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 AS PRIMEIRAS ESCOLAS

 


De Samuel Noah Kramer (History begins in Sumer, 1981, University of Pennsylvania Press, Philadelphia)

 A escola suméria surgiu diretamente da invenção e desenvolvimento do sistema de escrita cuneiforme, a maior contribuição dos Sumérios para a civilização. Os primeiros documentos escritos foram encontrados na cidade suméria de Uruk. Eles consistem de mais de mil tábuas de argila inscritas com caracteres pictográficos contendo memorandos dados econômicos e administrativos, como se fossem memorandos. Mas dentre eles constam tábuas que contém listas de palavras cujo objetivo provável era a estudo e a prática. Ou seja, ali pelo anos de 3.000 Antes da Nossa Era, ou seja, há cerca de 5.000 anos atrás, alguns escribas já estavam pensando em termos de ensinar e aprender. O progresso deu-se de forma lenta nos anos séculos que se seguiram, mas na metade do terceiro milênio, deve Ter existido uma série de escolas em toda a Suméria onde a escrita era formalmente ensinada. Na antiga cidade de Shurupk, a cidade do Noé sumério (Utnapishtim é o seu nome), foram escavados em 1902-1903 um volume considerável de "livros texto" datados de cerca de 2500 Antes da Nossa Era.

Entretanto, foi na última metade do terceiro milênio que o sistema escolar sumério amadureceu e floresceu. Deste período já foram escavadas dezenas de milhares de tábuas de argila, e não há dúvida de que outras centenas de milhares estão enterradas no chão, esperando por um futuro escavador(a). A grande maioria são de caráter administrativo; elas cobrem cada aspecto da economia suméria. Delas, podemos apreender que o número de escribas que praticavam esta profissão cresceu para a casa dos milhares com o correr dos anos. Havia escribas júniores e escribas de alto escalão, escribas reais e escribas dos templos, escribas que eram especializados numa determinada categoria de atividades administrativas, e escribas que se tornaram funcionários de destaque no governo. Podemos, portanto, supor que numerosas e grandes escolas para formar escribas floresceram em toda Suméria.

 

Nenhuma destas tábuas mais antigas tratam do sistema escolar sumério, sua organização e seus métodos de operação. Para este tipo de informação, devemo-nos voltar para a primeira metade do segundo milênio antes da nossa era. Deste período, foram escavados centenas de tábuas de prática cheias de todo tipo de exercícios verdadeiramente preparados pelos próprios alunos como parte de seus deveres de casa. As letras vão desde os rabiscos lamentáveis de um estudante do primeiro ano até os sinais elegantemente grafados do estudante prestes a se graduar. Por inferência, estes antigos livros de cópias não nos dizem muito a respeito dos métodos de ensino da escola suméria ou sobre a natureza do currículo. Felizmente para nós, os professores sumérios antigos gostavam de escrever sobre a vida e os fatos da escola, e muitos de seus ensaios sobre tais temais foram recuperados pelo menos em parte. A partir destas fontes, começamos a Ter uma idéia do que era a escola suméria, suas metas e objetivos, estudantes, professores, currículo e técnicas de ensino. São relatos únicos para um período de história tão antigo.

A meta original da escola suméria era o que hoje poderíamos dizer formar profissionais, ou seja, a escola suméria foi primeiramente estabelecida para o treinamento de escribas necessários para atender as demandas administrativas e econômicas da Suméria, principalmente para servir aos templos e palácios. Esta continuou a ser a meta principal da escola suméria ao longo de toda sua existência. Entretanto, com seu crescimento, ela também se transformou no foco de cultura e aprendizado. Dentro das paredes da escola, floresceram a erudição e as ciências, sendo que os bancos de escola formaram teólogos, cientistas, botânicos, zoólogos, geógrafos, matemáticos, gramáticos, e lingüistas, etc.

Além do mais, semelhante às nossas atuais instituições de ensino, a escola suméria era o centro do que podemos chamar de escrita criativa. As criações literárias do passado lá eram estudadas e copiadas, além de promoverem o aparecimento de novas composições. Enquanto que é verdade que a maior parte dos graduados da escola suméria tornavam-se escribas a serviço do templo e do palácio, entre os ricos e poderosos da Mesopotâmia, também era verdade que alguns devotavam suas vidas ao ensino. Tal qual o professor ou professora universitários de nossos dias, muitos destes estudiosos da antigüidade dependiam de seus salários para viver, e também dedicavam-se à pesquisa e a escrever nos seus períodos de folga. A escola suméria, que provavelmente começou como um anexo ao templo, tornou-se com o tempo numa instituição secular; seu currículo também tornou-se de caráter secular. Os professores eram pagos, aparentemente, com as taxas cobradas dos estudantes.

Educação não era nem universal ou compulsória. A maior parte dos estudantes vinham de famílias abastadas; os pobres mal podiam arcar com o custo e tempo demandados por uma educação prolongada. Até recentemente, achava-se que este era o estado natural da educação na Suméria. Mas em 1946, Nikolaus Schneider, um escavador alemão, provou este fato com dados concretos. Dos milhares de documentos administrativos publicados a partir de 2000 antes da nossa era, cerca de 500 pessoas escreveram seus nomes como escribas, e deram indicações sobre a ocupação de seus pais e deles mesmos. Schneider compilou uma lista a partir destes dados, e descobriu que os pais destes escribas, ou seja, os pais dos estudantes graduados, eram governadores, pais da cidade, embaixadores, administradores de templos, militares de altas patentes, cobradores de impostos, gerentes, pertencentes à marinha (frota marítima), escribas, arquivistas, contadores, etc. Em suma, os pais destes jovens estavam entre os mais ricos cidadãos das comunidades urbanas. Sabe-se que mulheres figuravam na lista de escribas profissionais da Suméria.

O diretor da escola suméria era chamado de ummia, "especialista", "professor", que também era chamado de "pai da escola", enquanto que o estudante era chamado de "filho da escola". O professor assistente era conhecido como "irmão maior", e algumas de suas atribuições era escrever novas tábuas para os estudantes copiarem, examinar as cópias feitas pelos estudantes e ouvi-los recitá-las de memória. Outros membros da escola eram chamados "aquele(a) encarregado(a) dos desenhos" e "aquele(a) encarregado(a) do Sumério" (provavelmente o professor da língua suméria). Havia também os monitores encarregados da presença em aula dos estudantes e uma pessoa encarregada da vara, ou seja, aquele(a) que presumivelmente era o(a) encarregado(a) da disciplina. Quase nada sabemos a respeito da hierarquia do pessoal, exceto que o diretor era o "pai da escola". Nada sabemos também de suas fontes de renda. Provavelmente os professores eram pagos pelo "pai da escola" segundo o que recebia dos estudantes e alunos.

No que tange ao currículo da escola suméria, há muitos dados disponíveis das próprias escolas. Podemos ver que o currículo escolar era feito de dois grupos principais, o primeiro podendo ser chamado de semi-científico, ou erudito, e o segundo como literário e criativo.

Ao considerarmos o primeiro, ou seja, o grupo semi-científico, é importante ressaltar que não este não se configura como hoje caracterizamos ou grupo científico, ou seja, a busca da verdade pela verdade. O grupo semi-científico cresceu e se desenvolveu a partir da meta fundamental da escola, que era ensinar o escriba a escrever o idioma sumério. A fim de satisfazer esta necessidade pedagógica, os professores escribas sumérios inventaram um sistema de instrução que constituía fundamentalmente na classificação lingüística, ou seja, eles classificavam a língua suméria em grupos de palavras e frases relacionadas entre si e faziam os estudantes copiá-las e memorizá-las até que pudessem reproduzi-las com facilidade. No terceiro milênio antes da nossa era, estes livros texto tornaram-se cada vez mais completos e gradualmente cresceram para serem padronizados por quase todas as escolas da Suméria. Dentre eles, encontramos longas listas de nomes de árvores e juncos, de todos os tipos de animais, incluindo insetos e pássaros, países, cidades, e vilas, pedras e minerais. Estas compilações revelam uma familiaridade com o que hoje chamamos de botânica, zoologia, geografia e mineralogia, fato que apenas hoje começa a ser reparado por historiadores da ciência.

Os professores sumérios também prepararam várias tábuas matemáticas e muitos detalharam problemas matemáticos, juntamente com suas soluções. No campo da lingüística, o estudo da gramática suméria estava bem representado entre as tábuas (livros?) escolares. Um grande número contém longas listas de substantivos complexos e formas verbais, indicando uma abordagem gramatical altamente complexa. Além do mais, como resultado da conquista gradual dos sumérios pelos semíticos acádios na última parte do terceiro milênio, os professores de sumério prepararam os mais antigos dicionários conhecidos pelo homem. Os conquistadores semíticos não apenas tomaram emprestado a escrita suméria: eles tinham em alta conta os trabalhos literários sumérios, os quais estudavam com afinco e parafraseavam muito depois da língua suméria Ter-se tornado extinta como língua falada. Daí a necessidade pedagógica de dicionários, nos quais as palavras e frases sumérias eram traduzidas na língua acádia.

No que tange aos aspectos literários e criativos do currículo de sumério, este [currículo] consistia principalmente no estudo, cópia e imitação do grande e diversificado grupo de composições literárias que devem Ter-se originado e desenvolvido principalmente na ultima metade do terceiro milênio antes de nossa era (cerca de 5.000 anos atrás). Estes trabalhos clássicos, que são centenas, tinham quase todas forma poética, tendo de 50 a quase mil linhas. Os trabalhos que foram recuperados até o presente enquadram-se principalmente dentro dos seguintes gêneros: mitos e contos épicos na forma de poemas narrativos que comemoram os feitos e ações dos deuses e heróis sumérios; hinos aos deuses; lamentações referentes à destruição de cidades sumérias, composições de sabedoria, incluindo provérbios, fábulas e ensaios. Destas tábuas literárias e fragmentos descobertos nas ruínas da Suméria, muitos foram escritos pela mão imatura do estudante e aprendiz de escriba.

Pouco se sabe sobre os métodos e técnicas de ensino praticadas pela escola suméria. Pela manhã, na chegada à escola, o estudante evidentemente estudava a tábua que havia preparado no dia anterior. Então o irmão maior, ou seja, o professor assistente, preparava uma nova tábua, que o estudante imediatamente se punha a copiar e estudar. Tanto o irmão mais velho quanto o pai da escola provavelmente examinavam as tábuas feitas para corrigi-las. Sem dúvida, memorização era uma atividade muito importante do trabalho estudantil. Os professores e assistentes devem Ter suplementado, com considerável material oral e explanatório, as listas cruas, as tábuas e os textos literários copiados e estudados. Mas estas conferências ou aulas explanatórias, que teriam sido fundamentais para o nosso entendimento do pensamento sumério científico, religioso e literário nunca foram escritas, estando, portanto, perdidas para sempre para nós.

Um fato se salienta: a escola suméria tinha caráter autoritário. Em termos de disciplina, a palmatória era bastante utilizada. Enquanto que os professores provavelmente incentivavam seus estudantes por elogios e recomendações pelos bons trabalhos, era certo que dependiam da vara para corrigir os erros e falhas. As coisas pareciam não ser muito fáceis para o estudante. Horas de aula iam do nascer ao pôr-do-sol. Não temos registros de férias, mas elas devem Ter tido lugar. O estudante também devotava muitos anos à escola, permanecendo lá da adolescência até tornar-se um jovem maduro Não sabemos, porém, em que ponto o estudante escolhia uma especialização. Neste ponto, nossas fontes nos faltam.

Como se parecia uma escola suméria? Em muitas escavações mesopotâmicas, apareceram construções que por um motivo ou outro foram identificadas como possíveis escolas, uma em Nippur, outra em Sipar e outra em Ur. Mas, exceto pelo fato de que um grande número de tábuas foram encontradas nestas salas, há poucas diferenças destas mesmas salas para outras peças de casas comuns, portanto esta identificação pode ser errônea. No inverno de 1934-35, porém, o estudioso francês que escavou Mari, cidade a oeste de Nippur, descobriu duas salas que com certeza parecem Ter as configurações físicas características de uma sala de aula, principalmente por que elas continham várias fileiras de bancos feitos de tijolos cozidos, grandes o suficiente para acomodar uma, duas, três ou quatro pessoas. Estranhamente, nenhuma tábua foi encontrada nestas salas, e portanto nossa identificação ainda permanece incerta.

 

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Nota de Lishtar: Quando ler estudante, leia-se o(a) estudante, ou seja, homens e mulheres.