AMAR

		Que pode uma criatura senão,
		entre criaturas, amar ?
		amar e esquecer,
		amar e malamar,
		amar, desamar, amar ?
		sempre, e até de olhos vidrados amar ?

		Que pode, pergunto, o ser amoroso,
		sozinho, em rotação universal, senão
		rodar também, e amar ?
		amar o que o mar traz à praia,  
		o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
		é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia ?

		Amar solenemente as palmas do deserto,
		o que é entrega ou adoração expectante,
		e amar o inóspito, o cru,
		um vaso sem flor, um chão de ferro,
		e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave
						de rapina.

		Este o nosso destino: amor sem conta,
		distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
		doação ilimitada a uma completa ingratidão,
		e na concha vazia do amor a procura medrosa,
		paciente, de mais e mais amor.

		Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa
		amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita. 
	
				    	  Carlos Drummond de Andrade

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