O tormentoso problema da liquidação dos danos morais tem sido suscitado freqüentemente, em decorrência da proliferação de demandas em que se pede a condenação do réu a ressarci-los. Não mais se controverte a respeito da possibilidade de cumulação de danos morais e materiais, mormente a partir da edição da Constituição Federal de 1988 e da Súmula 37 do Colendo Superior Tribunal de Justiça. Em todas as demandas que envolvem danos morais o Juiz defronta-se com o mesmo problema: a perplexidade ante a inexistência de critérios uniformes e definidos para arbitrar um valor adequado. Essa dificuldade já era observada há mais de quatro décadas por Agostinho Alvim que, em obra pioneira, ponderava que era impossível achar-se o equivalente da dor (Da inexecução das obrigações e suas conseqüências, Saraiva, 1955, p. 253). Um exame, ainda que superficial, da orientação da jurisprudência, mostra que são inumeráveis os critérios para arbitramento do dano moral. A forma mais comum de compensar o lesado pelos danos morais tem sido o ressarcimento em dinheiro. Por muito tempo, uma parcela ponderável dos doutrinadores entendia imoral a reparação pecuniária dos danos morais, sob argumento de que a dor não podia ser comprada por dinheiro. Mas, o argumento perde força desde que se conclua que a indenização em dinheiro não tem por fim compensar a dor, mas trazer ao lesado a possibilidade de, com o dinheiro, obter bens ou serviços que lhe tragam um conforto capaz de minorar o seu sofrimento. Mas, há outras formas, não pecuniárias, de reparação de danos morais e que, muitas vezes, atendem mais ao interesse do lesado. Carlos Alberto Bittar enumera algumas dessas formas de reparação específica: "a realização de certa ação, como a de retratação que, acolhida, pode satisfazer o interesse lesado (Lei n. 5.250/67, arts. 29 e 30); o desmentido, ou retificação de notícia injuriosa, nos mesmos termos (idem), a divulgação imediata de resposta (idem); a republicação de material com a indicação do nome do autor (Lei n. 5.988/73, art. 16), a contrapropaganda, em casos de publicidade enganosa ou abusiva (Lei n. 8.078/90, art. 60); a publicação gratuita de sentença condenatória (Lei n. 5.250/67, art. 68), ou sob expensas do infrator (Lei n. 8.078/90, art. 78); a divulgação de reclamações fundamentadas contra fornecedores de produtos ou de serviços (idem, art. 44). Os casos acima mencionados são previstos expressamente no ordenamento jurídico. Nada obsta, porém, que o Magistrado conceda ao lesado a reparação específica que entenda mais adequada, ainda que não haja previsão legal explícita. Basta que, implicitamente, o sistema admita a forma de reparação postulada.
Há, ainda hoje, acirrada controvérsia quanto à natureza da indenização por danos morais. E que, ao lado do caráter compensatório, alguns doutrinadores lhe atribuem natureza sacionatória, e aptidão para inibir a reiteração dos atos lesivos. Para Carlos Alberto Bittar, "a reparação de danos morais exerce função diversa daquela dos danos materiais. Enquanto estes se voltam para a recomposição do patrimônio ofendido, através da aplicação da fórmula 'danos emergentes e lucros cessantes' (Código Civil, art. 1.059), aqueles procuram oferecer compensação ao lesado, para atenuação do sofrimento havido. De outra parte, quanto ao lesante, objetiva a reparação impingir-lhe sansão, a fim de que não volte a praticar atos lesivos à personalidade de outrem" (Reparação civil por danos morais: a questão da fixação do valor, caderno de doutrina, Tribuna da Magistratura, julho de 1996, p. 35). Mas, a atribuição de caráter sancionatório à indenização por dano moral, não encontra amparo no sistema jurídico nacional, embora possa ser recomendável "de lege ferenda": não há pena sem lei anterior que a defina, inclusive na seara cível. Importa salientar que a lei civil, à medida que determina que o autor do dano, indenize os prejuízos que causou, acaba por ter natureza sancionatória indireta, servindo para desestimular a repetição do dano. Afinal de contas, o responsável sabe que terá que responder pelos prejuízos que causar. Mas, o caráter sancionatório é meramente reflexo, ou indireto. Em síntese: como o autor do dano tem que compensar os prejuízos alheios, ele sofrerá um desfalque patrimonial que poderá desestimular a reiteração da conduta lesiva; mas a finalidade precípua da reparação de danos não é punir o responsável, mas compensar o lesado. O mesmo acontece com o dano moral: a sua finalidade é compensar a vítima, e não punir a conduta danosa. Daí concluir-se que a reparação não pode ir além da extensão do dano moral. Se o dano moral é pequeno, a indenização não pode ser grande, apenas para punir o lesado. A doutrina do caráter punitivo dos danos morais encontra óbices intransponíveis nas indagações formuladas por Marco Antonio Botto Muscari: "a) qual razão de se conferir caráter sancionatório à reparação do dano moral, e não se defender igual tratamento ao causador de dano patrimonial? Teria o Direito menor interesse em coibir a causação de danos materiais? b) falecendo o ofensor, permitir-se-ia ao herdeiro pleitear a revisão do quantum, para excluir-se a parte relativa à sansão? C) sendo o ofensor pessoa extremamente pobre, mas dando causa a evento de maior gravidade, é lícito ao julgador arbitrar indenização bastante modesta?" (Critérios para fixação de indenização por danos morais, Seminários apresentado no Curso de Mestrado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, setembro de 1996). Ademais, partindo-se da premissa de que a indenização por dano moral tem caráter sancionatório, poder-se-ia concluir que seu valor pode ter vulto maior que o do próprio dano. Mas, sendo assim, e revertendo a indenização em proveito do lesado, este acabaria por enriquecer-se sem causa. Assim, à indenização por danos morais deve dar-se caráter exclusivamente compensatório. E, como colorário dessa assertiva, conclui-se que a condição econômica do autor do dano não deve ser relevante para o arbitramento de seu valor. A situação econômica do autor do dano é absolutamente irrelevante para a fixação dos danos materiais. E também não deve ser considerada para os danos materiais. Do contrário, estar-se-ia mais uma vez atribuindo função punitiva à indenização por danos morais, pois só a título de punição podem ser elevados danos morais pelo simples fato de o seu causador ser rico. Ressalve-se, entretanto, os danos causados por intermédio dos Órgão de Imprensa, haja vista a determinação expressa do art. 53, II, da Lei n. 5.250/67. Muitos doutrinadores tem atribuído relevância à condição social do ofendido, como critério a ser utilizado na fixação dos danos morais.
A Lei de Imprensa e o Código Brasileiro de Telecomunicações atribuiram à situação econômica do lesado teria influência sobre a dimensão do sofrimento por ele experimentado? A pessoa humilde, que perde um filho, sofreria um abalo moral menor do que a de condição social mais elevada, nas mesmas circunstâncias? Não haveria ofensa ao princípio constitucional da igualdade? É devidamente que o sofrimento moral das pessoas afortunadas não é mais profundo do que o das demais.
O critério da condição econômica do lesado, porém, deve ser utilizado no arbitramento dos danos morais. E que, como já ressaltado, a indenização por danos morais não equivale a um pagamento correspondente ao dano moral sofrido, porque o dano mural puro não tem equivalente em dinheiro.
O valor fixado deve ser tal que traga ao beneficiário um consolo, uma compensação pela mal que lhe causaram. A indenização deve permitir ao lesado de realizar certa atividade capaz, senão de eclipsar, ao menos de minorar o sofrimento oriundo dos danos. Por isso, a condição econômica do lesado há de ser considerada: a dimensão econômica capaz de trazer consolo ao afortunado e ao humilde nem sempre será a mesma.
A gravidade do dano, a sua repercussão, são critérios que certamente devem ser levados em consideração no arbitramento. A Lei de Imprensa, no art. 53, I, determina que o juiz considerará a intensidade do sofrimento do ofendido, a gravidade a natureza e a repercussão da ofensa.
Deve, ainda, o Juiz considerar as demais circunstâncias relacionadas ao dano, inclusive se, de alguma forma, o ofendido concorreu, ou facilitou que eles ocorressem caso em que o valor da reparação deverá ser reduzido.
Não há como considerar, porém, o grau de culpa do ofensor, como critério para arbitramento. E certo, a Lei de Imprensa o considerou. Mas, uma leitura atenta do art. 53, da Lei de Imprensa mostra que, no caso específico dos danos morais cometidos por intermédio dos órgãos da imprensa, a indenização terá também finalidade sancionatória. Afinal, como critérios de arbitramento, a lei considerou a situação econômica do ofensor, e o grau de culpa com que ele agiu. Mas, do fato de a Lei de Imprensa ter atribuído caráter punitivo a indenização por danos morais, não se há de presumir que toda indenização por danos morais há de ter essa função. A função sancionatória depende de previsão legal, que existe no caso da Lei de Imprensa, mas não existe em relação a outras hipóteses de dano moral. O grau de culpa não é levado em consideração, "de lege lata", para a fixação dos materiais. E não deve sê-lo, para a fixação dos danos morais. Portanto, os principais critérios para o arbitramento dos danos são: a situação econômica do lesado; a intensidade do sofrimento, e a gravidade e repercussão da lesão; e as circunstâncias que envolveram os danos. Muitas decisões têm utilizado como paradigma para a fixação dos danos morais o Código Brasileiro de Telecomunicações, que fala em indenizações de 5 a 100 salários mínimos, e a Lei de Imprensa, que limita a indenização entre 20 e 200 salários mínimos. Os artigos que fixavam no Código Brasileiro de Telecomunicações (arts. 81 a 84) foram revogados pelo Decreto-lei 236/67. Apesar disso, são freqüentes os arestos que continuam a utilizar os limites impostos pelos artigos revogados, como os mencionados por Marco Antonio Botto Muscari (ob. cit, p. 193). Os limites da Lei de Imprensa tem sido utilizados com freqüência, também, mormente porque, em regra, o seu emprego resulta na fixação de valeres razoáveis, e o prudente arbítrio e o bom senso do julgador devem ser sempre considerados. Mas é preciso salientar que a utilização da Lei de Imprensa como norte para a fixação das indenizações não deve servir de pretexto para que se entenda dever ser tarifada a indenização por danos morais. Nem deve o juiz deter-se ante a possibilidade de fixar danos superiores ao teto fixado na Lei de Imprensa: constatado que a gravidade dos danos e o sofrimento do lesado é tal que a fixação em 200 salários mínimos não sirva como compensação ou consolo, deve o Juiz fixar valores superiores.
Portanto, o critério da Lei de Imprensa vale como norte, mas não como limitação, no arbitramento dos danos. A pré-fixação de limites para indenização traria grave risco, detectado por Carlos Alberto Bittar:
"Pondere-se, ainda, que a multiplicidade de ações lesivas possíveis e as diferentes conseqüências que delas defluem tornam difícil a catalogação pelo legislador para a posterior tarifação. De outra parte, o conhecimento prévio do 'quantum' pode conduzir os refratários a assumir o ônus correspondente, de modo deliberado, desrespeitando, intenciosamente, os bens jurídicos protegidos nessa área (como, por exemplo, em certa atividade de comunicação, feita a equação custo-benefício, opte o explorador por usar indevidamente imagem alheia, diante de perspectivas favoráveis de obtenção de resultados financeiros compensadores" (ob. cit., p. 36). Nada obsta que o Juiz, se necessário, possa valer-se de peritos para poder melhor avaliar a gravidade do dano moral. A conclusão de que o ressarcimento por dano moral tem caráter compensatório, e não punitivo - salvo reflexamente - traz outras repercussões. Uma delas seria no que diz respeito à possibilidade de pleitear-se do preponente indenização por danos morais decorrentes de ato ilícito praticado pelo preposto. Não há controvérsia quanto ao fato de que, pelos danos materiais, responde o patrão pelos atos do empregado. Para os danos morais a solução deve ser a mesma: a responsabilidade pelos atos ilícitos do preposto estende-se ao patrão. Se atribuírmos, porém, caráter punitivo à indenização por dano moral, dificilmente conseguiremos justificar a extensão da responsabilidade ao patrão. A natureza que se atribuia à indenização por danos morais também repercutirá na questão da influência do tempo sobre o "quantum" indenizatório. A dor humana reduz-se com o passar dos anos, e a questão torna-se mais relevante em razão dos longos prazos prescricionais da lei brasileira. Seria idêntico o consolo necessário para apaziguar a dor de quem foi ofendido ontem, ou de quem o tenha sido há quase vinte anos. José Osório de Azevedo Júnior conclui: "Em relação ao tempo, eu não tenho dúvida em afirmar que o tempo é um daqueles fatores que o juiz deve levar em consideração, particularmente no caso de Dano Moral. Nós sabemos que a dor não se prolonga indefinidamente. Então, o fato de ter permanecido muito tempo inerte é particularmente importante para nós, no Direito Brasileiro, que temos um prazo alucinante longo de prescrição, que é de 20 anos. Então, não se pode deixar de levar em conta esta circunstância" (O Dano Moral e sua Avaliação, Revista do Advogado, nº 49, dezembro de 96, p. 14). Diversa seria a solução se aos danos morais fosse dado caráter punitivo, já que o transcurso do tempo não repercute sobre a ilicitude da conduta. Conclui-se, portanto, que "de lege lata" não há como atribuir caráter punitivo, senão reflexo ou indireto, à indenização por danos morais. Postular-se o contrário seria abrir campo para o pleito de indenizações milionárias, tais como as concedidas pelo direito norte-americano, e que, revertidas em proveito da vítima, implicariam em enriquecimento sem causa, este sim imoral. A ser atribuído caráter punitivo ao dano moral, melhor seria que o que excedesse o razoável para consolar a vítima fosse destinado a um fundo criado com essa finalidade, como preconiza Marco Antonio Muscari: "No que tange à destinação da verba, poder-se-ia cogitar da criação de um fundo semelhante àquele previsto no art. 13 da Lei n. 7.347/85 (ação civil pública), utilizando-se recursos: a) em campanhas educativas (acidentes de trânsito); b) na divulgação de decisões judiciais impositivas das penas, mostrando à sociedade a reação do ordenamento jurídico às infrações da natureza; c) na assistência às vítimas pobres que, lesionadas por pessoas também miseráveis, nada receberam de seus ofensores".
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