O CAVALO MORTO

	Vi a névoa da madrugada
	deslizar seus gestos de prata,
	mover densidades de opala
	naquele pórtico de sono.

	Na fronteira havia um cavalo morto.

	Grãos de cristal rolavam pelo
	seu flanco nítido; e algum vento
	torcia-lhes as crinas, pequeno,
	leve arabesco, triste adorno,

	--- e movia a cauda ao cavalo morto.

	As estrelas ainda viviam
	e ainda não eram nascidas
	ah ! as flores daquele dia ...
	--- mas era um canteiro o seu corpo:

	um jardim de lírios, o cavalo morto.

	Muitos viajantes contemplaram
	a fluida música, a orvalhada
	das grandes moscas de esmeralda
	chegando em rumoroso jorro.

	Adernava triste, o cavalo morto.

	E viam-se uns cavalos vivos,
	altos como esbeltos navios,
	galopando nos ares finos,
	com felizes perfis de sonho.

	Branco e verde via-se o cavalo morto,
 
	no campo enorme e sem recurso,
	--- e devagar girava o mundo
	entre as suas pestanas, turvo
	como em luas de espelho roxo.

	Dava sol nos dentes do cavalo morto.

	Mas todos tinham muita pressa,
	e não sentiram como a terra
	procurava, de légua em légua,
	o ágil, o imenso, o etéreo sopro
	que faltava àquele arcabouço.

	Tão pesado, o peito do cavalo morto !

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