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Traduções
|
Pedras e bombas
Tenho seguido os recentes eventos trágicos dos atentados bombistas
em Londres. Lamento constatar quão barata é a vida humana e como as
contagens de corpos são agora coisa quotidiana. Interrogo-me se algum
cidadão ou autoridade alguma vez considerou o que aconteceria se terroristas
entrassem em instalações nucleares. Entrem no meu site de Chernobyl e verão
o que é feito da terra se forem libertados na atmosfera apenas uns 10% da
radiação, o resto ainda está sob o sarcófago. Com os preços altos do petróleo,
as centrais nucleares vão surgir como cogumelos depois da chuva. Por estes
dias todos têm telhados de vidro e os nossos líderes mundiais não devem
lançar as bombas....
Agosto, 2005.
Relatório da ONU
2006 é o ano do 20.º aniversário do desastre nuclear de Chernobyl.
Poderosas forças pró-nucleares estão comprometidas em produzir
"novas edições" positivas e "relatórios" para minimizar o impacto negativo.
Abaixo está um extracto de uma edição de notícias num dos tais
relatórios oficiais do Fórum de Chernobyl que teve lugar em Viena, em
setembro de 2005:
Não há muito tempo atrás, as autoridades estavam a ponto de
admitir 4.000 mortos de Chernobyl, mas com a alta recorde dos preços
do petróleo a procura por mais "energia atómica barata" é tão grande
que eles tiveram que colocar um número muito menor.
Agora, nós vemos o desespero e esperteza das autoridades
pró-nucleares. Eles subiram o número de mortes de 31 para 56 almas.
Podem agora gabar-se aos críticos que o novo relatório quase duplica a
contagem oficial de mortos de Chernobyl, mas um truque desses é um
insulto a todos nós.
Qualquer tentativa de estabelecer uma contagem de mortes para o
acidente de Chernobyl é pura especulação, ninguém sabe quantas foram
ou quantas serão no final - nem mesmo aproximadamente.
O meu vizinho que trabalhava em Chernobyl morreu de cancro com
56 anos, como diabo sabemos nós se ele contraiu esse cancro em
Chernobyl e se devemos incluí-lo na lista de vítimas. Contudo, há pessoas
que deveriam necessariamente ser incluídas tais como os trabalhadores
da limpeza, bombeiros, pilotos de helicópteros, soldados... o que é feito
deles? Porquê nenhuma contagem oficial de mortes os reconhece como
baixas do desastre de Chernobyl?
Aqui estão mais dois trechos oficiais que estão tão longe da verdade
como a contagem oficial de mortes:
É-nos impossível contar as vítimas, mas podemos viajar e contar as
centenas de quilómetros de ermo nuclear que se desenrolaram atrás de
nós. Eles falam apenas sobre a área que está 30 quilómetros (19 milhas)
em redor do reactor, mas isso é apenas 1/8 da área total que foi
envenenada pela radiação. Tenho ummapa. no meu site, que mostra a área total do
tamanho de um país europeu. Não há informação sobre a Bielorrússia,
nada é conhecido sobre a parte russa de Chernobyl. Essas áreas estão
fechadas a visitantes.
Quanto aos níveis que retornaram a padrões aceitáveis, os níveis caíram
porque em 1986 a radiação estava à superfície. No verão de 1989, três
anos após o acidente, 90% da radiação estava 2 cm dentro do solo, agora
ela entrou 20 cm dentro do solo, o que torna qualquer processo de
descontaminação impossível. Agora, o solo respira radiação vinda do seu
interior profundo e algumas vezes o elemento seguinte no ciclo de
decomposição não é mais seguro do que o anterior, como no caso do Amerício
O relatório da ONU soa como se as pessoas estivessem a postos para
começar a povoar essa parte da terra onde, de acordo com a ONU os
níveis de radiação em sua maioria retornaram a níveis aceitáveis.
Deixem-me asseverar, nada desse tipo está realmente a acontecer. Cada
ano eu viajo e vejo mais e mais vilas e cidades desoladas. Toda a área está
a morrer. Uma das razões pelas quais as pessoas não se querem instalar
nas áreas próximas de Chernobyl é porque o sarcófago construído
apressadamente está em risco de entrar em colapso.
Quase 20 anos passaram desde o acidente e eles ainda não começaram
a construir-nos um sarcófago decente. Como pode a indústria mais rica não
ser capaz de encontrar dinheiro para construir um novo sarcófago? Eles têm
meios suficientes para construir novos reactores, para subornar os media
noticiosos e políticos pelo mundo todo. Eles são ricos o suficiente para manter
a contagem de mortes tão baixa por tantos anos, mas não têm meios, nem
vontade política de proteger os povos da Europa de uma fusão nuclear.
Mais adiante, o relatório da ONU afirma:
Pensões não vale a pena mencionar, nós todos sabemos quão
"generosas" são as autoridades pós-soviéticas com pensões, subsídios
especiais e benefícios de saúde... Esses benefícios mal valem um bilhete
de eléctrico para ir levantá-los.
As vítimas de Chernobyl estariam muito melhor se tivessem recebido
o dinheiro que o governo gastou organizando tanto seminário e fórum falso.
De qualquer maneira, eu apenas gostaria que todos soubessem onde
estamos nós em relação à verdade sobre Chernobyl em vésperas do seu
vigésimo aniversário.
Chernobyl não é apenas parte do nosso passado. O que as autoridades
governamentais estão escondendo pode ser o futuro do nosso planeta,
porque algum dia, teremos de pagar por todas as mentiras, hipocrisias e
ganância do nosso sistema.
Setembro, 2005
O Silêncio Ensurdecedor
Eu cresci na União Soviética e, mesmo de quando era muito jovem,
lembro-me claramente da inescapável opressão de uma sociedade
totalitária. É como ter um piano muito bem afinado e tentar tocar com uma
orquestra que está deliberadamente fora de tom porque o Estado
determinou que há demasiadas notas na escala musical, e então algumas
são postas fora da lei.
Cinco anos após o acidente, a economia da União Soviética entrou em
colapso. Isso foi uma coisa boa. Parecia por um momento que a harmonia
do mundo poderia estar no horizonte. Mas essa esperança foge agora da
vista e tudo à nossa volta está novamente a ficar fora de tom, como as
guerras e a loucura atómica reverberem em sobretons discordantes e o
tique-taque do metrónomo da nossa inevitável ruína soe mais alto a cada dia.
Isso torna mais importante do que nunca que mergulhemos na solene
tarefa de calmamente afinarmos as nossas almas num tom perfeito e
esforçarmo-nos por ouvir os suspiros de harmonia de outros como nós -
arqueando-nos sobre a parede de barulho, antes que todos nós sejamos
cercados por nada mais que o silêncio ensurdecedor da última oportunidade
desaparecida.
Dezembro, 2005
Suicídios de Chernobyl
Logo nos primeiros anos depois do desastre de Chernobyl, foi reportado
um índice muito alto de suicídios. O pensamento suicida vai-se infiltrando
quando os terrores da vida se sobrepesam ao terror da morte. Quem poderia
duvidar que Chernobyl supriu toda a humanidade com mega terrores à espreita
de um beco sem saída?
Agora, a culpa oficial foi colocada naqueles funcionários que tiraram as
suas próprias vidas, tal como Valery Legasov, ou o primeiro secretário do
Partido Comunista da Ucrânia, Sherbitsky.
Eu realmente acredito que essas pobres almas que cometeram suicídio após
Chernobyl não eram completos patifes. Por quê? Porque verdadeiros patifes
são conhecidos por terem tendências homicidas - não suicidas.
Dezembro, 2005
Sobre a política da ONU. (Extraído de entrevista à revista online Bikernet)
Pergunta:
Eles acreditam realmente que as pessoas ao redor do mundo vão acreditar
nos seus relatórios? Eles presumem que a pessoa média é completamente
idiota? O que podem fazer as pessoas que leem isto: para terem a certeza de
que o desastre de Chernobyl não é varrido para baixo do tapete e esquecido?
Resposta:
Sim, todos os que conheço ficaram chocados com o relatório da ONU de setembro
de 2005. Mesmo que nós saibamos, eles tratam-nos como tolos, ninguém poderia
esperar que a mentira deles fosse tão óbvia e ofensiva, mas então, olhe para o
que aconteceu no Iraque. Essa guerra é justamente o resultado de toda política da
ONU e da forma como tratam o mundo árabe como um grande e obtuso posto de
gasolina, com os seus relatórios de comida por petróleo e um relatório falso sobre
o Iraque possuir armas químicas. Agora, os iraquianos que não tinham nenhuma
arma de destruição em massa vão tentar obtê-las logo que as tropas internacionais
deixem o Iraque. Eles não tinham nada a ver com a Al Qaeda, agora a Al Qaeda
está no Iraque. No Irão querem desesperadamente obter Plutónio para armas
nucleares. O que é pior é que agora, que Osama se tornou um herói para milhões,
Bin Laden não é o chefe de um gangue de bandidos e assassinos como ele era há
uns anos atrás, ele é agora líder de uma grande facção política do mundo árabe.
60% do mundo árabe tem uma idade abaixo dos 20. Isso são 840000000 de
adolescentes. Muitos deles querem ser exactamente como Osama. Ele é o seu
"Elvis", que traz uma AK-47 em vez de uma guitarra. Mas eles não querem
aprender a tocar guitarra e ficar sem gasolina num filme de drive in num encontro
de baile de finalistas. Eles querem encher o carro de dinamite e matar todos os que
não recitem as palavras do Corão à letra. Agora, eles odeiam-nos amargamente,
todos os dias morrem pessoas por nenhuma razão que se aproveite e esse é o
resultado de todos os relatórios da ONU. O melhor que todos podem fazer para
manter a história de Chernobyl activa é passar o link da minha história aos seus
amigos...
Janeiro, 2006
Novos reactores
A Ucrânia construirá novos reactores. Foi uma das primeiras decisões
do novo parlamento. Eles chamam-lhe soberania da energia e combustível.
Nós já produzimos mais electricidade do que precisamos e fornecemos países
vizinhos com eletricidade das nossas centrais nucleares. Eles apenas querem
vender mais. Fazem dinheiro à custa da saúde dos próprios cidadãos e os
cidadãos não podem fazer nada para impedir isso. Isto porque na minha
parte do mundo a energia nuclear vai encontrar apoio parlamentar,
independentemente de que partidos ganham as eleições. Há algo que é
preciso explicar para tornar isto claro.
Olhando para o parlamento da Ucrânia, no começo e à primeira impressão
a vida política é fervilhante. Mais de 50 partidos continuamente em separação
e formando novas coligações. Muita agitação, aglomeração e enxameação em
todas as direções. Continuando a olhar nota-se que, ano após ano, essa massa
de deputados não produz nenhuma mudança. É porque nós temos as mesmas
pessoas na política que tínhamos durante os anos soviéticos, mas agora
acompanhadas dos seus parentes e protegidos. Não interessa quem forma cada
novo parlamento, as mesmas pessoas estão sempre presentes, como
combinações num caleidoscópio: a cada volta uma nova figura salta aos olhos;
pode-se pensar que algo mudou; e contudo, na realidade, vêem-se somente
novas combinações dos mesmos pedaços de vidro que se viam antes. Assim, o
nosso parlamento é sempre o mesmo e aqueles deputados que há alguns anos
estavam prestes a abandonar as suas ambições nucleares agora promovem
novamente o nuclear.
Nós falhámos porque devíamos eleger novos deputados e não ouvir as
promessas dos mesmos calhaus velhos, pois quando eles prometem deixar
voluntariamente o poder e as suas posições em prol da paz e da harmonia
social, a sua razão é sempre a necessidade e assim que lhes é oferecida uma
hipótese de voltar às suas posições anteriores, deixam para trás a sua muito
propalada paz e harmonia e agarram as coisas antigas com a mesma fúria com
que o fogo agarra madeira oleosa.
Abril, 2006
Cabo Verde
Hoje fui a uma feira do livro, porque queria ver o que havia
disponível sobre Chernobyl. Encontrei prateleiras cheias com toda a sorte
de revistas coloridas sobre crime, sexo, rock and roll e moda, mas nem um
único livro sobre os ermos que se estendem a poucas centenas de
quilómetros a norte de Kiev.
No outono de 2005 voltei à vila de Cabo Verde, onde anos atrás
costumava andar na minha mota. Mas a vila não está mais lá e eu soube que
foi demolida. Depois da explosão de Chernobyl, estando localizada a apenas
50 quilómetros a Sul do reactor, a pobre Cabo Verde tornou-se outra
estatística nuclear. Nem um simples prédio foi lá deixado, nenhum memorial,
nada que indique que a vila lá estava. Ela foi apagada da face da Terra -
exactamente da mesma maneira que os livros sobre Chernobyl
desapareceram das lojas de livros.
Na primavera de 2006 vejo que ainda mais vilas e aldeias foram
apagadas - todas baixas de Chernobyl. Eu acho que no futuro, as
autoridades da Ucrânia vão demolir todas as vilas e aldeias remanescentes
na área e arrastar o entulho radioactivo restante para um local próximo do
reactor.
Turismo em Chernobyl não tem futuro, porque tudo está coberto de plantas
e os edifícios começam a ruir. A ideia de turismo não vai encontrar nenhum
suporte das autoridades estatais, porque os lucros das companhias de turismo
que oferecerem excursões por Chernobyl não podem sequer começar a equilibrar
as perdas da indústria nuclear, portanto todos os vestígios de cidades fantasma
em Chernobyl terão de ser eliminados nesta geração. Eventualmente, eles terão
até que enterrar Pripyat, a maior das cidades fantasma.
Quem estará lá para dizer as últimas palavras sobre ela e quais serão elas?
"Das cinzas às cinzas, pó ao pó, isótopo ao isótopo...?"
Março, 2006
Luto das autoridades
Luto patrocinado pelo Estado, e acima de tudo as cerimónias oficiais,
são magníficas produções dramáticas, e deveriam haver prémios para as
actuações mais convincentes. Talvez lhes possam chamar Prémios da
Academia Russa ou Ucraniana. Como um filme de Hollywood, elas são
ilusões meticulosamente encenadas - e o requiem de Chernobyl a cada 26 de
abril parece trazer ao de cima o melhor dos melhores das suas capacidades
de representação.
Depois da meia-noite, uma grande multidão de políticos de aspecto sombrio
reúne-se no Memorial às Vítimas de Chernobyl em Kiev. Eles permanecem em
longas filas, cada um deles segurando a sua vela, e todos tentando
ultrapassar-se uns aos outros nas suas tristes demonstrações de compaixão
fingida pelos mortos e não nascidos de Chernobyl
Com as cabeças levemente curvadas eles caminham em frente lentamente e
desfiam as suas bem ensaiadas profissões de devoto pesar.
Esta cena lamentável de hipocrisia vergonhosamente oca é protagonizada
pelas mesmas exactas pessoas que foram directamente responsáveis pela
tragédia de Chernobyl, ainda ocultam a verdade, e ainda enchem os próprios
bolsos como negociadores de poder e dinheiro para novas instalações nucleares.
Para o crescendo final, essa multidão aperaltada de oligarcas e ministros
apressa-se para uma igreja cheia de câmaras cuidadosamente posicionadas -
mas não para se penitenciarem pelos seus actos pecaminosos, e sim para dar
à sua desprezível pose um ar de solene dignidade.
Anos atrás, eles costumavam enviar cristãos para instituições psiquiátricas e
campos de trabalho, mas os novos padrões do Estado requerem agora fingir
a crença na religião.
Então eles ficam, velas na mão, parecendo humildes no seu santuário
temporariamente adoptado. Comunistas, marxistas e ateus todos, eles
benzem-se da esquerda para a direita, da direita para a esquerda, então o
patriarca da igreja, um antigo espião do KGB, aparece para lhes dar uma
bênção final.
"Cristãos" como eles fazem-nos a todos desejar que Jesus realmente voltasse.
Abril, 2006
De entrevista ao Dagens Nyheter, no dia anterior à publicação do meu livro
Algum dia aquelas vilas e aldeias serão demolidas e eu não quero que a sua
memória desapareça. Quero deixar um registo em imagens, vídeos e pequenas
histórias de como eu vi Chernobyl. Eu tenho a certeza, no futuro as pessoas
apreciarão os meus esforços.
Vivi toda a minha vida em Kiev, que dista 130 quilómetros de Chernobyl
para o sul. Eu não estive presente na área de Chernobyl antes da catástrofe.
A minha primeira visita foi à parte bielorrussa de Chernobyl, em 1992. Mais
tarde viajei através da parte russa e fiquei impressionada com a imensidão
do território total que foi envenenado pela radiação.
Infelizmente, o custo humano da catástrofe de Chernobyl já não é mencionado
frequentemente. Removê-lo da memória tem sido a política do nosso governo
por todos estes anos. É impossível comprar um livro sobre a história de
Chernobyl. Agora vemos somente os filmes e documentários sobre Chernobyl
a 26 de abril. Ainda assim, eles mostram apenas a ciência fria das reações
nucleares e a engenharia falhada
A Revolução Laranja na Ucrânia, em 2004, não nos trouxe nenhum progresso.
As autoridades apenas elevaram o número oficial de mortes de 31 para 56
pessoas. A Ucrânia não quer depender do petróleo e do gás russos e construirá
agora mais reactores. O nosso presidente orgulha-se quando diz que a Ucrânia
já exporta electricidade para a Moldávia e a Bielorrússia.
Esta primavera visitei diferentes partes da área de Chernobyl. Vi novas aldeias
mortas localizadas 60-90 km a oeste do reactor. Lugares desertos podem ser
vistos a tão longe quanto 250 km a norte do reactor. As pessoas estão a partir.
Parece que os lugares que foram afectados pela radiação não têm qualquer
hipótese de sobreviver. Mais cedo ou mais tarde as pessoas deixarão todos
eles. Isso é o mais triste, vilas com mil anos ricos de história estão agora em
ruínas. Isso é só o que podemos ver. Não podemos ver que efeito Chernobyl
está a ter na saúde humana. Todas as estatísticas sobre o assunto são muito
controversas. Eu estou certa de que Chernobyl afecta tanto fisica como
mentalmente aqueles que ainda vivem nas áreas contaminadas. Não afecta
pessoas que vivem noutras partes da Ucrânia. A decisão de construir novos
reactores foi tomada sem quaisquer debates públicos ou protestos. Os
moradores das cidades onde vão construir novos reactores estão mais
preocupados com toques de música para telemóveis - estando aparentemente
mais desejosos de vender o seu futuro genético colectivo por uns poucos
empregos e dinheiro rápido. Ouro dos tolos, penso eu. Não sou uma activista
antinuclear, eu sou apenas alguém que pensa que deveríamos aprender com
os erros do passado e consequentemente não construir mais nenhum reactor
perto de centros populacionais.
A 26 de abril nós não soubemos nada sobre o acidente na central nuclear de
Chernobyl. Eu era muito jovem e brincava nas ruas com outras crianças. No
dia seguinte, um domingo, os meus pais quiseram visitar a nossa casa de
campo, mas não havia autocarros. 1200 autocarros tinham sido enviados para
evacuar as pessoas de Pripyat e várias centenas mais para evacuar pessoas
de outras aldeias próximas do reactor. Nessa noite foi feito o primeiro anúncio
oficial na TV e durou apenas 14 segundos. O meu pai é um físico nuclear,
portanto no dia seguinte ele trouxe um aparelho detector de radiação do
emprego para casa. Era grande como uma mala. Nos dois dias seguintes as
leituras de radiação permaneceram normais. Por essa altura a Suécia já havia
sido afectada, mas em Kiev tudo estava ainda normal. O vento sul poupou-nos.
Então, no primeiro de maio, o vento mudou de direcção, e nessa manhã a leitura
em nossa casa mostrou 1 miliroentgen por hora, o que é 100 vezes maior que o
normal... nunca me vou esquecer da cara do meu pai - ele limitou-se a agarrar
em mim e na minha irmã e pôs-nos num comboio a caminho da casa da minha
avó, seguramente longe da radiação.
Abril, 2006
Usura do Tempo
Se alguma região particular ou civilização em geral quiser sobreviver,
ela tem de viver em função dos juros, não do capital, da natureza. Marcadores
ecológicos sugerem que desde a criação do mundo e até aos anos 1980, os
humanos apenas usavam recursos renováveis; no início dos anos 80 cruzámos
o ponto em que começámos a gastar o capital. Alcançámos 100 por cento de
uso do que a natureza produz anualmente; e em 2006 íamos nos 130 por cento.
Seriam necessários 16 meses para regenerar o que foi consumido este ano.
Tais números podem ser imprecisos, mas eles indicam claramente que estamos
a caminho da falência.
De acordo com o novo programa de desenvolvimento industrial, nos próximos
15 anos a Ucrânia vai construir 15 novos reactores. O crescente apetite sugere
que entrámos na época da Renascença Nuclear e não apenas aqui, mas no
mundo inteiro. A energia atómica está a ser apresentada como a panaceia para
todos os problemas económicos, como uma fonte de energia ambientalmente
limpa que nos salvará da falência. Infelizmente, eles fracassam em compreender
que nós apenas recebemos outro empréstimo e agora tornamo-nos vítimas dum
tipo pior de usura, a usura do Tempo. É apenas uma questão de tempo até que
tenhamos de pagar uma taxa de juro mais ruinosa do que qualquer outro credor
poderia exigir.
Maio, 2006
Mais sobre a Usura do Tempo
Deixem-me trazer-vos uns poucos exemplos da Usura do Tempo. Não é
realmente difícil encontrá-los. Como, por exemplo, o desportista que toma
esteróides anabolizantes. Tal pessoa coage o Tempo a conceder-lhe um
empréstimo para financiar riqueza física no presente. Contudo o juro será
acumulado e cobrado mais tarde na sua vida sob a forma de alguma trágica
fraqueza ou doença crónica
Alguém que instale um turbo na sua motocicleta pode pilotar mais rápido,
mas não por muito tempo. Motores turbo comprimidos não duram muito.
É possível, por exemplo, fazer uma árvore dar frutos em poucos dias,
mas essa será a única boa colheita dessa árvore. Mais tarde ela vai definhar
Foi ainda considerado possível postergar a crise alimentar no planeta com
a mudança para sementes híbridas e agricultura química. Meio século de
interferência governamental e corporativa no fornecimento da alimentação
humana produziu apenas pouco sucesso por um grande custo para o solo, e
perda da diversidade genética. O impacto a longo prazo para a saúde humana
é ainda desconhecido, mas a obesidade já se tornou uma praga internacional -
um exemplo gráfico dos juros exorbitantes que a espécie humana paga por
forçar as plantas a padrões de crescimento anti naturais
Alguém que vá comprar comida ou remédios, ou que esteja cerca de votar
por novas fontes de energia, vai querer avaliar a sua segurança. Todos
deveriam levar em linha de conta a máxima de aplicação universal atribuída ao
Imperador Napoleão: "tudo o que não é natural é imperfeito". Não façam pouco
caso dessa velha regra de Napoleão, porque tudo o que não é natural é não
apenas imperfeito e perigoso para consumo, mas é também muito lucrativo de
produzir.
Hoje em dia, a crença cega no progresso, com todos os seus aparentes
milagres, cria uma forma de arrogância. Na maioria desses milagres, a violação
dos princípios naturais para se atingir ganho a curto prazo vai acumular uma
grande dívida a ser paga no futuro.
Maio, 2006
Sobre a dívida para com a Natureza e a natureza das dívidas
Dickens teceu considerações muito claras e verdadeiras sobre
endividamentos: "Se um homem tiver 20 libras de rendimento por ano e
gastar 19 libras, 19 xelins e 6 dinheiros, ele será feliz, mas se ele gastar
20 libras e um dinheiro ele será um miserável"
É realmente simples com endividamento de indivíduos, com a natureza
não é, pois não há escala para medirmos onde estamos com a nossa dívida.
É por isso que a humanidade vive fora do seu limite de "cartão de crédito
ecológico" e a natureza é constantemente abusada.
Há sintomas contudo, como guerras por petróleo, corridas para construir
novas centrais atómicas - eles indicam que nós estamos já no ponto em que
as oportunidades para energia fácil secaram. Esses sintomas ainda não são
catastróficos, mas a sua tendência é clara - eles demarcam o caminho para
a miséria.
Ao longo dos anos 90, especialistas de diversas áreas começaram a ver
o mesmo fechamento de janelas de possibilidades para tornar o sistema
planetário de energia auto sustentável.
Metade dos laureados com o Nobel tem avisado que estes são os últimos
poucos anos em que a civilização ainda tem a riqueza e o tempo para fazer
mudanças positivas, para definir os limites económicos de acordo com os
limites naturais.
Pessoas sábias são uníssonas na opinião de que é melhor ter um padrão
de vida e de consumo de energia reduzidos do que nenhuma vida. Elas têm
alertado de que a falha em adoptar medidas apropriadas agora significará o
risco de desintegração da nossa civilização, porque se não fizermos essas
coisas agora, enquanto ainda vivemos na terra da abundância, nunca seremos
capazes de o fazer quando as coisas saírem das nossas mãos. Só podemos
escolher enquanto prosperarmos, o declínio na prosperidade reduz as nossas
opções - mendigos não podem ser escolhedores.
Agora, tal como no passado, os sábios alertam sobre os desastres que
estão a caminho. A ONU foi constituída presumivelmente por homens sábios,
e deveria ser o instrumento para inverter a situação de deterioração do mundo.
Em vez disso, a ONU agora serve egoisticamente os interesses do monstro
nuclear e dos seus patronos corporativos.
Maio, 2006
Nota pós vigésimo aniversário
O vigésimo aniversário do desastre de Chernobyl não nos trouxe qualquer
solução duradoura para o monstro nuclear. Houve muito barulho na TV e
outros meios de comunicação transmitidos, e muita pancadaria na imprensa...
A maioria disto foi apenas trabalho de boca, sendo patrocinado por numerosas
organizações e barões nucleares locais com nenhum outro objectivo que o
de desorientar o público.
Os únicos dias em que o assunto recebe publicidade e em que as pessoas
ouvem falar de Chernobyl são os dias do aniversário e esta é exactamente
a época em que a fonte fica especialmente lamacenta com tanta agitação,
e assim não há maneira de o público chegar ao fundo das questões ou tirar
alguma conclusão.
Aqui estamos nós, no meio de Junho de 2006, apenas um par de meses
mais tarde, e tudo o que restou para nos lembrar da tragédia de mil anos são
uns poucos livros de fotos e um par de filmes. Há mil vezes mais atenção a
ser dada agora ao campeonato do mundo de futebol do que alguma vez
houve ao vigésimo aniversário de Chernobyl.
É impossível ao governo de um Estado manter a verdade sobre os acidentes
nucleares escondida do resto do Mundo. Ainda assim, o relatório da ONU de
Setembro de 2005 é uma prova de que todos os governos dos estados
membros suportam e fomentam a mentira da energia nuclear segura.
O verdadeiro problema com Chernobyl é que para continuarem a sua vida as
pessoas precisam desta ilusão e ninguém quer encarar a sua realidade.
Nem aqui na Ucrânia, nem na Rússia, nem na América ou em qualquer parte
da Europa. Temos diferentes sistemas económicos e políticos, mas a ganância
nas altas esferas é a mesma em todo o lado e o seu legado controla-nos a todos.
Nem nós devemos esperar qualquer avanço para a verdade no futuro. O tempo
não é nosso aliado aqui porque ele rouba as nossas memórias. Ano após ano a
memória de Chernobyl desvanece. A única forma de mantê-la viva para as
gerações futuras é infundir música, literatura e arte com a temática de Chernobyl,
entrelaçá-la nas esferas da criatividade artística, a qual pode até sobreviver a
alguns dos seus malévolos elementos nucleares. Infelizmente, o todo da arte e
literatura modernas aparentemente não tem outro propósito senão obter uns
poucos dólares dos bolsos do público.
Como podemos preservar o conhecimento para as gerações futuras se não
conseguimos sequer interessar os nossos contemporâneos em fazê-lo?
A maioria dos autores preferem evitar Chernobyl e as suas trágicas
consequências, pois todos entendem que Lichtenberg estava certo quando disse,
que se pode fazer uma vida boa a dizer a sina mas não a dizer a verdade.
Todos os que escrevem por dinheiro têm de anunciar nos grandes jornais,
os quais são todos politicamente correctos e controlados pela ganância.
Grandes agências de notícias e jornais não anunciarão obras relativas a
Chernobyl, excepto aquelas que sirvam os seus interesses egoístas.
Tal produção raramente é objetiva
A próxima oportunidade de relembrar as pessoas sobre Chernobyl será daqui
a cinco anos, no 25.º aniversário, mas haverão ainda menos memórias suas
sobrevivendo então. Menos ainda que se possam opor à sempre maior procura
por energia nuclear barata, e haverá outro campeonato do mundo
Junho, 2006
Canção "Terra Negra"
As únicas alturas em que a nossa TV passa programas e filmes
interessantes e precisos acerca de Chernobyl é por volta dos seus
aniversários, mas apenas fora de horas. Por exemplo como nos décimo
e vigésimo aniversários quando passaram programas relativos ao assunto
entre as 2 e as 5 da manhã, exactamente às horas em que a nossa maioria
de pensamento tradicional dorme.
Por causa disto tenho que passar as madrugadas de todos os aniversários
acordada à procura de programas que possam ser novos e apresentados
honestamente.
No vigésimo aniversário dei com um bom programa de arte criativa de
pessoas que vivem nas áreas contaminadas. Histórias, poesia, pintura,
e canções daqueles que vivem nas aldeias próximas de Chernobyl
O programa deixou-me o gosto forte, metálico a radioactividade e a amargura –
não admira que tenha sido agendado para o meio da madrugada. O mais
notável foi a assombrosa canção de uma rapariga autista, com cerca de 11
ou 12 anos de idade, que ela chamou "Terra Negra"
Ela cantou-a na linguagem bielorussa, um dialecto que eu acho difícil de entender,
mas o sentimento que me deixou não foi apenas por causa da sua letra ou melodia.
Eu diria que teve a aura de uma liturgia pagã, cheia de místicas telúricas, onde se
pode ouvir o eco das regiões desoladas, algo dos tons murmurados e a aparência
furtiva da solidão. Foi um hino do abandono, um cântico para desfazer a maldição
da alvorada nas aldeias do absinto. Nas suas notas vibrou um novo e perigoso tipo
de silêncio – de enterrar algo em silêncio. Esta canção foi absolutamente inumana
e pôde apenas ser a destilação de uma mente nascida e criada no meio das ruínas
de Chernobyl.
Os miúdos são como o vinho, absorvem o aroma do seu ambiente. Quando um
rapaz ou rapariga se vai sentando sozinho, com a sua alma em completa discórdia,
ano após ano, dia após noite sem qualquer esperança de alguma vez verem a luz,
as suas mentes encetam a busca duma nova harmonia que é completamente
diferente do ruído corrente da vida. Começam a escavar passagens e labirintos
fundo em si próprios, e eventualmente os seus conceitos adquirem a cor crepuscular
das catacumbas. Pode ser uma mina de carvão ou uma mina de ouro, a pessoa
pode tornar-se num urso das cavernas ou num caçador de tesouros. Similarmente
um monstro ou um caçador de monstros.- nunca sabemos..
Eles emitem esse peculiar odor de um mergulhador acabado de regressar
das profundidades. São honestos, as suas opiniões não são cópias, as suas
palavras não são uma máscara e a sua arte criativa não se destina a enganar.
A nossa sociedade devia dar-lhes uma hipótese de se expressarem abertamente,
no entanto a maioria da sociedade está a dormir quando a sua obra é mostrada.
Assim, durante o dia e em boa consciência, todos podem ver programas e filmes
patrocinados pelo governo que são realizados e pagos pela indústria nuclear.
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Chernobyl é esquecido tão facilmente porque era conhecido só por
nós mesmos. Nos primeiros anos depois do acidente não queríamos partilhar a
nossa história com o mundo, agora não podemos partilhá-la, nós próprios já mal
nos lembramos. Tudo o que resta do trágico acontecimento é uma memória,
fraca e desfigurada pelo tempo. No futuro, a indiferença das pessoas vai abafar
as últimas brasas restantes até que por fim também elas se extingam. Depois
disso Chernobyl permanecerá sempre do conhecimento de uns poucos
indivíduos eminentes e propriedade única da natureza.
As minhas publicações de primavera
In Em Abril de 2006 planeei apresentar os meus materiais sobre
Chernobyl a tantos leitores fora da Internet quanto possível. As minhas
publicações foram apresentadas ao público em mais de 20 países através
de jornais, revistas, livros e documentários televisivos. Eventualmente,
acabei por ficar insatisfeita com isto porque na maioria dos casos os meus
materiais foram editados em fragmentos. Os meus pensamentos foram
excluídos da maioria das publicações.
A visão pessoal é o centro de gravidade de qualquer trabalho, seja um
livro um filme ou um website na internet, mas parece que muitos apenas
querem fotos grátis, vídeos, alguma informação, mas não uma visão pessoal.
A informação é meramente um meio para alcançar a visão pessoal e pode ser
facilmente distorcida e alterada para servir os interesses de grupos políticos,
financeiros ou dos media. A visão pessoal, por outro lado é um produto final
do intelecto, não pode ser alterada ou pervertida, apenas a visão pessoal pode
servir a verdade, e a visão pessoal não tem tido procura.
Junho, 2006
Consumismo Pós-totalitário.
Na minha parte do mundo, o Novo Programa de Energia tornou-se possível
graças às mudanças por que a nossa sociedade passou durante as duas
últimas décadas.
Quando a URSS entrou em colapso, em 1991, as pessoas encheram as ruas
com protestos tanto religiosos como ambientais. O povo procurava avidamente
pela verdade. O interesse público pela filosofia e história era reavivado, a
liberdade estava no ar... Ainda, o povo era pobre, a ferida de Chernobyl era
recente, e os preços dos recursos energéticos não atómicos eram baratos.
Essa era acabou agora.
Esses rebentos tenros de liberdade e democracia reais foram arrancados.
As coisas mudaram tremendamente. No estado totalitário, o governo mantinha
a informação longe do povo, agora, no "estado livre", o povo mantém a
informação longe de si mesmo. Hoje, no "estado livre" o povo obtém mesmo
pão, não ódio que era o substituto dos comunistas para o pão, portanto por estes
dias todos parecem estar mais felizes por fora, bem alimentados, melhor vestidos
e abrigados... Quaisquer protestos são agora somente políticos. No fim, todos são
enganados por um partido ou outro.
Os verdadeiros soberanos no país são os grupos financeiros que fazem
propaganda em massa dos seus assuntos com as mesmas técnicas psicológicas
que os negócios desenvolveram para vender mercadorias. Os seus candidatos
políticos escolhidos, como corcundas, mostram-nos apenas os seus melhores
lados e pressionam botões nos receptores que apelam somente às fraquezas
das massas. Parece, por isso, que eles buscam predominantemente que as
pessoas fiquem com as cabeças fracas, e fazem todo o possível para conseguir
isso
Eles conseguem e o resultado dessa política já é bem visível: o estudo da
História está em declínio acentuado e a filosofia mais popular é aquela que nos
ajuda a obter somente riqueza material. Orwell foi presciente, é feito através da
televisão. A maioria das pessoas agora concorda em viver somente a pão e
programas de TV...
O que serve aos nossos "líderes" é uma sociedade onde a decisão de construir
novas instalações nucleares pode ser tomada sem quaisquer debates...
Adolph Hitler exclamou certa vez: "Que sorte para os líderes que o povo não pense!".
Hoje, tal como antes as pessoas que preferem não pensar são avidamente bem
vindas pelos soberanos cuja poder se apoia na perpetuação da ignorância pública.
* * * * *
Todos os regimes totalitários vão eventualmente entrar em colapso, porque as suas
ideologias estão enraizadas em ódio e inveja - esses são vícios humanos
secundários e podem ser derrotados, enquanto o consumismo está enraizado
internamente na natureza humana, está enraizado na avareza, orgulho e luxúria,
em vícios cardinais (primários), para os quais não há escapatória.
É surpreendente ver até que extraordinário grau a vida é a mesma em qualquer
lugar: a incapacidade para resistir aos interesses das corporações, tanto na Ásia,
Europa ou América. É como se agora estivéssemos todos na mesma sala, a única
diferença entre nós sendo que entrámos em tempos diferentes, através de portas
diferentes.
Junho, 2006
Dois tipos de autores
Há basicamente dois tipos de autores que escrevem sobre Chernobyl;
e eles estão separados pelas suas motivações. Alguns escrevem para manter
viva a memória de Chernobyl, mas de longe muitos mais escrevem num esforço
para fazer de Chernobyl um meio de vida.
Um é marcado pelo firme, sóbrio e tranquilo ritmo dum registo permanente.
E o outro prossegue no galope completo do sensacionalismo, com cada autor
tentando gritar mais alto do que o outro, porque o nível de ruído que eles fazem
corresponde diretamente à quantia de dinheiro que eles acumulam a partir de
uma tragédia nacional. Mas quando a algazarra que eles criam ecoa a perder de
vista, eles não estão onde sejam encontrados, porque já debandaram a caminho
doutro sensacionalismo que possam transformar num belo e gordo cheque.
E por causa dos seus textos serem cuidadosamente escritos para evitar
ameaçar o sistema, e pisar qualquer pé ao monstro nuclear, os media alardeiam
avidamente as suas obras, tanto os pró como os antinucleares; eles não são
perigosos, a sua acção é sempre baseada num cálculo. e, por isso, fragmentária
e transitória.
Os nomes dos autores envolvidos na lenta e metódica pesquisa de Chernobyl -
e por motivos não monetários - continua pouco conhecida. E parte da razão para
isso é porque o seu detalhe e permanência colocam um perigo aos homens
poderosos que o causaram. Um exemplo admirável disso é o documentário
"Missão suicida a Chernobyl" (Suicidal mission to Chernobyl) - um filme pelo qual
muitas pessoas têm procurado desde 1991. Para onde se sumiu ele, e porquê?
Também tenho muita consideração pelas obras da escritora de Chernobyl Irene
Zabytko, e as fotografias de Igor Kostin.
Há provavelmente outros, mas não há como saber com certeza, porque todas
as obras realmente importantes são ocultadas do público. E em seu lugar há
apenas tolas distrações populares como "O código Da Vinci".
Junho, 2006
P.S.
Devo provavelmente elaborar sobre os meus pensamentos acerca dos
"Dois tipos de autores" para explicar porque Chernobyl assusta a maioria
desses tipos criativos.
Qualquer obra sobre a temática de Chernobyl somente pode ser uma obra
humanitária, onde o autor pode esperar pouca, se alguma, recompensa.
Sobre esse assunto nenhum feito será favoravelmente recebido e permanecerá
na obscuridade até ao tempo em que a terça parte do mundo se torne em absinto.
A maioria dos autores trabalha por uma ou duas razões: ou para serem pagos ou
por reconhecimento (fama). Existe um dito de incomparável fineza de Séneca, que
a fama (reconhecimento) segue o mérito tão certamente quanto o corpo projecta
uma sombra; algumas vezes para a frente e outras vezes para trás.
A maioria dos autores somente vai trabalhar se virem coisas boas adiante de si.
Mas Chernobyl apresenta um caso onde, não importa quão grande seja o seu
alcance literário ou investigativo, os problemas vão sempre estar à espreita à
frente deles enquanto a sombra da fama vai sempre demorar-se atrás, muito atrás.
Junho, 2006
Caridade Hoje
Em abril de 2006, o meu livro "Tjernobyl" foi publicado na Suécia, e eu decidi
vender 50-60 livros no eBay com a intenção de enviar o dinheiro arrecadado para
o orfanato N1, em Kharkov (Ucrânia). O meu leilão caritativo foi banido do eBay
no segundo dia. A razão foi puramente política. E banindo o meu livro desse leilão,
a eBay privou aqueles órfãos de laranjas, bolas de futebol e bicicletas que aquele
dinheiro poderia ter comprado.
Não é nenhuma admiração que tantos passem fome e crianças comam de latas
do lixo, quando uma tentativa honesta de ajudá-los é sabotada por razões de
políticas sujas.
Junho, 2006
Exportação nuclear
Há uma expansão nas exportações de tecnologias nucleares para países do
terceiro mundo, e especialmente para o Médio Oriente. Há uma acirrada
competição para construir centrais nucleares no Irão, Paquistão, Índia, Turquia
e Egipto e muitos outros países.
Contudo, os países que exportam essas tecnologias, e têm lidado com
instalações atómicas desde há muitos anos, têm gradualmente passado por
uma evolução no processo de desenvolvimento de diferentes tipos de reactores
e têm desenvolvido uma escola de cientistas e profissionais qualificados que
mantêm os reactores relativamente seguros. Ainda, a maioria dos países
exportadores tem uma estrutura social democrática, que permite que toda a
coisa aconteça em pratos limpos, mas os países para os quais essas tecnologias
nucleares têm sido exportadas vivem frequentemente à beira da guerra.
Quando o progresso os apanha desprevenidos e os alça a uma posição alta
sem lá terem chegado passo a passo, é quase impossível manter a posição em
segurança. Muitos países podem exportar tecnologias, mas nenhum deles pode
exportar experiência.
Com os acidentes nas estradas é a mesma coisa. as estatísticas afirmam que a
maioria dos motoristas que morrem são inexperientes e guiavam carros e
motocicletas velozes.
Eu digo sempre: "Se você quiser que alguém morra, compre-lhe uma motocicleta
veloz, mas se você quiser ver todos mortos, construa-lhes um reactor atómico".
Junho, 2006
De volta ao relatório da ONU..
A conferência em si não é algo de novo, ela foi organizada pelos governos
da Ucrânia, Rússia e Bielorrússia, patrocinada pela AIEA e foi conduzida nas
melhores tradições de todos os relatórios oficiais soviéticos.
Tudo o que é novo é que agora os regimes pós totalitários e os governos do
ocidente falam como um só, numa voz enlatada para esconder a verdade do
desastre de Chernobyl.
Agora, os representantes das democracias ocidentais devem fazer todos
exactamente como os seus colegas do leste europeu lhes pedem. Devem
papaguear todos as mesmas mentiras pois não querem nenhum confronto
aberto uns com os outros. Hoje em dia o Ocidente não precisa de mais inimigos,
já têm muitos, e todos compreendem que se os países doadores da ex União
Soviética fossem hostis aos seus colegas ocidentais, e se o fluxo normal de
matérias-primas fosse deliberadamente interrompido, as nações do Ocidente se
veriam numa situação muito má, mesmo. O seu sistema industrial entraria em
colapso. Claro, sob tais condições, os "Poderes de facto" podem facilmente
encontrar aprovação entre os políticos e agora eles constroem novos reactores
também no Ocidente. O seu principal argumento é que o átomo pacífico os ajudará
a escapar a uma nova ditadura económica, e os tornará imunes contra
conspirações da OPEP, etc. No entanto, a verdade é que eles já são manipulados
e cantam assim no coro dos mentirosos, onde em tempos sibilaram os Stalins e os
Khrushevs.
Quem quer que diga que as democracias do Ocidente não são tão acusáveis
ou responsáveis do que as suas equivalentes pós soviéticas precisa apenas de
olhar para as assinaturas por baixo desse relatório da ONU. Estamos todos
reduzidos ao mesmo "denominador comum" quando se trata de assuntos de
expediente nuclear. Se nós deixarmos a ONU safar-se, sem desafio, com esta e
outras mentiras, então a globalização será apenas um processo de adopção mútua
de deficiências, de nivelamento por baixo, uma involução universal à mentalidade
dos países do terceiro mundo.
Julho, 2006
Jornalistas
Desde mesmo no começo, e até mesmo ao dia de hoje, o assunto do
desastre de Chernobyl está fora dos limites para cientistas e pesquisadores
sérios. Aos jornalistas nunca é negada a entrada na área de Chernobyl, e esse
acesso fácil faz com que relatem, equivocadamente, que a região está aberta
também a pesquisadores.
O problema da maioria dos jornalistas é que não conseguem ver para lá
dos seus próprios narizes. Eles acreditam usualmente nas informações que
escrevem, mesmo que estas lhes sejam dadas à colher pelas autoridades.
A entrada deles é permitida em Chernobyl pela mesma razão que aos eunucos
era permitido visitar as esposas dos sultões, eles são estéreis e os seus
escrevinhados não apresentam um perigo real para o sistema. Devido à
curteza de vista os jornalistas são completamente incapazes de escrever
qualquer coisa substancial. Os seus artigos vivem como mosquitos por apenas
um dia e todos compreendem que os furos de notícias e as manchetes são o coro
estridente para o drama dos eventos correntes.
Todo o repórter procura, pelo bem do seu ofício, ser um alarmista e fazedor de
ruído. Exagero em todos os sentidos é tão essencial como para escrever uma
novela de cordel. Eles gritam e berram tanto quanto possível em todas as ocasiões
e ninguém presta realmente muita atenção ao seu bradar. O objetivo é berrar mais
alto que todos os seus companheiros, e os leitores rapidamente ficam surdos a
qualquer alarme real que possa soar.
A razão pela qual a batalha por Chernobyl está a ser perdida é porque
jornalistas e repórteres de TV são aqueles com a melhor oportunidade de contar a
verdade a seu respeito às pessoas, enquanto escrever para jornais e revistas não
tem nenhum impacto a longo prazo. é como escrever na areia, onde cada nova
onda de publicações lava todo o conhecimento prévio.
Ainda há mais hipóteses de encontrar uma boa reportagem sobre
Chernobyl em jornais locais e programas de TV de pequenas agências de
notícias. Eles têm que competir no duro. Dão volta a tudo para obter quanto
for possível de toda a ocorrência, sem os limites normais que estrangulam
os media principais.
As maiores agências de notícias do mundo são mais contidas e reivindicam
serem profissionais, mas a real razão pela qual elas parecem contidas é que
elas não têm que competir. São patrocinadas pelo Estado e fazer dinheiro não
é objetivo seu.
Eles precisam de poucos ou nenhuns anúncios publicitários nos principais canais
de TV e podem dar os seus jornais quase de graça. O que eles produzem não
precisa de ser lucrativo, é somente uma forma de alimentar a sua audiência cativa
com a agenda estatal. Diz-se que somos o que comemos, e por isso nós o povo
somos tanto o alvo como o produto final do seu bufete estragado.
Milhões, talvez biliões, de pessoas enganadas acreditam agora que estão
"seguras" quando a qualquer momento elas podem-se tornar carne para o canhão
da instalação nuclear mais próxima.
Agosto, 2006
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Na área de Chernobyl, as pessoas que vivem e trabalham numa parte não fazem
ideia do que se passa na outra. Funcionários em Pripyat não sabem o que se
passa na Bielorússia, os funcionários na Bielorússia não têm qualquer ideia de
como as coisas estão na Rússia e por aí adiante. Assim Chernobyl apresenta-se
como uma caverna escura e inexplorada, que apenas jornalistas podem visitar.
Nos artigos dos jornalistas encontramos no máximo apenas o que eles nos querem
mostrar. Em contraste, a obra do pensador sistemático, que abarca tudo
mentalmente, mostra-se como uma paisagem alargada. Vemos o todo e como tudo
se conjuga. O jornalista procura e encontra a sua agulha ao feixe de uma lanterna
que produz uma luz, e isso tenuemente, apenas no local para onde calha a estar
apontada. Enquanto que a mente de um pensador de primeira categoria acende mil
lanternas que inundam toda a caverna com luz. Chernobyl está fechado a
investigadores sérios porque ninguém quer realmente ver a luz nesta caverna.
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"Há mentes que brilham no escuro como os olhos do lince, e são mais claras
onde há mais escuridão." (Balthasar Gracian)
Capitães, ratos e passageiros de primeira classe
O reactor nuclear de Chernobyl explodiu à 1:23 da manhã. Os primeiros fugitivos
eram parentes de chefes do partido e ministros. Os seus aviões já descolavam às
6 da manhã, apenas umas poucas horas após a explosão. O resto de nós soube
do acidente vários dias depois.
Há um velho ditado que diz que os ratos são os primeiros a abandonar um navio
que se afunda. Chernobyl ilustra que isso pode não ser verdade, porque durante
ele, tanto quanto durante o desastre do Titanic os passageiros de primeira classe
fugiram ainda antes.
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e foi tocada música no Titanic para acalmar os passageiros fazendo todos
acreditar que o navio não se afundaria enquanto os passageiros da primeira classe
embalavam as bagagens e partiam.
Agosto, 2006
Última nota
A política de Chernobyl é a ferramenta perfeita para fazer uma raio-x
da nossa vida: ela revela toda a hipocrisia do mundo, a sua falsidade,
ganância e superficialidade geral dos assuntos humanos.
Olhem para a conferência da ONU, onde os membros parecem tão
brilhantes e distintos. Olhem para todos aqueles eruditos professores de
ciência e medicina. Vejam como as autoridades do governo acolhem cada
novo relatório seu, e quão vigorosamente eles aplaudem... Mas na realidade,
cada um deles dorme e começa a aplaudir somente quando veem um ou dois
outros à volta aplaudindo - uma reacção em cadeia de mentes fracas. São
somente essa uma ou duas pessoas que acompanham a conferência, como
um despertador eles estão sempre lá para acordar os outros e assegurar o
mais sonoro aplauso para o orador mais pobre
Olhem, durante o requiem de Chernobyl, uma multidão de autoridades
aproximando-se tão lentamente, velas na mão, quão melancólicos eles parecem!
Que fila interminável de carros caros! Mas olhem nos seus olhos - são todos vazios,
eles são apenas fatos que desfilam para comemorar as suas próprias vítimas.
Que retrato mais eloquente da hipocrisia e oquidão da nossa vida! Um exemplo
realmente perfeito do legado de Chernobyl é a desolação nas almas das pessoas,
a extrema devastação da sociedade. Triunfo da idiotice.
Agosto, 2006
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