- MEDICINA NA ANTIGA MESOPOTÂMIA
A maior parte das informações disponíveis para estudiosos modernos vem de tábuas escritas com o sistema cuneiforme. Não existem representações de figuras que tenham sobrevivido na arte da Antiga Mesopotâmia, nem um número significativo de esqueletos ainda a serem analisados. Infelizmente, enquanto que uma infinidade de tábuas cuneiformes chegaram até nós desde aqueles tempos, muito poucas se ocupam de temas médicos. Muitas das tábuas que mencionam práticas médicas vêm da biblioteca de Assurbanipal, o último grande rei da Assíria. A biblioteca de Assurbanipal estava alojada no palácio do rei em Nínive, e quando o palácio foi incendiado por invasores, cerca de 20,000 tábuas de argila foram queimadas ( e portanto preservadas) pelo grande incêndio. No início da década de 1920, 660 tábuas envolvendo assuntos médicos da livraria de Assurbanipal foram publicadas por Cambell Thompson. Outros textos médicos tem sido publicados mais recentemente (ver bibliografia abaixo).
A grande maioria destas tábuas são receitas, mas há uma série delas que contém entradas que eram diretamente relacionadas umas às outras, e estas são chamadas de Tratados. O maior destes tratados médicos é conhecido como o Tratado de Diagnósticos e Prognósticos Médicos. O texto constitui 40 tábuas coletadas e estudadas por R. Labat. A cópia mais antiga deste tratado data de 1600 Antes da Nossa Era, mas o texto em si é uma compilação de vários séculos de conhecimento médico na Mesopotâmia. O tratado de diagnóstico está organizado na ordem que vai da cabeça ao pé, com subseções cobrindo doenças convulsivas, ginecologia e pediatria. È uma pena que traduções antiquadas e feitas por leigos nas ciências médicas fazem com que os textos pareçam extratos de um livro de aprendiz de feiticeiro. De fato, como pesquisas recentes têm mostrado, as descrições das doenças listadas mostram uma aguçada capacidade de observação. Virtualmente todas as doenças esperadas podem ser encontradas na parte do diagnóstico, e há seções que estão completamente preservadas, como as de neurologia, febres, doenças venéreas e lesões de pele. Os textos médicos também são facilmente identificáveis, como no caso de tratamento de sangramentos, onde todas as plantas mencionadas são conhecidas, e as mesmas usadas em muitos tratamentos para os mesmos casos.
Conceito Mesopotâmico para Doença e Cura
As doenças eram causadas por espíritos: deuses, fantasmas, etc. Entretanto, cada Espírito era considerado responsável por apenas uma doença em qualquer parte do corpo. Portanto, em geral "a Mão do(a)e deus(a) X" do estômago correspondia ao que chamamos de doença estomacal. Uma série de doenças era simplesmente identificada por um nome, como bennu, por exemplo. Os deuses podiam ser culpados num nível mais alto por causar uma doença ou o mal funcionamento de um órgão, mas em alguns casos esta era uma forma de dizer que um determinado sintoma não era independente, mas causado neste caso por uma doença Y. Plantas eram usadas para tratar os sintomas das doenças, sendo que plantas diferentes eram usadas em rituais mágicos para aplacar o mesmo espírito. Pode-se inferir que oferendas específicas eram feitas a um deus ou espírito determinado quando se considerava que este era a causa da doença, mas estas oferendas não estão indicadas em textos médicos, devendo ser encontradas em outros textos
Profissionais da Medicina na Mesopotâmia
Através do exame de tábuas médicas da Mesopotâmia, fica claro que havia dois tipos distintos de profissionais da Medicina no Oriente Próximo. O primeiro tipo de profissional em geral era chamado ashipu, ou 'mago'. Um dos mais importantes papéis do ashipu era o diagnóstico da doença e determinar que deus ou demônio a estava causando.O ashipu também tentava determinar se a doença era resultado de algum erro ou pecado Por parte do paciente. A frase "a Mão de...." era usada para indicar a divindade responsável pela aflição em questão, sendo que então esta divindade podia ser aplacada com oferendas e preces pelo paciente. O ashipu podia também tentar curar o paciente através de simpatias e encantamentos que eram feitos para levar embora o espírito causador do mal. Ele também podia referir o paciente a um outro tipo de profissional da área médica chamado asu. O asu era um especialista em remédios à base de ervas e em medicina tradicional mesopotâmica, sendo chamado em geral de "médico", pois ele lidava com o que em geral pode ser descrito como aplicações empíricas de medicação. Ex: no tratamento de feridas, ele usava três técnicas fundamentais, como lavar a ferida, uso de compressas e bandagens. Todas estas técnicas of asu parecem ser as formas mais antigas de prática da medicina e os registros mais antigos de uma literatura médica, a cerca de 2100 Antes da Nossa Era.
O conhecimento do asu em termos de fazer compressas é bastante interessante. Muitas das compressas antigas (misturas de ingredientes medicinais aplicados a uma ferida e mantidas o ugar por uma bandagem) parece ser uma forma eficiente de tratamento. Por exemplo, algumas as mais complicadas compressas exigiam o aquecimento de uma resina de planta ou gordura nimal com algo alcalino. Esta mistura, quando aquecida, libera sabão, que ajudaria a roteger contra infecções bacterianas. Enquanto que a relação entre o ashipu e o asu não está totalmente esclarecida, os dois tipos de profissionais parecem Ter trabalhado juntos para efetivar curas. Os mais ricos pacientes provavelmente buscavam os cuidados médicos tanto do ashipu quantodo asu para curar uma doença. Parece que os dois profissionais trabalhavam em geral um cooperando com o outro no tratamento de doenças.
Além de compartilhar pacientes, parece que os papéis de ambos algumas vezes se mesclavam: um asu podia ocasionalmente fazer um encanto, e um ashipu prescrever uma droga. Evidência para tanto foi encontrada na biblioteca de um ashipu que continha receitas farmacêuticas. Outra fonte de evidência com relação às habilidades dos médicos na Mesopotâmia está no Código de Hamurabi. Esta coleção não foi escrita numa tábua, mas descoberta num grande bloco negro de diorita. O Código de Hamurabi não era um código de leis como entendemos hoje, mas provavelmente uma coleção de decisões legais feitas por Hamurabi (cerca de 1700 Antes da Nossa Era) ao longo de sua atuação como juiz, e publicada para fazer propaganda de sua justiça .
O Código de Hamurabi é uma notável, mas não única, aplicação da justiça na Mesopotâmica, e é baseado no princípio de "olho por olho, dente por dente". Havia várias leis no Código de Hamurabi com relação aos cirurgiões. Estas leis dizem que o médico era responsável por erros e fracassos da cirurgia. É também digno de nota que, de acordo com tais leis, o pagamento do cirurgião bem sucedido e do mal sucedido era determinado pelo status do paciente. Se o cirurgião salvava a vida de um escravo, ele recebia apenas dois shekels. Entretanto, se uma pessoa de status morresse como resultado de uma cirurgia, o cirurgião arriscava-se a Ter sua mão cortada. Se um escravo morresse quando da cirurgia,o cirurgião apenas tinha de pagar para a substituição do escravo.
Quanto à cirurgias, independente dos riscos, temos quatro tábuas associadas com a execução de um procedimento cirúrgico. Uma das tábuas está muito danificada, infelizmente, mas das três remanescente, uma parece descrever um procedimento são feitos cortes no peito de um paciente, a fim de remover pus da pleura. Os dois outros textos pertencem a uma coleção chamada "Receitas para Doenças da Cabeça". Um destes textos mencionam a faca do asu cortando levemente a cabeça do paciente. A tábua cirúrgica final menciona os cuidados pós-operatórios de um ferimento cirúrgico, onde é recomendada uma atadura de óleo de gergelim, que funciona como agente anti-bactericida.
Outro ponto importante é a identificação de várias drogas mencionadas nas tábuas. Infelizmente, muitas destas drogas são difíceis ou impossíveis de serem identificadas com um alto grau de certeza. Em geral, os nomes empregados são metafóricos, como gordura de leão, lírio do tigre, etc. Das drogas que foram identificadas, a maioria era feita de extratos de plantas, resinas ou feitas a partir de temperos. Muitas das plantas usadas pelo asu têm propriedades antibióticas, enquanto que resinas e temperos tinham algum valor antisséptico. Além destes benefícios, deve-se Ter em mente que tanto os remédios como as ações dos médicos antigos devem Ter tido um forte efeito placebo. Os pacientes sem dúvida acreditavam que os médicos eram capazes de curá-los. Portanto, no mínimo, visitar o médico reforçava as noções de bem-estar e saúde.
Outras fontes de tratamentos de saúde podiam ser obtidas no templo de Gula. Gula, em geral visto como um cão, era um dos mais poderosos deuses da cura. Enquanto que escavações dos templos dedicados a Gula não têm revelado sinais de que os pacientes eram acomodados no templo enquanto recebiam tratamento (como no caso dos templos de Esculápio na Grécia), estes templos podem Ter sido locais para o diagnóstico de doenças.
Parece claro que os templos de Gula também tinham bibliotecas dedicadas a temas de saúde. O principal centro de saúde era o lar, sendo que os cuidados aos pacientes eram fornecidos na própria casa do paciente, com a família prestando os cuidados. Fora da casa, outros importantes centros de cura situavam-se próximo aos rios. Os mesopotâmicos acreditavam que os rios podiam levar para longe substâncias e forças causadores de doenças. Algumas vezes, uma pequena cabana para a pessoa doente era erguida próxima à casa ou rio para ajudar no tratamento do paciente que estava em casa
Conclusões:
Se a Medicina praticada na Antiga Mesopotâmia deixou um legado que, em última análise, influenciou médicos de outras civilizações, constitui uma questão que jamais será completamente respondida. Enquanto que muitos dos princípios básicos da medicina, como o uso de ataduras e a coleta de textos sobre medicina começou na Mesopotâmia, outras culturas também desenvolveram estas práticas de forma independente. Mesmo na própria Mesopotâmia, muitas das técnicas desapareceram depois de haver sobrevivido por milhares de anos. Foi a medicina egípcia, entretanto, a mais influente, e sabemos deste fato através dos gregos.
Algumas referências para Medicina na Mesopotâmia:
Hector Avalos, Illness and Health Care in the Ancient Near East: the Role of the Temple in Greece, Mesopotamia, and Israel
M.Stol, Epilepsy in Babylonia (1993) JoAnn Scurlock, "Witchcraft and Magic in the Ancient Near East and the Bible," in Encyclopedia of Women and World Religion
JoAnn Scurlock, "Physician, Exorcist, Conjurer, Magician: A Tale of Two Healing Professionals," Papers of the 1995 Mesopotamian Magic Conference (a ser publicado).
Mary Coleman and JoAnn Scurlock, "Viral Hemorrhagic Fevers in Ancient Mesopotamia," Journal of Tropical Medicine (a ser publicado).
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