(6ª Parte)
Novembro de 2001
2. O MOVIMENTO DA
ÁGUA NO SPAC (Cont):
2.5. O MOVIMENTO ASCENCIONAL DA ÁGUA:
A
existência de plantas terrestres altas só se tornou possível quando as plantas
adquiriram, no decorrer da evolução, um sistema vascular que permitiu um
movimento rápido da água para a parte aérea onde ocorre a transpiração. As
plantas terrestres sem um sistema vascular e com mais de 20 ou 30 cm de altura
só poderiam existir num ambiente extremamente húmido, onde praticamente não
ocorresse transpiração. Isto explica-se pelo facto do movimento da água por
difusão de célula a célula ser demasiado lento para evitar a desidratação da
parte aérea das plantas a transpirar. A importância do sistema vascular pode
ser demonstrado pelo facto de uma árvore, num dia quente de Verão, mover cerca
de 200 litros de água desde as raízes até à superfície evaporante das folhas a
mais de 20 ou 30 metros de altura (Kozlowski & Pallardy, 1997).
Para a maioria das plantas o xilema constitui
a parte mais longa da via de condução da água no seu interior. Assim, numa
planta com um metro de
altura, cerca de 99,5% do
transporte da água ocorre no xilema e em árvores mais altas o movimento no
xilema representa uma percentagem ainda maior (Taiz & Zeiger, 1998).
Quando
comparado com a complexidade do transporte radial através da raiz, a via no
xilema aparece como sendo muito simples e com pouca resistência. Isto deve-se
em parte às suas características que veremos a seguir.
2.5.1. CARACTERÍSTICAS DO XILEMA:
O
xilema consiste de quatro tipos de células: os traqueídios, os elementos
xilémicos, as fibras, e o parênquima xilémico.
¨ As células do parênquima, sobretudo nas plantas lenhosas, são as
únicas que estão vivas. Estas células ocorrem essencialmente nos raios que
aparecem radialmente na madeira das árvores, mas também existem células do
parênquima espalhadas pelo xilema;
¨ As fibras são células de esclerênquima dispostas ao longo
dos feixes e que lhes conferem resistência;
¨ Os traqueídios e os elementos xilémicos dispostos
verticalmente são as células que estão envolvidas no transporte da solução
xilémica.
Duma
maneira geral, as gimnospérmicas têm apenas traqueídios, enquanto que
praticamente todas as angiospérmicas têm elementos xilémicos e traqueídios
(Taiz & Zeiger, 1998). Estes dois tipos de células são alongadas, embora os
traqueídios sejam mais compridos e estreitos que os vasos xilémicos (figura
22).
Tanto
os traqueídios como os elementos xilémicos funcionam como elementos mortos,
isto é, depois de terem sido formados por crescimento e diferenciação de
células meristemáticas, morrem e os seus protoplastos (célula vegetal sem
parede) são absorvidos por outras células. No entanto, antes de morrerem, as suas
paredes sofrem alterações que são muito importantes para o transporte da água.
Uma das mudanças é a formação da parede
secundária, que consiste largamente em celulose, lenhina e hemi-celuloses,
e que cobre a parede primária (Salisbury & Ross, 1992).
As
paredes secundárias conferem uma força de compressão considerável às células o
que evita que entrem em colapso sob as tensões extremas a que por vezes estão
sujeitas. Estas paredes, lenhificadas, não são permeáveis à água como as
paredes primárias. Quando se formam não cobrem completamente as paredes
primárias, originando as pontuações
que são zonas circulares, finas, onde as células adjacentes estão separadas
apenas pelas paredes primárias (Salisbury & Ross, 1992).
Figura 22: Traqueídios (A e B) e traqueias (C a G) de diversas plantas, vistos
lateralmente. Apenas se apresenta um terço do traqueídio B. É de notar os diferentes tipos de pontuações nas paredes
laterais destas células, e os diferentes tipos de perfurações que existem nas
paredes dos topos das traqueias.
Retirado
de Noggle e Fritz (1976), fig. 9, pag. 437
Estas
pontuações podem ser simples e,
então, são apenas um buraco redondo na parede secundária, ou podem ser
estruturas complexas chamadas pontuações
areoladas, nas quais a parede secundária se estende sobre a pontuação e a
parede primária fica mais espessa no centro da pontuação formando o toro (figura 23). A figura mostra que o
toro pode funcionar como uma válvula, fechando quando a pressão num lado é
superior à pressão no outro (Salisbury & Ross, 1992).
Figura 23: Diagrama duma pontuação
areolada dum traqueídio de pinheiro (Pinus
sp.). Se a pressão dum lado da pontuação for superior à pressão do outro lado,
o toro é empurrado de maneira que veda o orifício, impedindo o fluxo através
dele.
Retirado
de Salisbury e Ross (1992), fig. 5.7 (a), pag. 99
Os
topos das células dos traqueídios sobrepõem-se. As pontuações nas zonas de
sobreposição permitem que a água suba de um traqueídio para outro, ao longo das
filas de traqueídios. As pontuações que existem em grande número nos lados dos
traqueídios também permitem a passagem de água entre células adjacentes. Por
vezes estas células presentam espessamento espiralados como os que resistem à
compressão nos tubos dos aspiradores.
Os
elementos xilémicos estão típicamente reforçados com estes espessamentos que
podem ser circulares, espiralados, etc., Apresentam também placas de perfuração
nos topos que apresentam aberturas nas quais a parede secundária não se forma e
a parede primária e a lamela média se dissolvem, permitindo o movimento rápido
da água. Os elementos xilémicos (cada um é uma célula) estão alinhados formando
grandes tubos, constituidos por várias células e que constituiem as traqueias que se estendem
de alguns centímetros a vários metros em certas árvores.
A
resistência ao fluxo da água é consideravelmente menor nas angiospérmicas que
nas gimnospérmicas, em parte devido às placas de perfuração, mas também devido
a que as traqueias têm diâmetros mais largos que os traqueídios (Salisbury
& Ross, 1992).
Por outro lado a transferência entre traqueídios ocorre apenas através das pontuações das extremidades que se sobrepõem, enquanto que a transferência entre traqueias ocorre ao longo duma distância considerável através das pontuações laterais de duas traqueias adjacentes, em contacto. As traqueias são muito mais longas que os traqueídios, de modo que, à medida que a água sobe na planta, tem de passar pelas pontuações com menos frequência. Há dados que mostram que que o fluxo de água nas traqueias é, de facto, muito mais rápido que nos traqueídios.
2.5.2. A TEORIA DA COESÃO-TENSÃO PARA A
ASCENÇÃO DA ÁGUA:
Em
1727 um fisiologista chamado Hales sugeriu que a água nas plantas entrava
facilmente nas raízes, mas que só poderia ascender na planta graças à
transpiração. Esta ideia foi mais desenvolvida nos finais do século 19 com
Sachs e Strasburger que indicaram a transpiração como sendo a força motriz para
a ascenção da água no xilema, mas não explicaram como isto era possível. Só em
1895 é que Ashkenasy primeiro e depois Dixon e Joly perceberam que a água
confinada em pequenos tubos como o xilema desenvolve elevadas forças de coesão
e é capaz de suportar grandes tensões (Kozlowski e Pallardy, 1997).
Estas
ideias levaram à chamada teoria da coesão-tensão que é a mais aceite
(ainda que muito controversa) para explicar a subida da água em plantas a
transpirar.
Esta
teoria assenta em 4 pressupostos (Kozlowski & Pallardy, 1997):
¨ A água tem forças de coesão internas muito
elevadas, e, quando confinada em pequenos tubos de paredes molháveis, como é o
caso do xilema, pode suportar grandes tensões que podem chegar aos –30 MPa.
(NOTA: paredes molháveis quer dizer paredes formadas por substâncias com as
quais as moléculas de água podem estabelecer forças de adesão);
¨ A água na planta constitui um sistema
contínuo através das paredes das células saturadas de água desde as superfícies
evaporantes das folhas até às superfícies absorventes das raízes;
¨ Quando a água se evapora de qualquer parte
da planta, mas sobretudo das folhas, a redução do potencial hídrico na
superfície evaporante causa uma deslocação de água do xilema para essa
superfície;
¨ Devido às forças de coesão entre as
moléculas de água, a perda de água por evaporação causa uma tensão na solução do
xilema que é transmitida através das colunas contínuas de água até às raízes,
onde reduz o potencial hídrico causando um influxo de água para o seu interior.
De
acordo com estas premissas, a teoria da coesão-tensão estabelece quer um
mecanismo, quer uma força motriz para o fluxo da água através das plantas. A
diferença de potencial hídrico entre a atmosfera e o solo deveria ser mais do
que suficiente para providenciar a força motriz para a subida da água até ao
topo das árvores mais altas. No entanto, este mecanismo requer, para poder
operar, elevadas tensões no xilema e é difícil de imaginar como é que esta
tensões podem ser mantidas durante a distância necessária. Por exemplo, é
difícil construir uma bomba mecânica que puxasse água do topo de uma coluna de
água com mais de 10 metros (equivalente a 1 bar de pressão) sem que haja falha
por cavitação. É muito mais fácil utilizar pressões positivas aplicadas na
base. Assim, a questão crítica é saber-se se a tensão de superfície da água é
suficiente para manter estados de alta tensão e se assim for, quais são as
condições para manter essa elevada tensão (Steudle, 2001).
A
força de tensão da água (ou de qualquer fluido) é muito difícil de medir, não é
como uma barra de metal. Por outro lado, a força de tensão de uma coluna de
água vai depender do diâmetro da conduta, das propriedades das suas paredes e
da existência de gases ou solutos. Mesmo assim, existem alguns dados bastante
consistentes que apontam para que água pura, sem gases dissolvidos suporta tensões
de cerca de -25 a –30 MPa a 20 ºC. Estes valores são cerca de 10% da força de
tensão do fio de cobre e cerca de 10 vezes superior à tensão necessária para
levar uma coluna de água ininterrupta ao topo das árvores mais altas (Hopkins,
1995).
A
água no xilema, sob tensão, tem de permanecer no estado líquido a pressões
muito abaixo da sua pressão de vapor. A 20 ºC a pressão de vapor da água é de
2,3 kPa ou 0,0023 MPa. Uma coluna de água sob tensão está, portanto, num estado
fisicamente instável. Os físicos chamam a esta condição estado metaestável,
ou seja, um estado em que podem facilmente ocorrer mudanças, mas em que essas
mudanças só ocorrem, de facto, devido a um estímulo externo. A estabilidade
física pode acontecer numa coluna de água sob tensão pela introdução de uma
fase de vapor. As moléculas de água na fase de vapor têm muito baixa coesão o
que permite que o vapor se expanda rapidamente causando a ruptura da coluna de
água e, assim, atenuando a tensão (Hopkins, 1995).
A
origem duma fase gasosa no xilema explica-se pelo facto da água no xilema
conter vários gases dissolvidos, como o dióxido de carbono, o oxigénio e o
azoto. Quando a coluna de água está sob tensão, há uma tendência para estes
gases sairem da solução. primeiro formam-se bolhas submicroscópicas na
interface entre a água e as paredes dos traqueídios ou das traqueias,
provavelmente em pequenas fendas ou poros hidrofóbicos das paredes. Estas
pequenas bolhas podem redissolver-se ou podem coalescer e expandir rapidamente
preenchendo a conduta. Este processo de formação rápida de bolhas de ar no
xilema é chamado cavitação (do latim cavus = oco). A bolha grande
de gas constitui uma obstrução na conduta a que se dá o nome de embolia
(do grego embolus = rolha) (Hopkins, 1995).
A
embolia tem implicações muito sérias para a teoria da coesão-tensão, uma vez
que uma traqueia que sofre embolia deixa de poder transportar água. De facto, a
probabilidade elevada de ocorrer cavitação do xilema foi apresentada como sendo
a objecção principal à teoria da coesão-tensão quando esta foi formulada
(Hopkins, 1995).
Em
1966, Milburn e Johnson desenvolveram o método acústico para a detecção da
cavitação do xilema. Em experiências laboratoriais com tubos finos de
vidro, estes autores observaram que a relaxação rápida da tensão que segue a
cavitação produz uma onda de choque que pode ser ouvida como um “clique”.
Utilizando microfones sensíveis é possível ouvir estes “cliques” quando são
produzidos nas plantas por cavitação no xilema. Utilizando folhas de rícino (Ricinus
communis) em stresse, estes autores puderam demonstrar que existe uma
relação bastante evidente entre a cavitação e a tensão no xilema o que
suportaria, de certa forma, a teoria da coesão-tensão (Hopkins, 1995).
Nos
finais dos anos 80, Sperry e os seus colegas desenvolveram um outro método
baseado nas alterações da condutância hidráulica, isto é, uma forma de
medir a capacidade total dum tecido para conduzir água. O método acústico
apenas contava o número e a frequência das cavitações, mas o método hidráulico
permitia avaliar o impacto das embolias na capacidade de transportar água do
tecido. Estes autores estudaram um talhão de áceres (Acer saccharum) e
verificaram que durante a Primavera as embolias ocorriam essencialmente no
tronco principal e reduziam a condutância hidráulica em 31% devido ao stresse
de carência hídrica. No Inverno, a
condutância do tronco principal reduzia-se de 60% e nos troncos secundários a
redução podia atingir os 100%. Este aumento das embolias no Inverno estaria
provavelmenete ligada a ciclos de congelação-descongelação. A solubilidade dos
gases é muito baixa no gelo e, assim, quando a água congela os gases são
forçados a sair da solução; quando se dá a descongelação as pequenas bolhas de
gases expandem-se e causam a cavitação (Hopkins, 1995).
O
mecanismo principal para minimizar os efeitos das embolias prende-se com a
estrura do xilema. A embolia fica simplesmente contida dentro dum traqueídio ou
dum elemento do xilema. Nos elementos que apresentam pontuações areoladas a embolia
fica retida pela estrutura da pontuação (figura 24). A diferença de pressão
entre a traqueia que sofreu a embolia e a adjacente que está cheia de água faz
com que o toro fique comprimido contra o bordo da pontuação, evitando que a
bolha de gas passe para o outro lado. A tensão de superfície impede que a bolha
passe através das pequenas aberturas
das placas de perfuração entre elementos xilémicos contíguos. No entanto, a
água vai continuar a fluir lateralmente através das pontuações contornando,
assim, o elemento bloqueado (figura24). Para além de permitir que a água
contorne o elemento bloqueado as plantas também podem tentar reparara embolia
evitando os danos a longo prazo. Isto pode acontecer à noite quando há pouca
transpiração. A redução da tensão no xilema permite que os gases se
redissolvam na solução do xilema
(Hopkins, 1995).
Figura 24: As
bolhas de ar que se formam no xilema ficam contidas no elemento do xilema ou no
traqueídio. A diferença de pressão resultante da embolia faz com que o toro
vede as pontuações areoladas que existem no elemento afectado. A tensão de
superfície evita que as bolhas passem através das perfurações terminais dos
elementos. A água continua a fluir à volta do elemento xilémico bloqueado.
Retirado de Hopkins (1995), fig. 3.15, pag. 57
No
caso das plantas herbáceas os gases podem ser forçados a redissolverem-se
devido à pressão radicular, de que falaremos mais adiante. No caso das plantas
lenhosas a explicação não é tão simples. Algumas espécies como a vinha (Vitis
sp.) ou o ácer (Accer saccharum) desenvolvem uma forte pressão radicular
no início da Primavera que pode estar relacionada com esta necessidade de
recuperar os danos causados pelas embolias do Inverno. Por outro lado, a
maioria das espécies lenhosas produz xilema secundário novo todas as
Primaveras. Este xilema novo forma-se antes do desenvolvimento das gemas e
podem satisfazer as necessidades da planta em termos de condutância hidráulica,
substituindo o xilema velho e não funcional (Hopkins, 1995).
2.5.3. A TEORIA DA PRESSÃO RADICULAR:
Sempre
que por qualquer motivo uma planta não estiver a transpirar desenvolve-se uma
pressão positiva nos vasos xilémicos da raiz e da base dos caules (figura 25).
Os iões minerais são acumulados activamente pelas células da raiz e são
bombeados para dentro do xilema, onde, devido à ausência de transpiração, o
movimento de água é negligível causando um aumento da concentração dos sais.
Este aumento em sais provoca uma diminuição do potencial osmótico no xilema, o
que causa uma entrada de água por osmose (Taiz & Zeiger, 1998).
O movimento da
água, através dos tecidos da raiz para o cilindro central, ocorre através das paredes
das células. No entanto, a água tem de passar pelas membranas e protoplastos das células da endoderme,
porque as suas paredes são impermeáveis à água. Todo o anel formado pelas
células da endoderme actua como uma simples mem-brana, com uma solução
concentrada no lado do xilema, e uma solução diluída no lado do cortex. Assim,
a raiz funciona como um osmómetro, com a água a difundir-se em resposta a uma
diferença de concentrações, do solo através da “membrana” endoderme para o
xilema. Isto causa o aumento da pressão nas células do xilema. A parede
impermeável da endoderme também impede que os sais bombeados para o xilema se
difundam de novo para o córtex e para o exterior da raiz.
Quando
se destaca, ao nível do solo, o caule de uma planta que não esteja a
transpirar, a superfície de corte exuda grande quantidade de fluido (figura
26). Se se colocar um manómetro na extremidade cortada, observar-se-á que as
raízes estão a produzir uma certa pressão (figura 25), é a chamada pressão radicular (Taiz
& Zeiger, 1998).
Figura 25: Experiência que mostra a
existência de pressão radicular. A solução excretada pela base do caule está
sujeita a uma pressão que pode ser lida no manómetro de mercúrio.
Retirado
de Galston, Davies e Satter (1980), fig. 6.17, pag. 161
A pressão radicular só poderá ser a causa da ascenção da solução xilémica nas plantas muito jovens, antes das folhas estarem completamente desenvolvidas e a transpiração se tornar um processo dominante.
Figura 26:
Exemplos de exsudação da solução xilémica devida à pressão radicular, em
feijoeiro (Phaseolus vulgaris) à esquerda e tomateiro (Lycopersicon
esculentum) à direita. As fotografias foram retiradas 5 minutos após a
excisão do caule de plantas bem regadas.
Retirado de Hopkins (1995), fig.3.10, pag.53
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