3. Durações e alturas
Mas e preciso dizer como se apresenta o pulso na música.
Assim como o corpo admite ritmos somáticos (exemplo do sangüíneo)
e ritmos psíquicos (como as ondas cerebrais), que operam em diferentes
faixas de onda, as freqüências sonoras se apresentam basicamente em duas
grandes dimensões: as durações* e as alturas* (durações rítmicas, alturas melódico-harmônicas). O bater de um tambor é antes de mais nada um pulso
rítmico.
Ele emite freqüências e suas variações.
Mas se as freqüências rítmicas forem tocadas por um instrumento capaz de acelerá-las
muito,
a partir de cerca de dez ciclos por segundo,
elas vão mudando de caráter e passam a um estado de granulação veloz,
que salta de repente para um outro patamar, o da altura melódica. A partir de
um certo limiar de freqüência (em torno de quinze ciclos por segundo, mas establilizando-se
em cem e disparando em direção ao agudo até a faixa audível; de cerca de quinze
hertz), o ritmo "vira"melodia:
A aceleração rítmica progressiva e sua conversão em altura
Se o nosso ouvido só percebe sinais discretos, separados e portanto
rítmicos, até o umbral aproximando de dez hertz (ciclos por segundo), entre dez e cerca de quinze hertz, o som entra numa faixa difusa e indefinida entre a
duração e a altura, que se define depois, nos registros oscilatórios mais rápidos,
através da sensação de permanência espacializada do som melódico ( quando a periodicidade das
vibrações fará então com que o escutemos com a identidade de um possível dó, um
mi, um lá, um si). A diferença quantitativa produz, portanto, num certo ponto de inflexão um salto qualitativo: muda o parâmetro da escuta.passamos a ouvir, então,
toda a cambiante das distinções que vão deslizando dos graves aos agudos, o campo movente de tessitura (como é
chamado o espectro das alturas) no qual as notas das melodias farão a sua dança. Nesse
campo pelo mesmo enlace corporal que já comentei a propósito do andamento rítmico, o som grave
como o próprio nome sugere) tende a ser associado ao peso da matéria, com os objetos mais presos à terra pela lei da gravidade, e que emitem
vibrações mais lentas, em oposições à ligeireza leve e lépida do agudo (o ligeiro, como no francês
léger, está associado à leveza). A partir de certa altura, os sons agudos vão progressivamente saindo da nossa faixa de percepção: a sua
afinação soa distorcida, e eles vão perdendo intensidade até desaparecer para nós,
embora sejam escutáveis (*por um cão, por exemplo). Se pensarmos as durações e as alturas como variáveis de uma
mesma seqüência de progressão vibratória, onde o ritmo, a partir de certo limiar, se torna melodia-harmonia (e
sendo a melodia-harmonia um outra ordem de manifestação de relações rítmicas, escutadas agora
espacialmente como alturas), poderemos perceber que essas duas dimensões
constitutivas da música dialogam muito mais do que se costuma imaginar. A pedagogia musical costuma
das nenhuma atenção a essa passagem, a essa correspondência entre as diferentes
dimensões vibratórias, e perde aí todo um horizonte de insights possíveis
extremamente estimulante para fazer e pensar músicas, O preço que se paga é a cristalização enrijecida da
idéia de ritmo e melodia como coisas separadas, perdendo-se a dinâmica temporal (e os fluxos) que fazem com que um
nível se traduza (com todas as suas diferenças e correspondências) no outro.
A tradutibilidade subjacente entre durações e alturas é estimulada por um outro dado extremamente intrigante que envolve a relação entre as duas: aquele ponto de inflexão que as separa, entre dez e quinze vibrações por segundo no limiar oscilante entre as
figuras rítmicas e a altura melódica, coincide muito aproximadamente com a faixa vibratória do
chamado ritmo alfa. O ritmo alfa (situado entre oito e treze hertz) é uma freqüência cerebral que, ao que
tudo indica, funciona para a nossa percepção como uma onda portadora de ondas, uma espécie de fundo condutor
(desaparece no sono profundo e é recoberto por outros ritmos quando a nossa atenção está solicitada, mas e particularmente marcado no eletroencefalograma - quando os olhos estão
fechados mas em vigília, ou quando olhamos sem fixar o olhar). Segundo Alain Daniélou, em sua
Sémantique musicale, "o ritmo alfa parece ser de fato a base que determina o valor do tempo relativo e conseqüentemente todas as relações
do ser vivo com o seu ambiente". Segundo essa interpretação, ele seria o fator constante e
subjacente, padrão vibratório que "condiciona todas as percepções",
funcionando como um sinal de sincronização que comandaria o andamento da nossa sensação do
tempo, (Quando árvores em série na beira da estrada, por exemplo, em sincronia com a velocidade do carro,
entram nessa faixa de freqüência, causam forte interferência sobre a atenção
do motorista provocar acidente.) A música teria, no limiar decisivo entre duração e altura, ali onde "a pulsação deixa de ser percebida como um elemento
rítmico para aparecer como cor sonora de uma escala melódica", aquela freqüência vibratória que é, digamos assim, a nossa medida no turbilhão das vibrações cósmicas. o
ritmo alfa, pulsação situada no coração da música ( como linha divisória e ponto de referência
implícito entre a ordem das durações e das alturas), seria o nosso diapasão temporal, o ponto de afinação
do ritmo humano frente a todas as escalas rítmicas do universo e que determinaria em parte o alcance do que nos é perceptível.
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