ENTREVISTA COM DAVID CRONENBERG
Suicídios de gêmeos, doença, mutação, insanidade e instrumentos ginecológicos, vírus, confusão sexual e controle da mente: David Cronenberg é um dos poucos cineastas que chegaram a inventar um gênero, misturando os elementos mais negros do bizarro. Embora com "Gêmeos: Mórbida Semelhança" ele tenha passado do status de "cult" para o de "autor", Cronenberg nunca trabalhou em Hollywood, e isso é bem claro. Ele ultrapassa limites e não olha para trás, e isso faz com que assistir seus filmes seja uma experiência absolutamente imprevisível, para não dizer divertida. Pseudo-ciência e tecnologia bizarra são constantes em sua obra. Logo, fazia sentido testar o Videophone com ele -- talvez ele forneça algum feedback valioso para a AT&T.
Ele não estava, na verdade, tão interessado assim no videofone, e claro que não houve nenhuma cabeça explodindo no estilo Scanners. Mas o homem que fez Videodrome, A Mosca e Mistérios e Paixões é, talvez, nosso principal filósofo do futuro, e fala um bocado sobre tecnologia e carne -- e sobre vírus.
Por Lukas Barr
Antes de
mais nada, o que você acha deste telefone?
É interessante, não é? Quer dizer, não é tão revelador como
se podia pensar. E as pessoas estão simplesmente ficando
acostumadas com a incrível mobilidade que um celular permite,
fazendo coisas enquanto se fala ao telefone, que eu imagino se
isso não vai está indo contra essa liberdade.
O que você acha que
está acontecendo com a oposição mente/corpo no contexto da
tecnologia digital?
Bem, acho que a tendência ainda é de separação dos dois. Acho
que ao invés de integrar [mente e corpo], o que essa tecnologia
estava fazendo é separar ainda mais os dois. Penso que a mente
é mais fácil de digitalizar que o corpo, e assim esta está
cada vez mais flutuando para longe do corpo. Acho que na verdade
este é o resultado final de tudo isso.
Claro que isso é o
oposto do que se supõe estar acontecendo -- toda a falação
sobre a realidade virtual estar proclamando o fim dessa
distinção na medida em que se torna mais e mais possível
existir dentro de um computador, por exemplo.
Mas eu imagino se isso é o que está acontecendo de verdade.
Quer dizer, claro que não seria a primeira vez que nossa
percepção do que uma tecnologia está causando é uma, enquanto
o que realmente ela está fazendo é algo bem diferente. Não
quero ser alarmista, porque não tenho certeza ... digo, por
exemplo, o que estamos fazendo agora -- o fato de eu pode
realmente ver você, e ter uma idéia de como você é
fisicamente - isto está realmente mostrando você, sua mente,
seu corpo para mim, ou não? Ou está distanciado mais? A voz ao
telefone, separada de um corpo, é o mais próximo que chegamos
da leitura de mentes. Você sabe, você fecha os olhos, você
imagina alguém... Não estou certo qual o efeito disso, é algo
problemático. Será que você está mais descorporificado agora,
que eu posso realmente vê-lo -- nunca me encontrei com você, é
claro, assim, é um tipo de experiência interessante.
Seus primeiros trabalho
pareciam se centrar na tecnologia. M. Butterfly é diferente.
É, mas para mim a tecnologia é uma expressão da vontade e da
inventividade e criatividade humanas e nesse sentido, não é
realmente diferente do que acontece em M. Butterfly.
Fale sobre filmes
virais.
Bem, na verdade é um problema de auto-replicação, e o fato de
que um vírus não pode existir num vácuo -- ele tem de possuir
um hospedeiro, tem de se fixar em algo. Eu digo que
"produção viral de filmes" parece produção de
filmes como doença, arte como doença, mas também como algo que
se fixa em sua estrutura genética, sua estrutura cromossômica,
e desse modo estranho se torna parte de você, ainda que não o
seja. É isso que acho que isso significa de verdade.
Uma pergunta sobre AIDS,
já que falamos sobre produção viral de filmes: você vê
alguma relação entre o que está acontecendo no mundo real,
toda a movimentação política em torno da AIDS, e o discurso
com que você trabalha?
Acho que é algo que retorna continuamente, um coisa cíclica. É
interessante -- doença é política, e sempre foi, seja a
sífilis antigamente, e mesmo a herpes, que foi bem comentada por
algum tempo. Não pretendo diminuir a importância da AIDS, que
é enorme, mas ao mesmo tempo se você pudesse voltar atrás
você veria que é uma coisa cíclica, e toda doença teve
política ligada a si. Baseando-se em quem são as vítimas mais
comuns da doenças, como as pessoas tentam diferenciar-se
daquelas que tem a doença, não importa se é peste negra, ou
outra doença; tudo isso é politica. E não acho que isso vai
terminar, quero dizer que é algo inerente à condiação humana.
William Burroughs diz
que a própria raça humana se comporta como um vírus, no
sentido em esta sofre mutações e se adapta a - e altera - os
ambientes. Qual sua leitura disto?
Essa é uma metáfora que pretende chocar você, dando-lhe uma
perspectiva dos seres humanos não como o centro do universo, mas
somente como mais um exemplo de um tipo de energia que passa
através dele [o Universo], então acho que é sobre isso que
Burroughs está falando aqui. Provavelmente ele estava deprimido
nesse dia.
Mas, eu penso, porque a
AIDS é um vírus, e se comporta como um vírus, ela transformou
nosso entendimento do corpo humano de uma maneira bem radical.
Eu imagino, eu acho que a verdadeira inovação na compreensão
de um vírus ainda está para chegar, e não sei se isso vai se
dar necessariamente por conta da pesquisa realizada por conta de
uma doença como a AIDS. Há algo sobre virologia que é
incrivelmente carismático e poderoso para a imaginação humana
-- não acho que já tenhamos nos ligado nisso. Não tenho sequer
a certeza de que isso é um fenômeno médico, ou vai sê-lo, no
futuro...
Copyright 1995 KGB Media Inc.