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FASE TERMINAL
Márcio Accioly*
quinta-feira, 06/07/2000
Recife é uma das mais lindas cidades do Brasil. Mas, está sendo destruída. O antigo centro comercial, de imponentes lojas, virou tabuleiro de camelô. Barulho, miséria e pessoas perdidas nas ruas, vendendo passes de ônibus e praticando exercícios paliativos para sobreviver. Tudo para ver se é possível conseguir o que comer durante o dia. Na Praça da Independência, em frente à Matriz de Santo Antônio, artistas populares competem com seitas religiosas, enquanto que mulheres e adolescentes de todas as idades se prostituem. O problema é sempre o mesmo: arranjar o que comer durante o dia. Os jornais destacam a violência, em dados e fotos preocupantes, numa habitualidade que estarrece.
Os cinemas tradicionais, Moderno (mera lembrança), São Luiz (sobrevive), Art-Palácio (Casa de Bingo), Trianon (arrasado) e também o caçula da lista, Veneza (outro bingo), são só referências. Os outros dois, geminados, Astor e Ritz, surgiram já na fase de decadência da economia, ciência que, no Brasil, não serve a quem vive do próprio esforço. No Cine Moderno exigia-se paletó! Hoje, nada mais causa espanto. Estamos todos acostumados à imundície. A doença que atinge o Recife é a mesma que atinge o restante das unidades federativas. Progressiva e irreversível. O quadro só mudaria se houvesse vontade política e sensibilidade, virtudes que nossos homens públicos não possuem. Falta estudo e falta contato físico com o país. É só pegar a estrada, desde o extremo Sul às Regiões Norte e Nordeste, sentindo o eco clamoroso da necessidade do povo.
Entra ano e sai ano e as coisas vão se agravando. O Brasil tornou-se ingovernável e isso parece irreversível. Nada se faz e a progressão da miséria não estanca. No Recife, moradores “compram” segurança doméstica nos bairros onde vivem, pagando, semanalmente, a pessoas que vigiam residências e edifícios. Grupos paramilitares se organizam. Nem a classe média nem o povão dispõem de assistência estatal. Vive-se a ver navios! Os ônibus elétricos da Empresa Municipal (CTU), que o prefeito Roberto Magalhães (PFL) privatizou a preço de banana, são imprestáveis e perigosos. A cidade sofre racionamento d’água há muitos anos, embora construída no mangue e dentro de dois Rios: Capibaribe e Beberibe.
O analfabetismo generalizou-se, de tal maneira, que serão precisos mais de vinte anos a partir do instante em que se tome a primeira providência. Garis fardados batem às residências, em torno do meio-dia, pedindo dinheiro ou comida. Solicitam-se esmolas em todos os lugares: bares, restaurantes, sorveterias, ruas e pontes. O CEP - Colégio Estadual de Pernambuco, dos mais tradicionais e que data do Império, está ruindo, vitimado pela incúria e descaso. Símbolo da formação ginasiana de milhares, vem abaixo com a própria estrutura educacional. Prédios residenciais com mais de 30 andares são erguidos em Casa Forte (bairro criado pelos ingleses), área de fundamental importância ecológica onde a Lei proibia esse tipo de construção. Alterou-se a Lei e voltou-se à proibição, depois da desgraça (ou da negociata) feita.
A Avenida Guararapes parece campo de batalha, como se ali tivessem explodido granadas e morteiros. Lixo e fedentina dominam transversais e becos, expondo podre feridas e cicatrizes. Desemprego, desesperança, desencontro, desilusão, Recife é uma das cidades mais lindas do Brasil e está sendo destruída. A questão não se resume a salvar o Recife, mas, a salvar o Brasil. Sem dinheiro para as necessidades mínimas, já que os recursos destinam-se aos juros da especulação financeira, o país agoniza no trabalho escravo, embrutecendo seu povo. Não temos mais cidades, temos pardieiros. Cidadãos sem trabalho, sem saúde, sem educação e sem direito algum. Fantasmas em busca de alternativa, na derrocada de sistema sócio-econômico putrefato, esse monstro insepulto que insiste em dizer que está vivo.
*Márcio Accioly é jornalista