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SEBASTIÃO SALGADO


Sebastião Salgado nasceu em 1944, no estado de Minas Gerais. Em 1968, obteve o mestrado em Economia nas Universidades de São Paulo e Venderbit (EUA). De 1969 a 1971, freqüentou, em Paris, a Escola Nacional de Estatística Econômica. Obteve em 1971 o título de doutor.

A fotografia surgiu quando, de 1971 a 1973, trabalhou na África para a Organização Internacional do Café. Demitiu-se, regressou a Paris e começou a trabalhar como repórter fotográfico.

Os seus primeiros trabalhos registraram a seca no Sahel, África, e trabalhadores imigrantes na Europa. De 1977 a 1983, viajou várias vezes à América Latina. O resultado do trabalho foi publicado no livro "Autres Ameriques". Em 1979, entrou para a Magnum, agência que reúne grandes nomes da fotografia mundial. Em 1986,Salgado deu início ao projeto sobre o desaparecimento do trabalho manual, concretizado em 1993 na exposição e no álbum "Workers".

Sebastião Salgado é considerado um dos mais importantes fotógrafos documentais da atualidade. Encarando seu trabalho como militância, Salgado tem preferência por temas sociais e só fotografa em preto e branco. Para ele, a técnica, na qual é considerado especialista, concentra a emoção e permite que a imagem seja interpretada pelo que ela é.


Alguns dos prêmios que recebeu:
1982 - Eugene Smith Award for Humanitarian Photography
1986 - Book of the Year Award for "Sahel: L'homme en détresse", at Arles, France
1988 - Rey de España Award, Spain
1992 - Elected honorary member of the American Academy of Arts and Sciences
1994 Pela Publicação do livro "Workers": International Center of Photography, Nova York, EUA; "Centenary Medal" e "Honorary Fellowship", Royal Photography Society of Great Britain, Bath, Inglaterra; "Professional Photographer of the Year", PMDA Photographic Manufactures and Distributors Association, Nova York, EUA; "Grand Prix National", Ministério da Cultura e da Francofonia, France; "Award of Excellence, Silver Award, Society of Newspaper Design", Nova York, EUA; (1995) "Silver Medal, Art Directors Club, Alemanha.

Entrevista publicada na revista Sem Fronteiras N° 250 - Maio 1997 - pág. 05

Como surgiu a predileção pela contraluz?
Sebastião Salgado - É uma coisa instintiva ter de trabalhar contra a luz. A minha cidade, Aimorés, tinha um sol incrível. A gente estava sempre na sombra. Cansei de olhar o meu pai chegando em casa na contraluz. Eu na sombra, ele vindo do sol. Numa fração de segundos, restituo tudo isso.
Você se envolve com as pessoas que está fotografando?
- Normalmente, sou bem recebido por onde passo. Tenho que conversar, perguntar, ver, sentir. Muitas vezes não são nem meus olhos que conseguem captar certas coisas, mas as pessoas que estão na minha frente. Na verdade, elas me orientam, me dão a fotografia. O resultado final vai ser melhor ou pior, dependendo da relação que cultivo com as pessoas.
Em algumas de suas fotos, as pessoas fitam a câmara com olhares muito intensos. São flagrantes?
- São. Não faço ninguém posar, nunca fiz, não me interessa. Só tenho um modo de trabalhar - com a minha história, a minha ideologia. Quando alguém não quer te dar a imagem, você pede desculpas, faz as malas e vai embora. Não roubo imagens.
Embora mostrem o sofrimento das pessoas, essas imagens também conseguem trazer à tona uma beleza escondida na miséria e no desespero...
- Não trabalho com a miséria, mas com as pessoas mais pobres. Elas são muito ricas em dignidade e buscam, de forma criativa, uma vida melhor. Quero com isso provocar um debate. A nossa sociedade é muito mentirosa. Ela prega como sendo única a verdade de um pequeno grupo que detém o poder.
Por que mostrar situações de exclusão?
- Isso faz parte da minha história. Nos anos 60, quando morava em Vitória, cheguei a militar no movimento comunista e, depois, na Juventude Universitária Católica (JUC). Desde esse tempo, passei a acreditar no ideal de uma sociedade mais justa para todos. Então, levei todo esse engajamento para o mundo da fotografia. Na realidade, não fotografo o excluído, e sim uma amostragem do que é a maioria da humanidade. Procuro colocar a minha fotografia a serviço dos quatro quintos da população mundial que vivem em condições desumanas.
No ano passado, quando visitou acampamentos de sem-terra pelo Brasil afora, você também fez um trabalho sobre a população de rua de São Paulo. Como foi a experiência?
- Estou traçando um perfil do deslocamento dos povos no mundo inteiro, e São Paulo faz parte desse projeto. A cidade teve um crescimento populacional brutal nos últimos vinte, trinta anos, fruto de uma forte migração.
Se considerarmos o crescimento econômico do país nesse tempo todo, vemos que o Brasil ficou no mínimo 50% mais rico. Mas do que adiantou, se a população ficou muito mais pobre?
O que me causa espanto é ver que uns poucos ficaram com a parte de uma grande maioria. Andando pela capital paulista, vejo uma grande parte dessas pessoas jogadas para fora do sistema, excluídas.
E em relação aos sem-terra?
- Estou trabalhando com a questão da terra no Brasil desde 1980. Acompanhei o trabalho das Comunidades Eclesiais de Base e da Comissão Pastoral da Terra, e já realizei trabalhos sobre os bóias-frias. Os sem-terra brasileiros são a última válvula de retenção da população no campo. Espero que o meu livro Terra não sirva para isolar ninguém. Quero ajudar a provocar um debate, porque só na hora da discussão é que se encontram soluções para os problemas. E as exposições que faço para o Movimento Sem Terra são a minha contribuição para isso. >br> Você acha que falta vontade política por parte do governo para resolver a questão da terra no Brasil?
- Não é que falte vontade para resolver as coisas. Diria que essas pessoas estão anestesiadas por uma tradição de exclusão neste país. Desde a chegada dos portugueses, as pessoas passaram a aceitar a exclusão como algo normal. Por outro lado, enquanto visitei os assentamentos dos sem-terra, vi muita coisa bonita sendo feita. Conseguiram organizar cooperativas que são as mais produtivas nos Estados em que estive. A maior produtora de leite de Sergipe é de uma cooperativa dos sem-terra.
A saída, então, seria a reforma agrária?
- Sim. É a divisão das terras. Aliás, o mundo inteiro já fez a reforma agrária, só não o Brasil. Acho que as pessoas teriam que ir e ver algum assentamento de sem-terra. Já conversei com muitos políticos de Brasília, por exemplo, que me confessaram nunca terem ido a um assentamento. O que eles conhecem, na verdade, é a intoxicação de uma parte da imprensa e dos fazendeiros que os informam. Daí a necessidade de essas pessoas irem constatar na fonte. Só assim as coisas vão mudar.
Vivendo e trabalhando quase a metade da vida fora do país, que lugar o Brasil ocupa no seu trabalho?
- Embora o Brasil represente apenas 1% no meu trabalho, me sinto profundamente brasileiro. Jamais perdi o meu sotaque. Em casa canta-se samba, e a comida é capixaba. Tudo o que faço tem a ver com o Brasil. Na fração de segundos de cada fotografia, estou interferindo com a minha Aimorés, a minha família, a minha vida, a minha luz. Tudo isso é brasileiro.
O que fica das viagens pelo mundo, garimpando a história de povos inteiros?
- Sinto uma vontade sempre maior de continuar o que venho fazendo. As idéias são muitas, o problema é a falta de tempo para realizá-las. É uma luta constante contra o tempo para captar histórias, o imediato, o gesto fugaz, o olhar e o sorriso que, uma vez perdidos, são irrecuperáveis.
Um dia desses, sobrevoando o Afeganistão a baixa altitude num avião da Cruz Vermelha, percebi traços em montanhas absolutamente inacessíveis. Traços de caravanas, a marca do bicho-homem. Meus Deus - pensei -, eu preciso conhecer essa gente! Um rosto dessas caravanas pode revelar toda uma história, a cultura de um povo. Creio que, no fundo, são poucas as diferenças entre os povos. As necessidades básicas são as mesmas, por exemplo, para um brasileiro, um japonês ou um indiano. Por isso, não me sinto estrangeiro em nenhum dos lugares por onde ando. O mundo se transformou em minha casa.
Por conta de seu trabalho atual, você chega a passar oito meses por ano viajando, em condições precárias...
- Para agüentar o pique, a gente tem que gostar muito do que faz e ter identificação ideológica com os temas que escolhe. O que conta também é sensibilidade e paciência. Você tem de esperar as coisas acontecerem, e as coisas acontecem.
E ainda sobram tempo e vontade para fotografar a família nos momentos de folga?
- Demais. Estou fazendo um trabalho com o meu filho caçula, o Rodrigo, 15 anos, portador da Síndrome de Down. Todas as férias faço um monte de filmes dele e da família. Um dia, tudo isso ainda vai se transformar em um livro.

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