Nasceu a 22 de junho de 1840, em Quixeramobim, Ceará, e faleceu em abril de 1914, naquela mesma cidade. Tenente-Coronel e Político; Comandante do Batalhão n° 14 da Guarda Nacional de Quixeramobim (nomeado por decreto imperial em 3 de outubro de 1868, remetido ao presidente da Província pelo Ministro da Justiça, o Conselheiro José de Alencar). Nesse mesmo ano, teve nomeação de Delegado de Polícia daquele termo, por título de 3 de agosto, e novamente em 1869; Presidente da Câmara Municipal; Intendente e Promotor de Justiça no regime republicano. Foi deputado durante as legislaturas de 1882 a 1889. A Constituição Estadual, outorgada em 1891, instalou, além da Assembléia Legislativa, um Senado Federal, composto de um terço do número de deputados. João Paulino de Barros Leal estava entre os senadores eleitos. Era homem ilustrado, bom orador e causídico dos mais acatados de seu tempo. Sustentou na Assembléia debates memoráveis, frequentando, assiduamente, a tribuna parlamentar na defesa dos interesses gerais, tendo apresentado, no entanto, um projeto que transferia a capital da Província para Quixeramobim, o que causou sensação por parte da imprensa. Na grande seca de 1877 prestou relevantes serviços à causa dos indigentes.
Autobiografia
Foram meus pais, José Antônio de Barros Leal e D. Jacinta Marinho de Barros Pimentel, aquele português naturalizado por ter aderido à independência do Brasil, e esta, filha do português (dos Açores), também naturalizado pela mesma forma, Jacinto José de Souza Pimentel e Dona Ana Margarida Ramalho Pimentel, brasileira, filha do português Bento Luís Ramalho. Meu pai, nascido em 1804 em Portugal, (Criaz) na Freguesia de Apúlia, Concelho de Esposende, Distrito de Braga, não longe da cidade de Porto, filho de Manuel Antônio de Barros, proprietário - agricultor, dispôs-se a tentar fortuna no Brasil pouco depois do ano de 1820, mas dessa vez não logrou o seu intento por ter sido a nau, que com outros o trazia, presa de piratas espanhóis, que após o saque ambicionado o deixaram a ele e aos seus companheiros em uma praia da Espanha, vestidos com camisa e ceroula tão somente, pés descalços, cabeça ao sol, tendo por leito a areia da dita praia. Socorrida pelo Cônsul, voltou com os aludidos companheiros a Portugal em uma catraia, que lhes deram. Um pouco mais tarde, de novo tentou fortuna no Brasil, aportando em Fortaleza, capital deste estado, então província, onde se estabeleceu com a loja de miudezas, secos e molhados. Meu avô materno, retro declarado, comerciante, proprietário e criador abastado nesta cidade, tinha por costume passar a estação seca de cada ano na capital, para o que ali edificou uma casa, que é a em que comerciou o abastado português Luís Ribeiro da Cunha, à Rua Formosa; e porque lhe agradasse o comportamento do pequeno negociante - José Antônio de Barros Leal - o adquiriu para genro. Aparecendo a estação invernosa, o dito meu avô, como de costume, regressou com a sua família a esta cidade de Quixeramobim, vindo em sua companhia o novo casal , que me deu o ser. Aqui chegados contraíram, sogro e genro, uma sociedade comercial, estabelecida na casa que, para fins comerciais, havia o dito meu avô edificado na praça Visconde do Rio Branco, então - Cotovelo - a qual é a em que reside o meu genro José Frutuoso Dias Neto, médico, e esta por mim reedificada, - esquina para a rua 15 de Novembro. Durou essa sociedade comercial até o princípio do ano do 1840, quando meu pai mudou-se para a casa que lhe tinha sido dada, no dote que recebera, e onde se estabeleceu de conta própria. Compunha-se então a família dos meus pais, do casal, dos filhos Maria, José, Manuel e criados (escravos). Outros filhos havia tido, mas faleceram. Era eu apenas embrião. Na nova residência nascemos, além dos que faleceram, em criança, eu, Antônio, Isabel, Ana, Rosalina e Abel. Ali continuou meu pai a negociar até janeiro de 1857, quando tendo falecido meus avós maternos, e cabido em legitima, aos meus pais, a fazenda – Bom Jesus – para ela se mudaram estes, no intuito de darem-se à indústria pastoril, e à lavoura, a que convidava o açude da fazenda.
Era meu pai homem honrado, trabalhador, econômico e sobretudo grave, circunspecto e refletido. Dizia-se dele, e eu confirmo, que jamais teve ele ocasião de arrepender-se de ter externado um pensamento. Neste particular, era um fato observar-se que refletia sempre antes de falar. Apesar do que fica dito, nunca pôde ele acumular fortuna, exceder ao menos em haveres ao que era, quando se estabeleceu de conta própria, ao que atrás aludi. Era isto devido à profunda estima que ele congregava à esposa, minha nunca esquecida e boa mãe, a quem permitia, contra o seu sistema de cuidadora economia, exercer a virtude santa da caridade, até o ponto de ser geralmente cognominada – mãe da pobreza, despendendo muito mais do que o permitiam as circunstâncias. Deve ter sido este o principal motivo que o levou a trocar a vida de comerciante pela de criador, a vida da cidade pela do campo; pois a fazenda Bom Jesus, onde foi residir, é situada fora de qualquer estrada: “ a ela só vai quem tem negócio ”. Ali, porém, continuava a ser ela o que era. Não satisfeita de franquear a sua mesa a todas as pessoas que tomavam a casa; obrigava os vaqueiros estranhos que, campeando, iam à casa em busca de informações, a aceitarem refeições, por não admitir que deixasse de ter fome quem campeava longe da própria residência. Na bebida dos gados, mandava ela sempre levar comida aos vaqueiros, que ali se achassem, esperando os bichos, que queriam pegar. Não era raro, nem mesmo pouco comum, o fato de chegar à casa pessoa enferma, transportada em rede, para ser tratada. Dava-se isto todas as vezes que pessoas pobres da circunvizinhança, não tendo meios para tratar-se da enfermidade, que lhes ameaçava a vida, lembravam-se de que perto existia a “Mãe dos Pobres”. Um fato bem característico comprova o que venho de dizer, quanto a causa de não progredirem os haveres do casal. Tendo partido desta vida para gozar da Bem-aventurança eterna a minha boa e querida mãe, no dia 11 de dezembro de 1877, o meu venerando Pai, pouco depois, cegou, tanto assim que chegou a acreditar ter-lhe sobrevindo esse infortúnio do muito chorar a ausência da fiel e amorosa companheira. Pois bem, não obstante esse grande estorvo ao desenvolvimento de qualquer fortuna, que não se baseie em rendas próprias de bens produtores, por sua própria natureza, falecendo desconsolado e cego, em 23 de julho de 1879, o inventário dos seus bens, sem que tenha havido elevação dos valores elevou-se a quantia igual á do primeiro inventário, de que dera metade aos filhos, sem nada ter ocultado.
Da minha adolescência ao meu casamentoAos sete anos pôs-me meus pais na escola do professor público, Imbiriba, mas somente para que ali aprendesse a conhecer as letras, soletrar e rascunhar, pois era costume dele, já seguido com os meus irmãos mais velhos: ensiná-los a ler, depois de desasnados na escola pública Pelo que se dera com os outros, era meu Pai tido como muito rigoroso na prática do ensino, e por isso grande era o medo que me faziam do que eu tinha de sofrer. O mesmo se dava com meu irmão Antônio, que apenas mais moço do que eu um ano, era meu companheiro nessas aprendizagens. Felizmente as temerosas predições não foram confirmadas, porque, tendo eu desde criança grande gosto pelas letras, e dotado, graças a Deus, de facilidade de compreensão, nunca sofrí um bolo por fato que se prendesse à escola. Ao contrário, já no fim desse meu tirocínio, enchia-me de vento, quando ouvia meu Pai, satisfeito, elogiar-me, referindo a outras pessoas que havia conseguido ensinar-me a ler e escrever sem se lhe fazer preciso sequer repreender-me. O meu companheiro pouco sofreu, porque, inteligente, embora descuidado, era por mim auxiliado. Havia aqui uma cadeira pública de ensino da lingua latina, cujo professor, Manuel Antônio Ferreira Nobre, sobre ser homem de bem, era competente, tanto pelo conhecimento da matéria, como pelo estilo adotado na prática de ensinar. Era o meu maior empenho matricular-me nessa escola. Pedia-o continuadamente a meu Pai, até que este mandou vir da Capital uma gramática do Padre Antônio Pereira, que era adotada pelo professor; e porque meu pai se demorasse eu a presentar-me à matrícula, um dia fugí, após o almoço, para só voltar à casa depois de duas horas da tarde, por ter ido matricular-me, e alí permanecer enquanto a aula estava aberta. Ao voltar, encontrei a pena decretada, dependendo a execução do meu aparecimento: meia dúzia de bolos de palmatória, a que por diversas vezes tive de submeter-me por infração da ordem de não tomar banhos, fora da hora própria, no riacho da Palha. Evitava bolos e qualquer outro castigo, na escola, porque parece-me que nascí para as letras; mas não podia evitá-los, no inverno, quando a água naquele riacho, sem dúvida por ter nascido para tomar banhos a qualquer hora enquanto menino. Mas, conhecida a causa da ausência, a sentença foi revogada independentemente da apelação ou agravo: bastou embargo de petição.
Tal era o meu empenho de aprender a difícil língua, que fácil me foi conseguir certos privilégios. Destes, o primeiro, foi nunca me perguntar se a razão por que eu não ia à aula, quando me deixava ficar em casa; o segundo não ter sofrido sequer um bolo, a despeito de ser o professor tão rigoroso que não o dispensava aos alunos já barbados, ainda que tivessem – passa-piolhos -; o que ocasionou a expulsão de alguns deles por não terem querido dar a mão à palmatória; o terceiro ter triunfado gloriosamente em uma questão que tive com o condiscípulo José Remígio de Freitas, mais tarde sucessor do meu aludido professor, quando este se aposentou. Direi em resumo como se deu a questão e qual a solução em 1a. e 2a. instância. Substituía Remígio ao professor e, chegado o sábado, foram todos os estudantes chamados à sabatina. Remígio tinha fama de dar bolos. Perguntava ao primeiro do semi-círculo qualquer cousa da gramática e, se este errava, pedia o quinau ao vizinho, seguindo-se o pedido até que houvesse o quinau, e logo passava ao bolo, não escapando ninguém que houvesse errado. Notou ele que, já indo adiantada a sabatina, estava eu incólume, circunstância que devia agradar-lhe e atrair-me as simpatias do condiscípulo, elevado a professor provisório; mas assim não foi: era eu o primeiro, à esquerda, do semi-círculo, e perguntou-me: - o gênero dos nomes das cidades, ilhas, províncias e reinos. Respondí: - feminino. “ Exceção”, perguntou ele. Respondí como está na gramática. “Exceção de pontus”, ainda perguntou. Respondí: “Não tem”. Então disse ele: - “Errou, pois tem; e é Epirus, que é feminino; dê a mão para o bolo. Recusei-me, alegando não ser obrigado a saber o que não está na gramática, mas ele insistiu e terminou expulsando-me da aula, ao que não atendí. Queixou-se a meu Pai e ao professor, quando chegou; mas ambos, ouvindo-me, deram-me razão, pelo que ainda hoje Remígio, homem insociável, é quase meu inimigo; no entanto verifiquei depois que Epirus não é exceção de pontus. Mais tarde desejei aprender música e francês; e, apesar da falta de apoio para isto em meu pai, que seguindo a regra adotada pelos sertanejos de então, se limitava a fazer ensinar aos filhos a ler, escrever e contar, até que soubessem as quatro operações básicas da aritmética, tomei professores para uma e outra matéria, sendo o músico Raimundo Francisco das Chagas, e do francês o Dr. Francisco de Farias Lemos, juiz municipal do termo, hábil, honesto e íntegro, como jamais houve igual na minha querida terra. De posse desses poucos conhecimentos, comecei a pensar em formar-me em direito. Recorri ao meu nunca esquecido Pai, pedindo-lhe a graça de mandar-me para Pernambuco, ou mesmo para Fortaleza, e auxiliar-me até à formatura. Disse-me ele que “estaria pronto”, apesar de ser pequena sua fortuna, para fazer as necessárias despesas, no caso de querer eu ordenar-me; pois, como padre seria eu útil aos demais filhos, e não assim sendo a minha intenção formar-me; visto que prejudicaria aos outros com os gastos sem lhes aproveitar o sacrifício. Dirigí-me então ao meu parente Visconde de Icó, a meu tio Coronel José Amaro Fernandes e a meu Padrinho, Major João Bernardes da Cunha. O primeiro respondeu-me, oferecendo uma anuidade de 100$000; o segundo e o terceiro, 100$000 por uma só vez; mas o segundo acrescentou: obtenha de seu pai 300$000 para fazer a quantia de 600$000, entregue-me, que eu, empregando em novilhotes, lhe darei anualmente os lucros, com os quais estudará em Pernambuco. Fui pensar, e resolví não aceitar o bondoso oferecimento de meu digno tio; não só porque compreendi que o lucro de 600$000, empregados em novilhotes, ainda unido aos 100$000 anuais do Visconde não daria para as minhas despesas, mas também por ter em vista a circunstância de ser o Ceará sujeito a secas e outros fenômenos, determinantes da mortandade nos gados. Ignorava eu então que o estudante, colocado na Academia, faltando-lhes recursos, podia continuar, dispondo de força de vontade, que me é peculiar, ensinando e obtendo empregos, etc. Essa ignorância era justificada pelo fato de naquele tempo não haver aqui nem frequentar amiúde a cidade nenhum bacharel ou médico, ou qualquer outro portador de pergaminho científico. Esses letrados, hoje tão comuns, e alguns tão necessitados de apreço e de recursos, só apareciam por cá de longe, como cometas, e, como estes, causando admiração e infundindo respeito. Tive precoce desenvolvimento físico, pelo que, aos dezesseis anos anos era um moço como outro qualquer, e assim sendo apaixonei-me por uma prima, que julgava digna de completar-me, vindo a ser a outra metade do meu ser; mas um ano depois, sem que ninguém me advertisse, reconheci que estava em êrro, querendo casar-me sem ter ainda meios de vida próprio, vivendo dos de meus venerando Pai; e resolví espaçar indeterminadamente aquela primeira resolução, até conseguir o que me faltava. Para não prejudicar a moça, afastei-me o mais possível dela, de modo que impossível fosse passar por seu namorado, e aguardei a minha colocação, quando a desposaria, se a encontrasse ainda inupta. No interregno, desvanecia-me quando sabia, porque outros moços, ignorando minha predileção por aquela menina, me comunicavam as suas esperanças e mais tarde a desesperança de merecerem o amor dela – que a minha escolhida continuava a pensar em mim, não obstante o meu retiro, que só era interrompido pelos encontros casuais, aliás não raros entre parentes. Seis anos depois ví que era tempo; procurei-a, falei-lhe; fui acolhido; pedí-a em casamento; e casei-me no dia 23 de agosto de 1862 às 10 horas da manhã de uma quinta-feira, na fazenda Quinim, pertencente ao Pai dela, o meu tio Cândido José de Souza Pimentel, onde ela fora residir, quando começou aquele meu retiro; pois desde o seu nascimento vivia com o seu avô, importante fazendeiro, José Carlos Barata Sobreira, residente em sua fazenda Tinguí, quando não estava nesta cidade, em aprendizagens; mudança de residência ocasionada pelo falecimento da avó, D. Rosa Ramalho Barata Sobreira. Nossos pais eram iguais em fortuna e posição social; igualdade que se dava também em relação aos nosso avós. A moça, de quem me ocupo, não precisaria indicar, visto que só me casei uma vez; mas falarei dela por me ser isto muito agradável, ainda que tenha de verter lágrimas de cruciante saudade. Era D. Jacinta de Sousa Pimentel, que após o nosso casamento, passou a chamar-se de Jacinta Leal Pimentel; que me acompanhou, como fiel esposa, pelo tempo de 36 anos, 4 meses e 5 dias, fazendo as delícias de minha vida; porque era amante dócil, sensata, cuidadosa, zelosa e o mais possível cumpridora dos deveres de filha, esposa, de mãe, de irmã, de amiga, de cristã religiosa e caridosa e de mulher, que nunca quis ser homem, tanto assim que, sendo eu político esforçado, ela jamais entendeu de política; pelo que, e pelos seus dotes morais, era geralmente estimada, como se evidenciou por ocasião da gravidade da moléstia, que a levou ao túmulo e à glória Eterna; quando a nossa casa não comportava os visitantes, muito dos quais saíam para darem lugar a outros, que se aproximavam; acrescendo que seu enterro não faltou ninguém, indo muitos estranhos assistir à inhumação, no cemitério, tendo antes alguns assistido à missa de corpo presente e comungado por alma dela; o que muito me penhorou. Sabendo que ela era a mais amiga das mulheres esmoleres do que das abastadas; vendo o modo por que algumas daquelas sentiram o seu prematuro passamento, instituí uma esmola anual, em seu nome, a qual será distribuída, todos os anos, no dia 28 de dezembro às 11 horas e meia da manhã na casa da nossa residência (dia, hora e lugar do seu falecimento), na proporção dos meus recursos na ocasião, tendo todavia em consideração que essa esmola representará o que Ela daria durante o ano, se viva ainda fosse; isto infalivelmente, embora me ache ausente. E quanto ao local, ainda mesmo que a casa passe a terceiro e que êste o recuse; caso em que a distribuição terá lugar na calçada, em frente à porta de entrada, às esmoleres que se apresentarem com cartão do vigário de freguesia, ou ao portador desse cartão, quando trouxer a nota – doente. Amava muito a minha esposa, embora talvez não tanto quanto ela merecia; e por isso suprirei as faltas, venerando a sua memória e consagrando à sua alma uma verdadeira idolatria.
Os filhosTivemos do nosso feliz consórcio quinze filhos, inclusive um aborto natural. O primeiro foi uma menina que hoje se chama Jacinta Leal Dias Neto, por ter acrescentado ao seu nome os dois últimos sobrenomes em virtude de ter se casado com o farmacêutico José Frutuoso Dias Neto; nascida no dia 22 de junho de 1863, às 8 horas da noite, na fazenda Boa Vista, então pertencente ao meu irmão Manuel Jacinto de Barros Leal; era segunda-feira. Foi batizada nesta cidade pelo Reverendo Cônego Pe. Antônio Pinto de Mendonça, que foi também quem batizou a mim e minha mulher, nos crismou e casou. Teve por padrinhos o avô – Cândido José de Souza Pimentel e a avó, a nunca esquecida e boa Mãe – a mãe da pobreza – D. Jacinta Marinho de Barros Pimentel. Foi crismada pelo mesmo Cônego Pinto, sendo madrinha a minha parenta – Baronesa do Aquiraz. O segundo foi o menino João, que é hoje o Dr. João Paulino de Barros Leal Filho, médico, nascido nesta cidade, na casa da nossa residência, à praça da Matriz, casa alugada de Francisco Antônio Ribeiro, no dia 7 de setembro de 1864, às 12 horas da noite; era quarta-feira. Foi batizado pelo Coadjutor do Vigário, o Reverendo Padre Menezes, e crismado no dia 5 de julho de 1865, também quarta-feira, pelo Exmo. Reverendíssimo Sr. Bispo, D. Luís. Foram seus padrinhos de batismo o meu venerando Pai, José Antônio de Barros Leal e minha irmã, Ana Maria de Barros Leal, e de crisma o meu irmão Manuel Jacinto de Barros Leal.
O terceiro, a menina que tomou o nome de Rufina, que era de sua avó materna – nasceu em uma sexta-feira, 29 de setembro de 1865; e foi batizada pelo nosso vigário, Reverendo Dr. Antônio Elias Saraiva Leão, em um sábado, 4 de outubro do mesmo ano, sendo seus padrinhos o bisavô materno, José Carlos Barata Sobreira e a tia também materna – D. Maria Nunes de Souza Pimentel. Faleceu aos 4 anos de idade, causando-nos a mais dilacerante dor. Gozava Mocinha (era este o seu nome familiar) de completa saúde; formosa e esperta, brincava na calçada de nossa habitação, quando a mãe, tendo de sair a pagar visitas, a deitou e embalou para que dormisse, afim de podermos realizar o nosso intuito. Houve um erro talvez. Não foi ela deitada na própria rede, nem na alcova, onde dormia; mas no quarto que fica no fundo desta. A esse tempo ainda não havia porta de um quarto para o outro; tendo a casa corredor, todos os quartos só tinham saída para este, extravagância dos tempos anteriores. A criada (então escrava), na nossa ausência, entendeu acertado fazer a transferência da menina do leito provisório para o efetivo e conduziu-a pelo corredor afora, provavelmente desagasalhada e sem a menor precaução. Um terrível golpe de ar encanado, sem dúvida, determinou a congestão cerebral, que o médico diagnosticou. Voltamos do passeio. Ao chegar na porta de entrada de nossa habitação, segui para a casa do Dr. Ernesto de Matos, na mesma praça, a fazer parte da costumeira roda de calçada; e a minha mulher, a minha santa e nunca assás chorada Esposa, fazendo o papel sublime de Mãe, como ela sabia fazer, dirigiu-se antes de tudo às redes onde deixara os filhos – Mocinha e menores – entregues aos cuidados da criada de confiança, incumbida de tão somente de cuidar deles. Não encontrando Mocinha no lugar, onde deixara, e informada da transferência, foi à alcova; alí viu que a idolatrada filhinha tinha a mimosa cabeça fora da rede. Sobressaltou-se; ergueu a cabeça da desditosa criança e procurou despertá-la, mas ah! Desilusão! estava morta! Que dor! Que sofrimento atroz, a que de chofre se submeteu uma Mãe extremosa, cheia de amor e de cuidados maternais! A minha pena não poderia descrever esta lúgubre cena, ainda mesmo que não estivesse eu escrevendo ao correr dela, com as cores próprias. Foi um dado imediatamente o aviso, que me atraiu à casa com a ligeireza do raio. Fazer a querida filha voltar à vida era o meu pensamento. Arrancar do médico, que sem demora chegou, esse milagre era a minha exigência; mas por fim só me restava chorar em desespêro; procurar saber do médico se se tratava por ventura de um crime e socorrer a Esposa, que quase agonizava. Muito tinha ainda a dizer a respeito; mas para que avivar esta chaga, que nunca cicatrizará, pois neste momento, vinte anos depois, as lágrimas borbulham, mandando-me parar? Os quarto, quinto, sexto e sétimo filhos foram: Irineu, aleijado dos pés, como foram seus tios maternos Manuel Epafrodito e Rosa; viveu alguns meses e morreu vitimado pelo sarampo; os outros, na mesma ordem em que vão os seus nomes, Felina, Etelvina e Maria, que faleceram de convulsões espasmódicas, com poucos meses de vida. O oitavo foi o menino que tomou o nome – Afro – e hoje se chama Afro Pimentel de Barros Leal. Nasceu no dia 24 de maio de 1871 e foi batizado em junho, sendo os padrinhos os meus tios e bons amigos, Tenente Coronel José Amaro Fernandes e sua mulher, D. Ana Clara Fernandes Pimentel. Crismou-o o Exmo. Reverendíssimo Sr. Bispo, D. Luis Antônio dos Santos, sendo padrinho o meu parente afim Dr. Firmino Barbosa Cordeiro. O nono foi a menina que tomou o nome – Rosa – que era o da sua bisavó materna, mulher do referido José Carlos Barata Sobreira. Nasceu no dia 2 de setembro de 1872, segunda-feira, às 2 horas da madrugada, e batizou-se no dia 25 do mesmo mês, quarta-feira, tendo por padrinhos o meu parente e amigo, Tenente João Machado de Souza Pimentel e sua mulher, D. Maria Tereza Barata Pimentel, tendo sido o referido vigário, Padre Saraiva, quem a batizou. Era bem constituída, mas viveu poucos meses; tinha alguma cousa de aleijada dos pés e das mãos. O décimo foi o menino que tomou o nome de José – e hoje se chama José Antônio de Barros Leal (o nome completo de meu venerando Pai). Nasceu no dia 30 de novembro de 1873, domingo, às 7 horas da noite; e foi batizado pelo atual vigário, Reverendíssimo Padre Salviano Pinto Brandão, em 14 de dezembro do mesmo ano, domingo, às 5 horas da tarde, tendo por padrinhos o meu irmão Antônio de Barros Leal e a Sra. Ana Maria Tereza de Jesús, esposa do Tenente Coronel Luís José Alves Teixeira, meus parentes. Crismado pelo dito Sr. Bispo, teve por padrinho o Tenente Coronel José Nogueira de Amorim Garcia. O décimo primeiro foi o menino que tomou o nome – Gentil – e hoje se chama Gentil Homem de Barros Leal. Nasceu no dia 5 de janeiro de 1875, terça-feira, às 4 horas da madrugada, tendo sido o parto provocado, embora de tempo, pelo terror de uma grande tempestade de chuva com fortes ventos e enormes trovões. Foi batizado pelo Reverendíssimo Vigário Salviano Pinto Brandão, no dia 17 de janeiro do mesmo ano. Crismou-se na capital, quando estudava preparatórios, em 1896, tendo por padrinho, da sua escolha, o meu bom e sincero amigo, o jurisconsulto Luís Francisco de Miranda. O décimo segundo foi o menino que tomou o nome de Amadeu, nome que escolhi nessa ocasião pelo muito que me mereceu o ato sublime do príncipe deste nome, que, tendo aceitado a coroa da Espanha, a depôs perante a Assembléia Legislativa do reino, declarando: - que, tendo jurado respeitar e fazer executar a Constituição e Leis do reino, não lhe era lícito procurar fora delas o remédio contra a revolução de D. Carlos, e nem lhe aprazia lutar pondo os espanhóis em frente de espanhóis; lição digna de ser imitada, em vez de procurarem certos indivíduos manter-se no poder, abusando do cargo, desrespeitando a constituição e leis do país e, muitas vezes, sem capacidade para fazer a felicidade do povo. Nasceu no dia 21 de fevereiro de 1876, segunda-feira, às 10 horas da noite, e batizou-se no dia 25 de março do mesmo ano, às 5 horas da tarde de sábado, pelo Reverendíssimo Vigário Salviano, tendo por padrinhos os meus parentes, Tenente Coronel Luís José Alves Teixeira e D. Ana Joaquina dos Santos, esposa do meu primo e bom amigo, Capitão Francisco Bernardes da Cunha, que já era meu compadre por ter sido padrinho de uma filha, que faleceu poucos dias depois de batizada. Faleceu repentinamente, por congestão, resultante de um banho morno dado pela ama sêca, sem as precisas cautelas, na idade de 6 meses. O décimo quarto faleceu ao nascer, tendo antes de expirar sido batizado pelo meu vizinho e amigo, Canuto José Burití, com o nome de Manuel, no ano de 1877. Foi causa deste insucesso o fato de ter a mãe, quando preparava o altar da Virgem para a última noite do exercício religioso do mês mariano, ido com o ventre de encontro ao vértice do ângulo da mesa do mesmo altar, do que resultaram ameaças de aborto, que foi evitado pelo socorro médico; mas a criança, que provavelmente viveu no ventre adventado, apresentou ao nascer uma depressão no crânio. O décimo quinto e último foi o menino que tomou o nome – João – e hoje se chama João Paulino de Barros Leal Júnior, nascido no dia 30 de novembro de 1879, na serra de Baturité, povoação da Conceição, hoje Guaramiranga, rua da estrada, na primeira casa depois que se passa pela frente do mercado público, no alinhamento deste, indo-se para o sítio – Monte-flor – do Tenente Coronel Clementino de Queiroz. Foi batizado pelo Reverendíssimo Dr. José Leorne Menescal, vigário da freguesia, no dia 8 de dezembro do mesmo ano, por ocasião da Missa Conventual, sendo padrinhos o meu parente Barão de Aquiraz, e D. Angélica Mendes Fernandes Bastos, esposa do meu parente, Dr. Francisco Paurilo Fernandes Bastos. Foi seu padrinho de crisma o meu já referido parente Tenente Coronel Luís José Alves Teixeira. Estávamos alí por causa de minha mulher ter sido atacada de beri-beri . O décimo terceiro foi apenas um embrião abortado em consequência de sustos resultantes de uma eleição agitada, em 1876, a qual ia causando a morte de minha cara esposa, por ter o dito aborto determinado uma enorme hemorragia. Dessa eleição ocupar-me-ei oportunamente; por ora apenas tenho a acrescentar que as altercações, as corridas de pessoas para a matriz, onde se processava essa farsa, o movimento de tropa às ordens do delegado, Capitão Carolino Bolivar de Araripe Sucupira, requisitada pelo 1o juiz de paz, presidente da mesa eleitoral, Capitão José dos Santos Lessa, em obediência ao seu mentor bacharel Antônio Benício Saraiva Leão Castelo Branco, foram os fatos determinantes do quase sacrifício da inocente vítima, que, achar-me no lugar dos conflitos, e sempre ocupando o lugar mais arriscado, passou algumas horas a subir e descer escadas do sótão, o qual dá para o terraço , que fica por cima do meu escritório, parecendo-lhe dali poder observar o que sucedia no interior da matriz, através das grossas paredes do templo. Foi um dos lucros que auferi da política, em que entrei desde minha adolescência (aos 16 anos); política, que tem por base eleições mentirosas, falsas ou falsificadas, impedindo o desenvolvimento do progresso do país; defeitos em que este mais se avantajou após a proclamação da República até hoje, prometendo dar cabo dela. Todos os meus filhos, à exceção dos dois primeiros e do último, nasceram na alcova da minha atual residência, a qual vem desde o ano em que a comprei ao Dr. Manuel Cardoso de Almeida, que a herdara do finado seu tio, meu padrinho de batismo, sargento-mor João Bernardo da Cunha, que por sua vez a comprara a Vicente Mendes Maciel (Antônio Conselheiro), que nos sertões da Baía (Canudos) se celebrizou. Foi na aludida casa que este passou a sua juventude, até que, vendida a casa, e mais tarde construída por seu pai a em que, como proprietário, residiu por último, o Coronel Silva Souza, hoje pertencente ao Tenente Coronel Francisco Ivo, nesta residiu, e dela mudou-se, após a morte de seu pai, para o Termo de Ipú, donde, em virtude do desgosto que teve por ter a sua mulher abandonado, seguindo com um sargento de polícia para Sobral, transportou-se para Tamboril e dali para o Crato em busca dos sertões da Baía, sendo ali, por força das suas primeiras proezas de santarrão, preso e remetido para aqui sob fundamento de ser criminoso no termo desta cidade, fato não verdadeiro e provavelmente imaginado como meio de retirá-lo do teatro das suas façanhas. Aqui, então, solto foi ter à casa do seu cunhado Lourenço, conhecido por Lourenço Pomba-sêca, na fazenda Paus-brancos deste termo, e vindo este, dias depois, a esta cidade, em caminho colocou-se atrás do seu companheiro e vibrou-lhe uma facada, da qual se livrou Lourenço, ficando levemente ferido, porque desviou o corpo ao perceber, pela sombra do braço do agente, o movimento ameaçador. O ferido deu-lhe voz de prisão; fê-lo recolher à cadeia desta cidade e queria se fizesse processo por tentativa de morte, mas eu mesmo e outros intercedemos por Maciel, que tínhamos na conta de maluco, e conseguimos que Lourenço se acomodasse, sendo aquele solto. Lourenço antes contestava a maluquice, alegava fingimento do cunhado, acrescentando que a tentativa fôra premeditada, por ser o ofensor de maus instintos, e ainda não lhe ter perdoado o fato de ter ele Lourenço raptado a irmã, com quem se casara. Maciel, solto, foi-se embora em demanda dos sertões da Baía, seguindo viagem pelo Crato; e não tardou muito que eu lesse nos jornais, novas proesas religiosas do beato amalucado. Deixei de referir, quando tratei do meu casamento, quais as testemunhas do ato, porque, tendo aparecido em 23 de junho de 1863, nesta cidade o cólera morbo, que fez adiar a realização das aspirações dos noivos do dia designado para quando cessasse o terrível mal, foram vítimas da medonha epidemia as pessoas escolhidas para o aludido mister, falecendo a mais digna da nossa profunda estima e sendo fulminadas pela dor de tamanha perda as demais, que assim ficaram impedidas de comparecer ao ato. Em vista do exposto, resolvemos (os noivos) escolher testemunhas entre os convidados, que se achavam na ocasião.
Os meios de vidaNo empenho de ter um meio de vida e de ocupar-me proveitosamente, em 1860, principiei a negociar fazendas, compradas na capital, sob a responsabilidade do meu bom Pai, para as vender ambulantemente. Conheci que não tinha vocação para o comércio a retalho, mas vi que, devido a minha força de vontade, desempenharia as obrigações contraídas, e notei que esse negócio deixava lucros satisfatórios e compensadores do trabalho. Foi em virtude disto, e porque em janeiro de 1862 sofrí um incômodo de saúde que me desgostou profundamente do celibato, que apenas curado, resolvi realizar o meu casamento, imaginado havia seis anos; e nesse intuito dirigi-me à fazenda Quinim; entendi-me, como pude, com a minha escolhida e com ela acertei a acordei na realização do nosso ideal para o dia 24 de junho; do que imediata ciência ao pai dela e aos meus, tendo a satisfação de ver a nossa intenção aprovada por todos. Casei-me, ou casamo-nos, no já citado dia, hora e lugar, seguindo na tarde do outro dia para a fazenda Bom Jesus, casa de meus pais, onde nos demoramos alguns dias ocupado em sair diariamente, pela manhã e voltar à tarde, no serviço de cobranças pela vizinhança. Feito esse serviço, partimos para esta cidade, a residir na casa que eu havia alugado, mal mobiliada, mas bem prevenida de víveres e utensílios precisos à vida. Era essa casa a que foi edificada por Norberto Barbosa Lima, que a vendeu a José Eloi da Silva, cujos herdeiros, na seca de 1877 – 1879, a passaram a Teófilo dos Santos Lessa pela diminuta quantia de 180$000! Fica na antiga praça do Cotovelo, hoje Visconde do Rio Branco; tem a frente para o nascente e está ligada a outra mais alta, que faz esquina. Ali passamos a nossa venturosa lua de mel. Em dias de outubro parti para a capital, munida de carta de meu Pai, que me abonava, e dali trouxe negócio, sob a minha responsabilidade, com o qual estabeleci com loja, na mesma casa da residência. Feita segunda compra por esse meio e, posteriormente, os pagamentos em dia, ou antecipadamente, fiquei acreditado, passando daí em diante a negociar sem intervenção de terceiro. Para melhor sair-me dos compromissos tomados no comércio, que adotei, como meio de vida, na falta de outro; no empenho de ganhar e de guardar o mais possível para com as minhas economias livrar-me de ser forçado a destruir os poucos bens do casal, esforcei-me ativando os meus negócios e confeccionei um orçamento, a que escrupulosamente obedeci, ajudado pela digna consorte, que recusava aceitar qualquer objeto para seu uso, se para a obtenção do mesmo fosse preciso sair do orçamento, que tinha a soma total de um conto de réis. Nesse tempo tudo era barato. O negócio de mercadorias (fazendas e miudezas) a retalho se fazia vantajosamente, vendendo-se a prazo com 40 a 50%, e não se perdendo senão uma ou outra dívida. Se nesse tempo o meu crédito fosse largo e sobretudo se eu não julgasse prudente ser moderado nas compras, por falta de capital com que pudesse suprir qualquer falta de pagamentos a tempo, teria enriquecido. Além desse meio de vida, de nada mais esperava eu lucros, pois a criação que possuíamos era pouca; no entanto pude pouco depois, em maio de 1864, comprar a casa em que resido e, sem muita demora, consertá-la e limpá-la, fazendo mais tarde, quando já dispunha de outros meios, as grandes reformas e acrescentamentos que existem. Os meios de vida, que resulta da advocacia, atualmente, ou antes, de alguns anos a esta parte, o maior e mais rendoso, só depois de muitos anos de casado começou a dar-me bons rendimentos. Nos primeiros anos limitava-me a fazer requerimentos avulsos para quem nos pedia, sem levar ônus a quem os solicitava. Depois, um dia, entrou em minha casa o Dr. Silva Sousa, que exercera aqui a profissão de advogado, como rábula, e que então exercia o cargo de coletor das rendas provinciais, e disse-me: tendo sido assassinado o Zumba (José Correia Vieira), a viúva encarregou-me de, como seu procurador e advogado, assistir ao processo, o que aceitei; mas ocorre que o meu correligionário Dr. João Pinto está a dizer, por se achar despeitado, que denunciará o fato de advogar o coletor; em virtude do que vim falar ao senhor para aceitar a procuração, em subestabelecimento, mediante o honorário de 100$000. Respondi que não tinha suficiência para o desempenho do encargo; ao que retorquiu-me que tinha bastante conhecimento do meu valor intelectual e atividade para ficar satisfeito com a minha substituição, sentindo que não pudesse recompensar-me melhor. Então disse-lhe eu: Não faço questão da quantia que oferece por não saber se a ganharei dignamente, pois só aceito a incumbência como experiência, à maneira do pássaro novo que ensaia o vôo. O caso era este: - Zumba, fazendeiro, dirigira-se de sua casa, na fazenda, a esta cidade, e, porque aquela era um tanto afastada desta, pernoitara, a meio do caminho, em outra fazenda. À noite, quando dormia no alpendre da casa, alguém, que não foi pressentido, descarregou-lhe forte pancada na cabeça com um pedaço de pau grosso, propositalmente para esse desgraçado fim. Ao amanhecer do dia viram os da fazenda que Zumba estava morto, havendo, junto ao cadáver a arma homicida. Foi aviso à mulher e transportaram o corpo do assassinado para esta cidade. A mulher persuadiu-se de que havia sido o assassino do seu marido um dos seus escravos, isto é, um que o senhor, poucos dias antes, repreendera fortemente e que no dia da partida do mesmo seu marido se ausentara, dizendo ir campear (era vaqueiro), e não voltara até à hora do agasalho, à noite, só sendo visto na manhã do dia seguinte, embora dito escravo explicasse a causa da demora, no campo. Quando tomei o patrocínio da causa, já estava preso o escravo e já fora interrogado pela policia e pelo procurador da viúva, o Sr. Silva Sousa. A história do indiciado era: - que não tinha motivo para praticar tão bárbaro ato; que se no dia da partida esteve ausente, só chegando à casa alta noite, tudo isto sucedeu muito naturalmente para a sua profissão de vaqueiro; que fora campear; que na alagoa tal encontrou uma vaca da fazenda com uma barbada; e que cumprindo-lhe pegar essas rezes, o tinha diligenciado, fazendo-se-lhe preciso correr atrás da barbada até convencer-se de que não a podia pegar por ter feito noite, em lugar muito distante da fazenda, a que só pode chegar alta noite. Promovi novo auto de perguntas, sendo o resultado o mesmo. Então imaginei um caminho a seguir; e, como tivesse plano a executar, esforcei-me para que se fizesse novo auto de perguntas. Atendido, tive de assistir à continuação, ou antes, à repetição da comédia ou força do suposto criminoso. Tratei de por em execução o meu plano. Perguntei ao interrogado que rumo tinha tomado a barbada ao partir da alagoa; por que lugares conhecidos dos vaqueiros tinham passado ela e ele, nessa carreira; onde a tinha deixado abandonada e livre por se ter feito noite; por que lugares havia ele passado na volta para casa. Respondeu o interrogado satisfatoriamente, indicando todos os serrotes, todas as lagoas, todas as veredas que tinha percorrido, costeado, atravessado ou seguido até o ponto onde a barbada ficou, e o caminho que fez para casa, de volta. Pedi então ao delegado que providenciasse para manhã seguinte dirigirmo-nos com o preso à lagoa, ponto de partida da barbada, na sua carreira, a fim de que este nos mostrasse o lugar onde ela se achava e donde começou a correr, seguindo dali por diante os vestígios produzidos pela carreira da rez e do cavalo do vaqueiro, quer quando seguia aquela, quer quando voltava. Fui atendido, como era natural, pois aquela autoridade estava igualmente empenhada no descobrimento da verdade. Na manhã seguinte, à hora acordada, apresentamo-nos na frente da cadeia pública eu, o delegado, um oficial de justiça e a escolta, que devia conduzir com segurança o indiciado criminoso; e, sendo este entregue pelo carcereiro, convenientemente algemado, partimos. No meio do leito do rio, que banha esta cidade, parou o preso, recusando-se a caminhar e pedindo para falar à autoridade, a qual, acedendo, ouviu dele que não devíamos continuar a viagem, porque, sendo-lhe impossível mostrar os vestígios por ele indicados, estava disposto a confessar a verdade. Feito ainda novo auto de perguntas, tudo confessou, pelo que o juri teve de condená-lo a pena, que devia ser de morte, se houvesse outra prova além da sua confissão, mas que, pela disposição salutar da Lei, foi a de galés perpétuas, em cuja satisfação faleceu na cadeia, tempos depois. Meses depois, confiante talvez neste sucesso, que me trouxe um pouco de crédito, um cidadão da vila de Boa Viagem, acionado por um outro, procurou-me para ser seu advogado, alegando, quando lhe disse que não era advogado, o fato de não haver aqui outro, pelo menos que lhe inspirasse a confiança que depositava em mim. Pedi-lhe prazo para resolver e procurei o bacharel Antônio Benício Saraiva Leão Castelo Branco para saber se, dando-lhe eu metade do meu honorário, que era de 200$000, podia ele ajudar-me, dando-me instruções de que eu precisava, não só por não ser advogado, não ter livros além do formulário crime – cível do Dr. Cordeiro, mas também por se tratar de ação cível, cujo patrocínio é incontestavelmente muito mais difícil do que o da ação crime. Conseguindo a promessa do Dr. Benício, aceitei a causa e portanto a procuração para contestar a ação, que era movida pelo advogado, Dr. Firmino Barbosa Cordeiro. Benício estava então intrigado com Firmino e foi isto motivo porque aquilo me constrangeu a fazer nos autos uma cota, em vez de contestar, alegando ser inepto o libelo e dirigindo algumas frases ofensivas a Firmino. Senti-me mal colocado, contrariado e aborrecido, e até arrependido de ter aceitado a causa. O juiz não prestou atenção à cota, que recebeu, como contestação; pelo que fiquei privado de produzir testemunhas, e perdi a questão, protestando nessa ocasião que nunca manteria ajudante outro que não fossem os livros, que dalí em diante ia comprando sempre que podis dispor do dinheiro preciso, salvo consulta a advogado hábil, prático e honesto. Continuava eu a negociar e começava a advogar, indo pouco a pouco adquirindo crédito como advogado. Concorria para isto o fato de ser muito dedicado a qualquer causa que abraço, entregando-me a ela de corpo e alma. Além disto, o meu inato espírito de justiça e a idéia que eu tinha de que a confiança do público só podia nascer dos resultados obtidos fizeram-me compreender que não devia aceitar causa alguma, em que não houvesse razão e direito da parte da pessoa que me solicitava para ser seu advogado. E assim só mui raramente deixava de triunfar. Os tempos corriam; a leitura que eu fazia dos livros que ia comprando, a prática que ia adquirindo, e a diligência, pouco comum, por mim empregada no empenho de colher lucros, dando satisfação aos meu constituíntes, grangeavam-me a confiança do público. Melhor, porém, do que tudo isto, deu-me ganho de causa o fato que tudo isto, o fato que passo a expor. Estava eu na política, trabalhando com um esforço próprio do meu caráter e temperamento, do que, em outro lugar, me ocuparei, quando por essa razão me sobreveio uma questão, cujo desenlace, ao invés do que pretendiam os meus adversários, semi-inimigos, elevou-me a uma altura, que nem mesmo eu podia prever. Era eu conservador, miúdo, e governava o partido liberal aqui, acostado ao graúdo, fração conservadora dominante. O juiz de direito da Comarca, bacharel Pedro Autran, que fora meu amigo durante sete anos, separou-se de mim e caiu nos braços dos liberais, em consequência de não me ter prestado a satisfazer às suas solicitações no sentido de coadjuvá-lo na perseguição, que premeditava, contra o cidadão José Nogueira de Amorim Garcia, até havia pouco amigo comum. Prometia Autran, se eu acatasse à sua pretensão, não despachar sequer sem o meu visto e placet; e ameaçava, no caso contrário, pasar-se para os liberais! Ponderava-lhe eu que não era lícito ir contra um amigo, embora por causa de outro amigo, devendo ser o meu papel o de conciliador na desavença que surgiu; bem como que não era a ele mudar de política por outro motivo a ela estranho, e pior indo viver com quem o arrastado pela rua da amargura. Perdida a esperança de Autran quanto à minha adesão à sua causa, que além de má era torpe (dela falarei em outra parte), e aproveitando-se no Rio de Janeiro, realizou a sua ameaça.
Terminados os trabalhos da Assembléia, achando-me aqui, fui chamado pelo juiz municipal Bacharel Antônio Rodrigues da Silva Sousa Filho, filho do chefe liberal, para prestar as contas da minha administração relativa ao patrimônio de Nossa Senhora da Conceição, do que eu era terceiro administrador. Até aí nada havia a reparar, porque a lei manda tomar essas contas de 2 em 2 anos, e já havia decorrido este espaço de tempo após a anterior prestação de contas. Apresentadas as prestações de contas, o juiz nomeou Promotor de Capela, conforme a Lei, ao cidadão Antônio Augusto de Oliveira Castro, seu correligionário, muito próprio para empreitadas. O patrimônio que eu administrava consistia em dinheiro, na importância de cerca de dois contos de réis; e era destinado, segundo as ordens dos juizes, a ser dado a prêmio de 12% ao ano a pessoas chãs e abonadas, sob a responsabilidade do administrador, quanto à escolha dos tomadores; pois se não fosse escrupuloso nela, pagaria pelo devedor, se este não pagasse. A outro fim ainda era destinado o patrimônio – à festa da Virgem, correndo as despesas por conta do prêmio, pelo que, se este fosse pouco, em vez da festa completa, honrar-se-ia a Senhora com véspera e dia. As contas que apresentei, estavam formuladas assim: ___$___ Saldo, constante das contas anteriores. ___$___ Prêmio de 12% ao ano, ou 1% ao mês a partir do dia em que findaram as contas anteriores até 31 de dezembro do mesmo ano. ___$___ Prêmio de 1% ao mês sobre esta quantia até 31 de dezembro do ano seguinte. ___$___ Prêmio idem sobre esta quantia a partir de 1° de janeiro até o dia..(o dia em que apresentei as contas). ___$___ despesas com a festa de tal ano como se vê dos docs. sob n°s _ _ _ _ . Idem com a festa de tal ano, como se vê dos docs. sob os n°s _ _ _ _ . Saldo a favor do patrimônio ___$___. Deve compreender-se que não usei aqui da mesmas palavras ali empregadas, mas do sistema e do modo por que escrevi as contas. Como se vê, apresentei contas desarrazoadas; mas porque davam um lucro superior ao natural, visto que não era natural que, só podendo eu dar a prêmio o dinheiro a pessoas chãs e abonadas, aquele capital deixasse de ficar sem tomador algum tempo. A razão ou causa de tamanho rendimento resultava do fato de, sendo eu devoto da Virgem, querer fazer-lhe a festa anualmente sem prejuízo do capital; pelo quê, quando não tinha outro tomador, era eu quem o tomava a prêmio, a fim que o rendimento chegasse para uma festa decente. Pois bem, apesar disto, o Promotor de Capelas, indo-lhes os autos com vista para dar o seu parecer, obedecendo às ordens dos seus chefes políticos, no desempenho do pleno adrede concertado, opinou que as contas não estavam boas, visto que era possível que o patrimônio rendesse mais do que rendeu, a quantia de quinhentos mil réis! À parte a circunstância de já ser extraordinário o rendimento, que só se explicava como acima expliquei, é para causar nojo o aludido parecer, ou antes o seu autor, atendendo-o que quem recebe dinheiro alheio para dar a prêmio só tem obrigação de prestar contas do prêmio que conseguiu obter, não se lhe podendo estranhar ter estado o dinheiro sem tomador algum tempo, máxime se a ordem era de só dá-lo a pessoas chãs e abonadas. Conclusos os autos ao Juiz – Autran – este lavrou a sua sentença, que é digna de um comentário, ainda que ligeiro, para não tomar espaço à matéria mais própria deste escrito. Julgou as contas boas, mas reconheceu a diferença no patrimônio, da importância de 500$000; e mandou que o Juiz preparador – bacharel Silva Souza Filho – me demitisse por ser um tutor de órfãos e a Li não permitir aos tutores a administração de outros bens, que igualmente precisam de garantias por hipoteca legal. O Juiz preparador, pondo o – Cumpra-se – nessa estrambótica sentença, demitiu-me, dizendo ter verificado o fato de estarem os meus bens sujeitos à conservação de herança de órfãos meus tutelados! Prescrutemos, como ligeiro comentário, o motivo que levou o Juiz Autran a julgar boas as contas apesar de reconhecê-las más uma vez que apresentavam contra o patrimônio uma diferença de 500$000. Fazia parte do plano, concertado contra mim, o não me ser permitido apelar da sentença para o Tribunal de Relação, e assim ser ela executada, por fas ou por nefas. A Lei, estabelecendo as alçadas, diz que os Juizes de Direito julgando causas de valor até quinhentos mil réis, são soberanos; isto é, que das sentenças desses juizes em causas desse valor, não há recurso; portanto aquele julgamento de ao mesmo tempo boas e ao mesmo tempo más, tinha por fim não me ser concedido apelar, como mais tarde o declarou, alegando que a sua sentença era só contra mim na parte referente aos 500$000. Como preparativo fizera ele mais. Julgara uma ação do termo de Boa Viagem, e concorrera para que seu escrivão só intimasse a sentença na véspera das férias; e, quando a pessoa prejudicada tratou de apelar, ele o não permitiu, ora porque estava em férias, ora porque havia passado o decêndio concedido para esse recurso! Essa pessoa, porém, foi vitima, não da má vontade a si, mas das consequências do jogo do juiz por carambola. Procurou ele apenas a criar um precedente, embora incapaz de efeitos contra mim. E tanto assim era que, conclusos os autos muito antes das férias, a sentença foi demorada, como demorada foi a entrega dos autos ao Escrivão, e por este a intimação dela, de modo que só na véspera das férias fui intimado; justamente a uma hora da tarde do dia anterior ao em que começavam as férias. Pela extravagância da sentença e pelas circunstâncias que a revestiram, em sua intimação, desvendado ficou aos meus olhos todo o plano concertado no recesso do gabinete político do partido liberal da minha terra. Imediatamente concebi um plano, e resolvi por em execução toda a minha energia ab initio. Fiz bilhetes chamando à minha casa, com urgência, todos os meus amigos, residentes na cidade (refiro-me aos amigos políticos da melhor roda social) e, enquanto os esperava, preparei a petição de apelação. Compareceram todos: - Dr. Cornélio José Fernandes, José Nogueira do Amorim Garcia, José Bernardes de Oliveira Cunha, Teófilo dos Santos Lessa, Cândido Moreira de Oliveira e outros. Dirigimo-nos à casa do Juiz, e logo soubemos que este, apenas o escrivão veio intimar-me a sua imunda sentença, saiu da casa de sua residência e entrou no sobradinho, residência do juiz preparador. Tinha por fim esconder-se para não ser encontrado neste dia, a fim de que no seguinte não despachasse sob o fundamento de não o poder em tempo de férias, e muito menos depois destas, por ter passado o prazo, Compreendi-o. Dirigi-me com os meus amigos para o tal sobradinho, subimos, e, ao chegar na sala, obtida a permissão do dono, achamo-nos em frente deste e de ouros cavalheiros, e na ausência do Juiz Autran. Falei, dizendo ao Juiz preparador, dono da casa: - que ia apresentar àquele Juiz, em sua casa dele, uma petição; mas, tendo-o visto entrar ali, procurava-o para o fim aludido. Menti, pois não ví, como disse, mas ouvi dizer, como atrás fica declarado. Era-me porém preciso mentir, a fim de que não se me dissesse que o animal procurado não havia estado ali; e sem dúvida foi com esse fim que ele se ocultara. O Juiz preparador declarou que ia informar ao Juiz Autran de que acabava de ouvir, e entrou, corredor a fora, em busca da cozinha ou sala de detrás, onde se achava o seu colega, isolado como um criminoso, como Cain depois de ter assassinado Abel. Voltou dizendo que aquele Juiz declarara – não despachar petições na rua. Retorqui ao Juiz preparador: - O colega de Vs. criou precedente de não despachar petição de apelação nas férias, nem depois, por ter expirado o prazo para o recurso; e eu quero evitar os incômodos de interpor o recurso de agravo e quiçá de pedir carta testemunhavel, pois amanhã entram as férias; portanto me permitirá, apesar de não termos relações de amizade, que permaneçam em sua sala até que o Senhor Dr. Autran se resolva a ir para sua casa, quando o acompanharei. Respondeu-me, como era de esperar, com delicadeza e bondade, concedendo-me o dono da casa permissão impetrada para em que lhe pesasse. Pelas 4 horas, convidou-me o dono da casa para o jantar; agradeci como agradeceram os meus companheiros. Às 5 horas, o animal enfurnado resolveu sair de sua furna e, marchando pelo corredor, ao enfrentar a escada, desceu, sem despedir-se dos seus amigos, que já estavam na sala. Despedimo-nos e seguimos à distância o juiz caricato. Ao chegar até sua casa, embora visse que era seguido pelos que o procuravam, entrando, apertou o ferrolho da meia porta de entrada, deixando aberta a outra meia porta, parte superior, pois então a porta era partida horizontalmente. Aproximei-me e pedi licença para entrar. Veio o juiz à porta; abriu-a e mandou que entrássemos. Apresentando-lhe a petição, recebeu-a e assentou-se para lê-la. Finda a leitura, disse:
- Não despacho, porque não é lícito que o juiz despache sob pressão. Solto o Promotor do Capelas, pediu-me este uma conferência na calçada, à parte dos demais circunstantes; concedi-a.
- É para pedir-lhe que se retire com os seus amigos, deixando-me a petição, que me comprometo a entregar-lhe despachada favoravelmente. Cumpriu, apresentando-me a petição despachada, dizendo o juiz no despacho que o Escrivão tomou por termo a apelação, apesar de não caber o recurso, visto que só me era desagradável a sentença na parte em que me condenava a entrar com mais 500$000, quantia que cabia na sua alçada; queria mostrar a sua imparcialidade e isenção de espírito. Já disse e repito: não uso das mesmas palavras contidas nos despachos, pois não os tenho à mão. Digo o sentido do que o juiz falou nos autos, ou na petição. Seguiram os autos para a Relação com procuração minha, constituindo advogado ali o meu amigo Dr. Manuel Ambrósio da Silveira Torres Portugal, que me prometeu arrazoar. Preparados os autos foram estes com vista ao meu advogado, que, recebendo-os, os guardou. Decorrendo 6 meses, lapso de tempo designado na Lei, para que a apelação de sentença que julgou contas de capelas perca a vantagem que resulta de recebimento em ambos os efeitos, ficou a sentenca exequível; e logo os meus adversários-inimigos trataram de dar-lhe execução. O juiz porém tinha recebido a apelação em um só efeito, despacho que ficou suspenso, porque dele agravei para a Relação. Estava eu de partida para a Capital, com o fim de verificar o andamento da apelação, quando na véspera da partida sou intimado pelo célebre escrivão Júlio para pagar em 24 horas o saldo do patrimônio, inclusive os 500$000. Eram 3 horas da tarde. Pela manhã parti, como estava resolvido. O mandado não continha a cláusula de, findas as 24 horas, proceder-se a penhora; mas o dito escrivão, que se chama Julio Pinto de Mendonça Caminha, useiro e vezeiro em falsificações, como o tenho acusado em presença de muitas testemunhas na própria cara e em autos (sem que até hoje ele me chamasse à responsabilidade), de acordo com o seu juiz e outros interessados, fez substituir a petição por outra, contendo aquela cláusula, e certificou que de tudo me tinha intimado. Parece que já havia este plano, não só porque as petições de execução costumam trazer a cláusula de penhora, findas as 24 horas, mas também em vista do fato de só ter recusado o escrivão a dar-me contra-fé da citação (cópia do mandado), no que teria muito gosto, se não houvesse segunda intenção, uma vez que é ganancioso e a contra-fé lhe aumentava o ganho. A razão de ser desta estratagema era fazer-se a penhora na minha ausência; dar-se-me como intimado dela para que, terminado o prazo de qualquer recurso, chegando eu, não pudesse recorrer. Chegando à capital, fui à casa do meu advogado; verifiquei permanecerem os autos ainda guardados na gaveta, como costumam fazer ali os advogados, contando com a condescendência.
1o Tabelião Alfredo Rodrigues Machado, Escrivão de Registro Civil Samuel Zózimo Fernandes e o Delegado de Polícia Antonio Honorato. Sentados: Coletor Federal e Estadual Rafael Pordeus Costa Lima, Promotor de Justiça Coronel João Paulino de Barros Leal, Juiz Municipal Eusébio Nery Alves de Souza e o Juiz de Direito da Comarca Artur de Miranda Castro
O Capitão Silva e Souza, seu chefe político, não se dispunha a coadjuvá-lo, arriscando o seu dinheiro, na experimentação de qualquer empresa de negócio. Dando-se o caso de acordar-se na representação daquela força, com o intuito de ferir-me, lembrou-se o chefe de fazer recair a nomeação do meu substituto na pessoa do referido capitão, que assim poderia entrar em especulações, sem possibilidade de prejuizo, senão para o patrimônio, e para o próprio Antero que, no caso de fracasso, ficaria devendo embora não tivesse com que pagar. Antero, agradecendo a nomeação, ignorava o plano, as manobras que não lhe eram expostas, porque sabiam que seriam motivos para escrúpulos. Quando dele exigiram que fizesse nova petição para ter lugar a falsificação, executada pelo Escrivão Júlio Pinto, (é minha convicção) iludiram-no aparentando uma causa qualquer, aproveitando-se os falsificadores da circunstância de não poder aquele cidadão dar pela alteração imaginada, uma vez que, homem do mato, não conhecia as práticas do processo. É esta minha opinião a respeito, fundada no alto conceito de que hoje, mais do que naquele tempo, faço de tão honrado cavalheiro, o qual deveria vir, como veio mais tarde, para esta cidade, a exercer o cargo de Escrivão de Órfãos; visto que, no desempenho desse emprego, tão apropriado à rapinagem, quando funcionário é pouco escrupuloso, tem ele, como em tudo, se manifestado probo e honrado, apesar de nimiamente pobre. Terminada a digressão, a que fui arrastado pelo empenho de fazer justiça ao meu adversário, continuo a tratar do assunto. Embarguei de nulidade a execução, alegando os defeitos, que se encontravam nos autos, consequência do afogadilho com que tudo se fez. De fato, exigindo a Lei, como é natural, que os bens penhorados sejam descritos com clareza e de modo a cada um saber de que objeto se trata, os meus prédios foram inscritos no auto de penhora de modo que, arrematados, não se saberia o que foi arrematado. A minha casa de residência, tendo como apenas um vão, edificado muito depois da construção dela, tendo além disso esse vão frente de forma diversa daquela casa, esta circunstância não foi mencionada. A minha fazenda Bom Jesus, tendo diversas casas, diversos cercados e um bom açude de pedra e cal, foi inscrita com três casas somente, sem um só cercado, sem açude e sem declaração da quantidade de terra, que, sendo muita, podia passar por pouca, não animando os licitantes a oferecer maior quantia. A do Jatobá, tendo também muitas casas, muitos cercados e mais de um açude, foi inscrita como só tendo uma casa, um cercado e um açude, etc. Um Juiz, digno desse honroso título, lendo tais embargos, só tinha um procedimento a seguir: abrir a discussão, permitindo a prova deles; e, dada esta, afirmativamente, julgar improcedente a penhora; mas o Juiz, Silva e Souza Filho, macomunado com seu colega Autran, despachou mandando os autos subirem a este (o de direito); o que indicava que os embargos não deviam ser recebidos, e portanto estavam no caso de terem sentença definitiva. E assim se sucedeu. Intimado da sentença, apelei para a Relação do Distrito (Ceará); mas o Juiz Autran indeferiu minha petição, dizendo não caber esse recurso, e sem o de agravo. Agravei este ultimo despacho, convencido de que o recurso era o de apelação, e fiz seguir para a Relação o instrumento de agravo. Começou então a desabar o nojento edifício, arquitetado sem alicerce por obreiros infames. Eis a cópia fiel, verbo ad verbum do Acórdão do Venerando Tribunal: “Acórdão em Relação que, sorteados os Juizes adjuntos, relatados os autos, dão provimentos ao agravo para mandarem que o Juiz a que, reformando o despacho agravado, conceda e mande tomar por termo a apelação interposta pelos agravantes João Paulino de Barros Leal e sua mulher, visto ser caso dela; porquanto só em causa comercial é que, na hipótese dos autos, caberia, em vez de apelação, o recurso de agravo, à vista do disposto no artigo 669 § 11 última parte do Reg. n° 437 de 25 de novmbro de 1850, e pague o agravado as custas. Advertem ao Juiz que a que de que cumpre-lhe estudar melhor e com mais atenção, as questões sujeitas a sua decisão; assim como influenciar-se menos nas paixões e intrigas locais, para não estar atropelando o direito das partes, causando-lhes incômodo e despesas, como acontece no caso vertente, segundo se verifica dos autos. Fortaleza, 9 de maio de 1884. J. T. Ferreira Gomes, presidente. – Farias Lemos – Firm. Vieira – Oliveira Lima”. A esse tempo, já havia a Relação decidido o agravo que eu interpusera da decisão, que recebera em um só efeito a apelação de sentença, que julgava as contas; agravo, cujos autos, como os da apelação a que se referia (a que julgou as contas), estiveram parados por descuidos do meu amigo Dr. Portugal, - que foi assim decidido: “Acordam em Relação. Relatados os autos, após o sorteio dos Juízes adjuntos, dão provimentos ao agravo interposto do despacho agravado, em mandar, como mandam, que o Juiz a que receba a apelação em ambos efeitos; não só por ser manifestamente inaplicavel a espécie dos autos a ord., tit. 62, § 25, que diz respeito a matéria testamentarial como porque a decisão a decisão agravada não tem apoio na opinião do praxista Mendes, - Juizos Divisórios – citado na minuta, cuja doutrina é contraproducente, como se vê da nota 5a ao § 8o do Cap. – 10, pagas as custas pelo cofre da padroeira. Fortaleza, 4 de março de 1884. J. T. Ferreira Gomes, presidente. – Firm. Vieira. – Freitas Guimarães. – Hipólito Pamplona. Apesar deste acórdão, que deveria servir de sobreaviso, pois como que anunciava o desabamento do mal construído edifício da projetada perseguição, e por isso deter o nojento magistrado na carreira vertiginosa do crime de prevaricação, ele, Juíz, após o lançamento dos despachos nos autos: - “Cumpre-se o respeitavel acórdão de de fls. 4 e apenso-se estes nos autos da execução. Quixeramobim, 24 de março de 1884. Albuquerque Autran.” – não teve dúvida, movido pelo despeito, em, julgando os meus embargos à execução, proferir a sentença seguinte: - “Os embargos de fls. à sentença exequenda e respectiva penhora os não recebe em vista da sua improcedência e irrelevância; acrescendo que, estando a sentença, contra cuja força se oferecem os embargos de nulidade, dependente de decisão do Tribunal Superior, para onde subiu por apelação, o recebimento dos referidos embargos daria lugar a decisões, dividindo assim a continencia da causa; portanto desprezando os embargos, condeno os embargantes nas custas; suspenda-se porém o curso da execução, uma vez que o Tribunal da Relação deu provimento ao agravo interposto da decisão deste Juízo, recebendo em um só efeito a apelação da sentença exequenda; baixem os autos ao Juiz de execuções para os devidos efeitos. Quixeramobim, 28 de março de 1884. Albuquerque Autran.” Foi desta sentença que o indigno Juiz pretendeu impedir-me de apelar, do que agravei, provocando o Acórdão em 1o lugar transcrito, verdadeiro cáustico do fogo, aplicado à chaga que tornava imunda a alma do Juiz, que de pai dos seus jurisdicionados se transformara em lobo. Coincidência notável. No mesmo dia em que (28 de março) o Juiz Autran proferia para o seu descrito, a sentença que fica transcrita, não recebendo e desprezando os meus embargos à porca, violenta, insultante e ilegal penhora, o Venerando Tribunal da Relação, relatados os autos em mesa, tomam conhecimento da apelação, interposta da sentença da folha 19 para lhe darem provimento, reformado integralmente a sentença apelada, atendendo a que o apelante aprovou concludentemente ser de todo ponto imaginário o alcance, a que fora condenado nas contas que prestou da administração do patrimônio da Padroeira da paróquia de Quixeramobim, sendo porém para estranhar o arbítrio do Juiz a que, perdoando ao ex-administrador João Batista da Costa Coelho o prêmio de seis por cento ao ano dos cem mil réis (1) que em 14 de agosto de 1867 recebeu de esmola do Coronel Torres Câmara; mas atendendo que o rendimento do dito patrimônio consiste no prêmio do Capital confiado aos administradores, para dá-las a juro, desde que o mesmo ex-administrador recebeu a conserva em seu poder a referida quantia, não se deve presumir que queria eximir-se ao pagamento do juro legal , e uma vez que a taxa do juro, posteriormente autorizada pelo Juiz provedor é de um por cento ao mês, a ela sujeitar-se-á, se porventura, lhe convier reter a supra citada quantia. Atendendo mais ser capcioso o motivo que determinou a destituição do apelante da administração do aludido patrimônio, tanto mais quanto a nomeação recaiu num cidadão, legitimamente impedido, visto ser suplente de Juiz Municipal, mandam que “o mesmo apelante seja reintegrado, pagas as custas pelo cofre do patrimônio. Fortaleza, 28 de março de 1884. J. T. Ferreira Gomes, presidente. – Firm. Vieira. – Farias Lemos. – Freitas Guimarães. Votei pela reforma da sentença apelada na parte tão somente em que condenou o apelante ao pagamento de juros, dinheiros retidos em seu poder por não acharem tomadors. Fiz presente. Souza Mendes.” Posteriormente a esta decisão, que fulminou os Juizes Autran e Silva Souza Filho, desorientou o chefe político Silva Souza, encheu de terror o depositário A. Magno causou espanto ao Capitão Antero, que então se dizia convencido de ser eu invencível, pois foi testemunha de ver a minha sentença de morte decretada em conciliábulos formado pelo advogado velho Silva Souza e doutores Autran, Silva Souza Filho Antonio Benício Saraiva Leão Castelo Branco e José Bonifácio da Silva Camara, chamado expressamente para vir de Maranguape, onde reside, a ajudar com os seus conselhos; e fez pendurar a crista aos meus adversários políticos, exceto ao promotor de capelas, Antonio de Castro, que então como costuma nesses casos, davam formidáveis gargalhadas, aplaudindo o meu triunfo, - o Egregio Tribunal da Relação decidiu a apelação da sentença que desprezou os embargos à execução: Acordão em que que foi ainda mais ásperos com os juízes de arranjos imorais, do que o que fora naquele Acordão, transcrito em 1º lugar, concluindo por mandar processar o Juiz Autran. Este, ao saber da última decisão do Colendo Tribunal, que então contava em seu seio Magistrados da estatura moral dos conspícuos sacerdotes do templo de Themis – João de Carvalho Fernandes Vieira e Francisco Farias Lemos, e da independência de caráter de Hipólito Cassiano Pamplona – segundo constou, derramou lágrimas lamentando a triste derrota, e a minha deslumbrante vitória, em uma época em que me achava no ostracismo, e eles no apogeu do poder. Concorri para que o tal Juiz Autran não fosse processado, deixando de reclamar contra o fato de por-se uma pedra em cima da ordem do Tribunal; resolvi perdoar ao depositário, atendendo a que era casado, pobre e com filhos, quando podia reduzí-lo à miséria; visto que, ao levantar-se a penhora, verificou-se só dar ele conta das vacas de leite que foram tiradas do meu curral da cidade, exceto uma que disse ter soltado, porque estava faltando; bem como o fato de ter ele deixado de fazer plantar os roçados para esse fim preparados, sendo que quanto aos bichos lhe era impossível apresentá-los, não só porque no tolo auto de penhora não se davam os sinais característicos desses bens, mas também porque a maior parte deles nunca esteve em seu poder, embora, por ignorância, tivesse assinado o auto, que, segundo a regra, rezava terem-lhe sido entregues. E deixei de propor ação, aliás imaginada e resolvida contra o Dr. Silva Souza Filho, Juiz de Capelas, para haver dele os danos causados, sobre o que já havia me munido de alguns documentos, atendendo à circunstância de ter ele falecido, e à repugnância que me fazia de acionar a viúva. Enfim, dei-me por satisfatoriamente compensado com o esplendor do triunfo. Este fato, que fica narrado, conforme ocorreu, desde o seu começo e quase sem comentários, mas do que outro que por brevidade omito, ocorreu para uma confiança talvez ilimitada, que em mim desde então começou o povo a depositar; e para um certo pavor que apresentam os meus maus adversários, quando se lembram de perseguir-me; no entanto outros se deram, para experimentação, e agora mesmo está se dando um, sempre sem proveito para eles e com garbo para mim. Deixei de transcrever o último Acordão, porque não encontrei na minha gaveta, com as outras, a certidão respectiva. Se ainda a encontrar, transcrevê-lo-ei ao menos como apenso; no entanto se quiseem conhecê-lo, na falta da transcrição, encontrá-lo-ão nos autos da famosa ação executiva.
Devido a isto, em grande parte, e aos esforços que acostumo empregar no exercício desta minha profissão, esforços que todos reconhecem e que alguns reputam exagerados, é sem dúvida que se tem dado o fato de, no longo decurso de cerca de 30 anos de vida empregada em prol dos que sofrem, não ter perdido senão uma ou outra ação; e isso mesmo porque, como todos sabem, a justiça pública nem sempre cumpre o seu dever. O crédito que me resulta desses aludidos triunfos, dos obtidos na tribuna do Júri e do modo por que me dedico as causas que defendo, habilitou-me a cobrar pelo meu trabalho, dos que podem pagar, honorários compensadores, tendo-se em vista a pobreza dos sertões e a pequenez dos objetos sobre que versam as questões de terra; e a ser, quase sempre preferido aos advogados formados (bachareis). Como sabem os meus filhos, não sou bacharel, nem formado em ciência alguma. Todos os meus estudos são de gabinete. Tenho no entanto o título de advogado perpetuo em todo o Estado do Ceará, inclusive na Capital, onde advogo perante a Relação. Resulta este privilégio de uma lei de Estado, após a sua autonomia, assim dispondo em meu favor e de outros, em pequeno número. Tenho, pois, ganho muito dinheiro com a profissão de advogado, permitindo-me, embora com sacrifício, cuidar a um tempo de formar três filhos, em época como a que atravessamos, durante a qual o câmbio tem oscilado entre 9 e 5 dinheiros por mil réis, de que resultam os preços triplicados de tudo de que depende a vida humana; dando-me para consertar os rombos feitos por prejuízos causados por alguns amigos, para despesas eleitorais e até para ressarcir as formidáveis perdas, que me resultaram da sêca de 1877 a 1879, bem como de um navio carregado de seis mil sacos de farinha, comprados no Rio de Janeiro em 1879, na importância de 36:000$000, em que perdi, além do lucro esperado, a quantia de 12:000$000. É que só em um ano, o de 1896, a advocacia, inclusive liquidações, rendeu-me 18:000$000, quantia a que, nem antes nem depois, até hoje, atingiram os meus interesses, em igual período de tempo. É tal a confiança que inspiro principalmente aos habitantes do têrmo de minha residência, que dela mesma já me tem resultado prejuízo; pois alguns indivíduos, dados a tôda sorte de especulação, tem feito o seguinte: procuram-me para seu advogado, ficam certos de que aceitarei o patrocínio de sua causa, mas deixam para mais tarde a realização da imcumbência, e em seguida dirigem-se ao seu contendor; dizem-lhe que já me têm por advogado e tratam de chegar a acôrdo satisfatório, no que são felizes. Agora mesmo está se dando fato análogo; o Dr. João Antonio Rodrigues pretende questionar com José Clemente Viana, dizendo-se credor de alguns contos de réis, resultantes de uma sociedade, que tiveram, e procurou-me; mas apesar de já ter decorrido mais de um mês e de já ter eu ido de trem até o Uruquê e dali a cavalo à sua casa, no Cajueiro, para melhor informar-me dos seus direitos, bom como de espalhar por toda parte que me tem por seu advogado, ainda não realizou o contrato. Há poucos dias, dizendo-me ele que esta em vias de um acordo, apesar de ter sabido que José Clemente dizia estar disposto a gastar muito e não lhe dar um vintem, retorquiu-lhe – que algumas pessoas tem usado para comigo da especulação acima referida, jogando com meu nome para amedrontar os seus contendores; mas que, quanto a ele, João Antonio, devia ficar sabendo que, se fizesse o acôrdo aludido, e que eu estimaria por ser apologista da paz, teria de pagar-me o trabalho que já tenho tido, examinando papéis e indo ao Cajueiro, como fica dito. Disse-me que era um fato a prática dessa especulação, que ele realmente também a estava fazendo e que, se deixasse de questionar por meio de acôrdo, pagar-me o trabalho já dito, ficando certo de conseguir, por ter jogado com o meu nome. Esta conversa passou-se nesta cidade, na casa do Cel. Linhares, perante a esposa deste. O meio de vida do comércio, único a que me socorri, para desempenhar-me do encargo, que devia tomar e tomei, casando-me foi o grande proveito para mim nos primeiros anos, mas cesou de dar-me vantagem. Felizmente assim sucedeu, quando a advocacia começou a preencher as lacunas nas minhas rendas, provenientes daquele meio de vida. Além da ruina do comércio, de que todos se queixavam, havia uma causa especial, que determinava o não êxito do meu négocio de lojas era o ser esta dirigidas não mais por mim, mas por caxeiro gerente, sistema que adotei forçado pela necessidade de acudir a tempo os deveres de profissão de advogado, deveres que eram múltiplos, principalmente porque sempre advoguei nos diversos têrmos da Comarca. Quando sobreveio a horrível calamidade pública, que se denominou – Sêca de 1877 a 1879, cataclisma medonho, que espero em Deus não ver reproduzido com iguais cores, perdi toda a minha criação e considerei perdida tôdas as dividas ativas da minha casa, que somavam vinte e tantos contos, devido ao fato de, para melhorar os meus lucros, ter criado um negócio ambulante, servido por quatro caxeiros, sócios os interessados – Antonio de Barros Leal (meu irmão), Carlos Álvaro da Silva Barros (meu sobrinho), Caputo José Burity e José Leandro de Barros Leal (meu sobrinho), sendo que êste por pouco tempo.
Desde então tomei como norma de conduta nunca dizer não farei jamais isto, em se tratando de ato lícito, embora me seja repugnantes esse ato a qeu se aluda. Troquei essa frase por esta outra: Parece-me que não farei, - Não tenho em vista fazer – Creio que poderei sempre me abater etc. Refiro-me ao negócio de escravos. Sem embargos de ter eu dito muitas vezes – que não compraria um escravo para revender, ainda que estivesse certo de ganhar um cento de réis no negócio, fui forçado em 1877 a entrar nessa especulação. A repugnância aludida determinou que eu fizesse esse negócio por modo diferente do seguido pelos colegas. Em vez de vender os escravos comprados em Fortaleza, como faziam os outros, ia vendê-los no Rio de Janeiro, porque ali chegando entregava ao correspondente os conhecimentos respectivos, sem guia para um hotel e não mais cuidava daquela infeliz mercadoria, que, retirada do valor pelo comissário para sua casa dele, era por este exposta a venda, como procurador dos anti-possuidores, que, vendendo-mos, não me davam escritura, mas simplesmente uma procuração para diversos comissários de venda de escravos. Tão torpe é infame tráfico era então atenuado, geralmente falando, pelas circunstâncias da sêca: e servia de remédio aos possuidores e aos próprios escravos contra o mal da inusição. Os senhores alimentavam-se com o produto da venda; os escravos iam comer e matar a fome nas senzalas do sul, começando a melhorar de sorte pela satisfação do estomago, dede que passava ao poder do senhor intermediário. Apesar disto ainda hoje lamento que minhas circunstâncias não tivessem sido outras, pondo-me ao abrigo de ser forçado a pratica de um meio de vida tão ingrato. Comerciando, com loja, era meu caixeiro gerente, desde que começou a sêca, meu sobrinho Carlos, que desde então se mostrou o homem que tinha de ser o que hoje é: - digno de ser tomado como modelo. Manifestada a sêca pela ausência das chuvas na época própria, aparecia no entanto, na feira, muita rapadura dos engenhos do têrmo e de Maria Pereira, hoje Benjamin Constant. Comprei desse gênero alimentício quando pude, e guardei, passando a gastar no serviço culinário de casa, das que diariamente comprava nas vendas. Apenas escasseavam as rapaduras na feira, os moradores levantaram os preços e logo que de todo determinavam o aparecimento delas, estabeleceu-se nas vendas o preço de 600 réis por cada uma. Abri venda das minhas a 400 réis, obrigando os outros vendedores a acompanharem-me. Quando vi que este preço era o correto, suspendi a venda, até que aqueles de novo subissem os seus preços para 600 réis, quando de novo, apareceram as minhas a 400 réis; fato que se repetiu por muito tempo até que de todo fiquei sem rapaduras, a não ser algumas, que deixei para a família. Então elas chegaram a dar 1$000 (mil réis). Senti não ter podido fazer o mesmo com outros gêneros, como farinha, milho e feijão, em consequência de ser muito escasso o meu dinheiro. Só mais tarde pude comprá-los, já me sendo preciso ir à Capital, onde efetuei a compra no armzém do Sr. Barão de Ibiapaba, sendo obrigado a embarcá-los para o Aracati, para dali me virem em carros puxados a bois, visto que os animais cavalares já não se prestavam ao serviço de transporte. Nesta contingência tive de vendes esses gêneros, acompanhando os preços dos outros negociantes. O meu negócio de loja, pela necessidade, em que me achei, de ausentar-me, a princípio, indo ao Rio de Janeiro com escravos, e voltando dali, de ir com minha idolatrada esposa para a vila de Conceição, hoje Guaramiranga, sobre a serra de Baturité, no intuito de salvar-lhe a vida, ou, por outra, de salvá-la da morte certa, a que estava sujeita, se desprezasse esse recurso, aconselhado pelos médicos da Capital. O fato se deu assim: Parti pela segunda vez para o Rio em dias de outubro de 1877 com a primeira partida de escravos, (pequena, insuficiente mesmo para o cometimento), deixando minha família em paz, e não constando ainda a existência da epidemia aqui. Ao voltar em dezembro, encontrei na Capital muitas cartas da família e de amigos, que me cientificavam de contar grassando desapiedadamente o béri-béri, mólestia de que estava muito atacada minha mulher, já tendo falecido muitas pessoas. Imediatamente entendi-me com os melhores médicos dali, sabendo deles que o remédio a aplicar era a mudança da doente para aquela vila, cujo clima era equiparado ao da Europa e, em último caso, empreender viagem para essa parte do mundo, sendo certo que a viagem maritima seria capaz de curá-la. Meu estado financeiro era precário; mas resoluto, e sobretudo dedicado ao cumprimento do dever, senti muito que se robustecia pelo amor marital e pela convicção de que tudo podia ser secundário, quando se tratava de ganhar e economizar para pagar-se o que se deve, menos a salvação da vida, própria ou do ente querido, não tive dúvida em decidir que, aqui chegando seguraria com a doente para Conceição e, se ali não molhorasse, para Portugal. Ao chegar a esta cidade, fui assaltado por uma tristeza profunda, vendo o estado de desfiguração de muitos, o de prostação de outros e o de ausência perpétua de alguns. Na minha habitação, a cena foi tocante, minha querida e idolatrada esposa, desfigurada e trôpega, veio nos meus braços, banhada em lágrimas. Neste transe doloroso, enchi-me de coragem e energia, e disse-lhe: tu desta moléstia não morrerás; e expus-lhe a opinião dos médicos e minha resolução. Havia a dificuldade de animais para o transporte, que todos experimentavam, mas não desanimei. Tratei dos preparativos da viagem e da aquisição das cavalgaduras. Dias depois tinha os animais, faltando um. Neste interim, o Sr. Major Candido Franklin do Nascimento pediu-me, levasse em companhia da minha mulher uma sua filha, conhecida por Mocinha, a qual é hoje esposa do Dr. João Severiano Ribeiro Filho. Era motivo do pedido estar ela também atacada de béri-béri, ainda que em começo. Ao mesmo tempo uma moça pobre – Conceição Chagas – que se fazia amiga da casa, por ardilosa, e cheia de cavilação, como sempre se manisfestou, fingiu-se doente do mesmo mal para ir conosco; atendi-a, pelo que ficaram faltando dois animais. Estava disposto a deixar uma carga e ir a pé, quando meu saudoso amigo Antonio Nogueira do Amorim Garcia, falecido em Abril de 1878 de uma febre que esse tempo apareceu aqui, para aumentar o flagelo, estando a partir para a Capital, pôs a minha disposição dois animais dos que conduzia, para trazer carregados daquela praga. Aceitei o oferecimento e partimos com grande oposição do médico desta cidade, meu primo-irmão, Dr. Cornélio José Fernandes, que, para me convencer do erro, argumentava com o fato de estaria mulher dele, minha prima – Dorinha, mais doente que a minha. Ao chegarmos à noite ao lugar denominado – Alagoa Nova do Riachão, de Baturité 3 léguas, aluguei a meu amigo digo: a meu preferido amigo A. Nogueira incomodo de saúde de minha mulher para dizer-lhe que parava ali, desocupando seus dois animais. Ele compreendeu que a alegação tinha por causa única o não querer que ele transtornasse sua viagem, visto que um pouco adiante abria o caminho para Fortaleza, e instou comigo no empenho de ser ele quem ficasse parado até que eu fosse com a família à Conceição e lhe devolvesse os animais. Procurei convencê-lo da existência do incômodo alegado, embora ficticio, pois a doente, posta da viagem, experimentava notável melhora e, posto que ele mantivesse a sua crença, partiu pela manhã. Apenas desapareceu na dobra da estrada, tratei de escrever ao meu amigo, Dr. Cordulino Barboza Cordeiro, Juiz de Direito da Comarca de Baturité, pedindo-lhe dois cavalos e expedi com a carta um dos meus cargueiros. À tarde partí, servindo-me de dois bons cavalos de sela, que recebi daquele amigo. Chegamos a Conceição na manhã do dia seguinte. Minha mulher já muito melhorada, continuou a experimentar melhoras diariamente, não usando de outro remédio, senão o diurético – lingua-de-vaca, planta que havia no quintal da casa em que fomos morar. Começou logo ela a fazer exercícios, passando pela estrada que vai dar à fazenda de café Monteflor, do Coronel Clementino. No primeiro dia descansou em uma cadeira, que um criado conduzia para esse fim, na altura de um terço do caminho, entre a vila e aquela fazenda. No segundo, ao chegar aos dois têrços do caminho. No terceiro, na fazenda, tão satisfatório resultado levou-me a escrever a todos os meus amigos e conhecidos daqui e de Boa-Viagem, pondo-lhes o que se passava com minha mulher e animando-os a prática de igual cometimento. A maior parte deles ouviram-me e foram salvos, exceto meu parente e amigo Tenente-Coronel José da Silva Bezerra, de Boa-Viagem, que faleceu ao subir a serra, e ouvi falar de um outro, que falecera nas mesmas condições. A esposa do Dr. Cornélio, porém, faleceu nesta cidade um mês, talvez, depois da minha partida, deixando inconsolável o viúvo, chorosos os filhinhos e sentidos os apreciadores de suas seletas virtudes. Todos os outros doentes daqui, que se deixaram ficar, morreram, à exceção de meu tio e bom amigo Tenente-Coronel José Amaro Fernandes e de minha parenta D. Maria, sobrinha daquele meu tio: acrescendo que este ficou prejudicado mentalmente, sob os efeitos de grande esquecimento e falta de bom raciocínio, a ponto de se fazer preciso passar a administração dos bens do casal ao filho, Dr. Cornélio, e aquela, sempre magra e adoentada, falecendo ambos, poucos anos depois, da moléstia do coração. Prolongou-se a sêca até 1879, a saber, em 1878 por ter chovido pouco mais do que no ano anterior, e em 1879, quando já houve pouco inverno, devido à declaração do povo – continuei a achar-me privado da direção pessoal de minha loja. Permaneciamos em Conceição, quando, em Fevereiro de 1878, chegou a desagradável notícia de achar-se doente das febres que grassavam na Capital a minha estremecida e única filha (Sinhá) dizendo-se-me que já havia sido desenganada dos médicos. Era interna do Colégio de Nossa Senhora dos Remédios, mas estava em tratamento na casa do meu parente e amigo, Dr. Francisco Paurilo Fernandes Bastos, casado com D. Angelica Mendes. Cuidava de ir visitá-la, quando me chegou o portador de aviso, confirmando aquela notícia, mas trazendo ao mesmo tempo a grata e jubilosa nova de já estar salva, como que por milagre. Distribui com os pobres as esmolas que pude, em sinal de gratidão para com o Criador pelo grande benefício recebido, e com mais calma e ordem parti para a Capital, donde a trouxe para a serra, no intuito de dar-lhe mais pronto robustecimento. No principio de abril vim a esta cidade com o fim de ver como iam os meus negócios da loja e providenciar a cerca dos poucos bens dos meus sobrinhos José Leandro de Barros Leal e Eufina, sua mulher, falecidos ambos de beribéri, com testamento, visto não terem filhos, deixando-me eles por seu testamenteiro. Tratando aqui de arrolar esses bens, tive de admirar um fato, que muito me serviu para dar-me a certeza de que um ano de sêca o gado resiste muito, porque as folhas sêcas são tão nutritivas como o milho. Eis o fato: dito meu sobrinho, antes de adoecer e durante a época em que as árvores tinham folhas verdes (de março a junho de 1877), teve no quintal da casa, onde morava, duas vacas suas que davam leite, tendo aproveitado todas as outras rezes, que escaparam da morrinha de dezembro de 1876 a março de 1877. Em julho matou ele as ditas duas vacas e fez salgar a carne, para assim, ainda que mal, aproveitá-las, e mandou impor as duas crias, enjeitadas, como se diz a linguagem pastoril, até o riacho da Palha, a fim de que morressem longe da casa, visto não poder aproveitá-las por magras. Não as ferrou, tendo porém uma o sinal, que lhe fizeram na fazenda, onde nasceu. Pois bem, quando arrolava os bens, em 1878, um indivíduo desta cidade disse-me - no riacho andam ou pastam duas bonitas garrotas do finado José Leandro. – Não creio, disse eu; porque as bezerras que ele ali mandou impor, depois de emagrecidas no quintal da casa pela ausência de comida, e privadas do leite das mães, não podiam escapar à morte. - Andam, sim senhor, garanto; uma assinada outra não, e ambas sem marca. - Neste caso, é trazê-las, certo de que pagarei o seu trabalho se efetivamente as que ali pastam foram as dos sinais que indica. O homem trouxe-as e recebeu o pagamento de seu trabalho, pois as garrotas tinham sido as bezerras, que viu expulsar para irem morrer onde não fedessem. Na minha volta, tendo observado que no Quixadá, como exceção em toda a província, havia chovido, produzindo boa pastagem, fato que dera lugar a aglomeração de povo, porque ali ficavam os que vinham emigrando do alto sertão trazendo os gados que conseguiram escapar até o aparecimento das poucas chuvas de 1878, resolvi trazer a família para ali, onde se encontrava leite em abundância, alimentação tida como remédio para os beribéricos. Assim passando, fui a Serra; determinei a minha mulher que preparasse a muda; fui à Capital e, de volta, a Maranguape, onde me constava que emigrantes, vindo do interior para embarcar, vendiam animais por preços quase nulos. Ali chegando, soube que os emigrantes tinham vendido éguas novas a 4$ – e 5$ – e cavalos também novos por pouco mais, já se vendendo caro os poucos que apareciam, isto é, éguas a 7$ - e 8$. Resolvi procurar os vendedores, disposto a pagar éguas e cavalos novos pelo preço que aqueles infelizes pedissem, para dar lugar ao oferecimento por parte dos compradores. Comprei os animais que apareceram, mal suficientes um número para minha nova mudança da família, pagando-os pelos preços que me pediam, sem resignar de 10$000 a 30$000. Chegando ao Quixadá, fui ocupar a casa que aluguei ao passar ali; comprei três vacas paridas, a que reuni uma de garrote, que havia comprado em Quixeramobim, a fim de ter leite, cessando de comprar na rua; e entreguei os animais a meu comprade Antonio José Nunes, que fora meu vaqueiro, no Bom Jesus, até a sêca de 1877, quando se acabaram as criações, para té-los sobre suas vistas, nos cercados das terras que então possuia em naquele município. Devo dizer que as minhas criações se acabaram na sêca de 1877; porque, não tendo eu nenhuma idéia desse fragelo, entendi que devia aproveitar o que fôsse possível, vendendo por qualquer preço o que pudesse ser vendido, ainda mesmo que uma vaca só desse 7$ - e 8$ -, como se venderam muitas, matando algumas que se encontravam bem gordas, para empilhar a carne com a das ovelhas gordas que tiveram igual destino; e abandonando o resto aos famintos, como tudo fiz, pelo que nunca tomei nota, quando se me comunicava que Pedro ou Paulo tinha comido uma rez minha. Das diversas terras que eu possuia naquele municipio, havia uma denominada – Guaribas, em que havia dois cercados no pé da serrota desse nome, ao longo dela, mas separados, de um modo que havia uma vaga, que quase constituia um outro cercado, para o qual só faltando um lance, pois tinha as duas testadas dos outros e a serrota. Autorizei o meu vaqueiro Antonio José a desmanchar as duas ditas testadas, e com a madeira delas, prolongar os lances de comprimento daqueles dois cercados, formando dos dois, quase três cercados, um grande, para melhor comodidade dos animais, e seguir para esta cidade com o fim de conduzir os orfãos, filhos da minha irmã, Rosalina, e seu marido, Bento de Souza Pimentel, falecidos de beriberi, após a perda de todos os seus bens perituros e venda dos bens de raiz, efetuada para, com o produto, alimentarem-se e tratarem-se durante a terrível molestia. Esses orfãos, em número de oito, haviam sido reconhecidos por minha irmã, Izabel, viúva do finado José Rufino de Souza Pimentel, a qual, apenas contando com uma pequena mesada, que eu lhe dava, apesar de ter cinco filhos, chamou-os para casa a repartir com eles a pouca alimentação, de que dispunha. Já haviam falecido dois, da mesma moléstia que aniquilou os pais. Conduzi os outros para minha casa no Quixadá, deixando uma menina na casa da avó, D. Ana Rosa, que apesar de pobre e lutando com os rigores da sêca, isto me pediu, sendo porém a menina magra. Ao chegar a Quixadá, fui cientificado por minha mulher de que o dito Antonio José fora avisar-me de lhe ter dito o Sr. Alfredo Olimpio que proibia o serviço começado nos cercados, sob o fundamento de ter comprado uma parte de terras ao retirante João Ramos, condômíno daquelas terras, dando-lhe este passo entre os meus dois cercados. Saindo a rua, encontrei-me com Alfredo na casa do Revdo. Vigário e falei-lhe sobre o aviso recebido. Confirmou e disse que não cedia de sua pretensão, apesar de não se opor à demonstração que fiz de, sendo a ilharga da terra de norte a sul e tendo a serrota Guaribas essa direção, não poder ele meter-se entre os meus cercados; e acrescentou que, se eu mandasse continuar o serviço, mandaria derrubar a cêrca. Então disse-lhe eu – que mandaria continuar o serviço apenas me aparecesse o Antonio José e que daria ordem a este para, quando tivesse de levantar cêrca, disto avisar ao vaqueiro dele Alfredo. Este deu suas ordens e retirou-se com a família para Baturité, provavelmente com o fim de dificultar a ação, que eu teria de propor. Realizou-se o que ficara acordado. Meu encarregado fez o aviso; levantou algumas braças da cêrca e o vaqueiro de Alfredo as desmanchou. Avisado, o fui também de que o papel, passado pelo retirante João Ramos a Alfredo, carecia de legalidade, visto que, sendo aquele viúvo, tento orfãos e não tendo feito inventário, não obtivera licença do juiz respectivo; bem como de que João Ramos só fizera a venda a Alfredo por achar-se a morrer de fome, não podendo aguardar a minha chegada ao lugar; o que de nada lhe servira por isso que, acabados os 4$000, por quanto vendera a parte de terra, falecera de inanição; e ainda de que os orfãos tinham sido reconhecidos por um tio. Sem demora fiz vir este à minha presença e expliquei a minha intenção, no que conveio. Acordados, fiz uma petição ao Juiz dos Orfãos, expondo as circunstâncias dos orfãos, a qual o tio assinou, e o Juiz despachou nomeando aquele tutor de seus sobrinhos. Em seguida, o tutor assinou outra petição ao Juiz, pedindo licença para vender a parte de terras que João Ramos deixou; e, obtida a licença, passou-me escritura de venda da dita pequena parte de terras pela quantia de doze mil réis, escritura que fiz registrar. Munidos desses documentos, propus a Alfredo ação criminal de dano, visto não poder ele alegar ser meu confinante; pois as terras que possuia legitimamente eram no lugar – Padre, ligada com outras, minhas, que havia pouco eu tinha recebido em pagamento de Antonio José, afim de não perder a dívida em mãos dele. Segundo a lei, o querelado não precisava ser citado, porque os réus, em crime comum, não são citados para verem correr a ação, desde que não sejam encontrados no têrmo; mas, para que não dissesse que só fui feliz por causa da revelia dele, resolvi-me à despesa de uma citação, por precatória. Sabendo Alfredo da obtenção por minha parte daquela escritura legal, relativa a pequena parte de terras do finado João Ramos, procurou sair-se da dificuldade criando dificuldade maior: fez fabricar uma escritura falsa, antedatada em que figuravam como vendedores João Ramos e a mulher, falecida, havia anos. Infelizmente para ele de tudo eu tive ciência, sem executar os nomes das pessoas que, iludidas, assinaram a rôgo dos vendedores, e das testemunhas. Entendi-me com essas pessoas e disse-lhes que, para não ser obrigado a envolvê-las em processo crime de falsidade, conseguissem de Alfredo que não apresentasse esse papel. Chegado o dia da audiência, apresentou-se Alfredo na vila, acompanhado de uma comitiva de cidadãos importantes, sendo um dêles o Coronel Dadá. Fomos a audiência. Depois a primeira testemunha compridamente, fazendo prova colossal, que só dependia de combinação com outras para dar-lhe força completa, segundo a lei. Nesse dia não foi possível ouvir-se outra: a testemunha tomou toda a hora. Ao pôr do sol, pouco depois de ter eu chegado da audiência, recebi um bilhete de meu camarada Capitão Antonio Ricardo da Silveira Bravo, em que me pedia o obsequio de chegar a sua casa, visto precisar falar-me e não poder ir a minha, por doente. Atendi. Ali chegando, vi que estava reunida toda a comitiva, vindo de Baturité, menos Alfredo, bem como o Capitão A. Ricardo e o Capt. Comandante do destacamento policial, que já se dava muito comigo. Disse-me o Capt. Ricardo: - Dei-lhe este incomodo porque só aqui convinha a conferência que eu e estes amigos presentes queriamos ter consigo, para lhe pedir que ponha têrmo à questão com Alfredo, desistindo da ação e Alfredo indenizando-o de todas as despesas. - Não ponho nisto outra dúvida que não seja a satisfação de meus interesses prejudicados, pois não tenho empenho em perseguir o Sr. Alfredo; fui por ele forçado a agir, máximo porque se não agisse, se diria que pretendi meter dentro das minhas cercas terras de um infeliz retirante, recuando apenas este as vendeu a um poderoso, que protestou. Isto posto, farei a petição da desistência e assinarei o respectivo têrmo, cujas despesas o Sr. Alfredo pagará, logo que este, ou os senhores por ele, me satisfazerem, dando-me 200$000 como indenização de despesas da queixa, 100$000 pelo prejuízo que me resultou do desmanchamento da cêrca e 100$000 pelas terras que há poucos dias recebi do Sr. Antonio José, anexas as de Alfredo, no Padre, visto delas não precisar e querer evitar qualquer futura questão com este; e mais, como condições sine qua non, a entrega do papel da defunta (aludida ao papel falso) para ser por mim queimado. Estão prontos os 400$000, mas o papel não podemos dar, porque Alfredo diz que comprou a terra de que ele trata; no entanto a venderá ao Senhor pela mesma quantia da compra, passando por essa ocasião o dito papel ao comprador. - Minha questão não é dos 4$000, preço da compra alegada, mas de moralidade. Não desistirei sem que me seja entregue esse papel, para ser queimado. - De novo ouviremos ao Alfredo a respeito. Foram-me entregues os 400$000 e o papel, que fiz queimar, mas tenho uma dúvida, se o papel que me entregaram e fiz queimar in continenti era o da defunta, ou assinado tão somente a rôgo de João Ramos, visto que, devido a emoção, que essa cena me causou, recebendo-o, fiz queimar sem exames. Imediatamente, no balcão da loja do Capt. Antonio Ricardo, fiz a petição de desistência, que entreguei a este amigo, dizendo-lhe: lavrado o termo de desistência, mandam-me os autos à casa para assiná-lo. Em dezembro (1878) adoeçeram de varíola algumas pessoas, que tinham ido a Capital, onde a peste da bexiga fazia diariamente de 800 a 1000 vítimas, se essa elevada cifra não era o resultado da especulação dos miseráveis exploradores dos cofres públicos e minha santa mulher, amedrontada, promoveu nossa muda, ou volta, para a nossa casa, nesta cidade. Continuei o mesmo negócio da loja a cargo do Carlos, e dos escravos, sendo às vezes constrangidamente levado a fazer venda em Fortaleza. Por motivo desse malfadado negócio tive de ir ao Rio de Janeiro cinco vezes. Quando o negócio de escravos deixou de ser causa para que minha loja estivesse privada de minha pessoal direção, assim continuou ela em virtude do atropêlo em que me via, advogando nos diversos têrmos da Comarca. Tinha sido meu primeiro caixeiro-gerente meu irmão, Antonio de Barros Leal, que, casando-se, passou a ser caixeiro-gerente meu sobrinho Carlos Alvaro da Silva Barros. Mais tarde, querendo este casar-se, pediu-me que lhe desse negócio separado e de sociedade: satisfiz-lhe, estabelecendo-se ele na loja do sobrado que fôra de meu avô Jacinto Pimentel. Um ano e tanto depois, pediu-me para dissolver a sociedade e acreditá-lo na praça por conta própria, porque ia realizar seu casamento e os lucros não davam para dois. Atendi-o; permiti-lhe que por ser só desse o balanço e soube dele dias depois que o lucro a repetir era um conto e tanto No decorrer dos tempos seguintes, já maus para o comércio, ele se atrasou, pelo que, desejando vê-lo salvo de dificuldades, deixei de exigir a parte que me cabia no pequeno lucro daquela sociedade, aguardando a sua prosperidade. Em vez desta, veio a agravação do mal, obrigando-me a pagar por ele a um dos negociantes da praça. Mais tarde, apenas pude, obtive para ele um emprego, que lhe dava bom rendimento. Este fato aliado aos esforços que sempre empregou, como homem trabalhador, economico e criterioso, conduziu-o ao estado em que se acha, se não de prosperidade, ao menos de independência e de crédito. Ultimamente foi demitido do emprego, em que servia melhor do que qualquer dos seus antecessores, em consequência de ter eu rompido em política com o Presidente do Estado e ser ele, Carlos, meu correligionário, a quem não era dado sequer os governistas perguntarem – qual a sua atitude diante do meu rompimento. Carlos, 2º filho de minha irmã, Mariquinha, casada com Carlos Tavares da Silva e Melo (português), foi dado pelos pais, ao nascer, aos meus, que o criaram. Quando faleceu minha boa mãe, era ele ainda pequeno. Meu pai, ao conhecer que morria, dando-me suas ordens, como quem cogitava de uma viagem, para não mais voltar, entregou-me o neto, já rapazito. Ao tempo em que Carlos estabeleceu-se separadamente, como já disse, precisando eu de substitui-lo, lembrei-me de um filho de meu amigo José Cipriano Carneiro Monteiro, morador na fazenda Muxuré de Baixo – José Cipriano Carneiro Monteiro Filho – que, embora quase analfabeto, podia servir-me, segundo conduta que apresentava e devia aceitar minha proposta, em vista da vida que levava, devido à pobreza do pai. Assim sucedeu. Coloquei-o na loja e tratei de ensinar-lhe alguma coisa de leitura, escrita e contabilidade, passando em seguida a dar-lhe a gerência da loja, o que ele desempenhou sofrivelmente, sem embargo de dar-se muito ao luxo. Anos depois, fui um dia surpreendido por sua declaração de que deixava o estabelecimento para ir estabelecer-se de contra própria, com uma bodega. Fê-lo, e é hoje um comerciante acreditado, político influente, meu adversário, bom filho e bom irmão. Vendo-me sem caixeiro, lembrei-me de meu filho Afro, que era o que manifestava propensão para o comércio, ainda que só tivesse quatorze anos de idade. Entreguei-lhe a loja, como caixeiro-gerente, após uma pequena aprendizagem. Aos 21 anos, por ele feitos, dei-lhe sociedade. Em 1892, esse tempo, minha vida de advogado não me permitia ir à loja, que então era longe de minha residência, em um armazém que para esse fim construí em frente ao mercado público. Em vista disso, e já não me convindo negociar, por estar o comércio aqui péssimo, continuava sem me importar com ele, tendo somente em vista educar meu filho, considerado que qualquer prejuízo que daí resultasse seria pequeno, atenta a boa conduta dele, e, como tal, em condições de ser tomado como despesas de educação comercial, a que me sentia obrigado; pois cogitava de formar todos os outros, aptos, como se manifestavam, para esse mister, quer pela inteligência, quer pela dedicação ao estudo, já tendo formado o mais velho dos masculinos e educado a filha em Colégio da Capital, com grande aproveitamento dela. Em junho de 1896, tendo-se pouco antes estabelecido o dito meu filho, separadamente e por conta própria, em um quarto do mercado público, que ele reputava melhor ponto de comércio, deixei de negociar, dando balanço e entregando as mercadorias existente a ele. É hábito meu, desde que a advocacia, obrigando-me a viver viajando, priva-me de cuidar de compras a retalho, deixar estas a cargo de minha mulher por intermédio da loja, enquanto ela viveu, serviço em que ela foi substituída por minha sobrinha, que conosco residia há alguns anos. Assim meu filho, recebendo aquelas mercadorias, não tinha época ou prazo para pagá-las. Continuava a fazer o fornecimento da casa, recebendo por conta desse serviço algum dinheiro, quando precisava de numerário para seus pagamentos, até que, deixando o comércio daqui, por ter-se casado na Capital, para ali se mudou, passando-me de novo a loja, que entreguei ao Sr. Antonio Henrique de Almeida para repartirmos os lucros; e, entrando nós em ajuste de contas, verificou-se quem devia ao outro. Comecei a negociar na propria casa da moradia como já disse, e mudando esta para a praça de Santo Antonio, casa do Sr. Francisco Antonio Ribeiro, e desta para a da atual residência, desde que a comprei, segui o mesmo sistema, até que comprando a casa, em que residiu meu filho João Paulino Filho, quando chegou formado, a consertei e preparei com lojas, estabelecendo-me separadamente da casa da família. Alguns anos depois, convencido de ser ruim o ponto, como no comércio se diz, edifiquei dois armazéns em frente ao antigo mercado, passando para ali as lojas de fazendas, molhados e miudezas, e o recolhimento de mercadorias. Quando meu filho Afro se estabeleceu de conta própria, no novo mercado, e eu deixei de comerciar, mudou ele sua loja para a rua do Sr. Antonio Dias Ferreira, por questão de ponto, alugando para isso uma casa do Sr. Tenente Cel. Francisco Ivo, na qual se acha atualmente a minha loja, que tem de ser mudada para outra vizinha, por mim comprada, para ser acabada e preparada com esste destino, isto porque nunca gostei de pagar aluguel de casa. Durante o pouco tempo em que minha loja ficou privada da direção do Afro, por se ter ele estabelecido de conta própria, geriu-a meu filho Barros, mas sem queda para tal fim. (Termino aqui a parte referente a “Os meios de Vida”, que ocupa quase todo o livro, restando apenas uma parte muito pequena sobre política). Maio de 1899.
Da PolíticaEra a minha família (parentalha) adesa ao partido conservador, desde a sua criação, na província. Em 1856, tinha eu 16 anos, entrei na política, ajudando a pleitear uma eleição de vereadores e juízes de paz; trabalho útil ao partido, porque fazendo este a suplencia, esta muito serviu, no correr do quatrienio. Em 1860, trabalhei esforçadamente em duas eleições, sendo uma delas de muito empenho, tanto assim que os dois partidos gastaram mais de 40.000$000, sendo o maior parte desse dinheiro despendida em compra de votos a simples votantes, alguns dos quais, por fim, tiveram de vender essa torpe mercadoria. Os dois partidos reuniram nesta cidade cêrca de dois mil votantes. Nunca se fez uma eleição tão bonita, tão edificante, pondo de parte a compra dos votos, que se fazia ocultamente e fora do recinto da eleição; em tempos como aqueles, em que a lei concorria para a falcatura dos políticos, visto que a eleição durava por muitos dias, fazendo-se três chamadas, e a admissão do votante, dependia do reconhecimento da identidade deste por parte da Mesa, formada por homens políticos, empenhados em triunfar. A razão disto foi ter sido a Mesa composta de dois mesários nossos e dois liberais, sendo o presidente de Juiz de Paz, Major Candido Franklin do Nascimento, que tendo sido eleito pelos liberais em 1856, se havia desgostado com o chefe desse partido, Conêgo Antonio Pinto de Mendonça, e resolvido guardar na eleição a mais completa neutralidade e a mais perfeita isenção de espirito partidário. Os conservadores apresentaram muito maior número de eleitores, mas perderam a eleição, salvo engano, por 14 votos. Foi disto causa o seguinte: - Ao passo que o chefe liberal tinha seus votantes reclusos, enquanto não votavam, o conservador tratava os seus, acomodados em casas, separadas, e grande parte em uma enorme latada, construída no pequeno quadro, formado no oitão da casa, que reedifiquei para residência de meu filho João Paulino Filho, no ano de sua formatura, a que já me referi, quadro que ali se nota. Em 1866, pouco mais ou menos, tendo rompido a família Bezerra, desta cidade, com o chefe de seu partido, Conêgo Pinto de Mendonça, resolveu o chefe daquela, Major Hermenegildo Furtado de Mendonça e Menezes, com apóio do seu cunhado, Juiz de Direito da Comarca, Dr. Francisco de Assis Bezerra de Menezes, procurar ao chefe conservador, meu tio Tenente Coronel José Amaro Fernandes, para uma aliança, entrando eles (a família Bezerra) como conservadores, que diziam ser de antiga data, desviados, no partido liberal, por motivos de atenção para com o Conêgo Pinto, atenções que acabaram de desaparecer, e prometendo a máxima lealdade. Entramos então em uma luta terrível. Relatar as ocorrências que então se deram seria trabalho insano, além de estar fora do assunto, que é a minha vida; pelo que limitar-me-ei a informar o que comigo se deu de mais notável. Indisposto comigo, o sr. Dr. João Pinto de Mendonça, sobrinho e genro do Conêgo Pinto e principal diretor da política liberal do município, em consequência da tenaz resistência que eu já oferecia aos desmandos do poder, pois dominava o partido liberal, acabando-se em Fortaleza, como deputado provincial, e sabendo que eu, negociante ainda novo, era freguês da Casa do Sr. Diogo José da Silva, aproximou-se deste e, pedindo-lhe reserva, procurou convencê-lo do perigo de prejuízo, continuando a vender-me fiado. Tinha eu então na Casa do Sr. Diogo duas letras a vencerem-se. Chegado o vencimento da mais velha, apresentei-me na Casa aludida para pagar e fazer nova compra, como de costume; mas, efetuado o pagamento, o Sr. Diogo pediu-me fiador. Estranhei esse procedimento, cuja causa Diogo não quis declarar e retirei-me indo fazer a minha compra em outra casa, onde já tinha crédito, como ali, e levando a suspeita de que nesse negócio andava o dedo do Dr. João Pinto. No vencimento da outra letra, fui a casa do Sr. Diogo e paguei o que devia, deixando ainda de fazer ali compra alguma, apesar dos esforços que aquele senhor empregou para que eu comprasse, independente de fiança. Não fiquei com queixa do Sr. Diogo; ao contrário continuava a gostar dele e a ir a sua loja e armazém, sempre que me transportava a capital. Um dia, achando-me ali, conversava ele com um freguês e referia-se a perversidade de alguns homens, que, por prevenção políticas, davam falsas informações de comerciantes, seus adversários, aos negociantes da Capital, causando prejuízo a estes. Entao acrescentou: Ali está um, que foi meu bom freguês e deixou de comprar-me devido a falsas informações do Sr. Dr. João Pinto, político exagerado; julguei prudente recusar-me, uma vez, a vender-lhe sem fiador, para o que não havia motivo justo; e ele, inteligente, cumpridor dos seus deveres, continua a cultivar minha amizade, mas nada me compra, porque ficou ressentido. Muito adiante, quando convinha ao Dr. João Pinto agradar-me, sabendo ele que eu mantinha ressentimento daquela sua má ação, dirigiu-me uma carta, declarando ser falso que ele, em tempo algum, tivesse procurado desacreditar-me. Esta carta existe entre os meus papéis. Outro fato. Era carcereiro das cadeias desta cidade o Sr. José Sabino Pinto de Magalhães, homem capaz de qualquer ação má. Indo este indivíduo a minha loja, em ocasião em que ali me achava, perguntei-lhe como se tinha passado um fato na cadeia, de que os jornais já se tinham ocupado. Respondeu-me. Perguntei-lhe ainda se, escrevendo-lhe uma carta, dar-mo-ia ele igual resposta. Respondeu afirmativamente. - Em tal caso façamos logo isto. - Pois não; faça a carta que aqui mesmo responderei. Obtive assim um documento, com que esmagaria os governistas na polêmica, já encurtada, entre o bacharel Benicio, da oposição, e o bacharel João Pinto, do lado oposto, e fi-lo publicar no jornal Pedro. João Pinto ficou furioso quando leu no jornal essa carta. Chamou o José Sabino; gritou-lhe, como ele sabia fazer, e conseguiu que este se pusesse pronto a dizer que a resposta, escrita e assinada por ele, era apócrifa. No dia seguinte fui citado, a requerimento assinado por José Sabino e despachado pelo delegado de policia, para exibir o original da carta publicada. A marcha da ação, ou, para melhor dizer, da causa, cujo nome não sei qual deva ser, era muito outra; no entando, como tinha grande apóio em um partido, que quase abrangia os habitantes da cidade; e, melhor, a verdade do meu lado, resolvi ir a audiência, acompanhado dos meus amigos. A sala da casa do delegado era bastante espaçosa, mas ficou cheia do povo que comigo ali compareceu. O delegado era o professor de primeiras letras Antonio José Monteiro Imbiriba, pobre e honrado pai de família, mas politico obediente a seu rico chefe. O plano do Sr. Dr. João Pinto era visivel: apresentando eu o original da carta, junto este aos autos, José Sabino requereria um exame, seria eu citado para nomear e aprovar louvados que, examinando a carta, respondessem aos quesitos, que seriam formulados, sobre ser a carta verdadeira ou falsa; e no caso de empate, isto é, de respostas opostas, o delegado escolheria um terceiro, que concordaria com o perito dado por José Sabino, ficando decidido que a carta era falsa. Interrogado pelo delegado sobre esta, isto é, se a possuia, respondi que, estando em tal dia na minha loja com o cidadão José Nogueira de Amorim Garcia (pai do Garcia assassinado), ali apareceu José Sabino, etc. O delegado não queria fazer escrever a resposta, mas que eu dissera possuir a carta, simplesmente, e que a exibia, ou não. Não consenti visto, fazendo-lhe ver que só tinha comparecido para ter ocasião de declarar que se achava presente ao fato da obtenção daquele documento o 1o. Juiz de paz do Distrito, retro nomeado, pessoa digna de toda fé; afim de que, no ânimo de qualquer dos meus adversários sem a mais leve dúvida pairasse a cerca da legitimidade da carta publicada. Venci, escrevendo-se como respondi. Saindo dali, fui a casa do Tabelião interino e Escrivão efetivos dos Orfãos, José Raimundo Façanha sem embargo de ser um bom homem e funcionário honesto, salvo quanto à cobrança de custos, recusou-se a reconhecer a firma, alegando não conhecer a letra do carcereiro, procedimento este explicável pelo medo que tinha do grande chefe. Querelei e denunciei o Tabelião: queixa por não ter querido reconhecer a firma, que muito conhecia; denúncia por costumar receber custas adiantadas, contra expressa proibição legal. Correu o processo sendo o réu pronunciado pelo Juiz de Direito, cujo despacho foi sustentado pela Relação, em grau de recurso, dizendo esse Venerando Tribunal que prevalecia a pronúncia pelo crime do recebimentos de custas adiantadas, em vista da prova feita, e não assim quanto ao não reconhecimento da firma, visto que era possível que o querelado não conhecesse a letra. (De fato, é dificil provar-se que alguém conhece a letra de outro, por mais que pareça, dever ele conhecê-la, visto que a consciência alheia não pode ser perscrutada com segurança. A decisão foi lógica). Em vista da decisão do Tribunal Superior, foi o réu submetido aqui a julgamento, sendo condenado no mínimo do artigo de Código Penal desrespeitado, sentença de que não apelou, e que cumpriu. Desde a pronúncia ficou o Tabelião interino o Escrivão dos Orfãos suspenso do exercício dos cargos; portando exposto a fome com a família, sem que contasse com o Dr. João Pinto para tirá-lo da terrível situação; mas, lembrando-se de reconhecer em mim uma alma generosa, sempre aberta ao bem, sem capacidade para fazer o mal, pediu-me proteção, no sentido de conseguir eu do Juiz, meu amigo, sua substituição interina pelo filho, Augusto Façanha. Atendi-o, e este, ganhava o pão para a família. Tempos depois, tendo subido o partido conservador, D. Rufina Façanha, filha inupta e já madura daquele escrivão, pediu-me que obtivesse do governo da província a sua nomeação de professora interina da vila de Maria Pereira. Indo nessa ocasião a Capital, trouxe seu título e certidão de ter por ela prestado juramento, como seu procurador, embora não tivesse conduzido a procuração. Terminada essa comissão, D. Rufina dispôs-se a seguir para a Capital a estudar para tirar uma cadeira de professora efetiva e pediu minha coadjuvação; dei-lhe, recomendando-a; e mais tarde, a seu pedido, crédito para comprar naquela praça algumas fazendas, de que havia mister para seu uso, importância que paguei oportunamente e que não reembolsei, nem cobrei. Outros muitos fatos ocorreram, alguns de maior gravidade, que deixei de mencionar, porque, embora solidários com os amigos ou correligionários, tivesse neles tomado parte, não figurei como protagonista; ou porque, figurando, foram de menor importância que aqueles, sendo certo que tais eram os desmandos dos governistas que nós, os conservadores, os proscritos, viviamos sobressaltados, aguardando o momento de precisarmos de lançar mão das armas para nos defendermos. Todos os dias formava-se, à tarde, na minha calçada, uma grande roda dos proscritos, que conversavam acerca dos meios de resistência e suspiravam pela ascenção de nosso partido ao poder. Deu-se na provincia uma eleição, no principio do ano de 1868, para preenchimento de uma vaga, no Senado, pelo Ceará. Entrou na lista tríplice, que então era exigida pela Lei, o Conêgo Pinto de Mendonça, chefe liberal daqui, e foi escolhido. Este fato último foi festejado com foguetório e insultos aos adversários. Também do nosso lado houve quem insultases, pois o Sr. Antonio Augusto de Oliveira Castro, nosso correligionário, então forte contra o poder, em consequência de ser ainda menos experiente do que mais tarde, formou uma cadeira de cipós, revestiu-a com ramo de melão de São Caetano e colocou-a na porta do Senador escolhido, alta noite, para ser por ele vista, ao abrir a porta pela manhã. Este fato sem razão de ser teve, por uma coincidência, mais de espaço, o seu batismo. Abertos as câmaras em 3 de maio, apareceram questões, que iam sendo debatidas; e eu demorava com os olhos tudo o que se passava e era publicado. Ainda novo, sem experiência bastante das manobras operadas pelos políticos nas altas regiões da governamentação do País, só quase que por instinto, parecia-me que o partido liberal não atravessaria as câmaras; e ousava afirmar que o Conêgo Pinto não seria reconhecido Senador. Os mais entendidos do meu partido, primeiramente o Dr. Juiz de Direito, com a experiência que lhe davam os anos, com o saber de bacharel em direito e com a autoridade de político antigo, riam-se da minha ingenuidade, assegurando que ainda tinhamos muito que sofrer de baixo; mas eu não desanimava. Essas minhas opiniões, todavia, concorriam para crescer a roda de minha calçada. Quanto mais tempo se passava, mais eu lia e mais me convencia de que tinha a razão de meu lado. Causa notável, coincidência admirável. Em um domingo dos últimos dias do mês de Julho, ou dos primeiros de agosto, vindo a minha presença alguns dos correligionários, residentes fora da cidade, a saber que esperanças tinhamos no sentido de sairmos do cativeiro em que estavamos, a todos respondi – É minha convicção que já estamos no poder, só faltando chegar-nos a notícia. No domingo seguinte, seguia eu de minha casa para a Matriz a ouvir a missa conventual, quando notei que o Sr. Belarmino da Rocha Pita, então morador no lugar São Miguel, deste Têrmo, caminhava apressadamente a meu encontro; e, parando em minha frente, disse: - Alvíçaras, o partido conservador subiu; sou portador de cartas para o Sr. e outros.
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João Paulino de Barros Leal na Sessão da Assembléia Constituinte do Ceará, no dia 10 de outubro de 1892. |
60ª Sessão Ordinária da Assembléia Legistativa do Ceará. Em 10 de outubro de 1892.
Presidência do Exmo. Sr. Dr. Gonçalo Souto.
Secretário os Srs. Agapito e L. Feitosa.
Pede a Palavra o Sr. João Paulino.
O Sr. JOÃO PAULINO – Sr. Presidente, graças ao acrisolado patriotismo do governo da República, que, com tão boa vontade tem procurado impulsionar os esforços do Ceará no caminho do seu progressivo engrandecimento, cogitando, sem dúvida, das medidas preventivas, as mais eficazes, contra a calamidade, que periodicamente visita, com seu cortejo de horrores, a esta terra, tão boa, quanto infeliz nos tempos a que aludo; já nos é dado acreditar no próximo atravessamento do Estado pelo caminho de ferro; do litoral ao extremo sul; isto é, desta cidade ao ubérrimo solo do Cariri.
E como, ainda que por uma ilusão dos sentidos, o que se suceder ao homem sempre que se preocupa de uma idéia fixa, já ouço daqui o sibilar estridente da locomotiva que, arrastando o pesado trem, entra em Quixeramobim, a heróica cidade, em que tive a fortuna de nascer, venho, dominado do natural empenho de bem servir à causa pública, cumprir um dever, desempenhando-me de compromisso, que contraí desde 1882, quando pela primeira vez tive a súbida honra de representar a provincia, hoje – um dos estados confederados da União Brasileira.
Então e desde este tempo, Sr. Presidente, no intuito de predispor o espírito dos que me ouviram à cogitação da conveniência na adoção do alvitre, que lembrava; diligenciando ao mesmo tempo, senão restruir, ao menos enfraquecer os efeitos da inovação no ânimo daqueles que estão pouco habituados ao abandono da rotina por causa melhor, na Assembléia e fora dela a idéia que, realizada a condição estipulada – ligação, por caminho de ferro, - da cidade de Quixeramobim ao porto de Fortaleza, o que por assim dizer já sucede, tentaria reduzir a um fato, como efetivamente tento neste momento, apresentando o projeto que passo a ler. (Lê).
A Assembléia Legislativa do Ceará.
Resolve:
Art. 1 – Fica o presidente do Estado autorizado a transferir, dentro do prazo de cinco anos, a sede do Governo desta cidade para a de Quixeramobim.
Art. 2 – Promulgada esta solução, o presidente nomeará uma comissão para, mediante prévio estudo, dar o seu parecer sobre:
a) Aquisição de prédios particulares e necessário melhoramentos destes, de modo a servirem para repartições públicas da nova capital.
b) Edificação de outros destinados ao mesmo fim.
c) Orçamento das despesas prováveis com tais aquisições e obras.
Art. 3 – Feito o orçamento, o Presidente solicitará do Poder Legislativo, em sua 1ª reunião, a decretação da verba, que as forças do Estado permitirem, a fim de iniciar os serviços, de que trata o artigo antecedente; repetindo-se esta solicitação nas subsequentes sessões da Assembléia, até que se completem as obras aludidas.
Art. 4 – No penúltimo ano do prazo indicado no artigo 1º se antes não se tiver operado a transferência da capital, o Presidente, na falta de verba ou de numerário, venderá os prédios próprios prescindíveis à realização da dita transferência, que em todo caso se efetuará dentro daquele prazo.
Art. 5 – Revogam-se as disposições em contrário. S. R. João Paulino de Barros Leal, Amorim Garcia, Lourenço A. Feitosa e Castro, Francisco Cunegundes, Alves Barreira, Urcesino X. C. Magalhães, Francisco Gomes.
O Sr. H. Monte – Acho que Vossa Excelência há de morrer sem ver isto.
O Sr. João Paulino – Vossa Excelência se engana; mas quando assim sucede em todo caso levantei a questão, do resto encarregar-se-ão os outros. É uma semente que planto para os outros regarem.
O Sr. Pedro Borges – A semente crescerá para baixo.
O Sr. João Paulino – Bem sei, Sr. Presidente, que sou fraco diante de tamanho empreendimento; que não tenho armas para vencer os preconceitos, gerados pelo hábito, e muito menos lutar contra aqueles que, em sua maior parte, poderosos, esforçar-se-ão agora e sempre contra a minha razoável pretensão; uns pelo motivo aludido, outros na defesa dos próprios interesses, fazendo propagandas, que ecoará neste recinto, no sentido da conservação indefinida da capital nesta cidade de Fortaleza.
No entanto, Sr. Presidente, acostumado a batalhar, sem esmoecer, sempre que me acho apoiado na razão e no direito...
O Sr. João Paulino – ... e a esperar que a verdade e a justiça transpareçam e vençam todos os obstáculos que se lhes antepõem, (apoiado) não tepidei, escudado na realidade da conveniência aludida e na pureza de minha intenção, em cumprir o meu dever de cearense e de representante do povo, apresentando o projeto que tive a satisfação de submeter à preciosa atenção desta augusta assembléia, embora não nutra presentemente outra crença senão como já disse, a de ter plantado uma semente, que há de, germinando e desenvolvendo-se, produzir afinal o almejado fruto.
(Trocam-se muitos apartes)
Sim, Sr. Presidente, não desconheço a minha insuficiência para ser o patrono desta grande causa...
O Sr. Pedro Borges – Não apoiado, Vossa Excelência é muito suficiente; a causa é que não é.
O Sr. João Paulino – ... mas acreditando na existência do elevado sentimento que se chama patriotismo...
O Sr. Pedro Borges – Nisto não há patriotismo.
O Sr. João Paulino – ... e confiando que o fogo desta paixão, que quando existe, é sempre ardente e abrasador inflamará o coração da maior parte, senão de todos os cearenses que tem e hão de ter assento nesta casa, predispondo-os em favor de tão importante medida, quando, refletindo sobre o assunto se convencerem da utilidade pública, que resultará da sua adoção, acredito que ela, essa idéia de imenso alcance, há de mais cedo ou mais tarde, ser traduzida em fato consumado, não precisando para isto mais do que o de ter sido levantada, oferecendo ensejos à reflexão e ao estudo dela.(Trocam-se muitos apartes)
Está fora de alcance de qualquer objeção, Sr. Presidente, a alta conveniência de ser a administração pública de um país ou estado, associação política de seus habitantes, colocada na parte mais central da sua circunscrição territorial, donde como o sol que irradia a sua benéfica luz para dar vida aos corpos que os rodeiam, possa de pronto, com a máxima exigível celeridade, incurtadas as distâncias, atender a todas necessidades da comunhão.
Pois bem, Sr. Presidente, de qualquer mapa geográfico, bem como das tabelas da distância que tem sido organizadas por diversos cidadãos, competentes na matéria, desde o ilustrado geógrafo cearense, Senador Pompeu, de saudosa memória, até o ilustre engenheiro, Dr. Epaminondas da Frota, é patente que a cidade de Quixeramobim é o ponto “sui generis”, o mais central do estado.
Não direi que esteja precisamente, para a circunscrição do centro e para a circunferência, cujos raios tem igual extensão; e se o dissesse a minha afirmativa não passaria de uma hipérbole, mas posso afirmar sem receio de séria e justa contestação, por parte dos entendidos, que do ponto que porventura se verificasse ser esse centro, é a cidade de Quixeramobim, o povoado mais próximo, ao menos de entre aqueles que, tendo uma certa e precisa importância, possuem ao mesmo tempo água potável e abundante, condição indispensável a uma grande cidade, como deve ser e necessariamente será a que tiver a qualidade de capital, do Estado. (Há muitos apartes).
Não procede, Sr. Presidente, à oposição que se baseia na suposta conveniência de serem as capitais dos Estados, colocadas junto aos portos marítimos.
Se à primeira vista parece que tem razão os que assim pensam, os que assim falam, esquecido sem dúvida de que o contrário sempre foi entendido pelos povos cultos, tanto que grande número de cidades capitais, em países adiantados, são fora da costa; esquecidos principalmente de que no sistema político, é essencial que no centro destes e dos Estados sejam as respectivas capitais. (Há muitos apartes).
Vejamos se, transferida a sede do governo, desta cidade para a de Quixeramobim, seria isto uma novidade estranhavel aos olhos dos entendidos; que conhecem a fundo o que é a administração pública; dos que tem a exata compreensão de que seja uma capital de país ou Estado. (Há muitos apartes).
Da culta Europa, para exemplificar, lembrarei alguns dos países mais importantes.
Da opulenta e poderosa França – Paris, a soberba capital, não darei dessa República somente mas do mundo civilizado, é afastada da costa, à margem do rio, Sena, embora lhe sobrem mares; pois, como sabe a casa, é a França limitada ao norte e nordeste pelo mar da Mancha, Passo de Callais, o mar do Norte; a sudeste pelo Mediterrâneo e a oeste pelo Atlântico.
O Sr. Pedro Borges – A sudeste pelo Atlântico?
O Sr. João Paulino – A sudeste pelo Mediterrâneo e a oeste pelo Atlântico.
O Sr. Pedro Borges – Bem, parece que Vossa Excelência tinha dito. A sudeste pelo Atlântico.
O Sr. João Paulino – Neste caso, a Vossa Excelência mal percebi, ou equivoquei-me.
Não façamos disto questão.
A Bélgica, que tão bem se limita pelo mar do Norte, tem a sua capital – Bruxelas, no interior, sobre outro rio – Senna, sub-afluente do Escalda.
A Espanha, limitada ao norte pelo mar Hispano, golfo de Gasconha; a leste pelo Mediterrâneo e ao sul e a oeste, em parte, pelo Atlântico, tem por capital,
Madrid, no interior, sobre outro rio – Mançanares, afluente do Jarama.
Roma, a histórica cidade Roma, antiga capital dos Estados Pontifícios (apartes) e atualmente da Itália, reino compreendido dentro dos limites de uma peninsula, é, não obstante, interior, (apartes).
Sr. Presidente, trata-se do Ceará: e como melhor e mais a propósito é examinarmos o que a respeito sucede no hemisfério republicano (permita-se-me assim denominá-lo no qual está colocado o nosso país, e portanto o nosso Estado, deixo aquela e outras partes do mundo para lançar um golpe de vista sobre a dileta filha de Colombo. (Apoiados).
Vemos, Sr. Presidente, que na América, quase todas as capitais, ou pelo menos a maior parte, são interiores.
Na América Inglesa:
Ottawa, capital federal do Alto Canadá, é interior sobre o rio Ottawa.
New Westminster, capital da Columbia Britanica sobre o Fraser.
Na América do Norte: Washington, capital federal dos Estados Unidos, sobre o Potomac.
De New York sobre o Hudson.
De New Jersey, Trenton, capital sobre o Delaware.
De Alabama, Montgomery, capital sobre o rio Alabama.
Da California, Sacramento, capital sobre o rio de seu nome.
Do México, a sua capital federal do mesmo nome é situada no meio de um vale sobre a cordilheira da Anahuan, a 2.270 metros acima do nível do mar.
Na América Central: De Nicarágua, Manágua, capital sobre o lago de seu nome.
Todos estes países e Estados, Sr. Presidente, são marítimos, possuem bons portos, que servem a outras povoações de muita importância comercial.
Na América do Sul, Bogotá, a capital da Colômbia, que está encravada entre o mar das Antílhas, ao norte e o Oceano Pacífico, a oeste, é no interior do país, servida pelo rio Fungha, que atravessa.
Caracas, capital da Venezuela, república situada ao sul do mar das Antilhas é também interior, ligada ao porto de Callao por uma estrada de ferro.
São Paulo, o mais importante e florescente da República, apesar de ter bom porto em Santos, grande cidade, com muita importância comercial, tem por sua capital a cidade de São Paulo, no interior, sobre o rio Tamanduatehy.
Paraná, não obstante a existência das suas cidades – Antonina e Paranaguá, que são na costa, tem por capital a cidade de Curitiba, edificada entre três afluentes do rio Iguassú.
Piauhy, de certo tempo a esta parte, servido pelo ótimo porto de Camocim.
O Sr. Pedro Borges – O de Camocim é do Piauhy? Vossa Excelência está enganado.
O Sr. João Paulino – Cada vez mais grato sou a Vossa Excelência pelo serviço que me tem prestado, honrando-me com seus apartes, ditados pela atenção que tem prestado ao meu tosco discurso, corrigindo-o, quando cometo qualquer erro.
Aceito-o de ora em diante por meu professor.
O Sr. Pedro Borges – Não apoiado.
Ao contrário, estou apreciando muito a prelação de Vossa Excelência sobre geografia; e por isto o estou ouvindo com toda atenção.
O Sr. João Paulino – Pois bem, Sr. Presidente, como dizia, o Piauhy, servido pelo porto de Amarração, tem por sua capital – Teresina – no interior sem embargo de possuir a importante cidade de Parnahiba, quase na foz do rio deste nome, de bastante importância comercial. Sinto, Sr. Presidente, que já vou me tornando massante; (não apoiado) que somente por minha nimia bondade e extrema delicadeza dos meus nobres colegas, continuam estes a ouvir me...
Um Sr. Deputado – Não apoiado. Estou ouvindo e prestando toda atenção com muito gosto.
Vossa Excelência tem falado muito bem; deve continuar.
O Sr. João Paulino – ... e por isso vou terminar: mas antes de fazê-lo permitirá a casa, que, como resposta a diversos apartes, com que se dignaram de honrar-me alguns dos nobres deputados, faça minha, ou mesmo paródia a douta opinião do sábio professor italiano, Dr. Lombroso, a propósito da crítica, feita pelo psicólogo Dr. Moil, por ocasião de apreciar os fenômenos espiríticos ou psíquicos observados por aquele ilustrado médico alienista e legista.
A minha já não curta experiência das cousas me tem convencido da absoluta inutilidade da polêmica nas grandes questões.
A base da crítica e da resistência – à toda teoria nova está no que Lombroso chama misoneísmo – ódio contra aquilo que é novo; efeito das inovações a que, há pouco tive ocasião de aludir.
Assim pois, Sr. Presidente, encarregou me de dar batalha aos nobres deputados, oposicionistas da idéia que venho levantar ao mesmo tempo em que, tenho a certeza, um dia eles serão vencidos.
E foi para isto, Sr. Presidente, que apresentei o projeto que mando à mesa assinado por oito dos senhores deputados, número correspondente ao terço, senão mais, dos presentes, o que propositalmente diligenciei obter a fim de que “ipso facto” seja desde já o projeto julgado objeto de deliberação, na forma do Regimento da casa Art. 123 único.
Isto posto sentar-me-ei crente de que o mesmo projeto será um dia Lei do Estado; ainda que não possa saber quando isto terá de realizar-se.
Em todo caso, se não falecer prematuramente, conversando com os ilustres oposicionistas do projeto na cidade Quixeramobim quando esta os atrair por força da sua futura qualidade de capital do Estado. (Muito bem).
Julgado o projeto de deliberação, atento o número de deputados que o afirmam, um terço dos presentes, toma o projeto o número 52 e vai a imprimir.
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