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O CARÁTER PROBLEMÁTICO DO TEMA "CIÊNCIA JURÍDICA"

Importa, numa ordem preliminar de considerações, levantar a seguinte indagação : que é a ciência jurídica ?

Sobre essa questão encontramos todas as respostas possíveis e imagináveis, porque o termo "ciência" não é unívoco e porque há uma surpreendente pluralidade de concepções epistemológico-jurídicas que pretendem dar uma visão da ciência jurídica, cada qual sob um critério diferente. A ciência do direito distingue-se pelo seu método e também pelo seu objeto.

A determinação do objeto é o problema central da especulação jurídico-científica. A ciência do direito, como todo conhecimento, pressupõe um objeto. O objeto de conhecimento é, em sua origem, como nos diz José M. Vilanova, a coisa descircunstancializada pela atividade teorética. É aquilo

"a que a Ciência tende ou que ela conhece".

Seria impossível compreender a pesquisa jurídico-científica sem considerar o ponto capital : qual é o objeto em torno do qual desenvolve o jurista o seu estudo ?

À primeira vista esta indagação parece ser das mais simples, porque o único objeto da Jurisprudência é o conhecimento do direito, mas, na verdade, traz em seu bojo grande complexidade.

Comprova essa assertiva o fato de haver quem julgue necessário, para que o jurista possa conhecer o direito, que se capte o que o direito é, que se elucide qual é a sua essência, isto é, qual é o "ser" do objeto. Só depois dessa reflexão de cunho nitidamente ontológico é que se poderá conhecer este objeto : o direito. Para tanto, a ontologia jurídica deve partir dos fenômenos que sejam indicativos do objeto "direito", para determinar seus elementos essenciais, que, por sua vez, serão estudados pelos juristas.

O conhecimento jurídico supõe a determinação do conceito do direito. "O conceito tem a função lógica de um ‘a priori’, é um esquema prévio, um ponto de vista anterior, munido do qual o pensamento se dirige à realidade, desprezando seus vários setores e somente fixando aquele que corresponde às linhas ideais delineadas pelo conceito".

Sendo esse conceito um suposto da ciência jurídica, ela jamais poderá determiná-lo. A definição essencial do "direito" é tarefa que ultrapassa a sua competência. Trata-se de problema supracientífico ou jusfilosófico, pois a questão do "ser" do direito constitui campo próprio das indagações da ontologia jurídica.

Contudo a ontologia jurídica, ao executar sua missão, encontrará, em seu caminho, intrincadas dificuldades que desafiam a argúcia dos pensadores.

O grande problema consiste em encontrar uma definição única, concisa e universal, que abranja as inúmeras manifestações em que se pode apresentar o direito e que o purifique de notas contingentes, que velam sua verdadeira natureza, assinalando as essências que fazem dele uma realidade diversa das demais.

Como nos ensina, com clarividência, Lourival Vilanova, o conceito, para ser universal, há de abstrair todo conteúdo, pois o único caminho possível será não reter no esquema conceitual o conteúdo, que é variável, contingente, heterogêneo, determinado hic et nunc, mas sim as essências, que são permanentes e homogêneas. Ante a multiplicidade do dado, o conceito deve conter apenas a nota comum, a essência que se encontra em toda a multiplicidade.

No entanto, não há entre os autores um certo consenso sobre o conceito do direito ; impossível foi que se pusessem de acordo sobre uma fórmula única. Realmente, o direito tem escapado aos marcos de qualquer definição universal ; dada a variedade de elementos e particularidades que apresenta, não é fácil discernir o mínimo necessário de notas sobre as quais se deve fundar seu conceito.

Isto é assim porque a palavra direito não é unívoca nem equívoca, mas análoga, pois designa realidades conexas ou relacionadas entre si. Deveras, esse termo ora se aplica à "norma", ora à "autorização" dada pela norma de ter ou de fazer o que ela não proíbe, ora à "qualidade do justo" etc., exigindo tantos conceitos quantas forem as realidades a que se refere. Em virtude disso, impossível seria dar ao direito uma única definição.

Mas, devido ao princípio metódico da divisão do trabalho, há necessidade de se decompor analiticamente o direito, que é objeto de várias ciências - sociologia jurídica, história do direito, jurisprudência - constituindo assim o aspecto em que será abordado.

Não se julgue que o prisma sob o qual a ciência jurídica há de se considerar seu objeto seja algo que o jurista já encontre determinado, pois a escolha da perspectiva em que se vai conhecer está condicionada, como vimos, pelo sistema de referência daquele que conhece o objeto e pressupõe uma reflexão sobre as finalidades cognoscitivas que ele aspira conseguir e sobre o tipo de conhecimento que pretende obter.

Tem a ciência jurídica uma atitude teórica ou prática ? Ou ambas ao mesmo tempo ? Teria uma função crítica ?

Esse é outro problema a solucionar : o caráter teórico, prático ou crítico da jurisprudência depende da posição e do objeto de cada autor ou cientista do direito.

A ciência jurídica é considerada ora como scientia, pelo seu aspecto teórico, ora como ars, pela sua função prática. Outros ainda dão ao problema uma solução eclética.

Fácil é evidenciar os liames que se estabelecem entre o sujeito e o objeto, pois o sujeito cognoscente ( jurista ) tende para o objeto ( direito ).

É o critério filosófico adotado pelos juristas que determina seu objeto. Essa operação pela qual se constitui o objeto deve ser, obviamente, governada pelo método, que fixará as bases de sistematização da ciência jurídica.

A ciência do direito é uma inquietude ante o problemático. Assim sendo, esse problema só pode ser por ela solucionado se se eleger um caminho que possibilite ao sujeito pensador idéias firmes sobre o objeto de sua análise. Verifica Tércio Sampaio Ferraz Jr. que há grandes debates sobre o método da ciência jurídica. Dentre eles ressaltam-se três posições : a) a que insiste na "historicidade" do método e vê a ciência do direito como uma atividade metódica, que consiste em pôr em relevo o relacionamento espácio-temporal do fenômeno jurídico, buscando neste relacionamento o seu "sentido" ; b) a que defende uma concepção analítica, reduzindo a atividade metódica do jurista ao relacionamento do direito com as suas condições lógicas ; c) a que, evitando posições historicistas, tenta um relacionamento do direito com as condições empíricas a ele subjacentes, na busca de "estruturas funcionais". É imprescindível que a pesquisa jurídico-científica adote um método apropriado, porque a segurança e a validade do resultado do pensamento científico dele advém.

O cientista está autorizado a escolher seu itinerário, mas isto em função do ponto de vista sob o qual estudará seu objeto. Deve descobrir a rota exata que conduza aos fins que persegue. O sucesso de uma investigação científica depende do método adotado. Sem um método que dê coerência e sentido à operatividade científica, as tentativas de conhecer desembocam em experimentos sem consistência.

De que modo deve conduzir-se o pensamento do jurista para obter o conhecimento científico-jurídico ? Pode-se empregar no campo do direito um método análogo ao adotado para conhecer um fenômeno físico-natural ? Qual o método adequado ao estudo do direito ? O método científico por si só conduz a um resultado seguro ?

A finalidade de sistematização tem sido negada por alguns autores, como, por exemplo, Esser, e defendida com veemência por outros, dentre eles Kelsen, Englisch, Larenz, Coing, Giovanni, Legaz y Lacambra, Miguel Reale.

Cabe-lhe, sem dúvida, como veremos, a tarefa de sistematizar o ordenamento jurídico.

Há, ainda, quem duvide da viabilidade de um conhecimento científico do direito, negando a cientificidade da Jurisprudência. Existe ou não possibilidade de se submeter o direito a qualquer conhecimento científico ? É a Jurisprudência uma ciência ?

Para uns, adeptos do ceticismo científico-jurídico, o direito é insuscetível de conhecimento de ordem sistemática, afirmando com isso que a ciência jurídica não é, na realidade, uma ciência, baseados na tese de que o seu objeto ( o direito ) modifica-se no tempo e no espaço, e essa mutabilidade impede ao jurista a exatidão na construção científica, ao passo que o naturalista tem diante de si um objeto permanente ou invariável, que lhe permite fazer longas lucubrações, verificações, experiências e corrigir os erros que, porventura, tiver cometido.

Para outros, que constituem a maioria, a Jurisprudência é uma ciência, pois não há porque negar sua cientificidade, visto que contém todas aquelas notas peculiares ao conhecimento científico. A Jurisprudência possui caráter científico, por se tratar de conhecimento sistemático, metodicamente obtido e demonstrado, dirigido a um objeto determinado, que é separado por abstração dos demais fenômenos. A sistematicidade é um forte argumento para afirmar a cientificidade do conhecimento jurídico.

É mister que a ciência jurídica só veio consolidar-se no século XIX. Inúmeras são as concepções epistemológico-jurídicas atinentes à cientificidade da Jurisprudência, todas elas peculiares ao pensamento jusfilosófico do século passado e do atual.

Verifica-se, portanto, que há discrepâncias irredutíveis a respeito do tema em questão, impossibilitando pronunciamentos definitivos sobre os problemas levantados. Ante a impossibilidade de se captar com exatidão o objeto de investigação da ciência jurídica e de se eleger o seu método adequado, por não haver um "equilíbrio epistemológico" na abordagem científica do direito, a investigação juridico-científica torna-se difícil, pois " toda e qualquer solução do problema envolve uma decisão metacientífica, cujas raízes filosóficas não se escondem". A crise da ciência do direito consiste, exatamente, nessa grande inexatidão, daí a aporia do conhecimento científico-jurídico, que persistirá enquanto os juristas não se puserem de acordo sobre o objeto e método de sua ciência.

A apreciação que pretendemos fazer será restrita a uma reflexão filosófica. É a epistemologia jurídica que se ocupa da ciência do direto, estudando os seus pressupostos, analisando os fundamentos em que repousam os princípios que informam sua atividade, bem como a delimitação de seu objeto temático, procurando verificar, ainda, quais os métodos, ou melhor, os meios lógicos que dão garantia de validade aos resultados teóricos alcançados. De maneira que não é o teórico do direito, ou seja, o jurista, quem vai estabelecer as condições de certeza ou de verdade dos juízos formulados, fixando os requisitos de coerência, mas sim o epistemólogo. Por isso nosso ensaio situa-se no âmbito da epistemologia jurídica que fundamenta filosoficamente a ciência do direito, já que, no dizer de Van Acker, "sem jusfilosofia a ciência jurídica é cega ; sem ciência jurídica a jusfilosofia é vã".

Ricardo Prado Oliveira - Direito Noturno - 1º Ano - 1996 - UFMT

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