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Continuação da Parte IV - O Movimento New Age e a Mística Panteísta da Criação

Capítulo 3
Influências do Movimento Nova Era
  Na introdução à sua obra, diz Marilyn Ferguson:
"O ativismo social dos anos 60 e a ‘revolução da consciência’ do início dos 70 pareciam mover-se na direção de uma síntese histórica: a transformação social como resultante da transformação pessoal - a mudança de dentro para fora."
  Com efeito, a transformação da sociedade atual parte de uma transformação na própria pessoa. São inúmeros grupos espalhados pelo mundo, alguns até inconscientes da transformação que estão operando, mas que aderem, explicita ou implicitamente, a um movimento muito mais amplo de transformação axiológica.
  Há uma verdadeira Revolução Silenciosa se operando na sociedade. Dificilmente alguém ainda não ouviu falar em yoga, acupuntura, cristais, pirâmides, energia, meditação, iluminação, nirvana, auto-conhecimento, gnose, etc. Estes termos estão espalhados por todo o mundo.
  Os relatos seguintes, extraídos do livro de Merilyn Ferguson, apesar de não indicarem a fonte, servem como um indicador de algo que, mais ou menos, todos percebem:
"Um Conspirador Aquariano em uma equipe de planejamento disse uma vez: ‘Há uma nova tolerância com a busca da transcendência. Estou cercado por colegas que seguem na mesma direção, que valorizam o mesmo tipo de experiência... Uma pessoa não é mais considerada excêntrica só porque empreende uma busca espiritual. Ela chega até mesmo a ser um pouco invejada, o que é uma mudança significativa nesses últimos quinze anos.
Um membro de um grupo de lobistas de uma organização voltada para o estabelecimento da paz internacional, em Washington, denominou de ‘o pequeno misticismo’ o reconhecimento mútuo dessas pessoas:
‘Não foi buscado nem desejado, mas se instalou em minha vida... algo estava crescendo, emergindo. Esses pequenos fatos somaram-se uns aos outros, começaram a se encaixar. Comecei a encontrar Deus nos outros, depois uma consciência de Deus em mim mesmo, em seguida um pouco de mim em outras pessoas com uma consciência de Deus, logo outros e eu mesmo em Deus - uma seqüência misteriosa e complexa de operações. O curioso efeito colateral é que há reconhecimento dessa espécie de unitarismo entre os pequenos místicos. Nós percebemos uns nos outros.
‘Até mesmo meu trabalho político... foi beneficiado. Os pequenos místicos na política ‘farejam’ minha postura secreta, e se produz uma certa camaradagem, dificilmente explícita, porém eficaz.
Não sei ainda o quanto essa espécie de pequeno místicismo secreto é comum, mas me parece mais fácil nos últimos cinco anos confessá-lo com algumas expectativas de reconhecimento...’ ".
  Não é desconhecido o grande misticismo que envolve a política no Brasil. Geralmente vários dos candidatos a cargos políticos consultam videntes, astrólogos, cartomantes, etc.
  Mesmo no meio judiciário, conhecido como o mais conservador, tendências ao ocultismo não passam desapercebidas, como relata a repórter da Folha de S. Paulo, Flávia de Leon, na matéria Guru ‘energiza’ jantar do Supremo:
"A presença do paranormal Thomaz Green Morton no jantar em homenagem ao novo presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Sepúlveda Pertence, agitou políticos, advogados e até juízes anteontem. (...)
O primeiro ‘Rá!’ - grito criado por Morton e que simboliza a energização, foi para o diretor-geral do STF, Alvesson Mitraud. (...)
O sisudo ministro José Serra (Planejamento) não pôde ser energizado, mas não deixou por menos. (...) ... anotou todos os seus telefones. ‘Este é da minha casa e este do gabinete’. (...)
O não menos sério ministro da justiça, Nelson Jobim, também foi cumprimentar o guru. (...)
‘Quando ele me abraçou, senti uma descarga elétrica’ (...) contou o deputado baiano Benedito Gama (PFL - BA). (...)
Ilmar Galvão não foi o único ministro a conferir os poderes energéticos de Morton. Logo atrás de Galvão, o ministro aposentado do STF, Paulo Brossard, esperava por um ‘Rá!’ energético. (...)
Provocado por estar bebendo e fumando, o guru comentou: ‘Minhas drogas são lícitas. Este cigarro (de palha) é maconha cósmica, fabricado em Palmeira das Missões (RS) e o uísque é sem gelo porque o corpo já tem muita água’. (...)
Morton foi convidado para a posse e o jantar pelo próprio Pertence, que carrega no chaveiro uma moeda amassada por Morton como amuleto.
Depois de energizar o prédio do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) na gestão de Pertence, Morton deverá fazer o mesmo no prédio do STF".
  No meio artístico e cultural, diversos atores, cantores e cineastas declararam sua simpatia pelo MNE. Dentre eles podemos citar Shirley MacLaine, John Denver, Tina Turner, George Lucas e Steven Spielberg. Uma grande parte das novelas brasileiras trazem conceitos de reencarnação, espiritismo, magia, ocultismo, etc, acostumando a opinião pública a uma radical mudança em suas concepções religiosas. Diversos são os livros que inundam as livrarias do Brasil e do mundo sobre esse tema.
  Em relação à saúde, não é menos difundido a chamada ‘medicina alternativa’, que promove a cura mediante a energização, o pensamento positivo, a imposição das mãos, florais, acupuntura, etc.
  Mesmo na Igreja Católica, a influência do movimento ‘New Age’ é grande. Tanto o movimento de Renovação Carismática, que tem sua origem nos movimentos pentecostalistas norte-americanos, como o chamado movimento  de "Espiritualidade da Criação", são de tendência panteísta. De forma geral, todos os movimentos pentecostalistas assimilam a idéia da imanência de Deus na criação.
  A tal ponto a crise na hierarquia eclesiástica católica é sensível, que Merilyn Ferguson escreve:
"A mais autoritária das instituições religiosas (sic), a Igreja Católica, sofre o que o historiador John Tracy Ellis chamou ‘um esfacelamento de sua fixidez’, um trauma aparente na nova variedade de doutrinas e disciplinas entre os católicos americanos. ‘Grupo nenhum dispõe de plena autoridade ou capacidade de impor-se a outros grupos’, observou Ellis. A Igreja americana está ‘abalada e insegura em uma época inquietante e incerta’. Leigos estão exigindo reformas, evangelizando e participando de movimentos pentecostais e carismáticos; por volta de 1979, estimava-se que meio milhão de católicos haviam se tornado carismáticos, falando sua terminologia e se engajando em práticas de cura. O número de freiras e padres sofreu uma sensível queda durante os anos 70, teólogos discordavam da autoridade papal, a freqüência às escolas paroquiais declinava. Rebeliões similares vinham acontecendo em quase todas as religiões organizadas do país."
  De forma geral, toda a concepção igualitária de mundo tem sua origem em uma cosmo-visão que, se não explicitamente gnóstica, levará, mais cedo ou mais tarde, à explicitação da imanência de Deus na criação.
  O mundo Pós-moderno, como veremos na próxima parte deste trabalho, é carregado de tendências gnósticas e panteístas, apesar de não terem sido, na sua maioria, explicitadas em fatos.
  Há como que uma preparação, ou como diz Marilyn Ferguson, uma conspiração silenciosa a mudar todos os referenciais ontológicos do homem e, desta forma, transformar a sociedade em comunidades alternativas e ocultistas.
  Assim se exprime a repórter Thaís de Mendonça, em matéria no Correio Braziliense:
"Veadeiros, ou melhor, Alto Paraíso (GO), é mais conhecida pelas cúpulas coloridas da Morada da Paz - uma espécie de cartão postal da cidade -, que pela atividade desenvolvida nos seus muitos centros de meditação.
Coração do planeta ou mesmo centro do universo, localizado no Paralelo 14, a rua principal conduzindo aos sítios e fazendas dos esotéricos, o lugarejo de 8 mil almas mal comporta a concentração de tantos grupos religiosos. (...)
O ecumenismo  adotado por algumas ‘ordens’, como o Centro Terapêutico Metatron, pode colocar lado a lado Jesus Cristo, Maomé e Buda, ao mesmo tempo em que oferece cursos sobre ciências exóticas: cristais, colorpuntura (acupuntura com cores) e reiki (arte tibetana de cura pelas mãos). (...)
Com fé na idéia de que deste lugar especial sairá alguma solução para a Humanidade, a cada dia chegam mais grupos a Alto Paraíso. O fato de assentar-se sobre uma jazida de quartzo lhe dá uma aura de mistério da natureza.
No dia a dia, porém, a antiga Veadeiros cada vez mais abandona sua ligação com o natural, para assumir o sobrenatural".
  Inúmeras realizam seus rituais em Alto Paraíso de Goiás. Geralmente vivendo em comunidades , seus seguidores cultuam a natureza e a divindade, dispersa em todas as coisas. ‘Ergam’, líder de várias dessas seitas, teria sido avisado por extraterrestres para sair de Campinas, sua antiga cidade, e fundar essas comunidades. Ergam diz ter contatos periódicos com os extraterrestres.
  Mesmo em adesivos de carros, pode-se encontrar: Eu acredito em Duendes, ou Eu acredito em Fadas, etc. Cada um desses ‘seres’ refletiria um estágio da evolução divina. Os Duendes e Gnomos, por exemplo, referem-se ao estágio mineral. Já a Fada, é relacionada com o estágio vegetal.
  A tal ponto está difundido o esoterismo, que não é difícil encontrar recortes de jornais sobre esse tema. Aliás, é interessante notar que todas as segundas feiras o Correio Braziliense traz uma página de seu ‘Caderno Dois’ dedicado ao tema esotérico, e isso já há quase dois anos. Em uma dessas matérias, lê-se: Energia diferente na cidade:
"Quem duvida que Brasília é mística tem mais uma razão para acreditar nos que vêm ao Planalto Central em busca de esoterismo. Pelo menos três locais da cidade concentram uma energia diferente.
Essas interferências têm os seus pontos de origem perfeitamente detectados: a Ermida D. Bosco, o Memorial JK e a estátua de S. João que fica na entrada da Catedral.
A notícia foi transmitida pela secretária de Turismo do DF, Maria de Lourdes Abadia, a dezenas de sisudos empresários reunidos na sede da Federação do Comércio do DF. (...)
Além do turismo esotérico, a secretária quer investir também no chamado ecoturismo...".
  Em um cartaz, afixado na UnB, lia-se:
"Maharishi Mahesh Yogi, fundador da Meditação Transcendental e do MT-Sidhis; Fundador da Ciência Védica e das Universidades Védicas Maharishi; Fundador dos programas para criar uma sociedade livre de problemas, doenças e conflitos.
Procura-se [sic] 200 Pioneiros para criar o Governo da Natureza - Meditação Transcendental...
Vamos dar uma chance ao DF e ao Brasil!
5º-feira, 27/10 [94], às 12:00h. - anfiteatro 10 (Ala Sul)".
  Em todos os campos da atividade humana a Nova Era parece já ter penetrado, ainda que de forma quase imperceptível. Espalhando-se como um câncer em um moribundo (a sociedade nascida na Revolução Francesa), o movimento Nova Era junta fiéis e levanta altares. Desde a filosofia, até a medicina; desde a metafísica, até a física, parece que a influência da Nova Era se faz sentir.
  A tal ponto essa influência é sensível que a chamada Pós-modernidade não pode ser analisada sem se mencionar o seu lado esotérico, como será visto na próxima parte deste trabalho.
Capítulo 4
O Ressurgimento do Satanismo
  Há uma outra realidade, paralela e colateral ao Movimento Nova Era, que é a volta do antigo satanismo. A tal ponto o satanismo é uma realidade na civilização moderna, e Pós-moderna, que muitos pesquisadores passaram a estudá-lo.
  Muitos estranharão os termos em que aqui serão descritos os rituais ocultistas e satanistas, todavia, é cada vez mais freqüente encontrar notícias sobre essas práticas estampadas nos principais jornais do país. Se se quer estudar corretamente o mundo atual, não se pode deixar de analisar o ressurgimento do movimento satanista. Mesmo porque esse satanismo moderno - ou Pós-moderno - é um reflexo dos valores emergentes na  ‘cultura’ mundial.
  A maior oposição ao mundo medieval não é o movimento Nova Era, mas o satanismo. Entretanto, não cabe nos limites desse trabalho ‘acadêmico’, fazer uma ponderação sobre a existência ou não de entidades demoníacas. Existe uma limitação natural, imposta pelo próprio Processo Revolucionário, que consiste em impedir especulações religiosas -  de caráter medieval - nas discussões universitárias.
  Por outro lado, isso não impede que se escrevam as opiniões dos envolvidos com esses assuntos, bem como de relatar fatos nacionais, bem como internacionais, retratando os rituais satânicos.
  Diz "O Globo" na edição de 8 de fevereiro de 1993:
"Um garoto negro não identificado, com aproximadamente 13 anos, foi encontrado morto ontem, entre recipientes de barro e de ágata com oferendas para orixás, num terreno baldio na Zona Oeste (do Rio de Janeiro). ... Pelo menos 21 crianças e adolescentes morreram e outras foram gravemente feridas nos últimos 14 anos em casos de grande repercussão, por praticantes de magia negra ou por pessoas que diziam ter recebido mensagem do além".
  Folha de S. Paulo, 16 de julho de 1993:
"Em Altamira, Pará, três pessoas - 2 médicos e um fazendeiro - são acusados de matar cinco meninos e cortar seu órgão genital. Segundo o Superintendente da Polícia Federal ‘existe a suspeita de que os acusados façam parte de uma rede nacional de magia negra que promove o sacrifício de crianças".
  Em seu livro, Anjos e Demônios, os irmãos Solimeos relatam a seguinte notícia:
"A jornalista Ellenice Bottari, em ‘O Globo’, do Rio de Janeiro, escreve sobre a disseminação do satanismo na ex-Capital Federal e Baixada Fluminense: ‘Rituais satânicos e cerimônias de magia negra crescem e assustam o carioca... O juiz Antonio Meirelles, da 3º Vara Criminal de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, decretou a prisão preventiva do ‘pai-de-santo’ Carlos Alberto Justino Pessoa, que há um mês estuprou uma menina de 11 anos num ritual de magia negra. Também em Caxias, Lucy Magalhães da Conceição, condenada a 25 anos de prisão por ter matado a filha de 6 anos durante um ritual desses, será levada a novo julgamento. ...
‘O ‘pai-de-santo’ Marcos Fabiam Vieira não tem medo do capeta. Diz que é em noite de lua cheia que invade os cemitérios para roubar crânios para seus rituais de magia negra, para o bem ou para o mal, depende só do gosto do freguês. ... Se apresenta como Marcos Diabo e incorpora o Exú Tiriri - para os leigos - o próprio diabo em pessoa".
A) Breve Histórico de um Movimento que Deriva no Gnosticismo
"No século XIV ... As acusações giram em torno da prática de sortilégios, confecções de imagens e de modo especial, sobre um dos atributos tradicionais da atuação de feiticeiros e feiticeiras, aliás um crime eminentemente concreto e uma permanente ameaça à ordem constituída: o envenenamento. Todavia, ainda estamos lidando com casos esporádicos até 1375, com uma taxa média para toda Europa de um julgamento por ano, a partir do século seguinte, em especial de 1415, o seu número aumenta significativamente com as acusações recaindo preferencialmente sobre a temática da Demonolatria.
Toledo se converte na cidade preferida da magia, onde se concentravam os interessados em aprender as ciências ocultas. O universo mágico seculariza-se, abandonando as divindades antigas, transformando-as, para tratar com forças naturais, espíritos e forças imateriais, estes últimos oriundos da tradição hebraica da ‘Kabbalah’ - onde fórmulas e ritos eruditos transformavam o homem, pelo conhecimento de Deus e seus atributos, num criador e manipulador das virtudes do universo.
A busca humanista das tradições greco-latinas, da revificação da cultura antiga, trouxe consigo as suas tradições e crenças e, por curiosa antítese, ao mesmo tempo que desprezava e rejeitava as ‘bárbaras superstições medievais’, aceitava as concepções mágicas da Antigüidade clássica, estudando-as e aprofundando-se no contato com o Oriente, transformando a cultura renascentista no retorno da magia em toda a sua glória. Virgílio, Homero, Ovídio, Sêneca, Lucano, conhecidos graças a uma série de reelaborações e popularizações, devolviam a credibilidade a usos e ritos que até então se havia acostumado a considerar como ‘superstitiones’ e confirmavam com sua autoridade a veracidade de seus conteúdos.
Os mestres das ‘artes antigas’, renovadas pelo Renascimento, encontram-se mergulhados no seio de um universo povoado de espíritos, de demônios, de seres que são os agentes, os instrumentos da causalidade, manejando as forças naturais e produzindo o encadeamento de um fenômeno a outros, em uma mesma realidade, una e múltipla, material e espiritual. Assume então a magia, junto ao universo mental, uma nova roupagem; cristaliza-se como ‘atividade antiga’, herdada de épocas remotíssimas e por vias secretas...
No Concílio de Rouen de 1445 são condenados todos os ‘livros e tratados de arte mágica ou divinatória’...
A feiticeira, predomina no meio urbano, e a bruxa, no meio rural, gravitando por cima destas a figura do mago, tão distante na escala de valores como inatingível pelos processos cumuns de repressão.
O Século XVII é o século que prepara o triunfo da Razão - época onde a cultura dirigente passa a descrer das bruxas e das práticas mágicas sob o influxo do racionalismo emergente. Singularmente, constitui também a época em que surgem, na elite palaciana, os cultos satânicos - as missas negras."
  Os irmãos Gustavo e Sérgio Solimeo, em seu já citado livro Anjos e Demônios, a Luta Contra o Poder das Trevas, assim se referem às missas negras:
"Durante os sabás [reunião de bruxos, feiticeiros e magos], freqüentemente havia uma paródia da Santa Missa, oficiada ... por [um]  de seus ‘sacerdotes’ ou ‘sacerdotisas’; ou então uma Missa Sacrílega, celebrada por um infeliz padre pervertido às práticas satânicas, chamada correntemente ‘Missa negra’.
Todas as orações e ritos eram invertidos ou deturpados blasfemamente. No Credo, por exemplo, dizia-se ‘Creio em Lúcifer e em seu filho Belzebu, concebido por Leviatã, o Espírito Santo’. Na elevação da hóstia, quando um padre havia realmente consagrado, fazia-se uma algazarra terrível, e se aspergia os assistentes com o sangue de Cristo... Às vezes um punhal era enfiado dentro do cálice e saía gotejando sangue; ou então cravava-se uma hóstia na cruz, e todos os participantes vinham transpassá-la...
Em certas ocasiões, na Semana Santa, crucificavam-se meninos que eram seqüestrados, ou levados pelas próprias mães, elas mesmas feiticeiras, cravando-lhes cravos nos pés e nas mãos, coroando-os de espinhos e transpassando-lhes o lado. Arrancavam-lhes o coração e outras vísceras, e com freqüência também o membro genital, que eram utilizados para ‘malefícios’.
[nota de rodapé] Um dos casos históricos mais famosos, dos tempos modernos,  envolvendo bruxaria e Missa negra, foi o chamado ‘Caso Voisin’, no qual esteve envolvida nada menos do que a amante do rei Luís XIV, Madame de Montespan. (...). "
A bruxaria invade salões e as cortes palacianas, como no célebre caso de Mme. de Montespan, a amante de Luís XIV, que emprestava a sua nudez como um altar para garantir a fidelidade do coroado amante.
Assim, o final do antigo regime é marcado pela descrença e a ridicularização das  ‘crendices populares’ e um suposto ‘risorggimento’ de tradições ocultas. Momento onde se rompe o  equilíbrio ‘harmônico’ entre Deus e o diabo, levando os homens ao agnosticismo, e a uma rebelião contra a Igreja, que traz consigo a reabilitação de Satã, como um princípio de rebeldia contra a tirania e o obscurantismo, representado pelo Cristianismo ortodoxo a um nível tradicional. O Lúcifer no ‘Caim’ de Byron é sumamente grandioso, filho magnificamente poético do agnosticismo, da rebeldia contra a moral tradicional.
Deste modo, a partir de 1850, o ocultismo experimenta um grande florescimento, derivado diretamente da exaustão do otimismo liberal. Ao movimento romântico, em seu mergulho na tradição e no folclore medievais, e seu cortejamento da morte, soma-se o exótico e o misterioso que aportam à Europa o conhecimento e a estranheza do misticismo e das religiões orientais.
Funda-se na França a O.T.O. - a Ordem do Templo do Oriente, de que participa Alphonse Louis Constant (1810-1875), ou, como era conhecido por seu nome esotérico, Eliphas Levi, que editou o seu célebre ‘Dogma e Ritual de Alta Magia (1860, Paris). Clássico que até hoje pontifica nos meios esotéricos. ... após uma militância nos meios anárquicos, E. Levi descobriu o ocultismo. Em Londres evoca o espírito de Apolônio de Tiana, filiando-se à Rosa-cruz inglesa e entregando-se por fim, à ‘Cabala’, como forma superior de conhecimento esotérico. Voltando a Paris, apresenta-se como uma reencarnação de Rabelais*... Sua atividade no entanto, será retomada pelo marquês Stanilas de Guaita, de uma grande família lombarda, que, erigindo-se em seu sucessor, reconstituiu em 1888 o ‘Supremo Conselho da Ordem Cabalística da Rosa Cruz** .
Rosa-cruzes, teósofos e cabalistas, representam, grosso modo, uma dimensão erudita dos movimentos ocultistas, na busca das maneiras de se chegar à purificação do homem. Ao seu lado, desenvolver-se-á (às vezes de modo bastante imbricado) o seu lado ‘perverso’, da rebeldia contra o estabelecido e da busca solitária do ‘poder’: os cultos satânicos. A desilusão com a utopia burguesa, a visão pessimista do ‘fin de siècle’, provoca um apelo ao diabolismo, a uma visão luciferina da vida, que se entre poetas e romancistas se tornou maneira de ser e de ‘parecer’, em outros círculos, implicou em uma estreita união entre o folclore e o espiritualismo de sabor oriental.
Situação que, no limite, implica uma paixão pelo macabro, pelo perverso e pelo cruel, em uma espécie de ‘vampirismo moral’, que ama pelo calculado e refinado prazer de destruir o objeto do próprio amor: ‘o vício representa o elemento positivo, a virtude o elemento negativo, passivo, condição do prazer sádico é a existência da virtude como um freio a romper***, cujo limite estaria representado pela obra de Sade, em especial, em sua novela ‘Justine’."
  Satanismo e ocultismo gnóstico começam a caminhar juntos, praticamente imbricados um no outro, como forma de rejeição de toda a filosofia e teologia medieval. Assim, continua o prof. Roberto Nogueira: "Satanismo e ocultismo - se é que estas duas correntes podiam ser diferenciadas - implicam em um extremo desdém pela história, repudiando a nascente noção de processo histórico pela vital necessidade de se acomodar a uma longa e imaginária tradição de antiquíssima sabedoria oculta. Assim, frente a uma história que se revelava madrasta, ao mostrar um presente ‘decadente’ e um futuro incerto, os ocultistas a rejeitavam recuperando uma tradição hermética de várias origens e de vários momentos históricos, freqüentemente unida e harmonizada com textos apócrifos e analogias, no mínimo bastante duvidosas."
B) Satanismo Contemporâneo
  "Se o ocultismo se desenvolve em solo francês, é na Inglaterra que vai amadurecer e se separar do corpo esotérico a sua vertente satânica. Aí em 1887 é fundada a ‘Hermetic Order of the Golden Dawn’, sob a direção de Samuel L. Mathers, e tendo vários poetas e romancistas entre seus filiados, como Yeats, Sax Rohmer, Bram Stoker e Bulwer Lytton. A estes se juntará em 1898, a sinistra e inquietante figura de Aleister Crowler, que após ser iniciado nos vários graus da ordem, reclama por fim o lugar de Mathers, o denunciando como impostor. Segue-se uma estranha batalha de ‘feitiços e espada’.
  O que sabemos é que Mathers e a Aurora parecem perder a importância, enquanto Crowley permanece em evidência, fundando a ‘Astrum Argentinum’ em 1905, misturando as invocações egípcias da ‘Golden Dawn’, com a doutrina iogue do Tantrismo. Seu culto terá um viés marcadamente erótico e ligado ao consumo de drogas e à ‘orgia sagrada’, se intitulando ‘a Grande Besta’ ... sua seita já havia transbordado os limites ingleses, penetrando na França, com lojas em Lyon e Paris e mesmo, atravessado o Atlântico, tendo o próprio Crowley viajado para Nova Iorque, para ali fundar uma sucursal americana. Crowley... erige-se em arquidiácono do Diabo.
  Um sumo-sacerdote satanista que chefiava mais de treze grupos (num total de 156 pessoas), fornecerá um esclarecedor testemunho das motivações deste gênero de seitas. Ao ser perguntado porque havia seguido o Satanismo, respondeu: ‘Porque nunca me senti  tão poderoso como agora’*
  A geração do ‘sex, drogs and rock n’roll’ trará em seu amadurecimento uma extraordinária revivescência do ocultismo. Desde a tão famosa ‘Era de Aquário’ (a partir da conjunção planetária de 5 de fevereiro de 1962), o ocultismo desenvolveu-se de uma maneira assombrosa. A falência do movimento Hippie, e das utopias estudantis, desembocarão no surgimento ou revitalização de inúmeras seitas. Entre estas, o ‘The Process’, oriunda do bairro ‘Mayfair’, em Londres. Seu fundador, ex-hippie Robert de Grimston, pregava o excesso sexual e considerava o casamento uma abominação. Suas lojas se multiplicaram rapidamente, pela França, Estados-Unidos e México. As ilhas britânicas assistem a uma multiplicação de grupos satanistas. Igrejas foram atacadas, túmulos violados, rituais eram realizados em ruínas de igrejas e abadias. E de uma maneira bastante explícita, um grupo de satanistas entrou na Igreja de Westhan e Essex, para cuspir nos crucifixos, fugindo ao serem surpreendidos pelos guardas.
  Como desenvolvimento lógico deste processo, surge uma igreja diabólica: a 1º Igreja de Satã, que pode ser encontrada no catálogo telefônico de San Francisco, no título ‘Churchs - Satanists’. Fundada por seu pastor, o ex-fotógrafo policial, ex-domador de leões e ex-quiromante (entre outras atividades) Anton Szandor La Vey, a mesma se tornou rapidamente conhecida e freqüentada pela intelectualidade da costa oeste dos EUA... Argumentando que Satã não é um adversário de Deus, mas uma força oculta na natureza, defende a aquisição e o controle de nossas forças psicológicas interiores pela livre admissão e aceitação de nossas paixões .Os sete pecados capitais do Cristianismo, nesse sentido, devem ser encorajados, pois são virtudes que levam à consumação de nossos desejos.
  Segundo La Vey, a Idade Satânica começou em 1966, quando Deus foi declarado morto.
  O trágico fim da atriz Sharon Tate, amiga pessoal do ‘reverendo diabólico’ Anton La Vey e simpatizante do ocultismo - assassinada com seus convidados durante uma festa por membros de uma seita satânica estranha - aponta para uma nova possibilidade de configuração do satanismo. Tratava-se de ‘A Família’ fundada em 1969 por Charles Manson, que dizia reunir em seu corpo a Cristo e a Satã, sendo sua missão levar a cabo o final dos tempos.
  Seitas estas que se multiplicam a partir do final da década de 60, com a crescente importância transcendental (e o conseqüente desinteresse e a negação do real). Nesta perspectiva, não causa espanto o fato dos Estados Unidos serem o país que abrigue um maior número de seitas ocultistas e os grupos mais organizados de satanistas, existindo ‘seminários diabólicos’, para treinar pastores, nas paróquias satânicas de Nova Iorque, Filadélfia, Chicago e Los Angeles. Em 1967, o Diabo chega às colunas sociais, com um casamento pela Igreja de Satã de San Francisco de Judith Case, filha do eminente advogado e líder do Partido Republicano, Edward H. Case, ao qual compareceram inúmeras personalidades do mundo teatral e do ‘jet-set’.
 Em Los Angeles e San Francisco, surgem as ‘Universidades Livres de Ocultismo’, como a ‘Universidade Livre de Midpenínsula’, com vários cursos de ocultismo e a ‘Universidade Livre de Heliotropia’, em San Francisco, com seu bacharelado em Feitiçaria.
  Da década de 60 em diante, parece que nos encontramos frente a um desenvolvimento constante das seitas esotéricas e do ocultismo...".
  O próprio laicismo do Estado faz com que ocorram fatos como os narrados pela periódico americano Newsweek:
"[Sobre o satanismo, declarou] o juiz Edward Nottingham:
- Recuso-me a ser superficial, apesar das graves preocupações que isto levanta [envolvendo a] Primeira Emenda’, ao determinar que as autoridades das prisões federais devem permitir a presidiário, cultor declarado de satanás, a exercer rituais satânicos  e a lhe fornecer trajes negros, se necessário."
  Sobre a crescente onda satanista, ver, além dos já anteriormente citados: B. Wenisch, Satanismo; Gregório Lopes, Bruxaria: os Antros se Abrem; H. Kramer - J. Sprenger, O Martelo das Feiticeiras; G. Pontóglio, Ritual Satânico - O Sacrifício de Evandro; etc. Como também ‘O Estado de S. Paulo, 10/7/92; ‘O Globo’ de 31/12/92, 8/2/93, 23/8/92, 11/9/92, 12/9/92 e 26/5/95; ‘Jornal de Santa Catarina’ de 27/3/93; ‘Correio do Povo’ (Porto Alegre) de 17/6/93; ‘Folha de S. Paulo’ de 16/7/93; ‘Jornal da Tarde’ de 29/4/95; etc.
C) New Age e Satanismo, a União Metafísica
  Segundo a tradição bíblica, o primeiro brado de igualitarismo foi dado por Lúcifer, quando disse não servirei.
  Os irmãos Solimeos assim relatam:
"Deus criou os anjos num alto estado de perfeição natural e além disso os elevou à ordem sobrenatural. É de fé que todos os espíritos foram criados bons.
A Sagrada Escritura, com efeito, chama-os ‘filhos de Deus’(Jó 38,7), ‘santos’ (Dan 8,13), ‘anjos de luz’ (2 Cor 11, 14). Entretanto, os próprios Livros Sagrados se referem a ‘espíritos imundos’ (Lc 8, 29); ‘espíritos malignos’ (Ef 6, 12); ‘espíritos piores’ (Lc 11, 26); e outras expressões análogas.
Isto indica que certos anjos tornaram-se maus, tiveram sua vontade pervertida. Em suma: pecaram
‘Tu, desde o princípio, quebraste o meu jugo, rompeste os meus laços e disseste: - Não servirei!’ (Jer 2, 20).
Este versículo do Profeta Jeremias ... tem sido aplicado à revolta de Lúcifer. Ao brado de rebelião de Lúcifer - ‘Não servirei!’ - respondeu São Miguel com o brado de fidelidade: ‘Quem é como Deus!’ (significado do nome Miguel em hebraico [Quem como Deus = Miguel]. (...)
O próprio Jesus dá testemunho dessa queda: ‘Eu via Satanás cair do céu como um relâmpago’ (Lc 10, 18). ‘(O Demônio), foi homicida desde o princípio, e não permaneceu na verdade’ (Jo 8, 44). (...)
Segundo São Tomás de Aquino, essa soberba consistiu em que os anjos maus desejaram diretamente a bem-aventurança final, não por uma concessão de Deus, por obra da graça, e sim por sua virtude própria, como mera decorrência de sua natureza. Desse modo, quiseram manifestar sua independência em relação a Deus; eles recusaram assim a homenagem que deviam a Deus como seu criador e desejaram substituir-se a Ele e ter o domínio sobre todas as coisas: ‘ser como deuses’. (cf. Gen. 3, 5)".
  Ora, exatamente o que sustenta o Movimento New Age, é a salvação (bem-aventurança), não como obra da graça, mas como decorrência da própria natureza divina do homem (sereis como deuses). Escreve o Prof. Carlos Roberto F. Nogueira, em seu livro O Diabo no Imaginário Cristão:
"Filho da própria experiência, amigo do homem e inimigo de Deus - o supremo tirano, que condenou os homens à humilhação, ao sofrimento e à morte - Lúcifer está com o homem, intensifica-se com ele, uma vez que ambos foram condenados ao suplício eterno de conhecer."
  Prossegue ainda o mesmo professor:
"Em 1828, Karl Ernst Jarcke, professor de direito criminal na Universidade de Berlim, editou os registros de um processo de bruxas na Alemanha do século XVII, com alguns comentários. Argumentava que a bruxaria era acima de tudo uma religião natural e que havia sido a religião dos germanos pagãos. (...) O centro desta antiga religião pagã eram as artes secretas de influenciar o curso da natureza. (...)
Michelet proclama na França, em 1862, sua homenagem a Satã, a encarnação do espírito livre e a sua sacerdotisa da Natureza: a feiticeira." (...)
Ao movimento romântico, em seu mergulho na tradição e no folclore medievais, e seu cortejamento da morte, soma-se o exótico e o misterioso que aportam à Europa o conhecimento e a estranheza do misticismo e das religiões orientais."
  Desse modo, existe uma união de objetivos entre os satanistas e os gnósticos. Ambos rejeitam a hierarquia medieval, acreditam na divindade da natureza e aliam-se, segundo a filosofia medieval, ao brado de revolta: Não servirei!, onde o homem busca uma igualdade entre ele e Deus (panteísmo e monismo). Eis uma hipótese a ser oportunamente mais bem estudada.


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