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Simbolismo Alquímico na Religião e Mitologia Sumérias


De Lishtar

O objetivo deste artigo é mostrar o simbolismo da Alquimia na mitologia e religião sumérias, e prosseguir para afirmar através de mitos, imagens, simbolismo e da literatura que é bem possível que a Alquimia seja uma das mais fortes fundações para o pensamento religioso mesopotâmico desde a aurora dos tempos no Oriente Próximo. Para tanto, iremos apresentar argumentos para substanciar estas afirmações baseados na mitologia, religião e literatura disponível sobre os sumérios, dentro do espírito de trabalhos anteriores (como A Religião Suméria e o Retorno Eterno) (1). Ou seja, este artigo não pretende ser dogmático ou definitivo sobre o tema, mas sim estimular o debate para que possamos aprofundar nossos conhecimentos sobre o que pensavam nossos ancestrais de alma sobre a relação Matéria-Espírito.

Para o escopo deste artigo, Alquimia é definida de forma bastante ampla como a arte prática e religiosa de combinar elementos femininos e masculinos para fazer sentido do universo e/ou descrever os trabalhos da existência na natureza. Também propomos que todos os fenômenos que ocorrem na terra, ou no plano físico, também têm lugar no mundo espiritual, pois pelo elo que existe entre o céu e a terra, os homens, ao mesmo tempo que continuam pelos deuses o trabalho de construção da existência, também trabalham em si mesmos, guiados pelos deuses. Esta definição abrangente é apropriada para o escopo deste artigo fundamentalmente porque não havia diferenças na Mesopotâmia entre o religioso e o profano, o maravilhoso e o mundano. Os antigos mesopotâmicos viviam num mundo onde a Natureza e o Divino não eram separados, onde o Mundano era o Reflexo do Extraordinário e onde os eventos do dia a dia tinham o seu fundamento nos céus. A citação de Zur e Smith de "As Cartas Fenícias" mostra-nos este fato de forma bastante clara: " Nos céus, sinais, ; no fogo, visões; na água, formas; na terra, palavras" (pg. 15) (2) para revelar os desígnios do céu e da terra e os destinos de tudo e todos. Portanto, todos os fenômenos no plano físico tinham sua reflexão nas alturas, e vice-versa.

O primeiro ponto que gostaria de levantar para provar a premissa de que o simbolismo alquímico como a combinação de elementos femininos e masculinos, ou o Casamento Sagrado de Elementos Internos e Externos, encontra-se na raiz da obra religiosa e literária sumérias refere-se à linguagem apaixonada usada pelos antigos escribas em seus trabalhos religiosos e literários. Basicamente, nossos eruditos ancestrais de alma usavam palavras de amor através de metáforas eróticas maravilhosas para explicar o mundo, a criação do universo, o nascimento de deuses e deusas, a função da humanidade, a constituição do poder real, as primeiras ferramentas, etc. Vejamos a seguinte citação:

" A Grande Terra fez-se gloriosa, seu corpo floresceu com verdes pastagens. A Terra Ampla adornou-se com ornamentos de prata e lápis lazuli, diorita, calcedônia, cornalina e diamantes. O Céu cobriu as pastagens com irresistível atração sexual, e apresentou-se em toda majestade. A jovem terra, deusa e mulher mostrou-se para o puro Céu, e o vasto Céu copulou com a Terra. As sementes dos heróis Madeira e Junco o Céu derramou no útero da Terra. Que recebeu a semente do Firmamento dentro de si... " (Dijk J. Van "The Birth of Wood and Reed", Acta Orientaliia 28 I, p.45).

Claramente, esta linguagem é cheia de êxtase e coloca a Matéria na esfera do miraculoso, criativo e mais precioso, pois é a substância viva que também é chamada de Amada. Estudiosos da Mesopotâmia de forma bastante sóbria dizem que esta linguagem tem um forte conteúdo antropomórfico cujo padrão mais persistente é o da reprodução sexual (Leick, 1994, em seu brilhante estudo de sexo e erotismo na literatura mesopotâmica ou Sex and Eroticism in Mesopotamian Literature). Entretanto, reduzir estes textos à mera relação sexual não faz justiça aos místicos e escribas mesopotâmicos, sendo que Leick também afirma que ' a distinção entre o contexto religioso (fornecido pelos nomes divinos) e a intenção secular (ex. entretenimento na corte) não é de forma alguma bastante clara" (pg. 6). Por quê, devemos nos perguntar?

Tentarei explicar como vejo esta relação intrínseca entre o religioso e o mundano conforme expresso na linguagens das metáforas apaixonadas ou acasalamentos divinos para explicar os fenômenos terrenos desde os primórdios da mitologia suméria. O que segue é como eu vivencio este mistério, portanto quaisquer erros são meus somente. Entretanto, eu peço a todos vocês que me acompanhem numa viagem até um tempo antes de todos os antes, quando um indivíduo (homem ou mulher) começou a se perguntar sobre as origens da vida, e para buscar o entendimento deste fenômeno começou a tecer uma metáfora que envolvia fundamentalmente o que era importante para a comunidade que estava-se desenvolvendo à sua volta. Diz-se que o poder real, ou o estabelecimento da organização da comunidade numa escala maior na Suméria desceu dos céus e fez seu lar em Eridu, bem ao sul e próxima ao Golfo Pérsico. Especificamente em Eridu, a vida veio das águas férteis, e destas águas tanto uma vegetação luxuriante como uma vida animal variada tiravam a sua sustentação. Juncos, por exemplo, nascidos e mantidos pela água dos pântanos, fornecia esconderijos para os animais de outros predadores e muita caça para a humanidade, além de serem usados também para a manufatura dos primeiros cestos, moradias e altares de adoração, ou seja, os primeiros templos. Acompanhe os pensamentos que tinham lugar talvez com mais freqüência nas noites escuras, frias ou quentes, sob o céu estrelado, e transfira estas imagens para a esfera pessoal. Neste contexto, o mundo era visto como masculino e feminino, pois estas eram as realidades mais simples para se abstrair, e como tal mais próximas da alma dos nossos ancestrais da Mesopotâmia. Portanto, a Terra era feminina e deusa, por que mulheres dão à luz, e como tal preservavam o futuro da comunidade antes dos homens considerarem seu papel na reprodução. A Terra, ou Ninhursag-Ki, tinha metais preciosos e plantas crescendo e amadurecendo dentro de si. Mas os homens eram também chamados para trabalhar na Natureza, e o faziam pela transformação dos elementos externos, como Anu, beijando e fecundando a Terra Mãe como na citação introduzida acima, bem como através da proteção do solo natal e expansão das fronteiras locais quando fosse necessário.

Mas há muito mais nesta realidade. Eu gostaria que vocês mergulhassem num mundo onde tudo o que existia e vivia eram fundamentalmente concebido com a paixão dos elementos e seres, como se relacionavam entre si, combinavam, se acasalavam e morriam, ou seja, estou-me referindo à vida como uma realidade cósmica firmemente baseada em princípios físicos, ou o começo da Alquimia como uma disciplina física e espiritual, baseada no que Mircea Eliade, o famoso antropólogo e historiador das religiões chama de mitologias de tradições onde o mundo era sexualisado de forma sagrada, onde a Terra era a Terra Mãe ou Petra Generatrix (Eliade, Mircea, The Forge and the Crucible). Entretanto, Eliade não retrocede estes fatos aos primórdios do pensamento mesopotâmico e aos sumérios, e esta é a direção que estou apontando neste momento, visando aumentar nossa compreensão mais aprofundada de nossos ancestrais de alma.

Em outras palavras, o que temos aqui é talvez a fundação mística para um dos mais sagrados ritos mesopotâmicos, o rito do Casamento Sagrado, ou Hieros Gamos. Nele, a Dança da Criação realizada no dia-a-dia pelo universo vivo era então transferida para o homem, no papel do rei e pastor da terra, e a mulher, a alta sacerdotisa e vestimenta da deusa, sendo que os dois transformavam-se em receptáculos do Amante e da Amada divinos, ou a visão de humanidade trancendente em êxtase e paixão, unidos um ao outro em todos os níveis, mental, emocional, físico e espiritual para refletir desta forma a união primordia do Céu e da Terra, Anu e Ki, cujo abraço dentro da Mãe Namu, as Águas do Mar, deu origem aos Anunaki, os grandes deuses e a tudo o que existe

Num nível prático, as observações empíricas de como o universo se relaciona entre si irá fornecer a fundação para as operações práticas do plano físico executadas por alquimistas nos seus laboratórios da Idade Média, por exemplo. É interessante salientar que a linguagem primordial e simbólica do Casamento Sagrado de Elementos Complementares dos textos alquímicos, antigos e modernos, tão importantes para estabelecer a integração de todos os elementos da personalidade da Psicologia Junguiana do nosso século, faz uso de uma linguagem que é muito semelhante ao estilo apaixonado dos escribas mesopotâmicos.

Mas voltemos à Mesopotâmia Antiga. É neste mundo sagrado que está começando a se dar conta de si mesmo que devemos nos voltar em particular para as poderosas e encantadoras figuras de Enki e Ninhursag. Tentar compreender o mistério de Enki e Ninhursag não é tarefa fácil para nós, pois devemos primeiramente mergulhar numa visão do mundo onde a vida é um fenômeno cósmico que é realizado na carne, no cerne de tudo o que respira e existe, onde o sexo é sagrado, e onde fundamentalmente a descendência das gerações de seres humanos têm seus equivalentes na esfera dos seres divinos e das forças da natureza. Natureza que é e reflete os deuses, e natureza cujos trabalhos da evolução são também realizados por nós, seres humanos, em nome dos deuses. O que estou tentando estabelecer é a infraestrutura necessária para explorar um mundo onde a criação não vêm do nada, mas sim de uma prima materia (a Terra ou Ninhursag-Ki), que foi fecundada e que então começou a se dividir e subdividir, numa dinâmica que nunca termina (Leick, 1994). Maos tarde, a terra recebeu o amor e os trabalhos de seu xamã, adorado e adorador, que na Mesopotâmia é chamado de Enki ou Ea da Babilônia e glória assírias. Em termos históricos, ele vai ser conhecido como o sacerdote-rei, a autoridade moral da comunidade, aqule que governa pela sabedoria e pela fé, a fundação espiritual que dá sustentação ao poder material. Este é o motivo pelo qual o poder real veio dos céus e desceu em Eridu, e somente mais tarde foi fundamentado na cidade principal de Enlil, Nipur.

Examinemos agora Enki e Ninhursag-ki, pois talvez a alquimia pode melhor ser entendida através da relação rica e apaixonada destes dois deuses descrita em muitos mits, que mostram claramente a ligação entre a Terra Viva e seu Amado Artesão. Enki é o deus das águas doces do Abzu, or das águas férteis subterrâneas, a fonte de vida das plantas e toda sorte de vegetação, fontes, rios e lagos. Ele também é o deus da mágica e sabedoria, bem como o protetor de todas as artes.

Tendo em vista a natureza mutável de Enki, muitos estudiosos chamam-no do deus traiçoeiro da Mesopotâmia. Não concordo de forma alguma com este ponto de vista, e cito novamente As Cartas Fenícias (2), para uma brilhante definição da natureza mutável de Enki:

"Considere a água em seus muitos estados, névoa, nuvem, chuva, geada, neve, gelo, rios, lagos, mares. A única coisa que se mantém igual em todos estes estados é a suscetibilidade à mudança, [pois] está na natureza da água mudar. Coloque água sob a pele de um pote, e ela tomará a forma do pote, e se transformará em ar, névoa e ar e nuvem e gelo, e na terra, em lagos e rios. Mas mesmo assim, é sempre " (pg 61).

Enki também é a idéia pura da forma, ou o deus dos arquétipos. Novamente, voltemos ás Cartas Fenícias, pois Enki é o deus do qual...

"... da forma única outras se manifestam. Portanto, da forma básica de uma mesa, todas as outras formas possíveis desta mesa ao longo do tempo podem surgir " (pg 62). Em outras palavras, Enki é a idéia da forma, a concepção mental perfeita sobre a qual todas as outras formas derivadas têm sua origem. Combinando estas duas definições, Enki é o deus da concepáo primordial da forma, ou Arquétipos, na sua compleitude e totalidade, pois Ele têm as idéias de tudo o que existe. Como tal, Ele também é o Mago e Transformador de todas as coisas e seres da Natureza.

Ninhursag-ki, por outro lado, é a Terra Mãe, em cujo seio crescem todas as coisas preciosas, dos grandes deuses e deusas, às pedras e metais preciosos e toda vegetação. Ela é a amada eterna, primeiro de Anu, o deus dos Céus, desde o começo da existência no abraço de Mãe Namu, o Mar, e dpois de Enki. Ninhursag-Ki é a Terra fecunda, e como tal o tema que estamos lidando no momento é a relação alquímica da deusa como Prima Matéria, o espírito vivo que cresce e se transforma em combinações de todos os tipos, e seu amado artesão, o xamã, mago e sacerdote, representado por Enki.

Talvez possamos melhor compreender a experiência de maravilha do Xamã e da Terra Mãe, se nos voltarmos para o mito da Criação do Homem (e da Mulher) de acordo com os Sumérios (veja o mito de Atrahasis, Tábua 1 neste site e também em Stephanie Dalley). Creio que as idéias da Terra e Matéria como uma substância viva estão claramente definidas ali numa maravilhosa metáfora, e que as operações que deram origem à humanidade também podem ser descritas como operações alquímicas nos moldes da máxima "solidifica o espírito e torna volátil a matéria". Este mito conta-nos que no começo, muito tinha de ser feito para construir o mundo, e os jovens deuses carregavam a maior parte da carga pelos deuses mais velhos. Como ficaram então muito cansados, os jovens deuses voltaram-se para Enki, o deus das águas doces, mágica e sabedoria, em busca de ajuda. Enki imediatamente procurou Ninhursag-Ki, e juntamente com outros homens e mulheres, juntaram esforços para criar os seres humanos..

Para começar, Enki e Ninhursag fizeram rituais de purificação ao longo de todo um ciclo lunar. Então, um deus chamado Geshtu-e é sacrificado, e Ninhursag misturam o sangue de Geshtu-e com barro e as águas doces das Grandes Profundezas a fim de criar o material básico que deu origem à humanidade. Os jovens deuses, os Igigi, cuspiram nesta argila e as deusas do útero foram chamadas para ajudar nas operações, e juntos eles fizeram nascer sete homens e sete mulheres. Para lembrar à humanidade de sua essência divina, o espírito do deus sacrificado passa a ressoar tal qual um bater de tambor no coração, mente, corpo e alma de cada homem e cada mulher. Creio que este mito é uma metáfora maravilhosa do mistério da encarnação, através do qual o espírito se faz carne, e a carne se eleva ao plano espiritual, um processo no qual o mistério principal se chama devoção e amor.

Convido vocês agora a seguir a verdade que está dentro deste grande mito. Pense num homem, um xamã, e numa mulher, uma feiticeira ou xamanka, que viviam no extremo sul da Suméria, em Eridu, há muito tempo atrás. Siga este homem e esta mulher como provavelmente os recém-chegados sumérios de cabeças pretas, e pense na enorme tarefa com que se depararam para se estabelecer naquela região. Muito tinha de ser feito, e eles o fizeram, mas a carga de trabalho era imensa, especialmente quando envolvia a interação com os antigos habitantes locais. Mas com o tempo, uma simbiose ocorreu entre a cultura antiga e a nova, através da qual o Espírito dos antigos habitantes é absorvido, ou seja, morre, como um sacrifício voluntário para assegurar a sobrevivência e manutenção das idéias dos recém-chegados. Barro, a imagem sagrada da Terra Mãe, o Espírito de uma antiga consciência local e a criação de novos seres são operações realizadas por homens e mulheres, liderados pelo xamã e por sua adorada consorte, a feiticeira e representante da Terra Mãe, cujos esforços conjuntos construíram uma metáfora para explicar a criação da humanidade como seres dotados de Vida Interior para ser Revelada no Mundo Exterior através de un elo inquebrantável de união com os deuses, pois foi a humanidade criada para continuar pelos deuses os trabalhos da criação na natureza. Consciência Divina foi o sacrifício voluntário, pois para entrar na Esfera do Sagrado é necessário abraçar a vulnerabilidade e render-se a um crescimento novo e necessário que pode trazer a morte de escolhas anteriores, visões do mundo e estilos de vida.

Portanto, quando Enki e Ninhursag criaram a humanidade do barro fértil do Apsu e deram a este homem e a esta mulher o espírito de um deus sacrificado, ou Consciência Primordial, o que o Deus Mago e a Deusa Mãe desejavam é que a humanidade preenchesse sua natureza humana sendo os trabalhadores dos deuses e representantes (ou portadores) do Espírito no Plano Físico. Das Grandes Alturas às Grandes Profundezas, nós somos o Elo entre o Céu e a Terra, unidos aos deuses, e Eles/Elas a nós, pelo amor, pelo serviço e pela dedicação aos trabalhos intermináveis da criação. Esta também á a razão pela qual muitas invocações inscritas com o sistema de escrita cuneiforme contém a expressão "Pelo Duranki" ou PELO ELO QUE UNE O CÉU E A TERRA, que, na minha opinião, expressa a relação dinâmica entre as Grandes Alturas e as Grandes Profundezas, mais tarde expressa de forma mais sincrética na máxima alquímica ASSIM NA TERRA COMO NO CÉU, bem antes da Tábua Esmeralda de Hermes Trismegistus no Egito. E não se pode ser mais alquímico do que ISTO! Portanto, as raízes de tal máxima alquímica podem não estar no Egito, mas sim, novamente, na Mesopotâmica.

Não é por acaso que a humanidade foi criada do barro, o material básico e abundante, que é a matéria prima da terra viva. Mas a terra viva também contém dentro de si os metais e as pedras preciosas, e dentro de cada homem e cada mulher ressoa o espírito vivo dos deuses como o soar de tambores, e este espírito continuará a ressoar até o final dos tempos, diz o mito da Criação do Homem e da Mulher, segundo os sumérios. O(a) oleiro(a) é o(a) primeiro(a) artífice da forma, mas ele/ela eram também os adoradores e amados da Terra Mãe, a Artífice e Artesã do Mundo Físico. A noção alquímica da transmutação da alma também pode Ter suas origens traçadas na Mespotâmia. Examinemos a citação abaixo, sobre Nergal, o deus da guerra:

"Nergal é aquele que tudo queima, o destruidor, pois esta é sua última limitação. Quando uma pessoa morre, ela irá, se tiver medo, queimar nas chamas de seu terror. Ela irá ser devorada pelos cães de seus desejos não satisfeitos, cortada em pedaços por sua culpa, até que todo este indivíduo seja purificado, e um pouco, apenas um pouco de metal, que pode ser ouro, ou cobre ou mercúrio, prata ou até mesmo chumbo, seja encontrado. Este teste acontece a cada vez que se respira: a cada repiração, as pessoas morrem e renascem, e portanto, a cada dia as pessoas nascem ao nascer do dia e morrem ao adormecer, e no sono, o gosto da morte pode ser sentido nos sonhos do que não realizados durante o dia. Aqui, na Mansão dos Mortos, esta pessoa deverá ser um herói, caminhando sem medo pela terra de seu próprio Mundo Subterrâneo, zombada pelas leis que desprezou ou se rebelou contra. Esta pessoa deverá encontrar os demônios que ela mesma criou, deve lutar as batalhas que ocorreram dentro de si mesma a cada dia. Isto é justiça: entre cada respiração, ele deverá ver o julgamento que será passado por sobre ele. Apenas coragem e perseverança na verdade e na visão interior são as armas desta pessoa lá" (pag. 45).

"As Cartas Fenícias" é um relato real de ensinamentos dos mistérios sob a forma de cartas, escritas do mestre para o aprendiz, o futuro rei, dentro da Tradição Mesopotâmica. Este trabalho é feito de 10 cartas, cada uma envolvendo um deus/deusa (Rimon-Adad, Nabu, Ishtar, Nergal, Shamash, Marduk, Anu, Enlil, Ea-Enki, Sin-Nana), escritas pelo mestre para seu iniciado ao longo do período de dois anos. Minha leitura da citação acima é de que o pedaço de metal que resta depois da queima pode se referir àquela parte da matéria em nós que é primordial e sem manchas, a semente da Grande Mãe Ninhursag-Ki que todos nós carregamos dentro de nós, representada pelos metais atribuídos aos deuses, ou seja, o divino e incorruptível em nós, a semente de nossos deuses e deusas pessoais. Portanto, aí também está a chave para entendermos o fenômeno alquímico da transmutação da alma, outra máxima alquímica até então não atribuída aos mesopotâmicos, mas sim aos egípcios.

Finalmente, eu vivencio o mito da Criação do Homem ( e da Mulher), versão Suméria como o eterno milagre do Espírito tocando a Matéria e a Matéria erguendo-se através dos planos através da prece e da meditação até as Grandes Alturas. Este crescimento foi atingido por homens e mulheres, no mito representado pelas figuras de Enki e Ninhursag, sendo que esta metáfora mostra a verdade que todo iniciado têm experimentado desde os primórdios da consciência nos seres humanos. de seu sacrifício. Em outras palavras, esta metáfora mostra a verdade que todos os iniciados têm experimentado desde o começo dos tempos. O Espírito pode apenas encarnar através do amor, da mesma forma com que apenas podemos ascender às alturas da experiência religiosa e visionária dando corpo espiritual aos desígnios de nossa alma. O amor e a devoção são as palavras-chave, e sacrificado neste contexto pode bem significar as perdas necessárias para se obter um estado maior de consciência, o desvelar e a vulnerabilidade exigidos para entrar tanto nas Grande Profundezas quanto nas Grandes Alturas, a esfera dos deuses. Nós que vivemos à luz da tradição mesopotâmica aqui e agora realizamos o milagre da matéria tocando o espírito em nossas dedicações a nossos deuses e deusas pessoais, e na nossa vida diária fazendo as coisas serem melhores (ou pelo menos tentando fazê-las melhores), para que durem mais do que a realidade fugidia de um sonho.

Uma das minhas citações alquímicas favoritas é "A sabedoria construir para si uma casa numa rocha, e desta rocha jorram as águas da vida". Esta citação é atribuída a Salomão, mas após a leitura deste artigo creio que muitos irão concordar comigo que as raízes desta máxima não são hebraicas, mas que remontam à Mesopotâmia. Troque os sexos, e vocês terão a Rocha como Ninhursag-Ki, a maravilhosa pedra filosofal da Alquimia, e Enki como o deus das águas doces e flexíveis. Sabedoria é a arte da vida, através da qual formamos o conhecimento e o saber das coisas que é a um só tempo resistente e flexível, forte e maleável, sem ser fraco ou rígido em demasia.

Portanto, há uma imensa riqueza de simbolismo alquímico na religião e em mitos sumérios, que podem ser facilmente reconhecidos ao mergulharmos na essência dos escritos mesopotâmicos, se deixarmos as vozes e metáforas apaixonadas dos nossos antepassados da alma cantarem em nossos ouvidos e que ressoam nas nossas mentes, corações e almas. No que tange a esta Grande Obra, tenho pessoalmente experimentado a mitologia e a Religião suméria como uma aventura de auto-descoberta e conhecimento que significa a busca por um estado superior à condição humana que se fundamenta na Matéria. Ser Mesopotâmico aqui e agora para mim significa buscar a ressurreição/sacralização do corpo em todas as suas formas incontáveis, para que o Espírito encontre inúmeras formas de se expressar como Ele/Ela de 10.000 nomes. Matéria que é também Ninhursag-Ki, em cujo útero crescem todas as coisas preciosas, auxliada pelos trabalhos inspirados de seus magos e feiticeiras do passado, presente e futuro.

Referências:

(1) Lishtar (1998) Sumerian Relgion and the Eternal Return, Lammas Issue of the Green and Burning Tree.

(2) Davies, Wilfred and Zur G. (1979) The Phoenician Letters. Mowat Publishing, Manchester, UK.

(3) Dijk J. Van "The Birth of Wood and Reed", Acta Orientaliia 28 I, p.45

(4) Leick, Gwendolyn (1994). Sex and Eroticism in Mesopotamian Literature, Routledge, New York.

(5) Eliade, Mircea (1978). The Forge and the Crucible, University of Chicago Press, Philadelphia.

(6) Stephanie Dalley (1989). Myths From Mesopotamia, Oxford University Press, Oxford, New York.

 

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