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AS RELAÇÕES HÍDRICAS DAS PLANTAS VASCULARES

 

(7ª Parte)

 

 

 

Alexandra Rosa da Costa,

PhD (Stirling, U.K.)

 

Departamento de Biologia

Universidade de Évora

Portugal

 

Novembro de 2001

 

          2. O MOVIMENTO DA ÁGUA NO SPAC (Cont):

 

            2.6. AS PERDAS DE ÁGUA PELA PLANTA:

 

            2.6.1. A TRANSPIRAÇÃO:

 

            De toda a água absorvida pelo sistema radicular apenas uma pequena fracção fica retida na planta. A maior parte é evaporada pela parte aérea para o ar circundante. Verificou-se que, numa planta de milho, cerca de 98 % da água absorvida é evaporada pela planta, 1.8 % é retida na planta e apenas 0.2 % é utilizada na fotossíntese.

            A esta perda de água pelas plantas, na forma de vapor, dá-se o nome de transpiração. A transpiração nas plantas pode ser cuticular, lenticular e estomática (Salisbury & Ross, 1992). A primeira é uma interface líquido-vapor na qual ocorre a evaporação, as outras duas são uma via estrutural para o movimento do vapor que existe entre um espaço já preenchido com vapor de água e a atmosfera .

 

            2.6.1.1. Tipos de transpiração nas plantas:

                       

¨       A transpiração cuticular:

            Nas paredes exteriores das células da epiderme de todos os orgãos da parte aérea de plantas herbáceas, nas folhas e caules jovens das restantes plantas, existe uma estrutura chamada cutícula. A cutícula apresenta duas zonas (figura 27): a mais exterior e que constitui a cutícula propriamente dita, formada essencialmente por cutina; e a camada cuticular constituida por placas de celulose e cutina. Na cutícula propriamente dita podem existir depósitos de ceras e cristais de outras substâncias lipídicas (Mazliak, 1975).

            A camada cuticular pode conter quantidades variáveis de água dependendo da hidratação da cutícula. Assim, a transpiração cuticular ocorre a uma taxa que depende não só do déficite de vapor de água da atmosfera, mas também da área da superfície da água exposta ao ar.

                        A perda de água pela cutícula é geralmente muito pequena, com excepção das plantas sem estomas funcionais, como musgos e fetos. Nas coníferas e nas árvores de folha caduca, a transpiração cuticular pode representar, respectivamente, de 1/30 a 1/40 e de 1/8 a 1/12 da transpiração estomática. Nas folhas jovens, a transpiração cuticular pode constituir 1/3 a 1/2 da transpiração total (Sebanek, 1992).

 

Figura 27: Esquema da cutícula.

Adaptado de Mazliak (1975), fig. 108, pag. 263

 

¨       A transpiração lenticular:

            Na grande maioria das plantas existem zonas da periderme, quer dos caules, quer das raízes, em que as células têm um arranjo menos estruturado, podendo ou não ter as paredes suberizadas. A estas zonas dá-se o nome de lentículas (figura 28).

 

Figura 28: Esquema duma lentícula em Sambucus nigra.

Retirado de Fahn (1974), fig. 181, pag. 405

 

            As células, de maiores dimensões, do tecido complementar apresentam numerosos espaços intercelulares o que leva a pensar que a função das lentículas está relacionada com as trocas gazosas, embora a sua importância a nível da planta, como um todo, seja aparentemente diminuta.

¨       A transpiração estomática:

            A transpiração estomática consiste na saída de vapor de água da planta, através dos estomas situados na epiderme duma folha ou caule verde e representa um dos processos de maior importância na interacção entre a planta e o ambiente. Por esta razão, e porque quando consideramos a transpiração como um todo, a componente estomática é largamente dominante, passaremos a tratar a transpiração como se fosse apenas estomática.

 

            2.6.1.2. A importância fisiológica da transpiração:

 

            A perda de água, na forma de vapor, que a planta experimenta na transpiração não parece ser um processo “lógico” em organismos que habitam um meio essencialmente seco, como é o meio terrestre. Assim, levanta-se a questão de saber qual é a vantagem selectiva da transpiração.

            É evidente que as plantas terrestres precisam de absorver CO2 da atmosfera, e é possível que o mecanismo estomático tenha evoluído nesse sentido, sendo a transpiração, aparentemente um “mal necessário”. No entanto, verificou-se que, em certos casos, a transpiração tem uma importância fisiológica indiscutível (Salisbury e Ross, 1992):

¨       No transporte de nutrientes minerais: os minerais que são absorvidos pelas raízes movem-se para a parte aérea no fluxo transpiracional. Embora também haja movi-mento de sais minerais em plantas que não transpiram, não há dúvidas que o fluxo transpiracional permite que a absorção de sais minerais a partir do solo se processe a uma taxa mais elevada.

¨       Turgidez óptima: verificou-se experimentalmente que as plantas num ambiente de 100 % de humidade relativa não crescem tão bem como em situações em que existe uma certa transpiração. Pensa-se que existe uma turgidez óptima acima e abaixo da qual as funções celulares das plantas são menos eficientes. Se as plantas não podem transpirar, as células tornam-se demasiado túrgidas e as células não crescem à mesma taxa que quando existe uma certa carência hídrica.

¨       Arrefecimento das folhas: na natureza a transpiração desempenha um papel muito importante no arrefecimento das folhas. A evaporação da água é um processo muito importante no arrefecimento de qualquer corpo. Quando 1 g de água se evapora a 20 ºC absorve 2.45 kJ do ambiente (calor latente de vaporização). As plantas evaporam grandes quantidades de água para a atmosfera e assim, dissipam grandes quantidades de energia.

 

            2.6.1.3. Periodicidade da transpiração nas plantas:

 

            Todos os factores exógenos e endógenos que afectam a transpiração estão sujeitos a alterações durante o dia, originando uma periodicidade diúrna na taxa a que este processo ocorre. Para a maior parte das plantas durante a noite a taxa de transpiração é geralmente baixa, perto de zero, aumentando depois do nascer do Sol até atingir um máximo ao meio-dia. Da parte da tarde a transpiração começa a diminuir até atingir, ao entardecer, os valores mínimos, semelhantes aos da noite (Sebanek, 1992).

            Durante a ontogenia, a evolução da taxa de transpiração é diferente consoante as espécies. Nos estádios iniciais do desenvolvimento, por exemplo de cereais, a taxa de transpiração é muito elevada, registando-se os valores máximos no final do estádio de afilhamento, seguido de um decréscimo abrupto com valores mínimos no final do estádio de crescimento rápido e no início da antese. Existe outro pico de transpiração durante a floração, seguido de um decréscimo depois do estádio de maturação láctea e que continua até ao fim da maturação cerosa. Por exemplo, em cultivares de trigo (Triticum sp.) de Primavera ou Inverno, o consumo de água varia, respectivamente, de 0.8 a 1.0 litro e de 1.0 a 1.2 litros, por afilhamento. Em campos irrigados, um afilhamento duma planta de trigo pode precisar de 2 litros de água (Sebanek, 1992).

 

            2.6.1.4. Trajecto do vapor de água da folha para a atmosfera:

 

            Quando os estomas estão fechados, a densidade de pressão de vapor nos espaços intercelulares está muito perto da saturação. Nestas condições o potencial da água nas paredes das células está muito próximo de zero, assim como o potencial hídrico das células do mesófilo com o qual aquela água está em equilíbrio (Meidner & Sheriff, 1976).

            Quando os estomas abrem e começa a difusão do vapor para o exterior, desenvolve-se um gradiente de pressão de vapor entre as paredes das células, local de evaporação, e a câmara estomática. Normalmente, a densidade de pressão de vapor na câmara estomática não desce abaixo dos 96 % de saturação, o que corresponde a um valor de potencial hídrico (Y) da ordem dos -5.0 Mpa. Em vez dum equilíbrio estático desenvolve-se um gradiente dinâmico de potenciais hídricos entre a água nas paredes das células e a fase de vapor. Assim que a densidade de vapor deixa de ser 100 % de saturação, o potencial hídrico da fase vapor torna-se mais negativo que o da fase líquida. A 20 ºC, para uma humidade relativa de 99 % o Y é de -1.37 Mpa, e para 98 % é de -2.72 Mpa (figura 29). O potencial hídrico das paredes das células diminui, essencialmente devido às forças matriciais, à medida que a água é perdida por evaporação e os meniscos dos poros se retraiem para capilares mais estreitos. No entanto, desde que o potencial hídrico das células permaneça razoavelmente alto, continua a haver um movimento de água para as paredes das células. Mesmo quando o potencial hídrico das células diminui drásticamente, devido à perda de turgidez ou diminuição do potencial osmótico, o sistema contínuo de água na planta permite o fornecimento de água para as células do mesófilo, assim como para os locais de evaporação (Meidner & Sheriff, 1976).

 

Figura 29: Representação esquemática das linhas de fluxo de vapor entre a câmara estomática e a atmosfera exterior. A área da parede interna da epiderme representa um terço da superfície interna total da câmara.

Retirado de Meidner e Sheriff (1976), fig. 2.1, pag. 29

 

            O grau de saturação mantido nos espaços intercelulares, quando os estomas abrem, depende da taxa de difusão do vapor para o exterior, e esta depende por sua vez, da resistência estomática e da densidade de pressão de vapor da atmosfera (Meidner & Sheriff, 1976).

            Convém salientar que a taxa potencial de evaporação dentro duma folha é substancialmente maior que a existente numa superfície de água com a mesma área que a folha. Isto deve-se a que a área total de evaporação, ou seja, as paredes interiores da epiderme e as paredes das células do mesófilo, podem ser de sete a trinta vezes superiores à área da folha.

            Apesar de tudo o que foi dito, a folha pode ser considerada como um orgão que retém a água. Pensa-se que a parede interna da epiderme na proximidade do poro estomático é o local principal de evaporação dentro da folha, como se pode observar na figura 29. Nestes locais é criada  uma diferença de  densidade de  vapor relativamente maior que a das paredes do mesófilo, mais afastadas do poro estomático, acelerando a evaporação. Verificou-se igualmente que o tecido epidérmico tem uma condutividade hidraúlica relativamente elevada, de forma que a água perdida por evaporação é facilmente renovada. Assim, a maior parte do volume de ar entre as células do mesófilo permanece perto da saturação e a perda de vapor das paredes destas células é comparativamente lenta, permitindo a retenção da água líquida. Além disto, a condutividade hidraúlica das paredes exteriores do mesófilo diminui com a carência hídrica, evitando um decréscimo demasiado drástico no espaço de ar da folha (Meidner & Sheriff, 1976).

 

            2.6.2. A GUTAÇÃO:

 

            Além da perda de água na forma de vapor que ocorre na transpiração, as plantas também perdem água na forma líquida no processo denominado gutação (figura 30). Este ocorre quando o ar está saturado de vapor de água, de modo que a transpiração diminui ou pára.

 

 

Figura 30: Exemplo de gutação: As setas indicam gotas de solução xilémica exsudadas através de hidátodos em folhas de plântulas de milho (Zea mays)

Colecção particular (2001)

 

            Esta saída de água no estado líquido ocorre através de estruturas chamadas hidátodos (figura 31). Estes secretam água que é levada para a superfície da folha pelos traqueídios terminais dos feixes vasculares. Esta água passa através dos espaços intercelulares do parênquima do hidátodo que não possui cloroplastos e que é denominado  epitema. Os espaços intercelulares abrem para o exterior através de poros especiais que são originariamente estomas que permanecem sempre abertos.

 

Figura 31: (A) Esquema dum corte dum hidátodo numa folha de Ribes viburnifolium. (B) Poro que resulta de um estoma modificado.

Retirado de Fahn (1974), fig. 116, pag. 262

 

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