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PARA ENTENDER A ÁRVORE DA VIDA ASSÍRIA

Lishtar

Nota de Lishtar: Este artigo tem fundamentação no trabalho excepcional do grande Assiriologista finlandês, Professor Simo Parpola.

O conceito geral da Árvore da Vida talvez seja familiar para alguns leitores, que provavelmente já devem tê-la encontrado no Gênesis do Velho Testamento da Bíblia ou como uma figura presente em tapetes orientais e antigos manuscritos medievais.

Na Bíblia cristã, a Árvore ocupa lugar de destaque, aparecendo não apenas na história da expulsão do homem do paraíso, mas também ao fim da Bíblia, no último capítulo do Livro do Apocalipse, onde uma árvore que cresce no centro da Jerusalém celestial é apresentada como o sinal da salvação da humanidade. Estes dois exemplos fazem com que a Árvore seja uma espécie de Alfa e Ômega na doutrina crista da salvação em seus primeiros tempos. No início do Cristianismo, a Árvore da Vida está associada com a cruz de Cristo, e até o final da Idade Média, representações de Cristo freqüentemente tomam a forma da Arvore da Vida. O estudioso cristão Tertuliano, que viveu no final do Segundo século, começo do Terceiro, escreveu um poema chamado De ligno vitae, onde a cruz do Gólgata se transforma numa árvore magnífica que dá frutos deliciosos e néctar divino para todas as nações. A noção da cruz como a Árvore da Vida é também um conceito Gnóstico, também presente em textos siríacos. Só depois do século IX é que esta noção foi gradualmente substituída pelo símbolo de martírio e execução.

Na Bíblia e na literatura cristã dos primeiros tempos, assim como na arte, uma certa aura de mistério envolve a Arvore. Em geral, esta pode ser descrita e representada graficamente com muitos detalhes, mas raramente explicada. Esta atitude é mais pronunciada dentro do misticismo judaico, onde o conhecimento místico relacionado com a Árvore é visto como um segredo, a ser divulgado apenas àqueles que "temam o Nome Divino". Tais cuidados e votos de segredo lembram o final da expulsão de Adão e Eva do paraíso, onde uma espada resplandecente é colocada à entrada do céu, para guardar a Árvore da Vida.

Mas a Árvore da Vida é mais do que uma invenção bíblica ou judaico-cristã. Ela é encontrada sob diversas representações visuais e nomes (Árvore Celete, Árvore do Mundo, Árvore Cósmica, Árvore do Esclarecimento) em todo mundo, do antigo Oriente Próximo, Egito, Grécia e Índia, até o mundo islâmico, Escandinávia medieval, Ásia Central, China, América do Norte e Central e até mesmo na Indonésia (1). Na maior parte das culturas do mundo, a Árvore está relacionada com a psique e o espírito divino. De fato, esta associação é tão pervasiva, que o psicanalista Carl Jung considera a Árvore como um arquétipo e símbolo do Self, ou da psique integrada, produzida pelo inconsciente. Por milhares de anos, a Árvore tem sido uma fonte de inspiração para artistas e pensadores, o seu apelo intelectual não sendo apenas um dos caprichos da história. Ainda existem muitos que pensam seriamente estar contido na Árvore uma série de ensinamentos que podem levar ao esclarecimento e à vida eterna.

Neste ensaio, tentaremos explicar o que era para os Assírios a Árvore da Vida e como era interpretada dentro de seu contexto. Veremos, antes de mais nada, o que era a Árvore da Vida mesopotâmica.  

 

A ÁRVORE DA VIDA MESOPOTÂMICA

Uma árvore estilizada aparece pela primeira vez como motivo em arte de sentido claramente religioso aparece pela primeira vez na Antiga Mesopotâmia. Ela ocorre nos grafites pré-históricos e nas cerâmicas, torna-se um motivo favorito nos selos cilíndricos, e mais tarde torna-se num motivo preferido em selos, principalmente os glifos e selos reais. Nos tempos do Império Neo-Assírio (930-607 BC), o tema da Árvore é encontrado em quase todos os lugares: em selos, jóias, painéis, esculturas, pinturas de parede e colunas de palácios reais, em vestimentas reais, móveis, implementos, elmos, armas, etc.

Portanto, em termos de história da arte, a árvore Mesopotâmica em suas formas variadas, pertence a mesma tradição das Árvores Judaica, Cristã, Islâmica e Indiana, sem sombra de dúvida. A abundante evidência não deixa dúvidas de que como tema de arte, a Árvore se espalhou a partir da Mesopotâmia para outras partes do Antigo Oriente Próximo, e que por exemplo, a árvore israelita do primeiro milênio e que se transforma na lamparina de sete velas (menorah) são ambas derivadas do modelo Mesopotâmico. Da mesma forma, historiadores da arte faz muito se referem à àrvore Mesopotâmica como A Árvore da Vida, deixando bem clara a relação entre a Árvore Mesopotâmica e a Árvore da Vida de grande significado esotérico.

Entretanto, enquanto que os textos mesopotâmicos contém ocasionais referências místicas sobre todos os tipos possíveis de árvores místicas, o termo Árvore da Vida não pode ser encontrado de forma tão evidente na Mesopotâmia. Além disso, nenhum mito mesopotâmico conhecido fala de uma árvore miraculosa. Portanto, Assiriologistas em geral referem-se a ela através de termos mais neutros desde a década de 1950, preferindo o termo "Árvore Sagrada" para se referir a ela, (Nota1)

 

A ÁRVORE DA CABALA

Figura 1 - Configuração da Árvore da Vida Judaica - Cabala. Da esfera em cor branca, temos em ordem descendente:

KETHER - COROA - 1

BINAH - ENTENDIMENTO -3 CHOKMA - SABEDORIA - 2

DAATH - GNOSIS

GEBURAH - SEVERIDADE - 5 CHESED - MISERICÓRDIA - 4

TIFARETH - BELEZA - 6

HOD - GLÓRIA - 8 NETZACH - VITÓRIA - 7

YESOD - FUNDAÇÃO - 9

MALKUTH - O REINO - 10

Acima, temos a configuração clássica da Árvore da Vida da tradição mística judaica., apresentada no Velho Testamento em Crônicas I:29:11 e Provérbios 3:19.

Os círculos representam as emanações da Divindade, poderes divinos ou atributos através dos quais a natureza transcendente do(a) Divino(a) é transmitida para o mundo físico, obviamente influenciado por uma variedade de doutrinas gnósticas de emanação. Como uma imagem da criação macrocósmica, ou o transbordar de energia divina nos veículos inferiores da criação manifesta, a Árvore da Vida demonstra também as fases da criação como um processo de três patamares, o mais elevado sendo o mais sublime e o menos elevado o mais tangível. Esta forma é freqüentemente imaginada como o corpo de um indivíduo no qual são assinalados locais particulares ao longo deste corpo para representar a identificação divina com o Macrocosmo.

 Em 1986, o grande assiriologista finlandês, Professor Simo Parpola, enquanto trabalhava no Museu Britânico, estabeleceu o traço de união entre a Árvore da Vida Assíria e a Cabala Judaica. Em primeiro lugar, Professor Parpola concluiu que a falta de referências explícitas relativas à Árvore da Vida e seu simbolismo na Mesopotâmia não significava necessariamente que a Árvore fosse desconhecida pelos mesopotâmicos. Muito antes pelo contrário. A falta de referências indicava, isto sim, que o conhecimento era secreto, e que não poderia, desta forma, ser escrito, conforme a tradição Cabalística. Em segundo lugar, ao estudar a história das doutrinas cabalísticas, Professor Parpola descobriu que a Cabala havia sido trazido para a Europa a partir das escolas rabínicas da Babilônia, e portanto poderia muito bem Ter a sua base nas antigas tradições esotéricas mesopotâmicas.

Em 1989, enquanto trabalhava no Chicago Assyrian Dictionary, Professor Parpola surpreendeu-se ao analisar diagramas da Árvore da Vida Cabalística e ver que esta, na sua esfera superior em geral apresenta um círculo, representando o deus transcendente da Cabala, En Sof, assim como em muitas representações assírias, a Árvore é encabeçada por um disco solar alado simbolizando Assur, o Deus Supremo da Assíria. A árvore Cabalística é composta de dez atributos divinos, que são emanações do Deus transcendente. Estes atributos, chamados sefirot (literalmente, contagens) todos têm lugar definido na Árvore, nos galhos à direita ou a esquerda, no tronco ou base. Além do mais, cada sefirot tem nome ou nomes refletindo sua natureza (Sabedoria, Misericórdia, etc), e um número místico refletindo sua posição na Árvore. O número da Coroa (a primeira sefirot , é 1 , o da Sabedoria, que é a Segunda sefirah, é 2, e assim por diante. Todos os estes números trouxeram ao Professor Parpola a lembrança dos Grandes Deuses Mesopotâmicos, cujos epítetos e atributes são semelhantes àqueles da Sefirot e que também têm números místicos ligados a seus nomes, de forma que cada Grande Deus ou Deusa poderia ser indicado simplesmente por seu número nos textos assírios. Nos diagramas da árvore cabalística, as sefirot e são ligadas umas às outras através de linhas que se interceptam, interpretadas como canais para as bênçãos divinas, conectando com as esferas ou frutos da Árvore Assíria.

Estas semelhanças entre as sefirot e os grandes deuses por um lado, e entre as estruturas da Árvores Assírias e Cabalísticas por outro lado pareciam ser específicas demais para serem acidentais. Se a Árvore da Vida dos israelitas fosse derivada do protótipo mesopotâmico, por que não poderia a Árvore Cabalística então Ter-se baseado no modelo mesopotâmico? Ao adotar o esquema para o pensamento judaico, os nomes mesopotâmicos dos grandes deuses teriam, naturalmente, de ser eliminados. Mas de outra forma o sistema da Árvore teria continuado a ser o mesmo.

TESTANDO A TEORIA

No outono de 1991, o Professor Parpola decidiu testar suas idéias. Ele decidiu que se seu raciocínio estivesse correto, seria possível reconstruir o modelo mesopotâmico da árvore cabalística pela simples substituição dos nomes da Sefirot pelos nomes dos grandes deuses e deusas mesopotâmicos que compartilhavam os atributos de cada esfera. Havia algumas incongruências entre os nomes hebreus das sefirot: os nomes das sefirot nem todos expressam qualidades ou atributos de Deus (veja o nome da sefirah mais alta, Coroa, ou das sefirah mais inferiores, Fundação e Reino), bem como algumas sefirot chamadas de Julgamento e Heroísmo, ou Misericórdia e Grandeza, nomes que não parecem Ter algo em comum. Se estes aspectos tivessem sido tomados do modelo mesopotâmico da Árvore, o trabalho de reconstrução da mesma deveria solucionar estas estranhezas. E foi o que ocorreu.

Primeiramente, o Professor Parpola substituiu Coroa por Anu, o deus do firmamento, cujo símbolo principal era a Coroa. Ele substituiu Sabedoria por Ea, o deus da Sabedoria; Julgamento por Shamash, o deus da Justiça; Beleza por Ishtar, a deusa do amor e da beleza, e assim por diante. Encontrar equivalentes mesopotâmicos para as sefirot não era difícil. A maior parte poderia ser encontrada imediatamente e com grande certeza. Outras equivalências, como Explendor=Adad, deus do trovão) não eram óbvias, mas finalmente, em menos de 1 hora, conforme palavras do Professor Parpola, todos os grandes deuses cujos nomes poderiam ser escritos com números místicos foram colocados em seus lugares específicos no diagrama de Árvore. A única exceção foi a sefirah Reino, a sefirah mais inferior no diagrama. Como ela quebrava a estrutura triádica da Árvore e não possuía um contraponto na Árvore Assíria. o Professor Parpola concluiu que o Reino era uma adição posterior à Àrvore, e portanto poderia ser deixado de lado.

Ao escrever em baixo do nome de cada deus ou deusa o n´mero místico correspondente, Professor Parpola chegou a outras conclusões Todos os números quando arranjados no diagrama de Árvore variavam de 1 a 60, os dois números básicos do sistema sexagesimal da Mesopotâmia. Seis destes números eram dezenas completas, e estas dezenas estavam distribuidas em ordem descendente nos ramos da árvore, os números 60-40 à esquerda, 3--1- à direita. Os remanescentes três, 1, 15 e 14 (o número do deus do Submundo) estavam distribuídos no tronco, com o 1 (o número do deus do firmamento) ao final. O número 30 é a soma de 1+15+14, ou seja, o número médio do sistema sexagesimal. Além do mais, subtraindo-se os números do lado esquerdo por aqueles do lado direito produziu para cada ramo o mesmo número médio 30 (60 - 30 = 30, 50 - 20 = 30, 40 - 10 = 30). Isto foi possível porque, contrário ao lado positivo da direita, o lado esquerdo da Árvore era considerado negativo, não apenas na Cabala, mas na Mespotâmia também. Portanto, os aparentes "desequilibrados" lados esquerdo e direito se equilibram um ao outro numericamente e estão em equilíbrio em relação ao tronco, que na Cabala é chamado de Pilar do Equilíbrio.

Olhando esta reconstrução como um todo, podemos ver a posição dos deuses do Submundo na parte mais inferior e o deus do firmamento ao topo, o que concorda com a iconografia assíria, onde muitas vezes a árvore era grafada em cima de uma montanha, palavra que também significa Submundo na Mesopotâmia. Além do mais, a mitologia mesopotâmica conhecia uma Árvore (mes) cósmica, cujas raízes estavam no Submundo e cujo topo projetava-se para os céus. A ordem dos deuses e deusas nos galhos e tronco da Árvore correspondia à imagem e relações dos grandes deuses conforme detalhado nas listas de deuses da Mesopotâmia e outros textos. Como um todo, a árvore era composta de três gerações de deuses e deusas, correspondendo ao conceito de três céus superpostos, atestados em textos místicos da Mesopotâmia. No meio, estava Ishtar, a Deusa do Amor e da Guerra, que unia toda família dos deuses, pois Ela estava relacionada com todos Eles. Ishtar era filha de Anu, Ea e Sin, a mãe de Adad, Nergal e Nabu ( os Deuses abaixo Dela) e irmã de Shamash e Marduk (Deuses ao lado Dela) e era a Esposa (sob diferentes nomes) de todos os grandes deuses.

Mais ainda, os epitetos e símbolos dos grandes deuses facilmente explicava as estranhas designações duplas das sefirot. Shamash, o Deus da Justica, ao longo da história da Mesopotâmia, é chamado de Herói, portanto os dois nomes da sefirat correspondente, Julgamento ou Heroísmo. Marduk, o rei misericordioso dos deuses, era em geral chamado de Grande Senhor, portanto os dois nomes da sefirah correspondente, Misericórdia e Grandeza. Ishtar, a deusa da beleza e a mãe do Espírito dos Deuses, concorda perfeitamente com os atributos Amor e Beleza. No pensamento judaico, estes pares de atributos não fazem muito sentido; na Antiga Mesopotâmia, entretanto, estes atributos foram "construídos" (ou eram parte intínseca) do diagrama da árvore.

Entretanto, os cabalistas judeus, em cuja filosofia e teosofia a Árvore da vida ocupa papel central, eram ardentes monoteístas que nunca pararam de enfatizar a unidade com Deus. Professor Parpola deduz de sua árvore da vida reconstruída que os mesopotâmicos eram monoteístas também, pois se os judeus monoteístas tinham sido capazes de fazer seus o conceito de deus dos mesopotâmicos, transportando-o para o judaismo a partir dos Mesopotâmicos politeistas pelo fato de terem copiado o diagrama da Árvore quase que de forma integral, os deuses da Assíria devem Ter sido idênticos ao deus judeu. Colocando esta afirmação de uma forma diferente, os grandes deuses assírios devem Ter sido (pelo menos em alguns círculos) concebidos como meros poderes e aspectos de um único e transcendente Deus, como a sefirot. Portanto, a religião politeísta assíria numa análise final era tão monoteísta como o Judaismo - e mais do que isto, a fonte de inspiração para esta última!

EXAMINANDO A EVIDÊNCIA

Muitos fatos adicionais apóiam esta teoria, de acordo com as descobertas do Professor Parpola. Ele, por exemplo, desvobriu que havia dois conjuntos de números divinos, os babilônicos e os assírios, e que apenas os assírios apresentavam uma distribuição coerente na árvore. Apenas na Assíria estes números eram freqüentemente utilizados para escrever os nomes dos grandes deuses, e que o sistema de números divinos apareceu na Ássíria ali pelo século XII Antes da Nossa Era. A emergência dos números divinos assírios e da Árvore Assíria podem estar ligadas ao fenômeno da criação do império Assírio no meio do século XIV Antes da Nossa Era.

Este fato explicava a espetacular combinação entre a hierarquia dos deuses e os números divinos no diagrama reconstruído da Árvore. Não constituia um acidente a Árvore ser um símbolo central da ideologia real assiria. Por exemplo, alguns dos números atribuídos aos deuses eram muito antigos, como o número do Deus da Lua (30) que já é atestado desde o terceiro milênio antes da nossa era. Outros números e deuses eram novos, tendo sido criados precisamente para a versão esotérica da Árvore, para expressar a hierarquia dos deuses em termos numéricos.

Ideologicamente, o rei era a personificação da árvore, a imagem de Deus, que incorporava os diferentes aspectos do deus transcendente em sua pessoa. Autoridade, sabedoria, prudência, justiça, misericórdia, justiça, amor, brilhantismo, valor e força física eram qualidades dos grandes deuses, que o rei deveria refletir em sua pessoa.

A Árvore era ocasionalmente representada antropomorficamente, na forma de um homem coroado, espécie de junção do rei e da Árvore. Esta árvore-homem não era retratada de perfil, como de costume na Mesopotâmia, mas de frente, de forma que a imagem era estruturalmente idêntica com a árvore sagrada.

Na Cabala também, o diagrama da Árvore é interpretado em termos do homem. A configuração das sefirot representa a perfeição espiritual do primeiro homem criado à imagem de deus, sendo que este perdeu esta imagem como resultado de suas ações. A morte então tornou-se o destino do homem neste estado imperfeito. Mas havia uma forma de escapar a este destino: para restaurar o estado original da perfeição, e esta forma estava encerrada no diagrama da árvore. Muito da doutrina cabalística lida com técnicas e métodos que detalham o que fazer para atingir tal meta. As pessoas que ganhavam perfeição quase divina por seguir o caminho mostrado pela Árvore ganhava acesso ao conselho celestial dos deuses, onde podiam obter conhecimento divino e eventualmente, ser agraciados com a vida eterna após a morte..

No Épico da Criação dos Babilônicos, a emergência da pluralidade dos deuses de um estado de unidade indiferenciada é apresentada como um processo matemático ligado à estrutura numérica do diagrama da Árvore. No Épico de Etana, a Árvore aparece como o local dos dois aspectos conflitantes da alma, a águia e a cobra. A águia comete uma falta, prova o proibido (os filhotes da serpente), e, deprivada de suas penas, é amaldiçoada a perecer no poço da armadilha. A águia se arrepende, e então é resgatada pela intervenção divina. Ganhando de volta as suas penas, ela finalmente ascende aos céus junto com seu redentor, o rei Etana. No mito da Descida de Ishtar, temos uma variante sobre o mesmo tema: a deusa, que aqui simboliza a alma universal, deixa seus domínios a fim de conquistar o Submundo, perde seus poderes divinos, morre, mas é restaurada à vida, reavendo todos os seus poderes ao subir novamente às Alturas. Como no Épico de Gilgamesh, o número e a ordem dos poderes correspondem à hierarquia dos deuses na Árvore.

A ÁRVORE DA VIDA ASSÍRIA

Professor Parpola atualmente vê a Árvore não como uma Árvore propriamente dita, mas como um símbolo visual de múltiplas camadas, um instrumento de auxílio para a memória, que contém não apenas um, mas uma infinidade de significados. A forma da Árvore com sua oposição vertical céu-terra e direita-esquerda fornecia uma estrutura pela qual era possível expressar várias doutrinas interrelacionadas da religião Mesopotâmica e da ideologia real. A Árvore podia ser tomada para refletir a estrutura psíquica do homem perfeito como um equilíbrio de virtudes cardeais; ao mesmo tempo, ela também representava deus e a soma total de seus atributos. Ela podia simbolizar o rei como mediador entre o céu e a terra, mas também a alma como uma entidade que transcendia os limites do céu e da terra. Ela podia ser contemplada como uma imagem do cosmo que consistia do céu, da terra e um mesocosmo de estrelas e dos grandes deuses situados entre eles. Ela podia refletir o conselho divino, tal qual o gabinete assírio, cujos ministros ideologicamente eram imagens dos grandes deuses. A árvore delineava a ascensão da alma pura até os céus.

Todas estas diferentes interpretações têm algo em comum: a crença na habilidade da alma pura de transcender as fronteiras entre os reinos diametralmente opostos do céu e da terra. Esta crença fazia possível, por outro lado, apresentar o rei como o homem perfeito, enviado pelos céus para guiar a humanidade, bem como para manter a esperança de uma ressurreição dos mortos.

Ao representar o rei como o homem perfeito e a imagem de deus, a tornou-se no símbolo principal do império Assírio. No culto de Ishtar, a Árvore deve Ter em principio funcionado como objeto de meditação, como espécie de mandala. Como a personificação humana da Árvore - o homem perfeito - o rei tinha papel importante nos rituais. Ele era o salvador enviado para resgatar os justos, o redentor para aqueles que acreditavam nele. Podemos, portanto, de certa forma entender por que os antigos mespotâmicos escolheram-na como objeto de reverência, conhecimento secreto e contemplação. Palavra escrita alguma pode expressar de forma adequada as idéias complexas sugeridas pelo poderoso símbolo visual. Muito antes pelo contrário, estas tendem a obscurecer e distorcer a mensagem fundamental que pode ser intuitivamente obtida através da contemplação, meditação e estudo da iconografia sagrada, baseados nas fontes do cuneiforme que temos disponíveis.

Naturalmente, a Árvore era apenas um dos símbolos visuais entre muitos outros no mundo antigo. Mas era um símbolo importante na Assíria, comparável à cruz no Cristianismo. Evidentemente, deve-se frisar que qualquer tentativa de se entender a Árvore da Vida Assíria deve estar firmemente fundamentada por evidências assírias. Uma vez que as doutrinas relativas à Árvore eram também secretas, sendo escritas quando muito em linguagem alegórica e velada, deve-se também estudar doutrinas relacionadas como a Cabala, que são melhores conhecidas e sobre as quais encontramos material disponível. Somente com a ajuda de tal abordagem comparativa é que poderemos melhor entender e organizar nossas descobertas de forma coerente e tão fiel aos fatos quanto possível.

 

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