A BRUXA A Emil Farhat Nesta cidade do Rio, de dois milhões de habitantes, estou sozinho no quarto estou sozinho na América. Estarei mesmo sozinho ? Ainda há pouco um ruído anunciou vida a meu lado. Certo não é vida humana, mas é vida. E sinto a bruxa presa na zona de luz. De dois milhões de habitantes ! E nem precisava tanto... Precisava de um amigo, desses calados, distantes, que lêem verso de Horácio mas secretamente influem na vida, no amor, na carne. Estou só, não tenho amigo, e a essa hora tardia como procurar amigo ? E nem precisava tanto. Precisava de mulher que entrasse nesse minuto, recebesse este carinho, salvasse do aniquilamento um minuto e um carinho louco que tenho para oferecer. Em dois milhões de habitantes, quantas mulheres prováveis interrogam-se no espelho medindo o tempo perdido até que venha a manhã trazer leite, jornal e calma. porém a essa hora vazia como descobrir mulher ? Esta cidade do Rio ! Tenho tanta palavra meiga, conheço vozes de bichos, sei os beijos mais violentos, viajei, briguei, aprendi. Estou cercado de olhos, de mãos, afetos, procuras. Mas se tento comunicar-me, o que há é apenas a noite e uma espontosa solidão. Companheiros, escutai-me ! Essa presença agitada querendo romper a noite não é simplesmente a bruxa. É antes a confidência exalando-se de um homem. Carlos Drummond de Andrade
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