficit hídrico (Taiz & Zeiger, 1998).

 

Figura 49: Respostas das plantas a situações de seca. a) A sensibilidade das várias funções e processos celulares durante o desenvolver de uma carência hídrica. As linhas horizontais mostram a gama de potencial hídrico para a qual, na maioria das plantas ocorre uma resposta clara; a linha vertical a tracejado mostra o início do fechar dos estomas. b) Desenvolvimento temporal das respostas moleculares a uma perturbação da turgidez.

Retirado de Larcher (1995), fig.6.58, pag. 385

           

            O crescimento celular é um processo dependente da turgidez e consequentemente é extremamente sensível à deficiência hídrica. O crescimento celular pode ser descrito pela equação de Lockhart:

              

em que RGR é a taxa de crescimento relativo (Relative Growth Rate); Yp é o potencial de pressão (turgidez); Y é o ponto limite, isto é, a pressão abaixo da qual a parede celular resiste a deformação plástica (irreversível); e m é a extensibilidade da parede, ou seja, a sensibilidade da parede à pressão (Taiz & Zeiger, 1998).

            Esta equação mostra que um decréscimo na turgidez causa um decréscimo na taxa de crescimento. Além disso, a equação mostra que não é preciso que a turgidez diminua até zero para que o crescimento pare. Isto acontece assim que Yp for igual a Y. Em condições de boa hidratação, Y é inferior a Yp em apenas 0,1 ou 0,2 MPa, o que faz que alterações de crescimento ocorram para pequena variações de turgidez (Taiz & Zeiger, 1998).

            Em folhas intactas a carência hídrica não só diminui a turgidez mas também diminui m e aumenta Y. Em plantas sem stresse a extensibilidade da parede (m) é normalmente maior quando a solução da parede celular é ligeiramente ácida. Em carência hídrica m diminui em parte devido à inibição do transporte de protões através da membrana plasmática, o que causa um aumento do pH na parede celular. Os efeitos do stresse em Y é pior compreendido, mas provavelmente envolve alterações complexas da estrutura das paredes (Taiz & Zeiger, 1998).

            A carência hídrica não limita apenas a dimensão das folhas individuais, mas também o número de folhas duma determinada planta, porque diminui quer o número quer o crescimento  dos ramos. O processo do crescimento dos caules é menos estudado, mas provavelmente é afectado pelas mesmas forças que limitam o crescimento foliar durante o stresse (Taiz e Zeiger, 1998)

 

            4.3.2. ALTERAÇÕES NA ÁREA FOLIAR FOLIAR

            A area foliar total não permanece constante depois da maturação das folhas. Se as plantas sofrerem stresse de carência hídrica após um grande desenvolvimento das folhas, então estas entram em senescência e finalmente caiem (figura 50). Este ajustamento da área foliar é uma mudança de longo termo que melhora muito a aptidão das plantas para sobreviverem num ambiente com uma limitação hídrica. De facto, muitas espécies do deserto deixam cair as suas folhas durante os períodos de seca, e voltam a criar outras novas após uma chuvada. Este ciclo, abscisão-renovo, pode ocorrer várias vezes durante uma estação. A abscisão durante o stresse hídrico resulta largamente do aumento da síntese e da sensibilidade dos tecidos à hormona etileno (Taiz & Zeiger, 1998).

 

Figura 50: As folhas de plantas jovens de algodoeiro (Gossypium hirsutum) caiem em resposta ao stresse hídrico. As plantas à esquerda foram regadas durante todo o período experimental. As palantas ao centro e à direita foram sujeitas respectivamente a um stresse moderado e a um stresse severo antes de serem regadas outra vez. As que foram severamente stressadas só mantiveram um tufo de folhas no topo do caule.

Retirado de Taiz e Zeiger (1998), fig.25.5, pag.728.

 

            4.3.3. ALTERAÇÕES NO SISTEMA RADICULAR:

            Ainda que  as relações raiz-parte aérea dependam duma rede complexa de processos nutricionais e do desenvolvimento, podemos considerar que existe um balanço funcional entre a absorção de água pelas raízes e a fotossíntese na parte aérea. Este balanço pode ser exposto da seguinte maneira: a parte aérea duma planta crescerá até ficar tão grande que a absorção de água pelas suas raízes se tornará limitante para um crescimento maior; inversamente um sistema radicular crescerá até que a sua necessidade em fotoassimilados iguale a quantidade que é produzida na parte aérea (Taiz & Zeiger, 1998).

            A expansão foliar é muito mais sensível que a fotossíntese a uma limitação da absorção em água. A inibição do desenvolvimento das folhas reduz o consumo de carbono e de energia e, assim,  uma proporção maior dos fotoassimilados pode ser atribuida às raízes, permitindo-lhes continuar a crescer. Simultaneamente os ápices radiculares no solo seco começam a perder turgidez. Tudo isto leva a que o crescimento radicular se processe essencialmente para as zonas que permanecem húmidas. Assim, é frequente ver um sistema radicular essencialmente superficial quando todas as camadas estão húmidas e quando as camadas superficiais começam a secar uma proliferação de raízes mais profundas (Taiz & Zeiger, 1998).

            O aumento do crescimento das raízes para as camadas húmidas, mais profundas, depende da distribuição de fotoassimilados para os ápices radiculares. Normalmente, os frutos predominam sobre as raízes em termos de preferência para a distribuição de fotoassimilados que assim são desviados das raízes. Esta competição entre frutos e raízes para os fotoassimlados permite explicar porque razão as plantas são mais sensíveis a um deficit hídrico na fase da reprodução que na fase vegetativa (Taiz e Zeiger, 1998).

           

            4.3.4. ALTERAÇÕES NA ABERTURA ESTOMÁTICA

            Quando o stress decorre mais rapidamente ou quando a planta desenvolveu a sua área foliar antes do início do stresse ocorrem outras respostas para protegerem a planta contra a dessecação, como por exemplo o fecho estomático (figuras 51 e 52). Há muitos dados que apontam para que a hormona ácido abscísico (ABA) esteja envolvida (Taiz & Zeiger, 1998).

 

Figura 51: Diagrama das mudanças na transpiração ao longo do dia à medida que a humidade do solo diminui (curvas 1 a 5). As setas indicam o movimento dos estomas induzidos pelas mudanças no balanço hídrico. A área a escuro mostra a zona em que a transpiração é exclusivamente cuticular. 1. transpiração sem restrições; 2. limitação da transpiração durante o meio dia à medida que os estomas fecham; 3. fecho estomático do meio dia; 4. interrupção total da transpiração estomática devida ao fecho persistente dos estomas (só ocorre transpiração cuticular); 5. transpiração cuticular consideravelmente reduzida devido à contracção da membrana.

Retirado de Larcher (1995), fig. 4.29, pag. 248

 

            As respostas estomáticas à desidratação foliar variam grandemente dentro duma mesma espécie e entre espécies. Os estomas de algumas espécies “atrasadoras” de dessecação (“dehydration-postponing”), como o grão de bico (Vigna unguiculata) e mandioca (Manihot esculenta) são particularmente sensíveis ao decréscimo da disponibolidade em água. A sua condutância estomática e a sua transpiração diminuiem de tal forma que o seu potancial hídrico permanece pouco alterado durante a seca (Taiz & Zeiger, 1998).

 

Figura 52: A transpiração diurna de jovens plantas de Pinus radiata; a) com bastante disponibilidade em água; b) depois de 9 dias sem água; c) depois de 12  dias sem água.

Retirado de Larcher (1995), fig. 4.30, pag. 249

 

            4.3.5. ALTERAÇÕES NA FOTOSSÍNTESE:

            A taxa de fotossíntese líquida na folha (expressa por unidade de área foliar) é raramente tão sensível a um stresse moderado como a expansão foliar (figura 53). A razão para isto é que a fotossíntese é muito menos sensível a alterações de turgidez do que a expansão foliar.

            O  stresse  hídrico  geralmente  afecta  quer  a  condutância  estomática,  quer  a actividade fotossintética na folha.  No início do estabelecimento da seca, a eficiência fotossintética do uso da água - WUE (Water Use Efficiency - CO2 absorvido na fotossíntese por vapor de água perdido na transpiração) pode aumentar porque o fecho parcial dos estomas vai afectar mais a transpiração que a absorção do CO2. No entanto, à medida que o stresse se torna mais severo a WUE vai diminuindo e a inibição do metabolismo da folha vai sendo mais inibido (Taiz & Zeiger, 1998).

 

 

Figura 53: Efeitos do stresse hídrico na fotossíntese e expansão foliar no girassol (Helianthus annuus). Esta espécie é típica na sua resposta, uma vez que a expansão foliar é muito mais sensível à desidratação que a taxa de fotossíntese.

Retirado de Taiz & Zeiger (1998), fig. 25.4, pag.730

 

            4.3.6. ALTERAÇÔES NA TRANSLOCAÇÃO DE CARBOHIDRATOS:

            O transporte floémico, está dependente da fotossíntese e também da utilização dos fotoassimilados nas zonas de consumo ou armazenamento. O stresse hídrico diminui a fotossíntese e o consumo de fotoassimilados nas folhas. Como a translocação está dependente da turgidez poder-se-ia pensar que assim que o potencial hídrico diminuisse no floema devido ao stresse, o movimento de fotoassimilados ficaria também diminuido. No entanto, há dados que apontam para que a translocação só é afectada muito mais tarde quando outros processos, como a fotossíntese, já foram muito afectados (figura 54).

 

 

Figura 54: Efeitos relativos do stresse hídrico na fotossíntese e translocação do sorgo (Sorghum bicolor). As plantas foram expostas a 14CO2 durante um intervalo pequeno. A radioactividade fixada no folha foi tomada  como medida da fotossíntese, e a perda da radioactividade depois da remoção da fonte de 14CO2 foi tomada como medida da taxa de translocação. Ainda que a fotossíntese tenha sido afectada para baixos níveis de stresse, a translocação não foi afectada até ao stresse se tornar muito severo.

Retirado de Taiz & Zeiger (1998), fig. 25.6, pag.731

 

A insensibilidade relativa da translocação à seca permite que a planta mobilize e use as reservas quando são necessárias (por exemplo no enchimento do grão), mesmo quando o stresse é muito severo. Pensa-se que a translocação contínua do carbono é um factor chave em quase todos os aspectos da resistência à seca (Taiz & Zeiger, 1998).

 

            4.3.7. AJUSTAMENTO OSMÓTICO:

            Á medida que o solo seca o seu potencial mátrico (Ym) torna-se cada vez mais negativo. As plantas só conseguem absorver água enquanto o seu potencial hídrico for mais negativo que que o do solo. O ajustamento osmótico, ou acumulação de solutos pelas células, é um processo pelo qual o potencial hídrico pode diminuir sem que haja diminuição na turgidez (Taiz & Zeiger, 1998).

            O ajustamento osmótico não deve ser confundido com um aumento na concen-tração de solutos que ocorre durante a desidratação e a diminuição de volume celular. No ajustamento osmótico o aumento na concentração de solutos é independente das alterações no volume das células resultantes da perda de água. Tipicamente as alterações no potencial osmótico anda á volta dos 0,2 a 0,8 MPa, excepto nas plantas particularmente adaptadas a condições de secura. Normalmente os sais usados no ajustamento osmótico são iões inorgânicos como o potássio; ácidos orgânicos; açúcares; amino ácidos, etc.  Os sais inorgânicos são armazenados no vacúolo de forma a não interferirem com o metabolismo do citoplasma. Os orgânicos, que não interferem com o metabolismo, são chamados solutos compatíveis e são acumulados no citoplasma de forma a manter o equilíbrio hídrico entre o vacúolo e o citoplasma (Taiz e& Zeiger, 1998).

            As folhas que são capazes de ajustamento osmótico mantêm a turgidez para potenciais hídricos mais baixos, o que lhes permite continuarem a crescer e facilita a manutenção da abertura estomática durante mais tempo. Na figura 55 podemos comparar o comportamento de duas espécies ao longo de um período de seca: a beterraba (Beta vulgaris) que é uma espécie que é capaz de ajustamento osmótico e o grão de bico (Vigna unguiculata), uma espécie que conserva a água através de um melhor controlo da abertura estomática. Ao longo da experiência, a beterraba manteve sempre o potencial hídrico foliar mais negativo que o grão de bico, mas a fotossíntese e a transpiração foram apenas ligeiramente superiores na beterraba. A grande diferença entre as duas espécies foi o potencial hídrico.  Estes resultados mostram que o ajustamento osmótico promove tolerância à desidratação, mas não é muito eficaz em termos de produtividade duma cultura (Taiz & Zeiger, 1998).

 

 

Figura 55: Perda de água e ganho de carbono em beterraba (Beta vulgaris), uma espécie com ajustamento osmótico e em grão de bico (Vigna unguiculata) uma espécie sem ajustamento osmótico. Ambas foram cultivadas em vasos e sujeitas a stresse hídrico. Ainda que o potencial hídrico da beterraba seja mais negativo devido ao seu ajustamento osmótico, a perda de água total e o ganho em carbono foram pouco afectados.

Retirado de Taiz e Zeiger (1998), fig.25.7, pag. 732

 

 

            4.3.8. RESISTÊNCIA À CONDUÇÃO DA ÁGUA:

            À medida que o solo seca a resistência ao fluxo da água vai aumentando. No entanto, a resistência ao fluxo da água dentro da planta ainda é maior. Isto pode ser explicado por várias razões (Taiz & Zeiger, 1998):

¨       À medida que perdem água as células encolhem. Quando as raízes encolhem a sua superfície deixa de estar em contacto com as partículas de solo que seguram a água. Por outro lado, os pêlos radiculares partem-se muitas vezes quando são puxados pela retracção da raiz.

¨       Formação da exoderme (ver anteriormente, na pag. 31, e fig. 19, pag 33)

¨       A cavitação do xilema (ver anteriormente, na pag. 41 e 42 e fig. 24 na pag 43)

 

 

            4.3.9. ALTERAÇÕES NA CUTÍCULA:

            Uma resposta comum ao stresse hídrico é a produção duma cutícula espessa que reduz a perda de água pela epiderme (transpiração cuticular). Uma cutícula muito espessa também reduz a permeabilidade ao CO2, no entanto, a fotossíntese foliar permanece inalterada uma vez que as células que estão sob a cutícula não são fotossintéticas. Como a transpiração cuticular é muito baixa, alterações na cutícula só podem ser significantes nos casos de stresse muito severo, ou em casos em que areias levadas pelo vento a arrastam ou destroem.

 

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