Estudo n º 1 Marcia Elizabeth de Aquino - 1974 - É um mundo amargo Este formigueiro de relés E circuitos integrados Onde as operárias Vomitam a fumaça de sua fome - Num solo opulento Emoldurado por agrários E avaros donos, Surdos aos mudos lamentos Dos vassalos de meios precários. Urbano em rios de papel Soltos pelos rolamentos Ao mercado farto e inerte de idéias. Suburbano nos pântanos e no véu. Homens de testamentos Que estão sempre em férias Empolgados de sua medida grandeza. Bilhões a mastigar o vazio Recebido com eterno atrazo. Morreu a realeza: É outro o nome do vadio O trabalhador é plebe por acaso. Há os templos para confusão publicitários e públicos. Os valores em bolsa são a moral Para os donos da população. Há os redutos bélicos Enricando aclasse real. Houve lemas e revoluções Teorias, homens e batalhas. Houve profetas e morte. Homens destruídos por opiniões Apodrecem Sem luz ou falhas Sem que alguém se importe. Palavras. É um mundo estéril Ridículo absurdo e impessoal Na renda que aumenta Na fome que cresce. Fantoches enfeitam o poderio Sobre seres Que não vivem dessa força. O povo caminha inerte e doente. Atitudes. O silêncio na tortura e no suborno. Indignação. A união no despertar e no sofrimento. O gesto firme na decisão
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Os carros passam As buzinas cessam (Mas a inquietude fica) Os pedestres atravessam no sinal verde A bengala do cego marcando seus passos (A inquietude prossegue) A fila do ônibus está imensa E o casal de namorados com seus sonhos (Que a inquietude não acalenta) O pai de família compra um bilhete Enquanto o moleque engraxa sapatos (A inquietude sufoca) O luminoso sorri e cintila O colar que o hippie ostenta (Inquietude irônica e triste) A porta do elevador sobe e fecha Homens ocupados apertam botões (No teto um espelho de inquietude) A sirene explode pelas rua ocupadas Incêndio Acidente e Morte (Inquietude que chora) A polícia perseguindo o faltoso Olhos curiosos e limpos esquecem erros (A inquietude oprime) A vida padrão do empregado e do patrão É a meta do menino futuro ancião (Inquietude que fere) ... Cala e caminha. Abraça teus sonhos E tua inquieta solidão. Olha-te em teus olhos E deixa que o horizonte Torne-se mais límpido. Ama, entretanto, A inquietude que te orienta.
Agita-te! O amor torna-se bolhas de isopor Em camas espuma de fibra Sintética E estética. A gasolina Encarece os carros Alí na esquina. A música afasta o pigarro Do resfriado que incomoda E o homem não acorda. Agita-te! Nos bueiros vivem as baratas E a baratinha deu lugar Ao ultra-sônico. O esperma já é congelado E o óvulo é o príncipe encantado Dos robots enfiados Em tubos e redomas De Ensaio. Agita-te! No teto dos high-buildings A neve não encobre O volume da caixa d'água. Nas telas panorâmicas A deusa da virgindade É queimada em louvor Ao dollar universal. Nos bares e nas lanchonetes Existem doses duplas Para garotas não mais Coquetes. Agita-te! Ou agarra-te às manchetes Jornais Magazines Revoluções Trocas e devoluções Produto Interno Bruto E proteções. Existe o prostituto Seguro contra acidentes E pasta para escovar os dentes. Agita-te! É tudo evolução Na carreira suposta Na proposta No diploma Do empresário em coma. Agita-te! O mundo morre enfim Na tua opacidade Na tua crença Na tua caridade. Agita-te! Sem tua berlinda. Podes viver ainda. Arranca o teu clarim Esquece tua bondade Que terrível doença Alastra-se na cidade. Sai de teu calmo pasto. Pecas em ser Um homem Casto. Toque de silêncio.
Aqueles caminhos que percorri Buscando guarida sob o sol A poeira queimando os olhos, Trouxeram-me ao presente Cansada, triste e silente. Os sonhos que eu quis sonhar Vencendo a cada passo a incerteza E o sabor salgado de uma lágrima, Talvez não tenham se realizado Naquilo tudo que é passado. Resta permanecer naquilo que sou Misto vontade e desânimo Mascarando a mágua com sorriso... Enquanto o horizonte se esconde Procuro alegria, não sei onde. Em ritmo de crença e descrença, Indo nos aclives e declives. Não deixo de buscar o objetivo Que me trouxe a esta realidade - Procuro da vida a verdade.
Corri atrás de verdades ditas Em passos sofregos, tropegos, pés descalços, numa estrada longa de encruzilhadas, sem a coberta de uma saudade, sem relógios ou despedidas. Busquei diante do horizonte A mão amiga que me cobrisse Mas meus pés atrás do vento Levaram-me cada vez Ao desabrigo. Agora Carrego só saudades Das pedras Que me rasgaram E diante de mais uma Encruzilhada Tenho os olhos sedentos E a boca silente. Agarrada Às minhas verdades, Não esqueço o tempo ido Buscando nos falsos risos Pequeno alento que me conduza. Meus pensamentos se entreolham Machucando aquele sonho indócil Tenho de ser Sem nunca Ter sido. O tempo imenso As palavras tantas. Quero apenas Seguir Numa solidão amada Num deserto a ser povoado. Corro atrás de verdades ditas.
As pedras, O barro, A ponta De cigarro, Empurrados E molhados Descem à enxurrada Em debandada Sem rumo Num côro de carros A deslizar no asfalto Rumo à Paulista... E a Angélica avenida Berço dos detritos a rolar, Oferece Irônica presença Aos bueiros - Esconderijo, Indiferença.
Inquietude (1)
Marcia Elizabeth (24/2/1972)
Inquietude (2)
Toque de silêncio
Marcia Elizabeth (13-2-70)
Caminhos(1)
Marcia Elizabeth (1/2/72)
Caminhos (2)
Desabrigo
Marcia Elizabeth (9/12/1971)
Caminhos (3)
Angélica
Marcia Elizabeth (3/2/1970)