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Philosoforum, Greenwich, Londres, Equinócio de Primavera 1994

INANA E ENKI , OU A OBTENÇÃO DAS MEDIDAS SAGRADAS DO CÉU E DA TERRA


Comentários e análise:

 

Inana colocou a shugurra, a coroa da estepe na cabeça

Ela foi até os rebanhos de ovelhas, Ela foi até o pastor

Ela se encostou contra a macieira.

Quando Ela se encostou contra a macieira, sua vulva era algo lindo de se ver.

Regozijando-se com sua vulva maravilhosa, a jovem se aplaudiu. Ela disse:

- Eu, a Rainha dos Céus, irei visitar o Deus da Sabedoria.

Eu irei ao Abzu, o local sagrado em Eridu.

Em Eridu, eu prestarei homenagens a Enki, o deus da Sabedoria.

Eu farei uma prece para Enki, o deus das doces águas.

Este é um dos começos mais alquímicos que já encontrei num mito, e sem dúvida, um grande favorito. Em primeiro lugar, Inana se alegra em quem Ela é, em sua vitalidade e força física. Existe um grande mistério alquímico nesta passagem: nós mesmos somos tudo o que precisamos para começar, continuar e acabar toda Obra, das menores à Grande Obra. Nós somos o Processo e a Meta, pedra preciosa e tão comum ao mesmo tempo, dependendo da perspectiva que escolhermos.

Entretanto, autoconhecimento não pode ser um ato vazio de auto-gabação ou inflação de ego, e Inana está perfeitamente consciente deste fato. Imediatamente ela busca reconhecimento no mundo dos poderes que crê Ter dentro de si. Daí por que ela se dirige à Natureza e as coisas e seres da Natureza para que sua Verdadeira Natureza possa ser confirmada. Seja o que for que pensarmos ser deve ser manifestado no mundo e refletido/confirmado no mundo. Daí a razão para Inana dirigir-se ao local dos pastores (mundo animal e físico), bem como dos rituais onde são eleitos os Pastores e Pastoras Reais (reis e rainhas eram os pastores da terra), dirigindo-se também ao mundo vegetal, à Árvore. Só então Inana olha para si mesma e gosta do que vê.

Mas ela vai além. Porque Beleza Pura não está baseada em aparências ou padrões estabelecidos por quem se arroga o direito de lançar modismos. Inana, ao dar-se conta de sua beleza exterior, vai em busca da Sabedoria, que é a Beleza Interior que dá sustentação à aparência externa. E nesta aventura na direção da Sabedoria, ela embarca sozinha, como todos nós o fizemos, desde que os Mistérios surgiram em todos os mundos.

Observe que Inana pretende honrar e abençoar o deus da Sabedoria. Ela se considera igual a ele desde o início, apesar de pertencer à geração de deuses e deusas mais jovens. Em termos de cronologia, no panteon sumério temos a seguinte ordem:

1. Namu, a Mãe, o Oceano/Mar Primordial;

2. Anu, o deus do Firmamento, Enlil, o deus do Ar, Ki/Urash/Ninhursag, a Terra Mãe, Ereshkigal, deusa do Mundo Subterrâneo e Enki. Eles representam os poderes primordiais da Criação, e

3. A geração mais jovem de deusas e deuses, mais orientada à consciência, a valores como o Amor e a Guerra (Inana), Justiça (Marduk, Shamash), etc.

Vejamos, portanto, como Enki, mais velho, arguto e sábio, irá se preparar para receber a jovem deusa, que quer honrá-lo e abençoá-lo também, como seu igual:

Quando Ela estava a uma curta distância do Abzu, o local sagrado de Eridu,

Ele, cujos ouvidos estão [sempre] abertos,

Ele, que conhece os ME, as leis sagradas do céu e da terra,

Ele, que conhece o coração dos deuses,

Enki, o deus da Sabedoria, que tudo sabe,

Chamou seu servo Isimud.

- Ouça, meu sukkal, a jovem está prestes a entrar no Abzu

Quando Inana entrar no altar sagrado

Dê-lhe bolo amanteigado para Ela comer

Dê-lhe água para refrescar suas orelhas

Ofereça-lhe cerveja ante a estátua do leão

Trate-a como uma igual

Dê as boas-vindas a Inana na mesa sagrada, a mesa dos céus.

Recaptulando: Enki é o deus das águas doces, da sabedoria e da mágica para os Sumérios. Ele é filho de Anu, o deus do firmamento, e de Namu, o Oceano Original, que deu à luz a tudo o que existe. Pode ser estabelecida uma relação de Enki com Osiris do Egito. Osiris fertiliza a terra do Nilo, e Enki faz o mesmo na Mesopotâmia, trazendo o poder das águas doces dos grandes rios Tigres e Eufrates, que tornaram o Sul da Mesopotâmia numa terra arável e fértil. A iconografia de Enki mostra o peixe-cabra como seu emblema, simbolizando o poder das águas e da terra que o caracteriza. A cabra vai até as montanhas mais altas, enquanto que o peixe desce às maiores profundezas. Novamente, a complementaridade das profundezas com as grandes alturas está presente, e Enki é o grande alquimista da mesopotâmia. Vejamos como será o encontro de Enki com Inana em Eridu:

Isimud prestou ciosamente atenção às palavras de Enki.

Quando Inana entrou no Abzu

Ele deu-lhe bolo amanteigado para comer

Ele deu-lhe água para beber

Ele ofereceu-lhe cerveja ante a estátua do leão

Ele tratou-a respeitosamente

Ele deu as boas-vindas a Inana à mesa sagrada dos céus..

Enki e Inana beberam cerveja juntos

Eles beberam mais cerveja juntos.

Eles beberam mais e mais cerveja juntos.

Com as taças de bronze da Deusa Mãe Urash cheias até transbordar

Eles brindaram um ao outro

Eles desafiaram um ao outro.

Observe que "eles brindaram um ao outro, eles desafiaram um ao outro". Será que uma atitude um pouco mais equalitária está se estabelecendo entre o Deus Mais Velho e a Jovem Deusa? Enki tornou-se um anfitrião efusivo ao beber com Inana das taças da Terra Mãe.

Entretanto, também existe um profundo significado esotérico envolvido em "beber das taças dde Urash", e a chave para entendê-lo está na figura de Enki como deus da Sabedoria e das águas doces. Como deus da Sabedoria, Enki sabe que todo poder deve ser compartilhado e passado adiante, e como rei e pai (na realidade, Enki é tio de Inana, o título de pai sendo uma demonstração de profundo respeito e proximidade), ele sabe que a melhor forma de criar a nova geração de deuses e deusas é incentivá-los em termos de iniciativa e independência. Esta é a razão pela qual ele trata Inana "como igual" quando de sua chegada ao templo. Então, ao beber das taças da Terra Mãe, ele tem a inspiração de dar à jovem rainha de Uruk o que ela precisa para governar com sabedoria sua terra e cidade.

Enki, alto de cerveja, brindou Inana:

- Em nome do meu poder! Em nome do meu altar sagrado!

Para minha filha Inana, eu darei o Alto Sacerdócio! Divindade!

A coroa nobre e duradoura! O trono da realeza!

Inana replicou: - Eu os aceito!

- Verdade! A descida para o Mundo Subterrâneo! Ascenção do Mundo Subterrâneo!

A arte de fazer amor! O beijo do falo!

Inana replicou: - Eu os aceito!

Enki ergueu sua taça e brindou Inana pela terceira vez:

Em nome do meu poder! Em nome do meu altar sagrado!

- Para minha filha Inana eu darei o Alto Sacerdócio dos Céus!

O poder de fazer lamentações! O regozijar dos corações!

O poder de fazer julgamentos! O poder de tomar decisões!

(14 vezes Enki ergueu sua taça à Inana

14 vezes ele ofereceu à sua filha os MES

14 vezes Inana aceitou os sagrados MEs)

Este é outro grande momento deste mito. Inana aceita os mes em primeiro lugar, e então cita um por um, memorizando-os por assim dizer. Ela reconhece os poderes recebidos, sabendo perfeitamente o que representam. Porque possuir um Dom não é suficiente. É preciso que aceitemos tal Dom e que trabalhemos em cima dele, para que possam surgir resultados. De outra forma, o Dom será apenas um potencial de ser, e tudo o que existe apenas em potencial, sem ser efetivado, pode simplesmente não existir.

Então Inana, levantou-se ante a seu Pai,

Reconhecendo os MEs que Enki havia-lhe dado:

- Ele me deu o ME da coroa nobre e duradoura; Ele me deu o ME do trono da realeza;

Ele me deu o ME do cetro da nobreza; Ele me deu o ME do bastão;

Ele me deu o ME do cetro e da linha sagrados que tudo medem; Ele me deu o ME do trono elevado; Ele me deu o ME da liderança sobre os rebanhos; Ele me deu o ME da realeza;

Ele me deu o ME da sacerdotisa princesa; Ele me deu o ME da divina sacerdotisa-rainha;

Ele me deu o ME do sacerdote dos encantamentos; Ele me deu o ME do sacerdote nobre;

Ele me deu o ME do sacerdote que faz oferendas de bebidas sagradas;

Ele me deu o ME da verdade; Ele me deu o ME da descida ao Mundo Subterrâneo;

Ele me deu o ME de ascenção do Mundo Subterrâneo;

Ele me deu o ME da execução de rituais de luto; Ele me deu o ME da adaga e da espada;

Ele me deu o ME da vestimenta escura; Ele me deu o ME das vestimentas claras;

Ele me deu o ME da arte de fazer amor; Ele me deu o ME do beijar do falo;

Ele me deu o ME da arte da velocidade; Ele me deu o ME da fala direta;

Ele me deu o ME da fala traiçoeira; Ele me deu o ME do discurso enfeitado;

Ele me deu o ME da taverna sagrada; Ele me deu o ME do altar sagrado;

Ele me deu o ME da Sagrada Sacerdotisa dos Céus;

Ele me deu o ME do retumbante instrumento musical;

Ele me deu o ME da arte de fazer canções; Ele me deu o ME da arte de envelhecer;

Ele me deu o ME da arte do poder; Ele me deu o ME da arte da traição;

Ele me deu o ME da arte de ser direto; Ele me deu o ME da pilhagem das cidades

Ele me deu o ME do fazer lamentações; Ele me deu o ME do regozijar dos corações;

Ele me deu o ME do embuste; Ele me deu o ME da terra rebelde

Ele me deu o ME da arte da bondade;

Ele me deu o ME das viagens; Ele me deu o ME da morada segurança;

Ele me deu o ME da arte de trabalhar em madeira;

Ele me deu o ME da arte de trabalhar com cobre;

Ele me deu o ME da arte do escriba; Ele me deu o ME da arte do ferreiro;

Ele me deu o ME da arte de trabalhar o couro; Ele me deu o ME da arte do construtor;

Ele me deu o ME da arte de trabalhar com juncos; Ele me deu o ME do ouvido que tudo percebe;

Ele me deu o ME do poder da atenção; Ele me deu o ME dos ritos sagrados de purificação;

Ele me deu o ME da pena prodigiosa; Ele me deu o ME do empilhar de carvões quentes;

Ele me deu o ME dos rebanhos de ovelhas; Ele me deu o ME do leão de dentes amargos;

Ele me deu o ME do espanto; Ele me deu o ME da consternação;

Ele me deu o ME do reavivar o fogo; Ele me deu o ME do braço fatigado;

Ele me deu o ME da família reunida; Ele me deu o ME da procriação;

Ele me deu o ME do atiçar das disputas; Ele me deu o ME do acalmar dos corações;

Ele me deu o ME dos julgamentos,

Ele me deu o ME de tomar decisões.

Vejamos agora as Medidas. A ordenação das Medidas dá-nos uma idéia dos valores apreciados pelos sumérios. O primeiro grupo de medidas diz respeito ao serviço aos deuses, o rei, a rainha e o templo, pois para os sumérios os valores da civilização tiveram sua inspiração nos deuses e distribuídos para as pessoas através do templo ou palácio. Para eles, servir aos deuses era servir às pessoas que são a terra e que carregam os deuses dentro de si. Os outros grupos de Medidas, a começar pela "Arte do Herói" cobre as preocupações da humanidade, poder político, artes e habilidades, emoções/sentimentos, e finalmente, a tomada de decisões.

De forma bastante clara, os sumérios parecem Ter sido bastante pragmáticos. As medidas sagradas incluem os poderes para o bem e também poderes não tão "bons" propriamente falando. Este é um outro aspecto extremamente importante deste mito. Ele nos ensina a ir além das visões dualistas de poder como algo para o bem ou para o mal somente. Todos os poderes são, em si mesmos, neutros. Cabe a nós, por nossas escolhas, usá-los para a harmonia do universo. Bondade demais pode ser encarada como fraqueza, zelo excessivo na aplicação da justiça torna-se injustiça. Portanto, os poderes para governar o céu e a terra envolvem os rituais de luto e lamentações, a arte de provocar desavenças, a terra em rebelião, bem como os dons do alto sacerdócio para ambos os sexos, de fazer amor, as artes, para citar apenas alguns deles.

Ainda alto com a bebida, Enki falou a seu servo Isimud:

- Meu sukkal Isimud, a jovem senhora está prestes a partir para Uruk

É meu desejo que ela chegue a sua cidade em segurança!

Inana reuniu as Medidas Sagradas. Os ME foram colocados na Nau dos Céus.

A Nau dos Céus com as Medidas Sagradas zarpou na direção de Uruk.

Lembrem que a última medida dada à Inana é a TOMADA DE DECISÕES. Portanto, Inana decide que ela realmente quer as Medidas Sagradas, e como tal, parte de imediato para Uruk. É a Vontade, a Força e o Poder Espiritual para fazer acontecer que escolhe, discrimina, acredita e age para concretizar o que deve ser concretizado.

Quando a cerveja tinha-se evaporado daquele que tinha bebido cerveja,

Quando a cerveja tinha-se evaporado de pai Enki,

Enki olhou ao seu redor, no Abzu.

Os olhos do rei do Abzu buscaram por toda Eridu.

O rei Enki olhou por toda Eridu e chamou seu servo Isimud, dizendo;

- Meu ministro {sukkal] Isimud....

- Meu rei Enki, estou aqui para servi-vos...

- O alto sacerdócio? Divindade? A coroa nobre e duradoura? Onde estão?

- Meu rei deu-os todos para vossa filha, meu rei deu-os todos para Inana.

- A arte do herói? A arte do poder:? Da traição? De enganar? Onde estão elas?

- Meu rei deu-os todos para vossa filha.

- O ouvido que tudo percebe, o poder da atenção, o poder para tomar decisões, onde estão eles?

- Meu rei deu-os todos para vossa filha.

(14 vezes Enki questionou seu servo Isimud. 14 vezes Isimud respondeu dizendo:

- Meu rei deu-os todos para vossa filha, meu rei deu-os todos para Inana).

Então Enki falou, dizendo:

- Isimud, a Nau dos Céus com as Medidas Sagradas, onde está ela agora:

- A Nau dos Céus está a um cais distante de Eridu.

- Vá! Leve as criaturas enku com você! Que elas tragam a Nau dos Céus de volta a Eridu!

Se sob o efeito da bebida servida nas taças de Urash, a Mãe Terra, Enki podia ser generoso, agora sóbrio, seu outro lado aparece, o lado do Pai e Poderoso Xamã. Em toda mitologia, sempre que há um grande tesouro, existe também um Guardião, um monstro, um dragão para guardar o tesouro, e uma prova de coragem para aquele que quer conquistar tal tesouro. Isto quer dizer que os Mistérios ou Tesouros Espirituais oferecem abundância e riquezas, mas apenas para aqueles que forem capazes de obtê-los por meios nobres e de protegê-los também. Inana agora deve se provar digna das medidas que obteve junto a Enki. Este é um dos pontos altos deste mito. Todos nós somos guardiões e portais de tudo o que recebemos, e como tal, temos capacidade de dar. Na realidade, servimos todos nossas próprias iniciações tornando-nos os dragões e protetores dos mistérios, só passando os conhecimentos sagrados para aqueles que se provarem dignos de receberem e passarem adiante tais tesouros. Esta é a forma suméria, e bem mais bonita, de se dizer "não jogue pérolas aos porcos".

Isimud falou a Inana:

- Minha rainha, vosso pai mandou-me até vós. As palavras de vosso pai são palavras de Estado.

Elas não podem ser desobedecidas.

Inana respondeu:

- O que disse meu pai? O que Enki falou? Quais são as suas palavras de estado que não podem ser desobedecidas?

Isimud falou:

- Meu rei disse: Que Inana proceda até Uruk, mas traga de volta a Nau dos Céus com as Medidas Sagradas para Eridu.

Inana clamou:

Mal Inana havia pronunciado estas palavras,

As criaturas enku pegaram a Nau dos Céus.

Inana chamou sua serva Ninshubur, dizendo:

- Vem, Ninshubur, outrora foi você Rainha do Leste.

Agora, é você a serva fiel do altar sagrado de Uruk.

As Águas não tocaram teus pés, água não tocou tuas mãos.

Minha sukkal, ministra e conselheira que dispensa sábios conselhos,

Minha guerreira que luta ao meu

Salva a Nau dos Céus com as Medidas Sagradas!

Inana começa então a agir. Ao convocar sua conselheira Ninshubur, ela começa a reunir suas próprias forças para derrotar Enki e defender os tesouros que quer levar para sua cidade. Uma conselheira ou sukkal em sumério é uma serva especial, que age como ministro/chanceler, e que executa as ordens de sua patroa, além de gozar de poderes de decisão por sua mestra. A conselheira ou sukkal de Inana, muitas vezes chamada de "a serva do templo sagrado de Uruk" parece representar os recursos espirituais de Inana, que devem ser usados para o bem da Suméria. Há algo de especial em Ninshubur, e podemos compreender um pouco melhor sua essência através das palavras de Inana, que ao se dirigir a Ninshubur diz:

'As águas não tocaram tua mão/ Água não tocou teus pés.'

Enki, o deus das águas doces e da mágica, não pode tocar Ninshubur, porque a conselheira jamais foi tocada pelas águas. Ninshubur provavelmente é puro espírito. Ela portanto representa o aspecto de Inana como Senhora do Leste, a Estrela Matutina e Vespertina, o poder da aurora que traz o brilho do novo dia. Portanto, são os poderes celestiais de Inana que são conclamados para o combate com o arguto deus das águas doces e da mágica:

Ninshubur fez um gesto como se cortasse o ar com sua mão.

Ela então soltou um grito de partir corações.

As criaturas enku foram então mandadas de volta a Eridu!

Então Enki chamou seu servo Isimud uma segunda, uma terceira, uma quarta, uma quinta e uma sexta vez, dizendo:

- Meu ministro {sukkal] Isimud....

- Meu rei Enki, estou aqui para servi-vos...

- Onde está a Nau dos Céus neste momento?

De cada vez, Isimud dá seis diferentes localizações para a Nau dos Céus ao responder ao seu rei e senhor.

De cada vez, Enki dá a mesma resposta a Isimud:

- Então vá e mande monstros para capturar a Nau dos Céus!

Isimud mandou os monstros uma, duas, três, quatro, cinco, seis, sete vezes para aprisionar a Nau dos Céus. A cada vez os monstros eram mais fortes e poderosos. Mas uma, duas, três, quatro, cinco, seis e sete vezes Ninshubur resgatou a Nau dos Céus para Inana.

À medida em que Ninshubur derrota cada uma das criaturas mágicas de Enki, a Nau dos Céus se aproxima de Uruk. Não temos informações suficientes para estabelecer as diferenças entre os monstros mandados por Enki, mas é provável que eles sejam progressivamente mais fortes, cada um sendo por sua vez maior e mais feroz do que seu antecessor.

Agora, o que realmente ocorre quando un herói ou heroína derrota um monstro mágico? Guiados pela Vontade Mais Alta que têm dentro de si, o herói ou a heroína adquirem os poderes do monstro abatido. Minha experi|ência diz que monstros mágicos, ou os Guardiões dos Portais, que são imortais, QUEREM SER DERROTADOS, MAS APENAS POR AQUELE/AQUELE QUE FOR MAIS VALEROSO/VALEROSA. Portanto, ao derrotar as criaturas mágicas de Enki, Inana adquire delas seus poderes xamânicos.

Então Ninshubur falou a Inana:

- Minha rainha, quando a Nau dos Céus entrar pelo Portal de Ningulla de Uruk

Que as águas altas fluam para nossa cidade,

Que os barcos maiores velejem rapidamente através de nossos canais!

Inana respondeu a Ninshubur:

- No dia em que a Nau dos Céus entrar pelo Portal de Ningulla de Uruk,

Que as altas águas limpem todos os caminhos,

Que os anciões dispensem conselhos,

Que as anciãs ofereçam consolo aos corações!

Que os jovens mostrem o poder de suas armas,

Que as crianças riam e cantem,

Que toda Uruk esteja em festa!

Que o alto sacerdote dê as boas-vindas à Nau dos Céus com canções, e que e ele faça preces grandiosas! Que o rei ofereça gado e ovelhas em sacrifício, que ele os regue de cerveja!

Que ressoem os tambores e tamborins, que doce música seja tocada!

Que toda a terra proclame o meu nobre nome

Que o meu povo me cante em canção!

E assim foi feito.

No dia em que a Nau dos Céus entrou pelo Portal de Ningulla de Uruk

As águas altas varreram as ruas

As águas altas fluíram pelos caminhos

A Nau dos Céus aportou no altar sagrado de Uruk.

A Nau dos Céus aportou no altar sagrado de Inana.

Portanto, Ninshubur e Inanna decidem que quando chegarem a Uru, tal dia será de festa e de alegria para todos. Inana compartilha e faz seu povo mais forte, tal qual Isis, que também se afirma como uma Grande Maga, Padroeira de todas as artes e habilidades, e que ao final, também reconhece seu próprio povo, dizendo: "Salve a ti, Egito, que me alimenta!"

Poder verdadeiro dá poder a outrém, poder real jamais é egoísta, mas exercido para o bem comum, sendo fluxo eterno e movimento. Como Fehu, a primeira das Runas, que significa Riqueza e é representada pela palavra rebanho: Hathors e Touros Sagrados em movimento eterno por sobre o Mundo Físico. Então Enki chamou seu servo Isimud pela última vez, dizendo:

- Meu ministro {sukkal] Isimud....

- Meu rei Enki, estou aqui para servi-vos...

- Onde se encontra agora a Nau dos Céus?

- A Nau dos Céus está no Branco Cais.

- Vamos! A senhora está fazendo maravilhas lá!

A Rainha está fazendo maravilhas no Branco Cais

Inana está fazendo maravilhas no Branco Cais

Pois a Nau dos Céus está em Uruk!

Graciosamente, Enki não concede, e sim de imediato reconhece que Inana venceu, que os MES chegaram com segurança à Uruk. Mais ainda: Enki não parece desapontado com o fato de Inana Ter derrotado todos os seus monstros. Ele parece, em suma, regozijar-se com o feito de Inana, pois suas palavras textuais são

A Rainha está fazendo maravilhas no Branco Cais

Inana está fazendo maravilhas no Branco Cais

Pois a Nau dos Céus está em Uruk!

(E apesar do texto em si não ser explícito, sabemos que Enki foi de imediato ao encontro de Inana em Uruk.)

As Medidas Sagradas foram sendo descarregadas

E à medida em que as Medidas Sagradas estavam sendo descarregadas

As Medidas Sagradas que Inana havia recebido de Enki

Elas foram sendo anunciadas e presenteadas ao povo da Suméria.

Então mais MÊS apareceram

Mais MÊS do que Enki havia dado a Inana.

E estes também foram presenteados para o povo de Uruk.

Inana trouxe as Medidas Sagradas

Ela trouxe o colocar da roupa no chão

Ela trouxe encanto

Ela trouxe a arte de ser mulher

Ela trouxe a perfeita execução dos ME

Ela trouxe os tambores tigli e lili

Ela trouxe os tamborins sagrados.

Os MÊS inesperados são os atributos do Divino Feminino. E o começo da história se repete no final, num ciclo perfeito. No começo deste mito, Inana se regozija com seu poder feminino na sua forma mais vital, na vulva maravilhosa. Depois de Ter sido testada e bem se saindo da melhor forma, Inana emerge como uma deusa bem mais completa. De força física e vitalidade à heroína e rainha. E todos estes presentes também são dados e apresentados ao povo de Uruk.

Inana falou novamente:

- Onde a Nau dos Céus aportou

Que seja este local chamado o Branco Cais

Onde foram apresentados os ME sagrados

Que seja este local chamado o Cais de Lápis Lazuli.

Então Enki falou a Inana, dizendo:

- Em nome do meu poder! Em nome do meu altar sagrado!

Que os ME que você conquistou permaneçam no altar sagrado de sua cidade!

Que o alto sacerdote passe o seu dia entoando cantos no altar sagrado

Que os cidadãos de tua cidade prosperem!

Que os filhos de Uruk se regozijem!

O povo de Uruk é aliado do povo de Eridu

Que a cidade de Uruk seja restaurada em seu poder nesta grande terra!

Portanto, creio que esta parte do mito guarda uma relação direta com fatos históricos mencionados anteriormente, quando em 4,000 Anos Antes da Nossa Era houve ocorreu a mudança do poder religioso de Eridu para Uruk, onde sacerdotes e sacerdotisas compartilhavam igualmente o poder temporal e espiritual. O reconhecimento do poder espiritual e tempora é a base para igualdade em todos os níveis e esferas, e sem este reconhecimento, a capacidade de sentir o Divino e a Divina no Amado e na Amada não pode haver Casamento Sagrado, que é exatamente o próximo capítulo do Ciclo de Inana.

Que o Divino Masculino e o Divino Feminino sejam um dentro de todos, independente de preferências sexuais!

 

Fonte:

Wolkstein, Diane e Kramer, Samuel Noah (1983) Inanna: Queen of Heaven and Earth - her stories and hymns from Sumer. Harper and Row, New York.