Xamanismo

Até bem pouco tempo atrás, os chamados pesquisadores da arte xamã classificavam-na como charlatanismo e magia baixa. Os primeiros viajantes que observavam cerimônias xamanistas quase sempre faziam referência apenas as descrições de fenômenos meramente exteriores, sem captar o verdadeiro caráter espiritual de sua concepção do mundo. Assim comenta Samokvassov: "O xamanismo não é para os Yakutes(Sibéria) uma crença ou religião, e sim um ato executado em determinadas ocasiões, como em certas doenças, epizootias, divertimentos ou em homens que enlouqueceram".O fenômeno do xamanismo em seu sentido ortodoxo foi e ainda é encontrado nas populações arcaicas da Sibéria, das regiões polares da Ásia Central e Setentrional, sendo observadas práticas similares também nas Américas do Sul e do Norte, na Indonésia e Oceania. São povos que não grande maioria são pescadores, caçadores, pastores-criadores com um certo nomadismo característico. A despeito das diferenças étnicas e linguísticas, as linhas básicas de suas religiões coincidem. Todos eles cultuam e veneram um Grande Deus celestial, onipotente e criador do Universo. E o que distingue os xamãs dos demais curandeiros e feiticeiros? O elemento essencial e específico do xamanismo é a experiência do êxtase, através do qual o xamã abandona o corpo e empreende em espírito viagens cósmicas. Por essa viagem da alma. por essa superação do profano e ascensão à esfera do sagrado, o xamã é tido como um ser predestinado, pois somente a ele é dado o acesso a uma zona inacessível a outros membros da comunidade. O xamã é também um curador, uma vez que cuida da saúde de seu povo, sendo a particularidade o método que o distingue dos outros curandeiros. É mágico a medida que é operador de milagres, diferenciado dos outros mágicos por uma especialidade peculiar: o vôo místico e o domínio do fogo, entre outras coisas. É também uma espécie de terapeuta, especialista da psique humana, doutor de almas, chefe de culto, místico e artista. Uma outra distinção do xamã é a relação com os espíritos. Em todas as outras culturas, primitivas ou modernas, existem pessoas que dizem ter ligações com espíritos. O objetivo supremo do xamã, ao contrário dos outros, é sair do seu corpo e empreender viagens ao céu ou aos infernos, velar pela alma dos doentes em sua peregrinação cósmica, resgatá-la e reintegrá-la ao corpo. Apesar da vida religiosa de muitas tribos ser centralizada no xamã, ele não é o único a exercer o ofício do sagrado. Em muitas tribos ele coexiste com o sacerdote sacrificador, sem levar em conta que o patriarca da família é também o chefe do culto doméstico. Entretanto é o xamã a personagem dominante, pois nessas culturas a experiência do êxtase é considerada como a experiência religiosa em seu sentido mais alto. É comum vincular a manifestação de aptidão xamanista com uma estrutura de personalidade que paresenta um quadro de anormalidade psíquica. Documentos existentes que contém relatos dos próprios xamãs não deixam dúvidas a este respeito, são unânimes em confirmar um estado crítico de doença por volta dos vinte anos. Especialistas modernos diagnosticam como formas histéricas e esquizofrênicas. Entre os povos indonésios a escolha do xamã recaía sobre pessoas doentias e de compleições débeis, em que o diagnóstico de neurastenia é perfeitamente cabível. Isso posto, o que separa a santidade ou outras manifestações da religiosidade do desequilíbrio psíquico? Estudiosos não tem dúvidas em relação à histeria de Santa Teresa D'Ávila, e sua canonização é fato incontestável. É fora de dúvida que o xamã não é um doente comum, já que obtém a cura de si mesmo através de misteriosa técnica psíquica. E a partir de então é apto a realizar as curas dos membros do grupo, pois será visto como alguém que adquiriu domínio sobre a doença, ou mais propriamente sobre os espíritos da doença. O método de seleção dos xamãs normalmente se dá por hereditariedade, vocação ou obrigação do clã. Qualquer que seja o meio pelo qual foi escolhido, o xamã tem que passar por provas de iniciação que compreendem dois aspectos: um de ordem extática (transes, visões,sonhos) e outro de ordem tradicional (técnicas xamanistas, nomes e funções dos espíritos, mitologia e genealogia da raça e do clã, linguagem secreta,etc). Esta dupla instrução por si só equivale a uma iniciação. A ausência de ritual não significa que não houve prova iniciatória, ele pode transcorrer por um processo interno, através de sonhos, visões, etc. Por vezes a iniciação é pública, tendo uma cerimônia ritual que obedece ao esquema clássico de sofrimento, morte e ressureição.Em certos povos, o rito de iniciação tem provas bem difíceis. Assim é entre os manchus, onde o futuro xamã deve demonstrar capacidade de suportar o frio extremo. Em outras tribos, o calor intenso, chegando ao ponto de engolir brasas. Tudo para mostrar que compreende a natureza e os animais, conseguindo dominá-los quando necessário, significando (essa resistência e arte de dominar) completa integração com as forças superiores, sabendo utilizar seu corpo espiritual e penetrar em outros mundos, em busca de cura e sabedoria.