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O PEDIDO GENÉRICO NAS AÇÕES DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS.

UM EQUÍVOCO ERRONEAMENTE TOLERADO.

Autor : Gabriel Zefiro

Assunto que vem suscitando considerável controvérsia é o que diz respeito ao pedido nas ações nas quais busca o autor indenização por danos morais. A indenização por dano moral é instituto relativamente novo no direito brasileiro. Tornou-se de indiscutível viabilidade somente após a Constituição de 1988. A partir daí vem sendo perseguida em inúmeros feitos, e tem merecido tratamento diferenciado pelos Tribunais nos mais diferenciados aspectos. Uma das celeumas mais freqüentes relativas à matéria diz respeito à fixação do valor da indenização, tema que está intimamente ligado ao pedido inicial pelo princípio da congruência. Tais pedidos vêm sendo formulados de forma genérica, sob o argumento de que valor do dano moral deve ser arbitrado exclusivamente pelo Juiz. Tal prática, tolerada até então pela maioria dos Magistrados, vem sendo combatida mais recentemente por Juízes atentos ao problema, alertados pela verdadeira enxurrada de ações buscando indenização por danos morais, cumulados ou não ao dano material. Note-se que hoje é raro o pedido de indenização por danos materiais que não venha acompanhado de pretensão por danos morais. A leniência da jurisprudência para com a questão do pedido genérico, com a sua evidente influência na fixação do valor da causa e o recolhimento da taxa judiciária, aguçou o ânimo dos aventureiros processuais, sempre prontos a "tentar a sorte" em demandas algumas vezes verdadeiramente insólitas.

Sob o prisma puramente técnico a prática vem agredindo frontalmente o disposto no artigo 286 do CPC. Verbis;

Art. 286 - O pedido deve ser certo ou determinado. É lícito, porém, formular pedido genérico: I - nas ações universais, se não puder o autor individuar na petição os bens demandados; II - quando não for possível determinar, de modo definitivo, as conseqüências do ato ou do fato ilícito; III - quando a determinação do valor da condenação depender de ato que deva ser praticado pelo réu.

Como se vê em nenhuma das exceções à regra de que o pedido deve ser certo e determinado encontra-se a ação de indenização por danos morais. Nela, como em qualquer ação que visa condenação por ato ilícito, o pedido tem de ser certo e determinado(trata-se de conjunção aditiva mesmo), ou seja, o autor deve requerer a condenação em quantia certa.

A exceção ocasionalmente aplicável às ações indenizatórias é a prevista no inciso II, do artigo 286 acima transcrito. Pode o autor formular pedido genérico quando não for possível ab initio determinar, de modo definitivo, as consequências do ato ou fato ilícito. A não ser que o dano moral tenha reflexos de índole material disseminados no futuro(cancelamento progressivo de contratos por artista difamado, por exemplo), não vemos como fazer incidir tal regra às ações que tenham como pretensão essa modalidade de indenização.

Não são poucos os que na doutrina defendem que o valor da indenização pelo dano moral deve ser arbitrado pelo Juiz, sem, contudo, explicar exatamente o que significa esse "arbitramento". A expressão é bem próxima de outra que deve causar arrepios ao jurista; arbítrio.

Da forma como colocam alguns autores o leitor menos atento pode ser levado à errônea conclusão de que o Magistrado pode "tirar um valor da cartola" e atirá-lo sobre o réu, que teve a oportunidade de discutir a existência do dano moral, mas não sua extensão.

O primeiro equívoco a ser sanado reside na própria denominação do instituto, utilizada sem maiores preocupações técnicas. Havendo dano moral não há que se falar em "indenização" em termos estritamente técnicos. Indenizar significa tornar indene, retornar ao status quo ante, repor o patrimônio jurídico nos moldes do que existia antes do prejuízo injustamente causado.

Ora, não há como desfazer a dor, a tristeza, o aborrecimento desmedido, mas é possível compensar o sofrimento experimentado. A "indenização" consiste, isto sim, numa compensação, a tentativa de substituir uma dor por uma satisfação, além do aspecto retributivo e verdadeiramente punitivo no tocante ao causador do dano.

Em não havendo um prejuízo palpável, aferível em termos quantitativos, corre-se o risco de beirar a subjetividade mais exacerbada na fixação da reparação da dor moral. A doutrina e a jurisprudência têm cunhado parâmetros no auxílio de tal missão. Todavia, a celeuma parece longe de ser resolvida.

Um dos critérios admitidos é o que tem como paradigma a pena criminal de eventual condenação por crime contra a honra. Não nos parece o melhor. É preferível levar em consideração o padrão social da vítima e do causador do dano, a extensão do dano, sua natureza, suas conseqüências em relação ao devedor e ao credor, e acima de tudo utilizar-se o chamado "critério da lógica do razoável", muito bem cunhado e delimitado pelo Professor e Desembargador Sérgio Cavalieri em várias de suas proveitosas palestras sobre o tema.

Só que, qualquer que seja o critério utilizado, o réu tem o direito de discutir o valor ao qual pode vir a ser condenado. Sustentando-se que o Juiz poderá ao final estabelecer um valor aleatoriamente, sem discussão pretérita sobre o montante indenizatório, nega-se automaticamente o direito ao contraditório e a ampla defesa quanto a esse aspecto da eventual condenação.

Mais um fator deve ser considerado. Se é a dor do autor que será compensada, sendo o sofrimento um sentimento e como todos os sentimentos incompartilhável, fechado no casulo do ser, quem melhor do que ele próprio para estabelecer o quantum a que faz jus?

Em verdade duas são as verdadeiras motivações do pleito genérico em relação ao dano moral. O primeiro é a sorte. Ao pedir um valor certo o autor pode acabar obtendo menos do que o juiz lhe daria. Não são poucos os julgamentos nos quais o órgão julgador literalmente afirma que daria mais se o pedido permitisse.

O segundo, e de tão óbvio salta aos olhos, é a fuga ao pagamento da taxa judiciária. O pedido genérico permite a fixação do valor da causa em módicas quantias, tornando a taxa mais "palatável".

Em certa ação por nós julgada o autor propôs no bojo da inicial a utilização como paradigma para a fixação do valor do dano moral que perseguia, o parágrafo primeiro, do artigo 60, do CP, c/c o artigo 1.547 do CC, mencionando de passagem o montante de 10.800 salários mínimos. Em moeda corrente algo em torno de R$ 1.200.000,00(um milhão e duzentos mil reais).

No entanto, ao final, fez o pedido de condenação de forma genérica, sob o argumento de que a condenação seria arbitrada pelo Magistrado, dando à causa valor infinitamente inferior e sobre ele recolhendo o tributo. Aquele imaginoso autor, como muitos outros como pudemos constatar posteriormente, estão a criar uma nova modalidade de pedido; o "insinuado". Pelos argumentos acima expendidos chega-se à inarredável conclusão de que a obediência ao artigo 286 do CPC é impositiva nas ações que visam indenização por dano moral, inexistindo qualquer argumento lógico ou jurídico a apontar para outro caminho.


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