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PRINCÍPIO DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO
por

Jorge Jaudy

1. Introdução

Esta modesta pesquisa acadêmica, realizada acerca do princípio do duplo grau de jurisdição, visa abordar os vários pontos de vista sobre a matéria.

Em se tratando princípio foi necessária uma análise, mesmo que superficial, da justiça como um todo e sua evolução.

Pretendemos com este modesto estudo acerca do princípio do duplo grau de jurisdição lançar alguma luz sobre a discussão atinente ao binômio Justiça versus certeza.

Para tanto, fez-se necessário uma análise, mesmo que superficial, da organização da justiça brasileira, e de sua hierarquização. Remetendo-se para as origens do instituto, no direito romano, e de sua evolução.

A pesquisa volta-se a examinar o tema sob seus fundamentos, jurídicos, políticos e aspectos constitucionais. Assim como as limitações, exceções e peculiaridades do referido princípio.

Não pretendemos, com o estudo feito, esgotar o assunto, que poderia prosseguir, analisando as questões referentes ao estudo dos recursos, tema complexo, dada a posição de mero principiante do acadêmico.

2. Organização da Justiça Brasileira

A partir da diversidade das pretensões que ensejam o provimento judicial, ocorre a necessidade de especialização de órgãos jurisdicionais.

No Brasil, existem órgãos jurisdicionais especializados para o julgamento das lides trabalhistas, eleitorais e militares. São portanto, o que podemos chamar de "Justiças especializadas", a Justiça do Trabalho, a Justiça Eleitoral e a Justiça Militar.

Todas as demais lides, para as quais não esteja previsto, na Constituição Federal, o processamento e julgamento pelos órgãos dessas justiças especializadas, serão apreciados pela chamada Justiça Comum.

A Justiça Comum é atribuição dos Tribunais e Juízes estaduais, à exceção das hipóteses em que a União seja parte ou tenha interesse na causa, quando, então, a lide será submetida à apreciação dos órgãos da Justiça Federal.

O Poder Judiciário brasileiro organiza-se hierarquicamente, cabendo aos órgãos jurisdicionais singulares, a classificação de órgãos jurisdicionais de 1º grau ou 1ª instância. Nestes órgãos, a função é exercida por um único juiz.

Acima destes, estão os órgãos jurisdicionais de 2º grau, ou 2ª instância, que se apresentam sob a forma colegiada, tomando o nome de Tribunais.

Em 1ª instância, a Justiça do Trabalho é exercida pelas Juntas de Conciliação e Julgamento, a Justiça Eleitoral pelos juízes eleitorais e a Justiça Militar pelas Auditorias Militares Federais e Estaduais. A Justiça Federal, pelos juízes Federais e a Justiça Comum estadual pelos juízes de direito.

Os Tribunais estão sediados nas capitais dos Estados-membros, que podem funcionar como sedes de Tribunais Regionais do Trabalho, Tribunais Regionais Eleitorais, Tribunais Regionais Federais. Nas capitais, também funcionam os Tribunais Estaduais de Justiça, Alçada, Militar.

Todos esses órgãos funcionam como instâncias recursais no atendimento ao princípio do duplo grau de jurisdição e detêm, também, competência originária para o processamento e julgamento de algumas lides definidas pela legislação.

Na capital Federal, têm sede os Tribunais Superiores, instância recursal dos Tribunais Regionais e Estaduais. São eles o Superior Tribunal Militar, o Tribunal Superior do Trabalho, o Tribunal Superior Eleitoral, o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal, este último, como órgão máximo do Poder Judiciário, a quem compete, precipuamente, a guarda da Constituição.

"Quando se fala em princípio do duplo grau de jurisdição, está-se referindo à possibilidade de serem as causas apreciadas e decididas por um segundo órgão, que tenha também o poder de julgar".

O vencido tem, dentro de certos limites, a possibilidade de obter uma nova manifestação do Poder Judiciário, ou seja, existe a possibilidade de duas decisões válidas e completas no mesmo processo, emanadas por juizes diferentes, prevalecendo sempre a segunda em relação à primeira. Para tanto, necessário se faz a existência de órgãos inferiores e superiores.

3. Jurisdição Superior e Inferior

O significado do duplo grau de jurisdição não se relaciona com a existência de uma pluralidade de jurisdições, que seria admitir-se pluralidade de soberanias, o que não faz sentido. O princípio baseia-se no reexame das demandas, por via de recurso, levando-se em consideração a competência dos órgãos julgadores, esta sim, como medida da jurisdição.

" Deve-se entender por jurisdição superior e inferior não uma competência de mando, mas apenas uma competência de derrogação, no sentido de a primeira poder apreciar, em segundo grau, a causa já decidida, substituindo com sua decisão a de primeiro grau ."

Seguindo os passos de Carnelutti, afirma Alcides de Mendonça Lima que

"não deixa de existir recurso quando interposto para o mesmo órgão que prolatou a decisão recorrida; desde que o vencido possa insistir na sua pretensão, há recurso, no sentido humano e jurídico. "

Dessa forma, muito embora a maior parte dos casos conhecidos de competência para julgamento de recursos serem levados à órgãos hierarquicamente superiores, isso não significa que o julgador não possa ser do mesmo grau de jurisdição, continuando ileso o referido princípio.

É o que acorre nas pequenas causas cíveis, conforme permite nossa Constituição, art. 98, I .

4. Breve comentário histórico

4.1 Introdução

Afastando o estudo da fase mais primitiva de autotutela, podemos dividir o direito processual romano em três períodos distintos, porém, entrelaçados, sendo o primeiro deles o da legis actiones, o segundo per formulas e o terceiro da extraordinaria cognitio.

No ordo iudiciorum privatorum, que coresponde aos dois primeiros períodos, o processo se caracteriza por ser eminentemente privado.

Durante esse período, a princípio, não temos sinais da existência de um recurso, nos moldes da nossa apelação.

O processo se dava em duas fases, a primeira in iure e a segunda apud iudicem. Se desenvolvia primeiramente perante o magistrado e depois perante o juiz, que era um árbitro escolhido pelas partes, que deveria instruir e julgar o litígio, nos limites da fórmula concedida pelo magistrado. Os cidadãos em conflito comprometiam-se a aceitar o que viesse a ser decidido, esse compromisso, recebia o nome de litescontestatio.

Esse procedimento sofre modificações, acompanhando as mudanças políticas, econômicas, e sociais. Aumenta a participação do Estado, que conquista o poder de nomear os árbitros.

Depois do período arcaico e clássico, surge uma nova organização política, que se coloca em frontal oposição ao procedimento formular. A partir de Otaviano Augusto, os detentores do poder em Roma buscaram concentra-lo ao máximo.

Dessa forma, surge a extraordinaria cognicio, caracterizando-se pela intervenção definitiva do Estado na atividade julgadora. O processo agora, se desenvolve em apenas uma fase, perante o magistrado, passando a ser escrito.

"Outra característica desse período é o estabelecimento de uma hierarquia judiciária, ou seja, há juizes superiores e inferiores, não somente em razão da função exercida mas, sobretudo, em virtude de uma estrutura judiciária, montada sob a forma da administração pública."

4.2 Sistema recursal

4.2.1 Ordo iudiciorum privatorum

Durante a fase da ordo iudiciorum privatorum, podemos elencar, com base na doutrina e nas fontes, os seguintes meios de impugnação às decisões judiciais: intercessio, infitiatio, revocatio in duplum e a restitutio in integrum. Porém, nenhum deles se dá nos moldes de nossa apelação, ou seja,

"um meio de impugnação dirigido a um julgador superior, competente para reformar a decisão proferida pelo juízo a quo."

A intercessio tratava-se de mecanismo de veto à disposição dos magistrados, e posteriormente dos tribunos da plebe. De notar-se que se essa intervenção se limitava a suspensão do ato e não a sua substituição. Não poderia ser utilizada para impedir a execução da sentença.

Já a infitiatio era um instituto que visava impedir a execução da sentença que possuísse vícios em sua constituição e em seu desenvolvimento.

Caso, contudo, fosse confirmada a eficácia da sentença condenatória, o executada seria condenado ao pagamento em dobro. Não se tratava de mecanismo recursal, mas de um meio de defesa.

A revocatio in duplum tinha a mesma finalidade da infitiatio, porém, nesta havia uma antecipação por parte do réu. Também não se tratava de um tipo de recurso, mas sim de uma verdadeira ação que, segundo a maior parte das autores, seria declaratória negativa.

A restitutio in integrum era mecanismo utilizado para a desconstituição de uma decisão, tanto do magistrado quanto do juiz, com base na eqüidade. Visava anular uma decisão portadora de um resultado injusto, mesmo que de acordo com as regras jurídicas.

Coloca-se, portanto, contra as decisões válidas e exigíveis, porém, incompatíveis ao senso de justiça dos romanos.

Todavia, também não se trata de recurso, pois, apenas impede as conseqüências do ato impugnado, não o substituindo por qualquer outro. O caso examinado simplesmente volta à situação anterior.

4.2.2 Extraordinaria cognitio

A possibilidade de se recorrer da decisão emitida pelo juiz aparece, de fato, na terceira fase, ou seja, na extraordinaria cognitio, com o surgimento da appellatio.

Nesse período, Otaviano Augusto assume a posição de princeps, instituindo uma diarquia com o Senado, e passa a acumular cada vez mais funções. Entre elas, a de intervir na esfera privada e capacidade legislativa.

Surge a possibilidade de se recorrer da decisão do magistrado para o princeps. Dessa forma, garantia-se ao povo, a possibilidade de revisão das decisões, e um controle cada vez maior sobre toda a estrutura administrativa romana, pelos imperadores, assegurando, portanto, uma unificação e uniformização das decisões.

Com a complexibilização da estrutura judiciária, bem como o acúmulo de recursos, estes passaram a ser julgados pelos outros magistrados, como por exemplo, o prefeito do pretório.

A estrutura passa a conter diversos graus, hierarquicamente interligados. A parte poderia apresentar mais de uma apelação, desde que, acima do julgador estivessem outros magistrados.

"Ao contrário de outros meios de impgnação, nascidos no período formular, a apelação era cabível contra sentenças válidas, porém que tivessem aplicado equivocadamente o direito em vigor, razão pela qual poderiam ser modificadas perante uma instância superior"

Nota-se a existência não somente de um duplo grau de jurisdição mas, de uma pluralidade e graus de jurisdição.

"... embora houvesse propósito em garantir o direito da matéria julgada ser reapreciada, não pairam dúvidas de que o direito de recorrer tinha uma conotação muito mais hierárquico-autoritária de controle da administração por parte de organismos superiores que chegavam até o imperador, um verdadeiro meio de fiscalização dos magistrados, na medida em que, sendo a atividade judiciária realizada pelos mesmos funcionários que exerciam a atividade administrativa, não existia, evidentemente, uma independência dos juízes a quo em relação àqueles ad quem."

5. Fundamentos do princípio

5.1 Fundamentos Jurídicos

O duplo grau de jurisdição, como qualquer outro princípio de direito processual, tem como base para sua adoção o fato de contribuir, ou não, para a melhoria da tutela jurisdicional.

Funda-se na possibilidade de a decisão de primeiro grau ser injusta ou errada.

Vários são os argumentos jurídicos que fundamentam a adoção do sistema, entre eles:

a) Inconformismo natural da parte que perde em primeira instância

O princípio atende ao natural inconformismo, contra o que for desfavorável, buscando novo pronunciamento. Inconformismo este, fruto do conhecimento da falibilidade humana.

b) Maior experiência e instrução do juiz de segunda instância

A princípio, nos parece coerente tal afirmação, uma vez que, geralmente, o juiz de segunda instância exerce suas funções há mais tempo, muito embora, não se possa traçar uma regra geral.

No Brasil, como já exposto, admite-se a interposição de recursos para órgão formado por juízes de mesma instância, como ocorre no Juizado Especial de Pequenas Causas, onde o recurso é dirigido ao Colégio Recursal.

c) Controle psicológico do julgador de primeira instância

Com a possibilidade de revisão, o juiz de primeiro grau torna-se mais cuidadoso no julgamento. Porém, adverte-nos Oreste Nestor de Souza Laspro:

" ... tendo o magistrado as garantias da vitaliciedade e inamovibilidade e que, seja pelo merecimento, seja pela antigüidade, ascenderá na carreira, não deve temer esse controle"

d) Maior exame da questão

Não existem dúvidas quanto ao maior exame da questão, todavia, alega a doutrina contrária ao princípio, o que não se pode afirmar é que o exame feito em segundo grau é o que traz melhores resultados.

5.2 Fundamento Político

O Poder Judiciário é o de menos representatividade, uma vez que não é legitimado pelas urnas, sendo necessário, ao menos o controle interno. É a conotação política do princípio.

Atualmente, as três formas de limitação do poder estatal mais freqüentes são a proteção da esfera individual e a divisão territorial e funcional do poder.

Na esfera individual, a proteção das garantias caracteriza-se pela enumeração de determinados direitos, os quais formam uma área impenetrável pelo Estado.

A segunda limitação é representada pelo Federalismo, que nas palavras de Pinto Ferreira, "é uma organização, formada sob a base de uma repartição de competências de entre o governo nacional e os governos estaduais, de sorte que a União tenha a supremacia sobre os Estados-membros, e estes sejam entidades dotadas de autonomia constitucional perante a mesma União".

A terceira garantia é a divisão funcional do Estado, baseada na separação de poderes, porém, sabemos que na verdade, não se trata de uma separação de poderes, mas sim de uma separação de funções.

A teoria da separação dos poderes vincula-se ao nome de Montesquieu, expressa na sua obra L’Esprit dês lois (O Espírito das leis). No sexto capítulo do livro XI, ao desejo de estudar a constituição da Inglaterra, Montesquieu a idealizou, transformando-a em modelo político dos regimes que preservam a liberdade.

Porém, ainda se fazem necessários instrumentos de controle e de fiscalização.

Na atividade administrativa, esse controle é exercido pelo Legislativo, através da fiscalização de suas contas ou pela aprovação ou não das reformas legislativas apresentadas pelo governo, e pelo Judiciário, tendo este a função de controlar e fiscalizar os atos da administração no tocante a sua legalidade.

Existe também um controle interno, sendo que este pode se dar sobre a legalidade e o próprio mérito.

A atividade Legislativa também sobre controle pelo Executivo, que pode deixar de sancionar uma lei, por exemplo. Além disso, e Executivo também tem controle indireto, como a competência para regulamentar a forma de aplicação de determinadas leis.

Porém, o controle das leis, emitidas pelo Legislativo é feito, sobretudo, pelo Judiciário, que decidirá a respeito de sua constitucionalidade.

Costuma-se afastar qualquer forma de controle externo sobre a atividade jurisdicional, sob o argumento de que isso ofenderia a independência dos magistrados, não podendo, portanto estarem submetidos a pressões do Legislativo e do Executivo ou do eleitorado, sob pena de não aplicar a lei com a isenção que se lhe é exigida.

Contando com mais adeptos está o controle interno do Judiciário, ou seja, aquele desenvolvido pelo próprio Judiciário. Dentro dessa forma de controle, o duplo grau de jurisdição seria mecanismo eficaz.

6. Garantia Constitucional

O art. 158, da C.F. do Império de 1824, dispunha expressamente sobre a garantia do duplo grau de jurisdição, dessa forma, a causa deveria ser apreciada sempre que a parte quisesse, pelo então, Tribunal da Relação.

As Constituições que se lhe seguiram, limitaram-se apenas a mencionar a existência de Tribunais, conferindo-lhes competência recursal.

" A diferença é sutil, reconheçamos, mas de grande importância prática. Com isto queremos dizer que, não havendo garantia constitucional do duplo grau, mas mera previsão, o legislador infraconstitucional pode limitar o direito de recurso, dizendo, por exemplo, não caber apelação nas execuções fiscais de valor igual ou inferior a 50 OTNs (art. 34 da Lei nº 6.830/80) ou ainda, não caber recurso dos despachos (art. 504 CPC)"

Para Ada Pellegrini Grinover, pode-se afirmar que a garantia do duplo grau de jurisdição, embora só implicitamente assegurada pela Constituição brasileira, é princípio constitucional autônomo, decorrente da própria Lei Maior, que estrutura os órgãos da chamada jurisdição superior.

Segue afirmando:

"Em outro enfoque, que negue tal postura, a garantia pode ser extraída do princípio constitucional da igualdade, pelo qual todos os litigantes, em paridade de condições, devem poder usufruir ao menos de um recurso para a revisão das decisões, não sendo admissível que venha ele previsto para algumas e não para outras."

A autora é categórica ao afirmar que, um sistema de juízo único fere o devido processo legal, que é garantia inerente às instituições político-constitucionais de qualquer regime democrático.

Já para Oreste Nestor de Souza, esses dois princípios, apesar de ligados entre si, não traduzem relação de dependência ou contingência.

"Isto porque, no tocante às questões de fato, pressupõe-se o contato direto do juiz de primeiro grau com as provas, que lhe oferecem um profundo exame do conflito de interesses, em obediência ao princípio da oralidade. (...) Assim sendo, o juiz de primeiro grau, se não conta com a experiência daqueles de segunda instância, tem a favorecê-lo o conhecimento dos fatos através da prova testemunhal, a concentração e oralidade do processo, permitindo às partes o exercício de seus direitos e prerrogativas."

Conclui afirmando que poderemos ter um processo obediente ao princípio do devido processo legal sem que haja, necessariamente, previsão do duplo grau de jurisdição.

O princípio do duplo grau integra o direito positivo brasileiro, em nível supra legal, a partir de 1992, pela ratificação da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, mediante a norma do art. 8º, nº 2 - h do pacto, que assegura o direito de recorrer da sentença para o juiz ou tribunal superior. Dispositivo este, que encontra-se, hierarquicamente, em mesmo nível das regras constitucionais, por força do disposto no art. 5º, §2º (CF/88). A expressão "para juiz ou tribunal superior" poderá suscitar uma questão de eventual incompatibilidade entre as duas normas, resolvendo-se o problema pela predominância da posterior.

Entende Ada Pellegrini que os dois dispositivos podem ser compatibilizados, entendendo-se que o "juiz superior" possa ser o órgão colegiado de primeiro grau.

7. Limites da garantia do duplo grau

O princípio do duplo grau esgota-se nos recursos cabíveis no âmbito do reexame da decisão, por uma única vez. Os recursos de terceiro grau das Justiças Trabalhista e Eleitoral, o recurso especial para o STJ e o extraordinário, para o STF, não se enquadram na garantia do duplo grau, sendo outro seu fundamento.

Porém, outras questões suscitam a garantia, a saber:

a) Quanto à matéria

Prevalece hoje a idéia, adotada em nosso sistema processual, de que qualquer vício da decisão é sanável por intermédio de recurso, e conseqüentemente sujeita ao princípio do duplo grau de jurisdição, desde que observados os requisitos próprios de cada meio de impugnação.

Visa, portanto, a correção do error in judicando, consistente no erro do juiz no julgamento do mérito, que versa sobre as pretensões de direito material das partes; e do error in procedendo, ou seja, erro do juiz sobre questões processuais.

Outra indagação ligada a matéria é a de se saber se o reexame da questão deve ficar garantido com relação à matéria de fato e de direito apreciada pelo juiz, ou só quanto à matéria de direito.

Observa-se uma forte tendência processual contemporânea sustentando que, salvo em casos excepcionais, a garantia do duplo grau deveria ficar restrita à apreciação da questão de direito, enquanto o exame das questões de fato não deveria ser submetido ao duplo grau, até para resguardar o princípio da imediação do juiz com as alegações e as provas.

No entanto, ressalva Ada Pellegrini:

"... para os sistemas, como o nosso, em que o juízo de primeiro grau é monocrático, é preferível estender o duplo grau de jurisdição à matéria de fato, como garantia de uma correta valoração dos fatos."

b) Quanto ao alcance

É necessário distinguir, em cada sistema processual, se a decisão interlocutória é recorrível, e se o for, se se sujeita, ou não, ao instituto da preclusão. Em outras palavras, se não interposto o recurso próprio da decisão interlocutória, esta pode ser reexaminada quando do julgamento do recurso da sentença final, ou se, ao contrário, a decisão interlocutória não impugnada pelo recurso próprio preclui, impedindo-se seu reexame por ocasião do julgamento do recurso da sentença final.

Esclarece a questão a autora:

" Diversamente do que ocorre para o processo civil, em que as decisões interlocutórias são impugnáveis pelo agravo (art. 522, CPC), no processo penal a regra para as decisões proferidas no curso do processo é sua irrecorribilidade, com as excesões do art. 581 do CPP e outras expressamente previstas em leis especiais. (...) Esta é a regra geral a ser adotada no sistema processual brasileiro: irrecorríveis que sejam as interlocutórias, seu objeto, não acobertado pela preclusão, será de regra revisto por ocasião da apelação, como preliminar desta, cumprindo-se nessa oportunidade a garantia do duplo grau. Mas, se recorríveis, a garantia do duplo grau se exerce desde logo, pelo controle do tribunal ad quem, por intermédio do recurso cabível, evitando-se assim a preclusão."

8. Recursos

Seria precipitado, da parte do acadêmico, uma abordagem ao instituto dos recursos, dada a tamanha complexibilidade do tema, preferiu, dessa forma, optar apenas por uma abordagem de cunho ilustrativo. Feita a ressalva, parte o acadêmico para a exposição:

Recurso, do latim, recursus, a palavra é composta de partícula iterativa, de origem desconhecida - re, retrogração, volta, renovação, e do substantivo cursus, de sorte a designar novo curso, repetição do movimento. Nos dizeres de João Monteiro "... é a provocação a novo exame dos autos para emenda ou modificação da primeira sentença".

É o meio processual empregado na invocação do reexame da causa.

É conceituado no direito processual brasileiro como o " meio voluntário de impugnação de decisões, utilizado antes da preclusão e na mesma relação jurídica processual, apto a propiciar a reforma, a invalidação, e o esclarecimento ou a integração da decisão."

9. Exceções ao princípio

O processo penal brasileiro não conhece casos de supressão do segundo grau de jurisdição. O mesmo não ocorre no processo civil, havendo dispositivos de leis especiais, que prevêem o juízo único. (art. 893, §4º, CLT) ou o "recurso" para o mesmo juiz recorrido (art. 34, §2º da LEF).

O C.P.C. também traz exceções à regra do duplo grau. O art. 515 enquanto garante os limites da extensão à sentença e à matéria recorrida, nos §§ 1º e 2º assegura a reapreciação pelo órgão ad quem de todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que não tenham sido julgadas por inteiro na sentença, ressaltanto que, quando a defesa ou o pedido tiverem mais de um fundamento, acolhendo o juiz somente um deles, os demais poderão ser adotados pelo Tribunal.

Interessante também a respeito é o preceito do art. 516 do mesmo diploma legal, que dispõe caber ao julgador de segundo grau, examinar as questões anteriores à sentença, salvo as impugnáveis por agravo de instrumento, ou seja, aquelas que não foram decididas pelo juízo a quo.

Outra exceção advêm da admissibilidade de alegação de fatos novos, permitido em situações excepcionais, de acordo com o art. 517 do C.P.C..

10. Reexame necessário

O reexame necessário é o instituto segundo o qual determinadas demandas devem, obrigatoriamente, ser julgadas perante dois órgãos julgadores diferentes.

Atualmente é aplicado no direito processual brasileiro segundo os ditames do art. 475 do C.P.C.. Nesses casos, a decisão de primeira instância não terá por si só qualquer efeito, dependendo sua eficácia de sua confirmação pela segunda instância.

11. Conclusão

O duplo grau de jurisdição, trata-se, em sua origem, de instrumento garantidor da burocracia judiciária, servindo de elemento hierárquico-autoritário, seja pelos imperadores romanos, chefes da Igreja, reis bárbaros e demais reis europeus que o seguiram, legitimado pela garantia de justiça à população contra erros na aplicação do direito.

Importante ressaltar que, nesse momento, o controle sobre toda a estrutura administrativa era indispensável para a concretização da estabilidade do Estado.

Gradativamente, esse elemento hierárquico-autoritário, diante das transformações políticas, sociais e econômicas, vai sendo reduzido e superado pela garantia de justiça.

Surge, na temática atinente ao princípio, de um lado, o fato de que quanto mais se examinar uma decisão, mais possível será a perfeita distribuição da justiça; de outro lado, a observância da brevidade do processo, fator relevante no tocante ao aspecto econômico, limitante ao acesso à justiça.

Antes de mais nada, todavia, forçosa fez-se certa atenção à conotação política do princípio, destacando-se a necessidade de controle dos atos jurisdicionais como principal argumento em favor da manutenção do duplo grau.

Apresentados os aspectos positivos e negativos do sistema, podemos caracterizá-lo por ser aquele em que, para cada demanda, existe a possibilidade de duas decisões válidas e completas no mesmo processo, emanadas por juízes diferentes, prevalecendo sempre a segunda em relação à primeira.

A realidade é que quando as decisões apontam divergências, dá-se margem a dúvidas quanto à correta aplicação do direito, produzindo incertezas nas relações jurídicas e desprestigiando o Poder Judiciário. Nada garante que a decisão, em segundo grau, seja a mais acertada, uma vez que emana de prolator que não teve nenhum contato com a produção das provas e que julga, portanto, com base na documentação dos atos processuais. Cabendo aos membros do tribunal, uma uniformização das decisões em prol da justiça, comprometidos que estão, com o escopo do processo.

Concluindo, embora inconclusivamente, procuramos estabelecer sobre todo o anterior argumentado, uma reflexão pessoal de que talvez, o referido princípio sirva como garantia de que juízes de primeira instância, com entendimento diverso dos membros do tribunal, nunca cheguem até ele.

12. Referências Bibliográficas

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CAVALCANTE, Ophir Filgueiras. Noções sobre recursos e processo de execução. Belém: Universidade Federal do Pará, 1980.

Enciclopédia Saraiva de Direito / coordenação do Prof. R. Limongi França. São Paulo: Saraiva, 1977.

GRINOVER, Ada Pellegrini. O processo em evolução. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1996.

LASPRO, Orestes Nestor de Souza. Duplo grau de jurisdição no direito processual civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.

NERY, Júnior, Nélson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal . São Paulo: RT, 1992. P. 149.

RIBEIRO, Djanira Maria Radamés de Sá. Teoria geral do direito processual civil - a lide e a sua resolução. Rio de Janeiro: Aide, 1991.

SILVA, José Milton da. Dos recursos no direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense, 1991.

 

 

UFMT - DIREITO -
Jorge Jaudy


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