Reverendo Jaime Wright,
"Esse gigante de coração de criança deixa saudades em todos os que o conheceram."
("O São Paulo")
Caros Amigos - Julho/99
A eterna vigilância
guardião do "Brasil: Nunca Mais", Jaime Wright condenou os torturadores ao inferno moral
por Paulo Moreira Leite
Jaime Wright, um homem de modos afáveis e temperamento inquieto, morreu de enfarte aos 71 anos, em Vitória. Wright teve uma vida sempre modesta e morreu assim. Pregou em cidades pobres e distantes, sem água encanada, sem luz elétrica nem telefone. Na rua, costumava ser visto de calça jeans desbotada, um velho par de tênis e camisa esporte. Seria um perfeito cidadão do povo, desses que a gente vê parado num ponto de ônibus a caminho de um bairro distante, não fosse o corpanzil imenso, que obrigava os hotéis a lhe reservar camas de tamanho maior do que o normal.
Enterrado sem as lágrimas suspeitas e a hipocrisia fúnebre que é costume oferecer a personalidades silenciadas em vida, Wright deixa a lição de uma existência à altura de seu tempo. O reverendo foi cidadão de uma história difícil, de um país assombroso onde as baionetas estavam no governo, a imprensa vivia calada e a tortura gemia nas prisões. Se hoje é possível reunir filhos e netos para falar desses tempos, é porque existiram homens e mulheres, no Brasil, com a coragem e a determinação para mudar aquele estado de coisas. Jaime Wright foi uma dessas pessoas.
O reverendo teve a existência torta de homem certo. Missionário enviado pela Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos para pregar no interior do Brasil, seu pai enfrentou a intolerância de padres católicos do Paraná que ameaçavam excomungar os comerciantes que vendessem comida, roupa e sabão para aquela família de hereges. Jaime Wright passou a existência em choque com a Igreja Presbiteriana, uma instituição célebre pelo conservadorismo. Acabou numa dissidência, que dez anos atrás o levou de mudança para Vitória. Embora tivesse direito a cidadania americana, em 1958 optou pela cidadania brasileira plena. Dispensado do serviço militar, serviu ao Exército como voluntário e era homem de um nacionalismo altivo, quase orgulhoso.
Formado e pós-graduado nos Estados Unidos, diplomas que sempre valeram ouro no Brasil, tinha a convicção íntima de que era melhor viver entre os humildes e necessitados. Um dos lugares em que residiu foi Caetité, na Bahia, onde o meio de transporte mais comum era o jegue. O reverendo divertia filhos e amigos com um jogo que inventou, o jeguebol um basquete em que cada jogador montava num burrico.
Jaime Wright foi criado numa família em que se discutia teologia no café da manhã, no almoço e no jantar quando um parente residia em local distante, o debate prosseguia pelo correio. Era uma polêmica a quatro vozes, com duas facções, uma de esquerda, outra de direita, como diria quem visse a discussão de fora, ou a ala americana e a ala brasileira, como definia o próprio Jaime Wright. O pai, Latham, e seu irmão mais velho, também chamado Latham, integravam a ala americana. Eram missionários menos engajados e mais conservadores. Jaime e Paulo Wright, que não foi pastor mas deu um sentido parecido a seu engajamento político, formavam do outro lado. Quando todos já estavam casados e tinham filhos para criar, eles promoviam encontros de família onde ocorriam discussões ásperas e prolongadas. A ala americana nunca escondeu seu horror quando Paulo Wright abandonou a mulher e dois filhos para viver na clandestinidade, como dirigente da Ação Popular. "A correspondência que os quatro trocaram é um apanhado emocionante e profundo sobre família, religião e política," conta sua filha Delora. (Casado com Alma há 49 anos, Jaime Wright teve quatro filhas e um filho.)
Assassinado em 1973, quando a cúpula da ditadura tomou a decisão de exterminar o comando das organizações armadas, Paulo Wright morreu aos quarenta anos. O reverendo estava para completar 44, mas às vésperas de chegar aos 70 ele falava do irmão como se tivesse acabado de encontrá-lo na clandestinidade, sentado no banco de uma praça do centro de São Paulo, como fizeram tantas vezes. Quando o reverendo morava num sertão perdido do Brasil, o irmão, já clandestino, foi visitá-lo a família fez uma foto e até hoje esse retrato enfeita a casa da família, em Vitória. Aliados nas disputas em família, os irmãos tinham visões políticas distintas. Paulo era um dirigente experimentado, de muita leitura política e boa formação teórica. Jaime não partilhava dessa fé nem tinha o mesmo preparo. Ajudou o irmão de forma mais modesta, ainda que arriscada. Nos anos em que morou com a família numa casa na rua Princesa Isabel, no bairro paulistano do Brooklin, transformou o quarto de empregada em abrigo de militantes clandestinos. Mesmo personalidades estrangeiras muito procuradas se esconderam ali, como a mulher de Mário Henrique Santucho, principal dirigente do ERP argentino, durante uma escala em São Paulo para uma viagem à Europa.
Convidado a explicar seu próprio credo político, Wright se proclamava adepto da "teologia das brechas" uma espécie de caça às boas oportunidades. Como acontece sempre que uma pessoa se engaja a fundo em seus compromissos e convicções, o reverendo transformou a luta pelos direitos humanos e foi transformado por ela. Mais tarde, nas greves do ABC, quando o regime militar fez uma intervenção no sindicato dos metalúrgicos, prendendo Lula e toda a diretoria, Wright mobilizou seus contatos da Igreja Presbiteriana fora do país para levantar recursos calcula-se que metade de todo o dinheiro recebido pelos trabalhadores tenha saído das mãos do reverendo. Mas é errado supor que seu engajamento teve início com a morte do irmão. A família conta que ele passou a vida inteira em busca de espaços para atuar e de tribunas para pregar. Num resumo autobiográfico de uma página e meia encontrado entre seus papéis após a morte, o próprio Wright conta que em 1968, infiltrado em lojas maçônicas, organizou uma mesa-redonda onde se aprovou uma declaração que condenava "a transgressão aos direitos humanos" promovida pelo regime militar.
Mas o homem que começou a procurar notícias sobre o paradeiro do irmão, em 1973, era bem diferente do cidadão que se tornou porta-voz do "Brasil: Nunca Mais" e, ao morrer, transformara-se numa espécie de vigilante nacional dos direitos humanos. Carregando o remorso e a culpa que sempre corroem os familiares nessas horas, procurava pelo irmão como quem não era capaz de acreditar em sua morte. Além de freqüentar repartições militares e escrever a autoridades, no Brasil e nos Estados Unidos. No desespero, uma sensitiva americana chegou a ser consultada, na esperança de que seria capaz de localizá-lo.
Procurando ajuda na Igreja Presbiteriana, que mantinha contatos mais estreitos do que o recomendado com a cúpula do regime, não recebeu auxílio de ninguém nem informação. Aproximando-se de familiares de presos políticos que se movimentavam em torno da Cúria Metropolitana, acabou tendo um encontro decisivo em sua vida conheceu dom Paulo Evaristo Arns, de quem se tornaria grande amigo e aliado político. Estimulado pelo cardeal, Wright integrou um trio composto por Luís Eduardo Greenhalgh, advogado muito ativo na defesa de presos políticos, e a jornalista Jan Rocha, que produziu o Clamor, boletim de defesa de exilados e perseguidos no Uruguai, Argentina e Chile, que fez história como autor de diversas proezas nessa área.
Foi pelo Clamor que foram localizadas, pela primeira vez, duas crianças, filhas de um casal de desaparecidos uruguaios, que viviam como adotadas no interior do Chile. Wright teve um papel decisivo na visita de Jimmy Carter ao Brasil, quando dom Paulo desafiou o governo militar ao se encontrar com o presidente dos Estados Unidos, a quem entregou uma lista de desaparecidos políticos brasileiros e outra de desaparecidos argentinos. O reverendo abriu as portas para esse encontro ao mobilizar seus contatos nos Estados Unidos, que tinham acesso à Casa Branca.
Em 1979, ano em que saiu a anistia no Brasil, o reverendo já tinha certo prestígio junto aos movimentos de direitos humanos nos Estados Unidos. A Universidade de Ozarks, em Arkansas, terra natal de seu pai, resolveu homenageá-lo com um convite para discursar aos alunos, numa dessas típicas cerimônias americanas. Dois oradores se pronunciaram. O primeiro, um jovem político do Estado, governador eleito com mais de 60 por cento dos votos: Bill Clinton. O outro foi o reverendo. Abrindo os cárceres, trazendo exilados e banidos de volta, a anistia criou o ambiente de concórdia que estimulava acordos políticos e pedia paz entre os contrários. Era um acerto pelo alto que cobrava a aposentadoria dos radicais, indispensável para a montagem da chamada transição. O manual de boas maneiras políticas da época cobrava esquecimento e perdão, pedia ânimos serenados e tolerância extrema em nome do futuro. Quando todos diziam que a guerra suja havia terminado, o grupo que havia feito o Clamor e depois se mobilizara para criar o Comitê Brasileiro pela Anistia decidiu que, ao menos para eles, a luta iria continuar. Foi assim que nasceu o projeto "Brasil: Nunca Mais".
A idéia do projeto foi da advogada de presos políticos Eni Raimundo Moreira, do escritório de Sobral Pinto, no Rio de Janeiro. Lembrando que no fim do Estado Novo os processos contra presos políticos acabaram destruídos, impedindo qualquer investigação sobre tortura, ela trouxe a idéia para São Paulo. Greenhalgh e Jaime Wright animaram-se, mas precisavam do apoio de dom Paulo. O cardeal concordou. Eles precisavam de dinheiro. Jaime disse que tinha como levantar a verba junto ao Conselho Mundial de Igrejas, mas seria preciso que dom Paulo assinasse uma carta, fazendo o pedido. Dom Paulo concordou e o dinheiro saiu. O "Brasil: Nunca Mais" custou 500.000 dólares, uma bela quantia, na época. Os contatos internacionais de Wright foram de grande valia, de novo. Um dos mais graduados executivos no Conselho Mundial era um cidadão chamado Charles Harper, que tinha um motivo especial para se interessar pelos direitos humanos no Brasil fora colega de classe de Paulo Wright e tinha ótimas recordações do irmão do reverendo. Sempre que era preciso um reforço no dinheiro, Harper entrava em ação e a verba saía.
Encarregado pelo cardeal, Luís Eduardo Greenhalgh montou as equipes de trabalho, pesquisa e redação, em São Paulo. Em Brasília, o advogado Sigmaringa Seixas mobilizou o escritório para copiar a íntegra dos processos armazenados no Superior Tribunal Militar. No início, eles pensaram que seria possível tirar xerox de umas dezenas de processos. Acabaram colocando as mãos numa coleção de 707, que somavam mais de 1 milhão de páginas. Envolvendo cinco anos de trabalho realizado no período de agonia do regime militar, quando braços terroristas do porão explodiam bancas de jornal, mandavam cartas-bomba pelo correio e até prepararam um atentado do porte do Riocentro, "Brasil: Nunca Mais" funcionou em três endereços clandestinos, em São Paulo. Mobilizou mais de quarenta pessoas e até hoje algumas delas se recusam a assumir sua participação publicamente.
Organizado e metódico, Jaime Wright entrou no "Brasil: Nunca Mais" como tesoureiro. Recebia o dinheiro do exterior e todo mês fazia os pagamentos. Embora tudo fosse clandestino, ele controlava a contabilidade nos detalhes, recebendo um visto de cada pessoa a quem o dinheiro fora entregue. Dono de uma capacidade de trabalho acima do normal, aos poucos foi assumindo outras tarefas e responsabilidades. Supervisionou a microfilmagem dos documentos e assumiu o risco de viajar diversas vezes para a Suíça para depositar os rolos de filme em local seguro. Prestava contas do andamento dos trabalhos e trazia o dinheiro os maços de dólares vinham escondidos na roupa. Além de uma versão integral, em doze volumes, "Brasil: Nunca Mais" teve uma versão resumida, num volume único, que passou quase dois anos na lista dos livros mais vendidos. Os redatores do projeto foram três: o jornalista Ricardo Kotscho, Frei Betto, dominicano que militou na ALN, e Paulo Vanucci, atual assessor de Luís Inácio Lula da Silva, ex-militante da ALN. Kotscho e Frei Betto escreveram uma primeira versão do texto final do livro, que recebeu uma nova passada de mão de Vanucci, presente no projeto do início ao fim. Nos últimos dias, numa correria imensa que antecedeu o envio do material à gráfica, Wright varou madrugadas fazendo revisão e conferindo dados, datilografando documentos e animando a equipe de trabalho com os biscoitos caseiros preparados por Alma, sua mulher. Num depoimento ao jornalista americano Lawrence Weschler, autor do livro Um milagre, um Universo, ele conta que sua maior preocupação era suprimir adjetivos, para construir uma obra clara, enxuta, o mais objetiva possível.
Apesar dos esforços do reverendo, "Brasil: Nunca Mais" não é uma obra com essas qualidades. Os redatores do livro, que ao aceitarem o trabalho assumiram riscos nada desprezíveis no país daquela época, tinham suas próprias simpatias e antipatias, seus engajamentos, e isso aparece nos textos que escreveram. Para quem acompanhou o debate da esquerda dos anos 60, é fácil reconhecer que o livro não faz apenas a esperada denuncia da ditadura, mas chega a se alinhar com essa ou aquela organização, e até com determinada corrente dentro de determinada organização. Quando vai falar da morte de Carlos Marighella, por exemplo, o livro limita-se a divulgar a versão do dominicano Frei Betto, que contraria tudo o que se sabia na época e se confirmou mais tarde, isto é, que o último fio do novelo que permitiu à polícia encontrar o líder da ALN foi desenrolado por padres dominicanos presos e torturados pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury. O livro também dá tratamento impróprio às organizações com as quais seus autores não simpatizam. Trata com ironia o Partido Operário Revolucionário Trotskista, o PORT, classificando como divagação e excentricidade o pensamento de J. Posadas, seu principal líder, a quem define como "curiosa figura" por entrar na discussão de temas da agenda cultural da juventude, como a possibilidade de vida em outros planetas e a revolução sexual. É um humor errado no lugar errado. O PORT foi uma organização que sempre considerou e os fatos lhe deram razão a luta armada como uma opção errada para derrotar a ditadura. Tambem perdeu um de seus militantes mais destacados, o operário Olavo Hansen, na tortura do DOI-CODI.
Mesmo com esses tropeços "Brasil: Nunca Mais" cumpriu a missão pretendida, patrocinando uma gigantesca mudança no modo de o país encarar o crime da tortura. Antes, falava-se de tortura, dizia-se que fulano havia sido torturado, acusava-se o delegado sicrano de ter participado de um interrogatório. Após o "Brasil: Nunca Mais", a tortura passou a ter nome, endereço, vítima e responsável. Trazendo uma dor que machuca até hoje, os personagens do livro são pessoas de carne e osso que gritam, que choram, que sangram, que morrem. Não há heróis, mas homens feridos, doentes, amedrontados, cambaleantes, o rosto desfigurado pela violência. O ambiente é burocrático, frio, mal iluminado. Ouvem-se gritos, apelos e clamores, mas a sensação é de que apenas nós, distantes leitores do mundo de hoje, somos capazes de ouvir e entender. Eles, os seres humanos que estão lá, do outro lado, nos registros datilográficos de vinte, trinta anos atrás, gritam para um mundo que não ouve, não se mexe, não sente.
Com essa narrativa sem anestesia, que deixa as feridas expostas, sangrando, o livro "Brasil: Nunca Mais" transformou a tortura numa estaca que não sai da memória. Uma coisa é ouvir dizer que fulano foi torturador. Outra é saber quem ele torturou, quando e onde, empregando tal e qual método, tudo escrito e registrado. Se é impossível dar a mão a um sujeito assim, é ainda mais difícil aceitar que tenha responsabilidades públicas, que receba poderes para entrar na casa das pessoas, prender, interrogar. A anistia de 1979 foi tramada para perdoar os torturadores, impedindo que seus crimes fossem investigados e punidos. O que se imaginava era que, com o tempo, tudo acabaria esquecido. Depois de uma obra como "Brasil: Nunca Mais", contudo, isso deixou de ser possível. Os carrascos mantiveram seus postos, seguiram suas carreiras, mas foram condenados ao inferno moral. Quando são reconhecidos e identificados, deixam de sair à rua, mudam de bairro e de cidade. Não falam sobre o passado, escondem o rosto, mentem para os filhos.
Antes de ser degolado da direção geral da Polícia Federal, onde permaneceu por apenas três dias, o delegado João Batista Campelo tentou alegar que era inocente da acusações de torturar presos políticos a partir do argumento de que seu nome não se encontrava na lista dos 444 torturadores divulgada pelo "Brasil: Nunca Mais". Por uma dessas ironias da historia, Campelo não queria se defender com sua própria palavra, mas apoiado na credibilidade alheia. A situação tornou-se insustentável quando se verificou que, embora seu nome não integrasse a relação de torturadores, o mesmo arquivo possuía um inquérito, com sua assinatura, onde era acusado de maltratar o mesmo prisioneiro que 29 anos depois veio a público para denunciá-lo.
Pouco a pouco, a equipe do "Brasil: Nunca Mais" se dispersou. Dom Paulo voltou a seus afazeres de cardeal, Luís Eduardo assumiu a carreira política. Jaime Wright tornou-se, então, guardião do projeto, que consultava com gosto e perícia. Sentado ao lado de seu telefone, em Vitória, acabou se transformando naquele tipo de convidado que só aparecia para estragar a festa. O ritual era sempre o mesmo. Nomeava-se um suspeito, Wright ia até o computador, examinava os dados referentes à pessoa e retornava de peito aberto e coração feliz com as informações pedidas.
A última atividade de Jaime Wright foi angariar recursos para manter de pé a Fundação Samuel, uma instituição que patrocinava projetos em favelas de São Paulo. Lutando com muita dificuldade depois que verbas que chegavam do estrangeiro foram cortadas, a entidade acabou fechando as portas. Em busca de apoio, num ato extremo Wright chegou a escrever cartas do próprio punho para conseguir dinheiro. Um dos destinatários foi um empresário de envergadura que, em 1975, durante o culto ecumênico em memória de Wladimir Herzog, ocupava um alto posto no governo de Paulo Egydio, fato que o levou a passar a década seguinte fazendo juras de amor aos direitos humanos e condenando a ditadura. Wright não teve a gentileza de uma resposta.
O reverendo era uma pessoa fechada por temperamento e necessidade. Além de Paulo, ele perdeu outros dois irmãos de forma trágica adolescentes, se afogaram num rio. A família não se lembra de tê-lo visto chorar nem mesmo quando aceitou a idéia de que Paulo Wright não estava preso nem sumido, mas morto. Há dois anos, contudo, o homenzarão de nervos de aço estremeceu. Sua sobrinha Laila, filha mais velha de Paulo Wright, foi morta a facadas de maneira cruel e violenta em sua casa em Curitiba, onde morava. Viajando para a capital do Paraná para o enterro, o reverendo perdeu a fala. Ele, que sempre tomava a palavra para um conforto e um consolo, ficou mudo, de cabeça baixa. Diante da morte da sobrinha, órfã de um desaparecido massacrado no porão militar e de uma mãe morta após uma doença lenta e dolorosa, o reverendo fez silêncio. "Foi a primeira vez que vi o pai chorar," conta Delora. Uma semana antes de morrer, Jaime Wright sentiu dores estranhas no peito e marcou uma consulta no médico. Não teve tempo de comparecer.
Paulo Moreira Leite é editor especial da revista Veja
Veja 7/6/99
Foto:Nelio Rodrigues/Veja
Exemplo de vida
Morto de infarto em 29 de maio, aos 71 anos, o reverendo Jaime Wright deixa um exemplo de vida. Nos tempos da ditadura militar, quando presos políticos eram torturados e até mortos, Wright consolava famílias, organizava protestos e enviava ao exterior denúncias que os jornais brasileiros, censurados, não publicavam. Ao lado dessa atividade pública pelos direitos humanos, o reverendo correu riscos não desprezíveis para construir sua obra duradoura, a organização do arquivo Brasil: Nunca Mais. Contando com a cobertura política de Paulo Evaristo Arns, cardeal-arcebispo de São Paulo, Wright formou a mais completa coleção de documentos sobre a repressão política no país. Copiou e armazenou em esconderijos depoimentos de vítimas da tortura e listas com nomes de carrascos. Wright também coordenou a edição em livro de Brasil: Nunca Mais, que ficou dois anos na lista dos mais vendidos. Filho de um pastor americano, pai de cinco filhos e avô de oito netos, Wright nasceu em Curitiba e era irmão de um deputado morto pelos agentes da repressão. Foi pastor no sertão da Bahia, pregando em lugarejos sem luz nem telefone. Ocupou cargos administrativos na Igreja Presbiteriana e há onze anos mudou-se para Vitória. Membro da Secretaria Nacional dos Direitos Humanos, deixou o posto em protesto pela promoção de um general acusado de torturar presos políticos.
(Isto É 9/6/99)
O descanso do pastor
O pastor presbiteriano Jaime Wright morreu de infarto, aos 71 anos, no sábado 29, em Vitória (ES). O líder religioso curitibano foi co-autor do livro Brasil nunca mais (publicado em 1985) – o mais completo relato sobre os torturados no Brasil da ditadura. Seu irmão Paulo Wright foi torturado e morto pela repressão. "Ele foi um dos mais importantes defensores dos Direitos Humanos no País", disse a ISTOÉ Marco Antonio Rodrigues Barbosa da Comissão de Justiça e Paz.
(Folha de São Paulo 30/5/99)
Religioso presbiteriano foi ativista dos direitos humanos
Pastor Jaime Wright morre de infarto aos 71 anos
da Reportagem Local e da Agência Folha
Morreu ontem em Vitória (ES), aos 71 anos, o pastor presbiteriano Jaime Wright, ativista de direitos humanos e co-autor de "Brasil: Nunca Mais", o mais completo relato sobre a tortura de prisioneiros políticos durante o regime militar.
Wright nasceu em Curitiba em 12 de julho de 1927, filho de norte-americanos. Era casado com Alma Wright e tinha cinco filhos.
Ele sofreu um infarto do miocárdio às 6h. O corpo está sendo velado no Instituto do Bem-Estar Social, em Vitória. O enterro será hoje, às 8h, no cemitério Jardim da Paz, naquela cidade.
Wright formou-se por uma universidade de Arkansas (EUA) e fez estudos religiosos em pós-graduação numa instituição da Pensilvânia. Renunciou nos anos 50 à nacionalidade norte-americana.
O líder religioso já encabeçava movimentos contra a tortura quando da morte, nas dependências dos órgãos de segurança, de seu irmão Paulo Wright, militante da Ação Popular, grupo de esquerda de origem cristã.
O "Brasil: Nunca Mais", projeto que comandou juntamente com o rabino Henry Sobel e o então cardeal-arcebispo de São Paulo, d. Paulo Evaristo Arns, reúne casos de execuções e maus-tratos documentados pela Justiça Militar entre abril de 1964 e março de 1979.
Publicado em 1985, o "Brasil: Nunca Mais" ficou por 91 semanas como livro de não-ficção mais vendido no país.
A consulta sigilosa a 707 processos, a listagem de 1.843 casos de tortura e a fixação em 125 do número de desaparecidos -geralmente mortos durante interrogatórios e sepultados com falsa identidade- formam uma base de dados nunca contestada pelos policiais e militares implicados.
Wright estava aposentado como pastor da Igreja Presbiteriana Unida, da qual foi secretário-geral entre 1988 e 1993.
Em dezembro passado, em seu último artigo publicado pela Folha, criticou o que chamou de "teologia da prosperidade", a seu ver praticada por grupos pentecostais que estimulam o individualismo dos fiéis.
D. Paulo Evaristo Arns disse ontem que Wright foi "fiel à causa do povo" e "teve muita importância na luta pelos direitos humanos".
"Perdi um grande amigo. Nos aproximamos depois da morte do jornalista Vlado Herzog. Jaime Wright tinha uma sala ao meu lado na Cúria Metropolitana e uma capacidade imensa de descobrir onde estava a mão da opressão quando tinha que procurar os desaparecidos políticos", afirmou.
Henry Sobel afirmou que a morte de Jaime Wright "é uma grande perda para a comunidade eclesiástica e para a sociedade brasileira".
"O reverendo Wright foi um corajoso líder religioso, que sofreu na própria pele os tormentos da ditadura no Brasil", afirmou Sobel. "Fomos parceiros e vou sentir muito a falta dele."
Agência Folha
De Vitória (ES)
Foi enterrado neste domingo, em Vitória, o pastor presbiteriano Jaime Wright, 71, co-autor de ``Brasil Nunca Mais´´, um dos mais completos relatos sobre os crimes contra os direitos humanos cometidos durante o regime militar.
Quase 200 pessoas compareceram às últimas homenagens a Wright, incluindo representantes das igrejas Presbiteriana Unida, da qual ele foi um dos fundadores, Presbiteriana do Brasil, Metodista, Luterana e Católica.
Nascido em Curitiba, filho de norte-americanos, Wright foi além das fronteiras brasileiras para denunciar abusos contra os direitos humanos. Como ativista e jornalista, escrevia para jornais estrangeiros, o que fez muitas vezes sob o pseudônimo Roberto Barbosa, atendendo a sugestões de amigos.
Wright terminou, pouco antes de sua morte, a orientação da primeira biografia completa e autorizada do seu amigo d. Paulo Evaristo Arns, 77, cardeal-arcebispo emérito (aposentado) de São Paulo, com quem trabalhou no projeto de ``Brasil Nunca Mais´´ ao lado do rabino Henry Sobel.
D.Paulo não pôde comparecer ao enterro, por estar gripado e com compromissos fora de São Paulo, mas enviou um representante.
(Isabel Clemente)
Folha de São Paulo (31/5/99)
PERSONALIDADE
Pastor foi ativista dos direitos humanos
Enterro de Wright reúne quase 200
ISABEL CLEMENTE
enviada especial a Vitória
Foi enterrado ontem pela manhã, em Vitória (ES), o pastor presbiteriano Jaime Wright, 71, co-autor de "Brasil Nunca Mais", o mais completo relato sobre a tortura de prisioneiros políticos no regime militar.
Quase 200 pessoas compareceram às últimas homenagens a Jaime Wright, incluindo representantes das igrejas Presbiteriana Unida, da qual ele foi um dos fundadores, Presbiteriana do Brasil, Metodista, Luterana e Católica.
Wright sofreu um infarto do miocárdio anteontem de manhã. Nascido em Curitiba (PR), filho de norte-americanos, era casado com Alma Wright e tinha cinco filhos.
Ele terminou, pouco antes de sua morte, a orientação da primeira biografia completa e autorizada do seu amigo d. Paulo Evaristo Arns, 77, cardeal-arcebispo emérito (aposentado) de São Paulo.
D. Paulo não pôde comparecer ao enterro, por estar gripado e com compromissos fora de São Paulo, mas enviou um representante.
Os dois trabalharam no projeto de "Brasil Nunca Mais" ao lado do rabino Henry Sobel.
O livro "D. Paulo Evaristo Arns - A História de um Homem Amado e Perseguido" foi para a gráfica na semana passada e será lançado pela Editora Vozes entre julho e agosto.
Escrita pelas jornalistas Evanize Sydow, 27, e Marilda Ferri, 30, ambas de São Paulo, a biografia contou com a consultoria do reverendo Wright.
Ele viabilizou entrevistas para o livro e serviu de ponte para o contato entre as escritoras e o próprio d. Paulo.
O reverendo Wright, que se destacou por uma atuação ecumênica no meio religioso, também deverá ganhar uma biografia. As biógrafas de d. Paulo dizem pretender escrevê-la.
JT 30/5/99
Morre pastor Jaime Wright, aos 78 anos
O pastor presbiteriano e coordenador do projeto Brasil Nunca Mais nos anos 70, Jaime Wright, 78 anos, morreu ontem às 6h30 em seu apartamento no bairro Ladeira Serrat, em Vitória, no Espírito do Santo.
Segundo a filha do pastor, a professora Anita Sue Wright , de 40 anos, o pai levantou com fortes dores no peito e falta de ar e, em seguida, sofreu um enfarte.
O corpo de Wright será velado na Igreja Presbiteriana Unida de Ibes, em Vila Velha, e será enterrado hoje, às 9h, no Cemitério Jardim de Paz, em Serra, município da Grande Vitória, após a celebração de um culto ecumênico. Além de Anita, o pastor tinha outros quatro filhos: Débora, de 45 anos, Sílvia, de 46, Nélson, de 47, e Sônia, de 48 anos.
O pastor morava com a mulher, Alma Wright, de 75 anos, havia onze anos em Vitória, depois que deixou São Paulo. Na capital paulista, desenvolveu como coordenador, na década de 70, o Projeto Brasil Nunca Mais e trabalhou com o então cardeal-arcebispo d. Paulo Evaristo Arns na Comissão de Direitos Humanos da Arquidiocese de São Paulo. Já em Vitória, assumiu como pastor a secretaria da Igreja Presbiteriana Unida do Brasil até 1994, quando se aposentou.
Segundo Anita, o pai estava realizando projetos sociais na periferia de São Paulo em parceria com a Fundação Samuel, uma ONG que recebe assistência financeira da Igreja Reformulada Holandesa.
Catarinenses Desaparecidos
Dossiê * Pernambuco
Amnesty International Online
SSRC
ProyectoMemoria
Memorial da América Latina
Memória
Estas matérias são referência como fonte para pesquisa MarciaE.Aquino 16/8/99