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NINGAL E NANA


como a Deusa dos Sonhos encontrou o Senhor da Lua

O culto de Ningal e Nana era comum durante a Terceira Dinastia de Ur. Mito que contém uma lição de moral para jovens enamorados: a sexualidade deve ser praticada em termos ideais dentro do contexto do matrimonio. Um dos aspectos mais interessantes da Mesopotâmia é que apesar de ser permitida alguma liberdade para os jovens se encontrarem antes do casamento, ‘ não existe promiscuidade ou adultério entre os casais de deuses e deusas formadores do panteon mesopotâmico, ao contrario do que ocorre na literatura grega’ (Leick, 1994:35). Ningal aqui é chamada de Deusa da Interpretação dos Sonhos, conforme Leick (1991).

Quando Nana, o deus da Lua, o primogênito de Enlil e Ninlil, deus e deusa do Ar, apareceu nos céus, o jovem deus que era a Tocha brilhante de seu avô Anu, o deus do Firmamento, ao se renovar e iluminar a luz difusa dos primeiros tempos da criação, trouxe consigo o Tempo, a medida cósmica que permite a contemplação da Eternidade através dos pequenos e grandes acontecimentos que dão significado às nossas vidas. Pois à medida em que Nana se movia pelos céus da noite, mudando de brilho crescente a decrescente, para crescer e decrescer de novo, as portas do céu se abriam para deixar passar dias e noites, meses e anos. E maravilha das maravilhas, a passagem de Nana fazia com que a vida entrasse em perfeita sincronia com o seu brilho de prata: as marés, a ida e vinda das enchentes da primavera para renovar a fertilidade da terra, o crescimento dos juncos, o respirar das plantas, a abundância de leite, queijo e creme dos rebanhos, e mais do que tudo, no sangue sagrado de todas as mulheres.

Portanto, Nana, a Lua era ao mesmo tempo jovem e velho, trazendo descanso para a terra e os seres vivos, sonhos e todas as fantasias. Amado por muitos, igualmente temido por outros tantos, o brilho da lua fazia tudo igualmente próximo e longínquo, tão perto e ao mesmo misteriosamente remoto. Sua era uma estranheza tanto intima quanto assustadora, pois a chegada de Nana trazia doces sonhos ou fantasias esquisitas durante o sono. Mas se se quisesse ficar acordado e fazer companhia ao Senhor da Lua ao longo das horas pequenas da noite, Nana também concedia vigilância e iluminação para o estudante diligente dos mistérios da alma. Uma destas estudantes era uma jovem deusa Anunaki chamada Ningal.

A jovem Ningal vivia na região dos pântanos, nas proximidades da antiga povoação de Eridu. Ningal era a filha adorada de Ningikuga, a Deusa dos Juncos e de Enki, o deus das águas doces, da mágica e das artes. Esbelta, de longos cabelos negros e olhos mais escuros do que noite sem luar, Ningal era quieta apenas na aparência. Dentro, ela era dona de uma intensidade profunda e sensual, bem como tinha o dom de revelar a linguagem do desconhecido contida em imagens, lendas antigas, na poesia e, mais do que tudo, em sonhos. Ela era naturalmente espontânea mas reservada. Interpretar sonhos, saber a linguagem de imagens lindas e bizarras, não era um dom fácil de se ter ou compartilhar.

Por quê, pode-se muito bem perguntar? Simplesmente porque sonhos expressam em imagens o tecer interior da vida através de símbolos, assim como também mostram o reverso secreto que o exterior de nossas vidas tenta esconder ou não quer ver. Ningal havia aprendido, muitas vezes da forma mais difícil, que para achar o verdadeiro significado de um sonho, era necessário manter o equilíbrio entre as imagens exteriores que ela recebia, e daí levar em consideração três pontos importantes. Primeiro, era preciso saber se estas imagens eram parte da Memória da Terra desde o inicio dos tempos ou não. Segundo, era necessário ver se as imagens recebidas faziam parte do conhecido ou do desconhecido para ela, e terceiro, tentar entender a linguagem cifrada das imagens do sonho, para poder encontrar dentro delas as pistas para cura e compleitudo contidas nos sonhos grandes e pequenos. Sonhos eram professores exigentes e caprichosos: o conhecimento obtido através da interpretação deles trazia tanto riso quanto lagrimas, quando o entendimento subia às maiores alturas ou descia às profundezas como estrela cadente. No fundo, porém, Ningal sabia que apesar das lágrimas, ela não suportaria não saber, ou ignorar a essência da vida. E que talvez sabedoria para ela quisesse dizer o sorriso além das lágrimas.

Desde que Ningal podia se lembrar, no mundo mágico dos pântanos, onde ilhas surgem das águas do azul mais profundo margeadas por palmeiras, ela seguia a progressão de Nana pelos céus da noite. Uma sensação de maravilha, assombro e mistério tomava conta de Ningal sempre ela via o brilho da lua refletido nas águas e sentia todo impacto da passagem do Senhor do Brilho de Prata no seu corpo, nas suas mudanças de humor, dentro da alma. Mãe Ningikuga balançava a cabeça, mas nada dizia. Ela, a sábia Deusa dos Juncos, a Soberana dos Pântanos, a grande amiga de Enki e diligente Tecelã que ensinou à humanidade a arte de tecer juncos para a construção dos primeiros templos e casas construídos pelo homem na Mesopotâmia, sabia o que a timidez natural da donzela ainda não podia revelar. Ningal tinha-se apaixonado por Nana. Ningikuga, portanto, apenas cuidava de Ningal, respeitava o silencio da donzela. Logo, tinha certeza, Ningal iria amadurecer como deusa e donzela da Casa Sagrada dos Anunaki. Então ela saberia escolher o desejado de seu coração, cantar para ele uma canção de noiva.

As Canções de Noiva falavam a respeito do desejo da donzela pelo amado, seu desejo de ir ao seu encontro, e da antecipação do prazer sexual compartilhado no Rito do Casamento Sagrado. Ningikuga sabia que logo Ningal iria amadurecer como mulher. Então ela iria saber quem escolher, e anunciaria a escolha de seu coração numa canção de amor para o amado. Este jovem seria Nana, porém?

A Lua teve de completar outro ciclo ao longo das estações até que finalmente Ningal encontrasse a sua voz para se dirigir ao amado pela primeira vez. Então, uma noite, quando Nana apareceu nos céus anunciando o começo da primavera, Ningal sentiu finalmente que podia cantar para Nana a canção do seu coração, o desejo do seu corpo e o anseio da sua alma. Será que ele iria aceitá-la? Ningal não tinha certeza, mas com surpresa e alegria percebeu que ela esperava, mas não sofria, por Nana.

"Conhecendo Sonhos como conheço," ela constatou simplesmente para si mesma," apesar de esperar que Nana seja realmente o profundo desejo da minha lama, será que ele vai ser também a delícia do meu dia-a-dia, o meu Companheiro dos Mistérios da Vida? Mas sem antes encontrá-lo, como poderei saber se ele é realmente o Amado, e não um Potencial Não Realizado?"

No fundo, Ningal sabia, porém, que como o leão queria apenas a sua aveludada e feroz fêmea, como o tigre só se deita com a sua tigresa, ela sonhava fazer dos braços de Nana o seu ninho, se ele se rendesse às suas carícias. Pois então ela cantou:

- Salve, Nana, é Ningal que chama / Salve, Nana, da noite o esplendor! / Bem-vindo seja, ao mundo em que eu vivo / Oh sonho mais querido, desejo abrasador. / Vem para mim, pois quero te encontrar. / Te conhecer, para saber te amar. / Será você o senhor do meu desejo? / Grande abraço pra meu beijo? / O meu grande amor?

Naquela noite, no começo da primavera, Nana olhou para a região dos pântanos, pois havia escutado uma canção, a canção de Ningal. O Deus da Lua ouviu a voz da donzela, viu a face de Ningal voltada para os céus, sorrindo para ele. Nana estremeceu, pois em Ningal ele reconhecia a delícia de um Sonho profundo tornado realidade. Pois tanto quanto ele podia-se lembrar, uma donzela tinha sido a Companheira Silenciosa das suas jornadas noturnas, sempre retornando para cativá-lo a cada noite, no decorrer de todas as estações. Os olhos dela, escuros e enigmáticos, sua beleza a um tempo cultivada, vivaz e silvestre tinha atraído o interesse do filho de Enlil e príncipe dos jovens deuses, desafiando-o com perguntas silenciosas e promessas mil, mesmo sem falar. Nana viu Ningal e amou-a mais do que qualquer outra. Desejo tão grande pela jovem deusa sentiu o Deus da Lua que imediata e impetuosamente ele desceu dos céus para ir encontrá-la na terra e lhe perguntar:

- Ningal, companheira silenciosa da minha alma que vagueia pelo espaço, as horas da noite estão chegando ao fim, e logo terei de desaparecer, para voltar apenas na noite que vêm. Mas antes de te deixar, eu suplico que ouça o mais humilde e cortês pedido daquele que apenas ser teu melhor amigo, dos amantes, o mais querido. Senhora do meu coração, espelho da minha alma, agora que te encontrei, meu sangue canta, meu coração bate, minha cabeça se enche de imagens maravilhosas, todas vindas de ti! Mal posso esperar para ter-te em meus braços e compartilhar contigo todas as delícias de nossos corpos! Portanto, Ningal, se me amares de verdade, tanto quanto eu sinto que te amo, eu te suplico que venha até mim amanhã na lagoa, próxima aos Grandes Pântanos. Oh, senhora do meu coração, não tenha medo da escuridão, pois minha luz irá te guiar. Nada e ninguém irá te causar tristeza ou dor, mas para assegurar a tua salvaguarda, corta alguns juncos e usa-os para abrir teus caminhos até mim. Eu trarei ovos de pássaros para comermos, nós beberemos das águas límpidas da lagoa. Oh, minha doce senhora, por que esperar pelo tempo certo para nos encontrarmos em público num dos próximos eventos, por que esperar tanto pelos ritos do casamento? Amada, vem para mim, mas em segredo, para não causarmos transtornos as nossas famílias, para os mais velhos deuses e deusas desta terra, que querem os costumes sagrados seguidos ã risca, em todos os momentos! Se realmente me amares, Ningal, como eu estou te amando, vem amanhã me encontrar, e faremos nossos melhores sonhos verdade pela primeira de muitas outras vezes!

Tomada de surpresa, mas cheia de alegria, Ningal não pensou duas vezes:

- Como tu vieste hoje até mim, adorado, com certeza amanhã irei até ti. Tu és realmente o desejo do meu coração: não posso fugir ou recusar teu convite. Oh, meu doce senhor, tenho sonhado contigo por tanto tempo! Por que então devo eu, ou devemos nós esperar pelo tempo certo para nos encontrarmos, aguardar a demora dos ritos do casamento, ao invés de termos para nos dois, já, estes momentos?

Confiante na forca de ser muito amada, Ningal fez exatamente o que Nana tinha-lhe pedido, nada contando a Ningikuga sobre seu encontro com o Deus da Lua, e o outro, a caminho. Realmente, Nana tinha razão. De outra forma, levaria muito mais tempo para ambos se encontrarem, sem a companhia de amigos, irmãos ou de ambas as famílias. De acordo com os ritos antigos, não somente o jovem casal deveria se amar, mas também ambas as famílias deveriam se dar bem.

Para encontrar Nana, Ningal passou o dia na mais alegre expectativa, fazendo cuidadosos preparativos. Para ele, ela se banhou; para ele, ela passou óleos caros no corpo; para dar-lhe o prazer de vê-la bonita, Ningal vestiu-se com suas melhores roupas e adornos.

Intrigada, os olhos de Ningikuga seguiram os preparativos cuidadosos de Ningal. Ningikuga ergueu uma sobrancelha inquisidora, abriu a boca uma ou duas vezes para fazer algumas perguntas, mas calou-se, resolvendo não dizer palavra alguma, não tecer qualquer comentário ate’ ser mais esclarecida sobre o que estava acontecendo com Ningal.

‘ Mamãe está me observando com tanta atenção, será que ela sabe de alguma coisa, percebeu que algo mudou?’ Perguntou-se Ningal. ‘ Talvez ela tenha percebido, mas não lhe direi nada por ora. Mamãe e’ tão correta, gosta das coisas tão organizadas e duradouras, que se eu lhe falar alguma coisa sobre Nana, ela certamente não me deixará ir até’ ele hoje à noite. Ou amanhã ou depois de amanhã, se não seguirmos ao pé da letra os costumes sagrados. Isto quer dizer simplesmente que eu só poderei encontrar o meu amor no próximo grande festival, que esta’ a semanas de distancia! Mil desculpas, mamãe, mas desta vez eu terei a palavra final sobre esta questão!

Naquela noite, quando deixou a casa de juncos , Nigal brilhava tanto quanto a lua cheia. Igualmente tão lindo quanto ela, o Deus da Lua veio em seu maior fulgor, e com todo respeito, carinho e maior das cortesias, tal qual o príncipe herdeiro dos grandes deuses ao cortejar a alta sacerdotisa antes do casamento sagrado. Eles se encontraram em segredo, mas amaram à luz das estrelas, a céu aberto, muitas e muitas vezes ao longo de toda aquela noite e mais. Pois noite após noite, durante aquela quinzena, até o dia em que Nana deveria partir para iluminar o Mundo Subterrâneo, o Deus da Lua e a Deusa da Interpretação dos Sonhos se encontraram para se amar.

Finalmente, veio a última noite antes do retorno de Nana para iluminar as Grandes Profundezas. Após festejarem com alegria e reverência sua paixão, nos momentos depois do prazer compartilhado, Nana beijou Ningal e sussurrou nos cabelos dela o reconhecimento de um grande anseio que ele finalmente admitia para si e para ela:

- Case comigo, Ningal, Tocha que brilha dentro de mim, luz que sempre iluminou a minha hora mais escura.

Alegria imensa encheu o coração de Ningal, mas o brilho de Nana estava rapidamente desaparecendo do Mundo Físico. Ningal sabia, porém, que ele estava brilhando mais do que nunca nas profundezas do Mundo Subterrâneo, dentro do seu coração, em cada célula de seu corpo e principalmente, dentro da sua alma.

- Na tua volta, adorado, ela respondeu, falaremos neste assunto.

 

 

Mas em todos os mundos, nas Esferas Superiores, no Mundo Subterrâneo, no Mundo Físico, os grandes deuses, que tudo sabem, viram o pacto de amor secreto de Nana e Ningal. Eles, os Senhores do Equilíbrio de Todos os Mundos, aprovaram com alegria a escolha dos jovens amantes, mas ficaram intrigados pelo interesse deles em deixar em segredo uma felicidade que não deveria ser escondida. Havia também a impetuosidade de Nana por ter seduzido Ningal, convidando-a para encontra-lo nos pântanos, sem pedir licença para os pais dela ou mesmo comunicar tal intenção aos seus. De alguma forma o entusiasmo de Nana teinha de ser contido, pois ele deveria antes de mais nada fazer suas intenções a respeito de Ningal claras e honradas não apenas para ela, mas para todos os Anunaki. Os grandes deuses, os Anunaki, eram os guardiões da terra, os patronos da ordem e do equilíbrio, a sustentação moral e espiritual para todos os seres vivos. E o amor, sendo a Forca e Alegria da Vida, forma a Base da civilização, tendo portanto de ser protegido e atenciosamente preservado em todos os mundos. Juventude não constituía uma desculpa para irresponsabilidade no amor.

Então desta vez as trevas da noite duraram mais tempo, pois nuvens encheram os céus, escondendo o brilho da Lua Nova de Nana. Teria sido esta talvez a forma que os grandes deuses escolheram para fazer o impetuoso Nana revelar a todos o seu amor por Ningal?

Na região dos pântanos, Ningal olhava impacientemente para os céus da noite, mas manteve silencio sobre o desejo do seu coração. Ela sabia que Nana estava lᒠfora, alem das nuvens pesadas e escuras, e exerceu paciência para esperar pelo seu retorno.

Uma primeira, uma segunda e uma terceira noite sem luar se sucederam desde a Lua Nova. Nana, encoberto por nuvens densas e escuras, não podia ser visto em nenhum ponto dos céus.

`Amado, quando outra vez?’ começou a se perguntar Ningal, dúvidas entrando no seu coração. Difícil ainda mais era ter de guardar o silencio só para si, não poder dividir suas preocupações com a mãe, que provavelmente teria algo para sugerir, ou dizer-lhe o que fazer para ver Nana mais uma vez.

Foi então que um forasteiro, trajando uma longa capa com um grande capuz, chegou ä casa de juncos de Ningikuga e Ningal. Quando o estranho cruzou o limiar do portal da casa, saudando a donzela e sua mãe com a cortesia de um príncipe, como se ele mesmo fosse o filho de um dos grandes deuses, Ningal, com a intuição aguçada de amante, reconheceu o forasteiro por quem ele realmente era: Nana em disfarce. Seu coração deu um salto de alegria, cheio de antecipação, mas por causa do pacto de segredo por eles jurado, Ningal nada disse, esperando o desenrolar dos acontecimentos.

Depois ter-se alimentado e bebido, o viajante enumerou a Ningal e Ningikuga todos os produtos deliciosos que ele diligentemente havia reservado para a querida de seu coração, caso ela fosse encontrá-lo mais tarde aquela noite na região dos lagos. Ningal sentiu o calor subir ao rosto, e imediatamente seus olhos voaram para a face de, Ningikuga, que levantou uma sobrancelha interessada e começou a bombardear o viajante com perguntas sobre a sua jovem amada, se os pais de ambos já tinham combinado o enlace, se os presentes corretos já haviam sido trocados entre as famílias, enfim, perguntas sobre todos os detalhes que antecediam ao Casamento Sagrado dos jovens da Casa dos Anunaki.

‘ Será que estou vendo bem, mas mamãe, sempre tão reservada com estranhos, hoje tem olhos risonhos e está toda falante com o estranho? Ningal se perguntou, entre curiosa e alarmada. ‘O jeito que mamãe olha para ele, as perguntas que está fazendo a um forasteiro a quem ela nunca viu....

Derepente, Ningal compreendeu tudo e seu rosto ficou ainda mais vermelho. Nada que acontece em todos os mundos não poderia ocorrer sem ser sabido pelos grandes deuses. Eles simplesmente tinham descoberto que ela e Nana haviam se encontrado para se amar.

‘ Oh, Nana, nós somos uns bobos,’ ela se deu conta. ‘ Mas eu não irei mais para os pântanos ao teu encontro e esconder o que não pode e não tem razão de ser escondido. Desta vez, eu darei as cartas na nossa relação!’

Em voz alta, ela disse ao forasteiro, tendo encontrado uma nova força no amor que sentia por Nana, no seu poder de donzela e deusa ciente do seu poder de mulher, na confiança que tinha no ela e Nana poderiam construir juntos:

- Mesmo se o senhor fosse Nana, o deus da Lua, o escolhido do meu coração e companheiro da minha alma, eu não iria ter consigo mais tarde, hoje à noite. Não até que Nana houvesse enchido os rios com as enchentes da primavera para assegurar a fertilidade da terra, não antes que ele tenha feito os grãos crescerem nos campos, que faça mais peixes nadarem nas águas das lagoas, ou cuide para que junco novo cresça nas margens dos rios, para que os animais da floresta, as plantas das áreas secas e vinho e mel sejam cultivados nos pomares dos palácios e nas terras deste povo. Então e apenas então, quando o Príncipe da Noite tiver provado que quer ser meu grande amor e protetor da agricultura e pecuária desta terra, no tempo e na estação certos, tendo cumprido os ritos sagrados, somente então eu deixarei os pântanos pelo palácio real de Ur. Só então ele e eu estaremos prontos para partilhar do trono e do leito da realeza, para sermos ambos Soberanos e Protetores daquela grande cidade e de toda esta terra.

Um silencio carregado de eletricidade seguiu as palavras de Ningal. Como a atenção da donzela estava totalmente no Estranho, Ningal não viu o sorriso de aprovação que brilhou como um facho de luz na face de Ningikuga ou a sobrancelha que a Deusa dos Juncos ergueu na direção de Nana. Como será que o impetuoso Senhor da Lua iria reagir as palavras de Ningal?

Nana recuperou-se da surpresa, riu e fez uma graciosa e profunda reverência para as duas deusas, dirigindo-se primeiro a Ningal:

- Que o seu amado tenha prestado atenção às suas palavras sábias, gentil donzela, a primeira e única na alma do Deus da Lua. Você e’ realmente a futura Grande Deusa de Ur, consorte e esposa de Nana, a Tocha da Noite.

Ele dirigiu-se então para Ningikuga:

- Os meus sinceros agradecimentos, Grande Senhora, pela hospitalidade, e peco-lhe humildemente desculpas por qualquer dano que minha impulsividade tenha causado.

A compostura, humor e alegria de Ningikuga davam gosto de se ver.

- Todos os filhos e filhas da casa sagrada dos Anunaki são também meus filhos e filhas, ela respondeu com grande gentileza. Eu lhe desejo muita sorte, Estranho, na corte da sua Amada. Com a experiência e o amor de mãe, eu lhe recomendo, jovem senhor, amá-la profundamente, tratá-la como sua consorte e rainha. E quando chegar o momento adequado, conforme os ritos e costumes sagrados, não se esqueçam os DOIS de me participar do evento, de me enviar um convite para este tão lindo e esperado evento!

Dois rostos jovens mostraram tanta alegria quanto embaraço. Mas Ningikuga não se deu por achada, continuando firme na representação do papel de nada saber (afinal, ela não havia sido informada de nada,..), e em grande estilo, retirou-se para os seus aposentos, deixando toda a privacidade para Nana e Ningal.

 Foi assim que a Deusa dos Sonhos prendeu pelo amor a impetuosa Tocha da Noite. Eles se casaram em Ur, ao final da primavera, quando os primeiros frutos e laticínios da terra estavam prontos para serem levados às mesas. Não mais sozinho, o Deus da Lua e sua adorada esposa tomaram um barco rumo a Nipur, para visitar Enlil e Ninlil, os pais de Nana. O Deus da Lua e Ningal carregaram o barco com as primeiras frutas da estação e os primeiros produtos do leite e dos rebanhos do ano. A cada porto ao longo do caminho até Nipur, Nana e Ningal deram e receberam presentes dos guardiões das cidades visitadas. Mas o maior presente de todos Nana recebeu da Senhora de seus sonhos:

- Nana, tocha maravilhosa que ilumina a minha vida, disse-lhe Ningal, dentro de mim carrego agora tuas sementes, nossos filhos da luz. Primeiro, darei à luz a uma menina. Ela terá o nome de Inana, a Primogênita do Deus da Lua, a Estrela Matutina e Vespertina, que será a grande Deusa do Amor e da Guerra, Amante e Amada unidos numa só alma. Sábia, apaixonada, sensual, vibrante, tudo isto e muito mais ela o será, a personificação do Amor, tanto espiritual, como físico e mental, ela será a Luz Interior que trará brilho, paixão, cura e compleitude a tudo e a todos em todos os mundos e esferas. E para dar a nossa filha um irmão, que ele seja uma criança de igual brilho exterior. Chamá-lo-ei de Utu, o Sol, Luz do Dia, que ira iluminar todos os mundos enquanto tu, meu amor, estiveres ausente. Que todos portanto saibam que o Senhor da Luz de Prata que brilha na noite e a Deusa dos Sonhos, sua grande amada, darão ao mundo as estrelas celestes mais brilhantes para dar alma nova as vidas de todos os grandes deuses e da humanidade! È tendo assim declarado, que seja feito segundo a minha vontade!

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