Aqui não existem belas São todas murchas Como flores queimadas no campo Pelo sol, pelos homens, pelo tempo Aqui não existem sorrisos perfeitos Os poucos dentes são de enfeite Só existe a fome e o lento desaparecer Aqui não existem peles de pêssego Só o caroço com sede E o que brota da terra são covas e não rosas Aqui as meninas se dão Por migalhas de pão e sonhos de cidade grande para qualquer viajante Aqui não é o inferno é o jardim da esperança e o que mantém de pé as crianças é o nome do Deus eterno Aqui não se fazem versos Nem se cobrem os ossos come-se até mesmo o papel ou a comida dos sonhos no céu Aqui os gatos estão ausentes mas os ratos tem medo de gente e têm gravados na memória o grito de um filho ou de sua senhora Aqui não existem baratas Nem lixo ou rejeito Para tudo se dá um jeito Menos a guerra por batatas Aqui a carne é seca E pendurada em sonhos E os olhos tristonhos E na boca não existe saliva Aqui não se pergunta o sentido da vida Tudo gira cai e não grita Aqui não existem endereços ou ruas, ou médicos tudo tem um preço e as crianças são velhos Aqui a chuva faz nascer Uma outra geração para sofrer e as sementes no campo seco brotam, sem estábulo ou esterco Aqui, se você reconhece ou ao menos se pergunta se pode ser é porque está tão próximo do teu viver que você passa e cospe O Lobo 16/3/99
Foto de Sebastião Salgado |
Foto de Sebastião Salgado |