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AS RELAÇÕES HÍDRICAS DAS PLANTAS VASCULARES

 

(6ª Parte)

 

 

 

Alexandra Rosa da Costa,

PhD (Stirling, U.K.)

 

Departamento de Biologia

Universidade de Évora

Portugal

 

Novembro de 2001

 

          2. O MOVIMENTO DA ÁGUA NO SPAC (Cont):

 

            2.5. O MOVIMENTO ASCENCIONAL DA ÁGUA:

 

            A existência de plantas terrestres altas só se tornou possível quando as plantas adquiriram, no decorrer da evolução, um sistema vascular que permitiu um movimento rápido da água para a parte aérea onde ocorre a transpiração. As plantas terrestres sem um sistema vascular e com mais de 20 ou 30 cm de altura só poderiam existir num ambiente extremamente húmido, onde praticamente não ocorresse transpiração. Isto explica-se pelo facto do movimento da água por difusão de célula a célula ser demasiado lento para evitar a desidratação da parte aérea das plantas a transpirar. A importância do sistema vascular pode ser demonstrado pelo facto de uma árvore, num dia quente de Verão, mover cerca de 200 litros de água desde as raízes até à superfície evaporante das folhas a mais de 20 ou 30 metros de altura (Kozlowski & Pallardy, 1997).

             Para a maioria das plantas o xilema constitui a parte mais longa da via de condução da água no seu  interior. Assim,  numa planta  com um metro  de  altura,  cerca de 99,5% do transporte da água ocorre no xilema e em árvores mais altas o movimento no xilema representa uma percentagem ainda maior (Taiz & Zeiger, 1998).

            Quando comparado com a complexidade do transporte radial através da raiz, a via no xilema aparece como sendo muito simples e com pouca resistência. Isto deve-se em parte às suas características que veremos a seguir.

 

            2.5.1. CARACTERÍSTICAS DO XILEMA:

 

            O xilema consiste de quatro tipos de células: os traqueídios, os elementos xilémicos, as fibras, e o parênquima xilémico.

¨       As células do parênquima, sobretudo nas plantas lenhosas, são as únicas que estão vivas. Estas células ocorrem essencialmente nos raios que aparecem radialmente na madeira das árvores, mas também existem células do parênquima espalhadas pelo xilema;

¨       As fibras são células de esclerênquima dispostas ao longo dos feixes e que lhes conferem resistência;

¨       Os traqueídios e os elementos xilémicos dispostos verticalmente são as células que estão envolvidas no transporte da solução xilémica.

            Duma maneira geral, as gimnospérmicas têm apenas traqueídios, enquanto que praticamente todas as angiospérmicas têm elementos xilémicos e traqueídios (Taiz & Zeiger, 1998). Estes dois tipos de células são alongadas, embora os traqueídios sejam mais compridos e estreitos que os vasos xilémicos (figura 22).          

            Tanto os traqueídios como os elementos xilémicos funcionam como elementos mortos, isto é, depois de terem sido formados por crescimento e diferenciação de células meristemáticas, morrem e os seus protoplastos (célula vegetal sem parede) são absorvidos por outras células. No entanto, antes de morrerem, as suas paredes sofrem alterações que são muito importantes para o transporte da água. Uma das mudanças é a formação da parede secundária, que consiste largamente em celulose, lenhina e hemi-celuloses, e que cobre a parede primária (Salisbury & Ross, 1992).

            As paredes secundárias conferem uma força de compressão considerável às células o que evita que entrem em colapso sob as tensões extremas a que por vezes estão sujeitas. Estas paredes, lenhificadas, não são permeáveis à água como as paredes primárias. Quando se formam não cobrem completamente as paredes primárias, originando as pontuações que são zonas circulares, finas, onde as células adjacentes estão separadas apenas pelas paredes primárias (Salisbury & Ross, 1992).

Figura 22: Traqueídios (A e B) e traqueias (C a G) de diversas plantas, vistos lateralmente. Apenas se apresenta um terço do traqueídio B. É de notar os diferentes tipos de pontuações nas paredes laterais destas células, e os diferentes tipos de perfurações que existem nas paredes dos topos das traqueias.

Retirado de Noggle e Fritz (1976), fig. 9, pag. 437

 

            Estas pontuações podem ser simples e, então, são apenas um buraco redondo na parede secundária, ou podem ser estruturas complexas chamadas pontuações areoladas, nas quais a parede secundária se estende sobre a pontuação e a parede primária fica mais espessa no centro da pontuação formando o toro (figura 23). A figura mostra que o toro pode funcionar como uma válvula, fechando quando a pressão num lado é superior à pressão no outro (Salisbury & Ross, 1992).

 

Figura 23: Diagrama duma pontuação areolada dum traqueídio de pinheiro (Pinus sp.). Se a pressão dum lado da pontuação for superior à pressão do outro lado, o toro é empurrado de maneira que veda o orifício, impedindo o fluxo através dele.

Retirado de Salisbury e Ross (1992), fig. 5.7 (a), pag. 99

 

                        Os topos das células dos traqueídios sobrepõem-se. As pontuações nas zonas de sobreposição permitem que a água suba de um traqueídio para outro, ao longo das filas de traqueídios. As pontuações que existem em grande número nos lados dos traqueídios também permitem a passagem de água entre células adjacentes. Por vezes estas células presentam espessamento espiralados como os que resistem à compressão nos tubos dos aspiradores.

            Os elementos xilémicos estão típicamente reforçados com estes espessamentos que podem ser circulares, espiralados, etc., Apresentam também placas de perfuração nos topos que apresentam aberturas nas quais a parede secundária não se forma e a parede primária e a lamela média se dissolvem, permitindo o movimento rápido da água. Os elementos xilémicos (cada um é uma célula) estão alinhados formando grandes tubos, constituidos por várias células e que constituiem as traqueias que se  estendem  de alguns  centímetros  a vários  metros em certas árvores.

            A resistência ao fluxo da água é consideravelmente menor nas angiospérmicas que nas gimnospérmicas, em parte devido às placas de perfuração, mas também devido a que as traqueias têm diâmetros mais largos que os traqueídios (Salisbury & Ross, 1992).

            Por outro lado a transferência entre traqueídios ocorre apenas através das pontuações das extremidades que se sobrepõem, enquanto que a transferência entre traqueias ocorre ao longo duma distância considerável através das pontuações laterais de duas traqueias adjacentes, em contacto. As traqueias são muito mais longas que os traqueídios, de modo que, à medida que a água sobe na planta, tem de passar pelas pontuações com menos frequência. Há dados que mostram que que o fluxo de água nas traqueias é, de facto, muito mais rápido que nos traqueídios.

 

            2.5.2. A TEORIA DA COESÃO-TENSÃO PARA A ASCENÇÃO DA ÁGUA:

 

            Em 1727 um fisiologista chamado Hales sugeriu que a água nas plantas entrava facilmente nas raízes, mas que só poderia ascender na planta graças à transpiração. Esta ideia foi mais desenvolvida nos finais do século 19 com Sachs e Strasburger que indicaram a transpiração como sendo a força motriz para a ascenção da água no xilema, mas não explicaram como isto era possível. Só em 1895 é que Ashkenasy primeiro e depois Dixon e Joly perceberam que a água confinada em pequenos tubos como o xilema desenvolve elevadas forças de coesão e é capaz de suportar grandes tensões (Kozlowski e Pallardy, 1997).

            Estas ideias levaram à chamada teoria da coesão-tensão que é a mais aceite (ainda que muito controversa) para explicar a subida da água em plantas a transpirar.

            Esta teoria assenta em 4 pressupostos (Kozlowski & Pallardy, 1997):

¨       A água tem forças de coesão internas muito elevadas, e, quando confinada em pequenos tubos de paredes molháveis, como é o caso do xilema, pode suportar grandes tensões que podem chegar aos –30 MPa. (NOTA: paredes molháveis quer dizer paredes formadas por substâncias com as quais as moléculas de água podem estabelecer forças de adesão);

¨       A água na planta constitui um sistema contínuo através das paredes das células saturadas de água desde as superfícies evaporantes das folhas até às superfícies absorventes das raízes;

¨       Quando a água se evapora de qualquer parte da planta, mas sobretudo das folhas, a redução do potencial hídrico na superfície evaporante causa uma deslocação de água do xilema para essa superfície;

¨       Devido às forças de coesão entre as moléculas de água, a perda de água por evaporação causa uma tensão na solução do xilema que é transmitida através das colunas contínuas de água até às raízes, onde reduz o potencial hídrico causando um influxo de água para o seu interior.

            De acordo com estas premissas, a teoria da coesão-tensão estabelece quer um mecanismo, quer uma força motriz para o fluxo da água através das plantas. A diferença de potencial hídrico entre a atmosfera e o solo deveria ser mais do que suficiente para providenciar a força motriz para a subida da água até ao topo das árvores mais altas. No entanto, este mecanismo requer, para poder operar, elevadas tensões no xilema e é difícil de imaginar como é que esta tensões podem ser mantidas durante a distância necessária. Por exemplo, é difícil construir uma bomba mecânica que puxasse água do topo de uma coluna de água com mais de 10 metros (equivalente a 1 bar de pressão) sem que haja falha por cavitação. É muito mais fácil utilizar pressões positivas aplicadas na base. Assim, a questão crítica é saber-se se a tensão de superfície da água é suficiente para manter estados de alta tensão e se assim for, quais são as condições para manter essa elevada tensão (Steudle, 2001).

            A força de tensão da água (ou de qualquer fluido) é muito difícil de medir, não é como uma barra de metal. Por outro lado, a força de tensão de uma coluna de água vai depender do diâmetro da conduta, das propriedades das suas paredes e da existência de gases ou solutos. Mesmo assim, existem alguns dados bastante consistentes que apontam para que água pura, sem gases dissolvidos suporta tensões de cerca de -25 a –30 MPa a 20 ºC. Estes valores são cerca de 10% da força de tensão do fio de cobre e cerca de 10 vezes superior à tensão necessária para levar uma coluna de água ininterrupta ao topo das árvores mais altas (Hopkins, 1995).

            A água no xilema, sob tensão, tem de permanecer no estado líquido a pressões muito abaixo da sua pressão de vapor. A 20 ºC a pressão de vapor da água é de 2,3 kPa ou 0,0023 MPa. Uma coluna de água sob tensão está, portanto, num estado fisicamente instável. Os físicos chamam a esta condição estado metaestável, ou seja, um estado em que podem facilmente ocorrer mudanças, mas em que essas mudanças só ocorrem, de facto, devido a um estímulo externo. A estabilidade física pode acontecer numa coluna de água sob tensão pela introdução de uma fase de vapor. As moléculas de água na fase de vapor têm muito baixa coesão o que permite que o vapor se expanda rapidamente causando a ruptura da coluna de água e, assim, atenuando a tensão (Hopkins, 1995).

            A origem duma fase gasosa no xilema explica-se pelo facto da água no xilema conter vários gases dissolvidos, como o dióxido de carbono, o oxigénio e o azoto. Quando a coluna de água está sob tensão, há uma tendência para estes gases sairem da solução. primeiro formam-se bolhas submicroscópicas na interface entre a água e as paredes dos traqueídios ou das traqueias, provavelmente em pequenas fendas ou poros hidrofóbicos das paredes. Estas pequenas bolhas podem redissolver-se ou podem coalescer e expandir rapidamente preenchendo a conduta. Este processo de formação rápida de bolhas de ar no xilema é chamado cavitação (do latim cavus = oco). A bolha grande de gas constitui uma obstrução na conduta a que se dá o nome de embolia (do grego embolus = rolha) (Hopkins, 1995).

            A embolia tem implicações muito sérias para a teoria da coesão-tensão, uma vez que uma traqueia que sofre embolia deixa de poder transportar água. De facto, a probabilidade elevada de ocorrer cavitação do xilema foi apresentada como sendo a objecção principal à teoria da coesão-tensão quando esta foi formulada (Hopkins, 1995).

            Em 1966, Milburn e Johnson desenvolveram o método acústico para a detecção da cavitação do xilema. Em experiências laboratoriais com tubos finos de vidro, estes autores observaram que a relaxação rápida da tensão que segue a cavitação produz uma onda de choque que pode ser ouvida como um “clique”. Utilizando microfones sensíveis é possível ouvir estes “cliques” quando são produzidos nas plantas por cavitação no xilema. Utilizando folhas de rícino (Ricinus communis) em stresse, estes autores puderam demonstrar que existe uma relação bastante evidente entre a cavitação e a tensão no xilema o que suportaria, de certa forma, a teoria da coesão-tensão (Hopkins, 1995).

            Nos finais dos anos 80, Sperry e os seus colegas desenvolveram um outro método baseado nas alterações da condutância hidráulica, isto é, uma forma de medir a capacidade total dum tecido para conduzir água. O método acústico apenas contava o número e a frequência das cavitações, mas o método hidráulico permitia avaliar o impacto das embolias na capacidade de transportar água do tecido. Estes autores estudaram um talhão de áceres (Acer saccharum) e verificaram que durante a Primavera as embolias ocorriam essencialmente no tronco principal e reduziam a condutância hidráulica em 31% devido ao stresse de carência hídrica. No Inverno,  a condutância do tronco principal reduzia-se de 60% e nos troncos secundários a redução podia atingir os 100%. Este aumento das embolias no Inverno estaria provavelmenete ligada a ciclos de congelação-descongelação. A solubilidade dos gases é muito baixa no gelo e, assim, quando a água congela os gases são forçados a sair da solução; quando se dá a descongelação as pequenas bolhas de gases expandem-se e causam a cavitação (Hopkins, 1995).

            O mecanismo principal para minimizar os efeitos das embolias prende-se com a estrura do xilema. A embolia fica simplesmente contida dentro dum traqueídio ou dum elemento do xilema. Nos elementos que apresentam pontuações areoladas a embolia fica retida pela estrutura da pontuação (figura 24). A diferença de pressão entre a traqueia que sofreu a embolia e a adjacente que está cheia de água faz com que o toro fique comprimido contra o bordo da pontuação, evitando que a bolha de gas passe para o outro lado. A tensão de superfície impede que a bolha passe  através das pequenas aberturas das placas de perfuração entre elementos xilémicos contíguos. No entanto, a água vai continuar a fluir lateralmente através das pontuações contornando, assim, o elemento bloqueado (figura24). Para além de permitir que a água contorne o elemento bloqueado as plantas também podem tentar reparara embolia evitando os danos a longo prazo. Isto pode acontecer à noite quando há pouca transpiração. A redução da tensão no xilema permite que os gases se redissolvam  na solução do xilema (Hopkins, 1995).

 

 

Figura 24: As bolhas de ar que se formam no xilema ficam contidas no elemento do xilema ou no traqueídio. A diferença de pressão resultante da embolia faz com que o toro vede as pontuações areoladas que existem no elemento afectado. A tensão de superfície evita que as bolhas passem através das perfurações terminais dos elementos. A água continua a fluir à volta do elemento xilémico bloqueado.

Retirado de Hopkins (1995), fig. 3.15, pag. 57

 

            No caso das plantas herbáceas os gases podem ser forçados a redissolverem-se devido à pressão radicular, de que falaremos mais adiante. No caso das plantas lenhosas a explicação não é tão simples. Algumas espécies como a vinha (Vitis sp.) ou o ácer (Accer saccharum) desenvolvem uma forte pressão radicular no início da Primavera que pode estar relacionada com esta necessidade de recuperar os danos causados pelas embolias do Inverno. Por outro lado, a maioria das espécies lenhosas produz xilema secundário novo todas as Primaveras. Este xilema novo forma-se antes do desenvolvimento das gemas e podem satisfazer as necessidades da planta em termos de condutância hidráulica, substituindo o xilema velho e não funcional (Hopkins, 1995).

 

            2.5.3. A TEORIA DA PRESSÃO RADICULAR:

 

            Sempre que por qualquer motivo uma planta não estiver a transpirar desenvolve-se uma pressão positiva nos vasos xilémicos da raiz e da base dos caules (figura 25). Os iões minerais são acumulados activamente pelas células da raiz e são bombeados para dentro do xilema, onde, devido à ausência de transpiração, o movimento de água é negligível causando um aumento da concentração dos sais. Este aumento em sais provoca uma diminuição do potencial osmótico no xilema, o que causa uma entrada de água por osmose (Taiz & Zeiger, 1998).

            O movimento da água, através dos tecidos da raiz para o cilindro central, ocorre através  das paredes  das células. No entanto, a água tem de passar pelas membranas e protoplastos das células da endoderme, porque as suas paredes são impermeáveis à água. Todo o anel formado pelas células da endoderme actua como uma simples mem-brana, com uma solução concentrada no lado do xilema, e uma solução diluída no lado do cortex. Assim, a raiz funciona como um osmómetro, com a água a difundir-se em resposta a uma diferença de concentrações, do solo através da “membrana” endoderme para o xilema. Isto causa o aumento da pressão nas células do xilema. A parede impermeável da endoderme também impede que os sais bombeados para o xilema se difundam de novo para o córtex e para o exterior da raiz.

            Quando se destaca, ao nível do solo, o caule de uma planta que não esteja a transpirar, a superfície de corte exuda grande quantidade de fluido (figura 26). Se se colocar um manómetro na extremidade cortada, observar-se-á que as raízes estão a produzir uma certa pressão (figura 25), é a chamada  pressão radicular (Taiz & Zeiger, 1998).

 

 

 

Figura 25: Experiência que mostra a existência de pressão radicular. A solução excretada pela base do caule está sujeita a uma pressão que pode ser lida no manómetro de mercúrio.

Retirado de Galston, Davies e Satter (1980), fig. 6.17, pag. 161

 

A pressão radicular só poderá ser a causa da ascenção da solução xilémica nas plantas muito jovens, antes das folhas estarem completamente desenvolvidas e a transpiração se tornar um processo dominante.

 

 

Figura 26: Exemplos de exsudação da solução xilémica devida à pressão radicular, em feijoeiro (Phaseolus vulgaris) à esquerda e tomateiro (Lycopersicon esculentum) à direita. As fotografias foram retiradas 5 minutos após a excisão do caule de plantas bem regadas.

Retirado de Hopkins (1995), fig.3.10, pag.53

                       

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