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Prioridades de investigação em saúde mental em Portugal: As perspectivas de um painel Delphi de psiquiatras e pedopsiquiatras

Fernando Sousa (2006)  Revista Portuguesa de Saúde Pública, 24 (1), 103-114. (ISSN 0870-9025)

Resumo - Abstract  - Introdução - Metodologia - Resultados - Discussão - Conclusões

A ignorância é mais dispendiosa do que o conhecimento.

Eisenberg, Good & Kleinman, 1995

Resumo

Identificaram-se, através do recurso à aplicação da técnica do Painel Delphi, prioridades de investigação consensual em saúde mental em Portugal junto de psiquiatras e pedopsiquiatras de todos os Distritos de Portugal Continental. Solicitou-se-lhes que indicassem até quatro tópicos para investigação que na sua opinião deveriam ser considerados como prioritários. Dos 77 profissionais de saúde convidados, cerca de 37 aceitaram participar na primeira das três voltas. Após a conclusão da 3ª volta identificou-se, distribuídos por diferentes graus de prioridade, a presença de um consenso em 67 tópicos de investigação. Entre estes, 18 tópicos foram classificados como “prioridades de investigação consensual” que, na sua maioria, se situaram ao nível das categorias da «investigação epidemiológica», da «identificação de necessidades» e da «organização e prestação de cuidados». Os resultados obtidos suscitam vários questões que carecem de uma discussão e aprofundamento adicional. No âmbito da organização de uma agenda de investigação em saúde mental esta discussão deverá ser alargada a outras classes de profissionais de saúde, bem como aos utilizadores dos serviços de saúde mental, e seus familiares, de forma a averiguar a convergência e/ou divergência de perspectivas.

Palavras-chave: consenso; Delphi; pedopsiquiatria; prioridades de investigação; psiquiatria; saúde mental.

Abstract

Mental health research priorities in Portugal: Perspectives from a Delphi panel of psychiatrists and child and adolescent psychiatrists

The research identifies, through the use of the Delphi technique, consensual mental health research priorities in Portugal in a sample of psychiatrists and child and adolescent psychiatrists. We asked our panel of experts to point out four topics that in their opinion should be considered as research priorities. From the 77 experts invited, 37 experts accepted to participate in the first of the three rounds. After the conclusion of the third round we identify, distributed by different levels of priority, the presence of a consensus in 67 research topics. Between those, 18 topics were classified as “consensual research priorities” which in it's majority could be placed in research categories of «epidemiology», «needs assessment» and «care delivery and organization». The results raised several questions that need a deepening and additional discussion. In the context of the development of a mental health research agenda, that discussion should be extended to other classes of health professionals, as well as mental health consumers and their families, to assess the convergence and/or divergence of perspectives.

Key words: consensus; Delphi; child and adolescent psychiatry; psychiatry; research priorities; mental health.

1. INTRODUÇÃO

Num momento em que se assiste a um crescente reconhecimento do papel central da saúde mental, para a saúde e bem-estar em geral, o aumento previsível do número de pessoas afectadas por distúrbios neuropsiquiátricos coloca os sistemas de saúde, e este campo da saúde em particular, perante um novo desafio. A Organização Mundial de Saúde (OMS) em 2001 no seu relatório anual sobre a saúde mundial - nesse ano dedicado à saúde mental - fazia previsões de que uma pessoa em cada quatro viesse a ser afectada por distúrbios neuropsiquiátricos em alguma fase da sua vida (WHO, 2001). Apesar de várias projecções que apontam para uma deterioração da saúde mental da população mundial, este campo da saúde continua a não ser considerado com a mesma importância que a “saúde física”, sendo em larga medida secundarizado ou ignorado. Tendo em consideração a magnitude desta problemática e a natureza multifacetada das suas causas, a OMS recomendava nesse ano a adopção, com carácter de urgência, de várias medidas. Uma dessas recomendações apelava ao reforço do papel da investigação enquanto meio não só para aprofundar o conhecimento sobre esta problemática, mas também para apoiar a definição de prioridades, o planeamento e a avaliação de vários tipos de intervenções.

O contributo da investigação e desenvolvimento (I&D) a este nível tem estado no entanto sujeito a vários constrangimentos, nem sempre perceptíveis pelo público em geral, nomeadamente situações de financiamento deficitário e alguma incapacidade em assegurar que os resultados dos esforços de investigação tenham um maior impacto nos problemas de saúde da população (Global Forum for Health Research, 2002). O problema da afectação de recursos para a investigação, ilustrado de uma forma clara aquando da apresentação na 15ª Conferência Nobel do relatório da Comissão sobre Investigação em Saúde para o Desenvolvimento, onde se estimava que somente cerca de 10%, ou menos, do financiamento mundial para I&D estaria afecto a doenças responsáveis por cerca de 90% do peso global da doença (USA. Commission on Health Research for Development, 1990; Switzerland. Task Force on Health Research for Development, 1991), mantêm-se praticamente na mesma (Global Forum for Health Research, 2001). A manutenção deste desequilíbrio, desde então conhecido sob a designação de «hiato 10/90», segundo o Fórum Global para a Investigação em Saúde (adiante designado por Fórum Global) pode-se situar, entre vários aspectos, ao nível das decisões de financiamento que nem sempre se apoiam em processos devidamente fundamentados e explícitos de identificação de prioridades o que tem conduzido a que muitas vezes essas decisões não correspondam às reais necessidades de saúde da população mundial (Global Forum for Health Research, 1999).

No campo da saúde mental o financiamento da I&D reveste-se de particularidades adicionais, muitas delas assentes em séculos de luta contra a estigmatização que lhe tem sido tradicionalmente associada. Uma dessas particularidades situa-se desde logo ao nível das solicitações efectuadas pelos defensores deste campo junto dos decisores políticos para que estes, face ao anteriormente referido, lhe atribuam uma atenção redobrada. Estas pressões têm colocado os decisores perante exigências contraditórias, em que por um lado são impelidos a considerar as solicitações deste campo, e por outro têm que as enquadrar face às solicitações de outros campos da saúde (Mechanic, 1996). No entanto, e ao contrário de outros campos da saúde, essas reivindicações nem sempre resultam de uma frente comum, mas mais frequentemente têm origem em iniciativas individuais e não coordenadas de diferentes grupos profissionais ou de organizações de utentes. Esta polarização, segundo Mechanic (1994), tem conduzido a que esses grupos e organizações ao lutarem pelas suas prioridades tenham tendência para desvalorizar desnecessariamente as contribuições e o trabalho desenvolvido por outros grupos e organizações “concorrentes”.

Em Portugal, à semelhança do que acontece em vários contextos internacionais, no campo da saúde mental, e da I&D em saúde, está-se perante um conjunto de várias dificuldades. Uma dessas dificuldades situa-se desde logo ao nível da falta de dados para uma correcta caracterização da saúde mental em Portugal, situação esta reconhecida no Relatório do Director-Geral da Saúde «Ganhos de Saúde em Portugal» (Portugal. Direcção-Geral da Saúde, 2002) e mais recentemente no Plano Nacional de Saúde (Portugal. Ministério da Saúde, 2004).

Ao nível da afectação de verbas para a I&D em saúde previamente à nomeação do grupo de trabalho criado através do Despacho n.º 4305/2002 de 27 de Fevereiro (que tinha como objectivo efectuar um levantamento da situação da investigação nas Ciências da Saúde), não encontrámos, em termos bibliográficos, evidências que tenham sido desenvolvidos esforços para que este processo assentasse em procedimentos metodológicos explícitos tendo em vista a definição de prioridades de investigação. 

Ao nível da identificação de prioridades para investigação em saúde mental, tanto quanto nos foi possível percepcionar através da recensão bibliográfica realizada, o presente trabalho constitui uma primeira tentativa realizada nesse sentido em Portugal. Na medida em que, inevitavelmente, estarão sempre outros usos em competição para os recursos disponíveis, a disponibilização de informação aos decisores tendo em vista um estabelecimento, devidamente fundamentado, de prioridades para I&D em saúde revela-se crucial. Dos objectivos deste trabalho faziam parte: a) identificar tópicos de investigação em saúde mental; b) medir níveis de consenso em torno dos tópicos com um maior e menor grau de prioridade; e c) analisar as diferenças entre os tópicos de investigação mais e menos consensuais. 

2. METODOLOGIA

2.1. Aspectos gerais

Face aos objectivos do estudo optou-se pela constituição de um Painel Delphi. O Painel Delphi, frequentemente também designado por técnica ou exercício Delphi, consiste num conjunto de procedimentos que assentam num envio sistemático e intercalado, via correio de superfície, ou electrónico, de questionários a indivíduos considerados como “peritos” numa dada área de conhecimento (Ziglio, 1996). Na sua essência esta técnica pode ser entendida como uma abordagem multifásica em que cada fase é construída tendo por base os resultados da anterior. Cada uma destas fases assume geralmente a designação de “volta” (round). Segundo os responsáveis pelo seu desenvolvimento, esta técnica teria como objectivo “(...) to obtain the most reliable opinion consensus of a group of experts by subjecting them to a series of questionnaires in depth interspersed with controlled opinion feedback” (Dalkey & Helmer, 1963, p. 458).

2.2. Participantes

Uma das formas de potenciar a implementação de decisões que resultem de um processo de identificação de prioridades de investigação será o de envolver nesse processo os decisores e outros indivíduos em posição de influenciar uma tomada de decisão (Global Forum for Health Research, 2002; Rotondi & Gustafson, 1996; Whitman, 1990). No campo da saúde mental isto implicará envolver não só profissionais de diferentes especialidades, (p.ex., psiquiatras, pedopsiquiatras, psicólogos, enfermeiros, clínicos gerais, administradores hospitalares, técnicos da área das ciências sociais e humanas) como também utentes dos serviços, os seus familiares, entre outros. Razões de ordem prática ligadas ao tempo disponível para a realização do presente trabalho implicaram a opção por um Painel menos inclusivo envolvendo apenas representantes de duas culturas profissionais nomeadamente os psiquiatras e pedopsiquiatras, considerando a posição central que estes ocupam actualmente quer ao nível da organização dos serviços de saúde mental quer da prestação de cuidados.

Na constituição do Painel seguimos a indicação de Jones & Hunter (1999) que defendem que a inclusão de um qualquer indivíduo deverá obedecer a um critério que de algum modo, no assunto sob análise, possa justificar a sua condição de “perito”. Nesta sequência estabelecemos como condição de inclusão a conformidade com um dos seguintes critérios: (a) ser director de um serviço ou departamento de Psiquiatria e Saúde Mental de uma unidade de saúde do Serviço Nacional de Saúde (SNS); (b) ou ser director de um departamento de Pedopsiquiatria e Saúde Mental Infantil e Juvenil de um hospital do SNS; (c) ou ser indicado por um dos nossos três “informadores-chave” (a quem solicitámos que nos indicassem nomes de psiquiatras e pedopsiquiatras que pela sua reconhecida experiência, ou especificidade da sua área de trabalho poderiam contribuir para a credibilidade do Painel). Através deste processo de amostragem obteve-se uma lista composta por 77 “peritos” (68 psiquiatras e 9 pedopsiquiatras). Tal como indicado na Tabela 1, 48.1% (n=37) dos peritos convidados aceitaram participar na 1ª volta, sendo a sua maioria oriundos da zona Sul (51.4%). Não se encontraram diferenças estatisticamente significativas nas taxas de resposta dos peritos convidados quando considerados por zona geográfica (c2=4.16; 2 gl; a=0.05).

A idade dos participantes situou-se entre os 34 anos e os 71 anos (média=54.1 anos; D.P.=8.46), sendo a maioria do sexo masculino (73%;n=27). Relativamente à sua formação, 83.8% (n=31) eram especialistas em psiquiatria, 8.1% (n=3) em pedopsiquiatria, e 8.1% (n=3) em psiquiatria e pedopsiquiatria. Cerca de metade dos participantes tinha formação complementar (48.6%), dos quais 35.1% (n=13) tinham um doutoramento, 5.4% (n=2) tinham um mestrado, e 8.1% (n=3) tinham uma pós-graduação. Ao nível dos anos decorridos desde a conclusão da formação inicial registaram-se variações entre os 2 anos e os 37 anos (média=21.9 anos; D.P.=8.21). Relativamente ao cargo desempenhado na instituição à qual se encontravam afectos, 51.4% (n=19) eram Directores de Serviço/Departamento, 18.9% (n=7) eram Chefes de Serviço, 16.2% (n=6) eram Professores Universitários, e 13.5% (n=5) ocupavam outros cargos. Mais de metade (62.2%; n=23) exerciam funções de docência em estabelecimentos de ensino superior. Destes participantes 43.2% (n=16) exerciam essas funções de forma regular e 18.9% (n=7) de forma irregular. Todos os participantes (n=37) referiram ter artigos publicados em revistas da sua área de especialidade. Mais de metade (56.8%; n=21) referiu ainda já ter publicado de forma individual, ou em co-autoria, pelo menos um livro sobre a sua área de especialidade.

2.3. Procedimentos

Solicitou-se aos membros do Painel, contactados via correio de superfície, que nos remetessem num prazo de 15 dias a sua resposta aos questionários que lhes foram enviados em cada uma das três voltas que compuseram este exercício Delphi. Para efeitos de resposta incluiu-se em anexo a essa documentação um envelope com franquia pré-paga. Esgotado o período de resposta inicialmente concedido enviou-se uma carta a todos os “não-respondentes” apelando à sua participação nessa volta. Um mês após o início de cada volta, os ainda não-respondentes foram contactados, via telefone, ou correio electrónico, e convidados a participar nessa volta até um prazo limite de duas a três semanas. Uma vez atingida essa data a volta era dada por encerrada sendo os não-respondentes excluídos da(s) volta(s) subsequente(s).

Todos os peritos convidados a integrar o Painel foram informados através da documentação da 1ª volta que o teor das suas respostas, bem como os seus dados pessoais e profissionais, seriam mantidos sob anonimato. Optou-se no entanto por não assegurar o anonimato da identidade dos participantes essencialmente por dois motivos: 1) devido à necessidade de promover a “accountability” dos resultados (Goodman, 1987); e 2) por se ter fornecido de uma forma bastante detalhada os critérios de inclusão no Painel (como forma de incentivar os peritos convidados a participar no estudo), por exemplo, ser director de um serviço ou departamento de Psiquiatria e Saúde Mental de uma unidade de saúde do SNS, o que tornaria impossível impedir a identificação de vários dos peritos convidados.

Deu-se início à 1ª volta através do envio de um convite a cada um dos peritos onde se expôs o âmbito e objectivos do estudo. Da documentação enviada nesta volta fazia ainda parte uma ficha com perguntas para caracterização sócio-profissional do participante, bem como o questionário da 1ª volta, questionário este que assumiu a forma de uma única questão nomeadamente: «Tendo como referência o cargo que ocupa, e as actividades que nesse âmbito desenvolve, indique até 4 tópicos de investigação na área da saúde mental que, pela sua importância, considere que deverá ser dada prioridade». De modo a “balizar” as respostas dos participantes, forneceu-se ao Painel uma definição dos conceitos de investigação (Office for Protection from Research Risks, citado por Snider, & Stroup, 1997, p.29) e de saúde mental (Lavikainen, J., Lahtinen, E., & Lehtinen, V., 2000, pp. 15-16).

Foram recebidos, dos 37 peritos que aceitaram participar na 1ª volta, um total de 137 tópicos de investigação. Uma vez dada por concluída esta volta todos esses tópicos foram alvo de uma tentativa de síntese em que se procurou, sempre que possível, abreviar a sua redacção, e agregar tópicos idênticos, ou muito similares sob uma única redacção. Este esforço de síntese, que resultou numa redução a 110 tópicos, foi acompanhado de uma tentativa deliberada para que os tópicos sofressem o mínimo de alterações ao nível da linguagem utilizada na sua redacção original. Seguidamente os tópicos foram agrupados em várias categorias tendo em vista potenciar a comparação entre tópicos de uma mesma área de investigação, bem como entre tópicos de diferentes áreas. Na Tabela 2, encontram-se expostas as 14 categorias criadas para esse efeito. A ordem de apresentação destas categorias, bem como a ordem de apresentação dos tópicos, foram definidas através do recurso a uma tabela de números aleatórios.

Na 2ª volta solicitou-se a todos os membros do Painel que participaram na 1ª volta para que através do recurso a uma escala ordinal (tipo Likert) de 5 pontos atribuíssem a cada um dos 110 tópicos de investigação o grau de prioridade (nomeadamente: 1- nada prioritário; 2- pouco prioritário; 3- prioritário; 4- muito prioritário; 5- extremamente prioritário) que na sua opinião consideravam que esse deveria ter no âmbito de uma (futura) Agenda de Investigação em Saúde Mental em Portugal. Apelou-se aos membros do Painel para que aquando das suas apreciações tivessem presente nas suas escolhas, entre outros factores que considerassem pertinentes, o potencial nelas contido para afectar positivamente os cuidados e o bem-estar dos utentes dos serviços de saúde mental e ainda a capacidade de maximização dos recursos disponíveis. Adicionalmente convidou-se os membros do Painel a fundamentarem o grau de prioridade atribuído a qualquer um dos tópicos de investigação, ou a tecerem qualquer outro comentário que entendessem sobre a lista de tópicos no seu conjunto.

Com a 3ª volta pretendia-se confrontar os membros do Painel com o resultado da apreciação colectiva a cada um dos tópicos de investigação. Para este efeito enviou-se a todos os peritos que participaram na 2ª volta uma versão individualizada da lista dos tópicos de investigação. Nessa versão criou-se um espaço à frente de cada um dos 110 tópicos onde se inseriu o valor da apreciação indicada na volta anterior pelo participante em causa, bem como o resultado da apreciação colectiva do Painel em termos da sua tendência central (medianas) e dispersão (intervalo inter-quartis: 1º quartil; e 3º quartil). Forneceu-se ainda ao Painel uma definição, e ilustração, dos conceitos de mediana e de intervalo inter-quartis, bem como para efeitos de consulta, os comentários escritos que os participantes da volta anterior efectuaram aquando da apreciação a alguns dos tópicos de investigação. Colocados perante esses dados solicitou-se-lhes que revissem, sempre que assim o entendessem, cada uma das suas anteriores apreciações. Solicitou-se-lhes ainda que aquando da revisão às suas apreciações iniciais, sempre que entendessem mudar ou manter uma dada apreciação, verificassem se essa se situava fora do intervalo inter﷓quartis. Caso tal se registasse convidava-se o participante a explicitar o motivo subjacente a essa mudança ou manutenção. Em qualquer outra situação convidava-se ainda adicionalmente os membros do Painel, a sempre que assim entendessem, a adoptar o mesmo procedimento.

Entre o envio da documentação da 1ª volta (2ª semana de Fevereiro de 2003) e o encerramento da 3ª volta (2ª semana de Novembro de 2003) decorreram 40 semanas. A taxa de resposta em cada uma das três voltas foi respectivamente de 48.1% na 1ª volta, 83.8% na 2ª volta, e 87.1% na 3ª volta. Mais de metade das respostas foram recebidas fora do prazo inicialmente estipulado (Tabela 3).

Previamente ao início de cada uma das três voltas procedeu-se, em termos de pré-teste, a várias diligências tendo em vista averiguar a compreensão e adequação das questões colocadas, das instruções de preenchimento e de outros aspectos de ordem metodológica.

Em linha com os estudos de James, Aitken, & Burns (2002), Fiander & Burns (1998) e Raskin (1994), estabeleceu-se como condição de consenso, a verificação que a amplitude interquartil de um dado tópico de investigação fosse menor ou igual a 1,00. De forma adicional, atribuiu-se a designação de “prioridade de investigação consensual” a todos os tópicos em que se registasse um consenso e em que a mediana fosse igual ou superior a 4,00.

Na análise estatística utilizou-se o programa informático SPSS (versão 9.0.0). As conclusões foram tiradas a um nível de significância de p £ 0,05. Em virtude da natureza qualitativa das variáveis em estudo recorreu-se à utilização de testes não-paramétricos nomeadamente aos Testes de Wilcoxon, de Mann-Whitney e de Kruskall-Wallis. De forma suplementar à descrição dos resultados destes testes recorremos, a título de ilustração, à apresentação dos argumentos utilizados por alguns membros do Painel para fundamentar o grau de prioridade atribuído a alguns tópicos de investigação.

3. RESULTADOS

Face à definição de consenso adoptada foi identificada a presença de consenso em 67 tópicos de investigação distribuídos por diferentes graus de prioridade (Tabela 4). Destes 67 tópicos, 18 preencheram os requisitos estabelecidos para classificação enquanto “prioridade de investigação consensual” (Tabela 5).

Entre as apreciações da 2ª e da 3ª volta encontrámos diferenças significativas quanto ao grau de prioridade atribuído a dois tópicos de investigação (Teste de Wilcoxon), nomeadamente: “Modelos e estruturas de apoio na comunidade ao doente com esquizofrenia” (Z= -2.236; p=0.025); e “Separações maritais ou divórcios devido ao álcool” (Z= -2.000; p=0.046). De referir, no entanto, que dos membros do Painel que se pronunciaram sobre estes dois tópicos, 25 no primeiro, e 26 no segundo, respectivamente 20 e 22 participantes não alteraram a sua apreciação na 3ª volta. Todas as mudanças de apreciação tenderam para a atribuição de um grau de prioridade mais elevado. Cerca de 37.0% (n=10) dos participantes não procedeu a nenhuma alteração. Junto dos restantes participantes (n=17) registámos algumas variações acentuadas, nomeadamente entre participantes que alteraram duas apreciações e um outro que procedeu a 61 alterações (média=21.76; D.P.=17.51). Este último participante, conjuntamente com um outro que alterou 47 das suas apreciações iniciais, reapreciações estas que tenderam todas para o interior do intervalo inter-quartis, preconizaram as mudanças de opinião mais acentuadas. Nenhum desses dois participantes fundamentou alguma dessas mudanças, nem a manutenção de outras apreciações.

A comparação das apreciações da 3ª volta face ao tipo de especialidade dos membros do Painel (i.e., psiquiatra, pedopsiquiatra, ou psiquiatra e pedopsiquiatra) permitiu encontrar diferenças significativas em 10 tópicos (Teste de Kruskall-Wallis; Tabela 6), nomeadamente: (1) “Uniformização de critérios de diagnóstico na área da saúde mental infanto-juvenil” (c2k=7.184; p=0.028); (2) “Organização e gestão dos registos clínicos em pedopsiquiatria” (c2k=10.755; p=0.005); (3) “Caracterização epidemiológica das perturbações mentais em Portugal” (c2k=7.588; p=0.023); (4) “Estudos catamnésicos das populações consultantes dos serviços/departamentos de pedopsiquiatria” (c2k=11.287; p=0.004); (5) “Repercussões da toxicodependência parental nos filhos” (c2k=7.046; p=0.030); (6) “A eficácia do tratamento farmacológico antidepressivo em crianças e adolescentes vs eficácia nos adultos” (c2k=8.695; p=0.013); (7) “Indicação/eficácia da utilização de psicofarmácos em crianças” (c2k=10.042; p=0.007); (8) “Uso de psicotrópicos na infância e adolescência – suas repercussões no desenvolvimento” (c2k=8.553; p=0.014); (9) “Aspectos psicológicos do insucesso escolar” (c2k=7.426; p=0.024); e (10) “A depressão na infância e adolescência e a sua relação com as aprendizagens” (c2k=8.132; p=0.017).

Estes dados permitem constatar que os participantes com as duas especialidades (psiquiatria e pedopsiquiatria) atribuíram um grau de prioridade mais elevado a quase todos os tópicos relacionados com temas de investigação da área da saúde mental infanto-juvenil. Nos restantes tópicos desta área foram os participantes com a especialidade de pedopsiquiatria que lhe atribuíram um maior grau de prioridade. No único dos tópicos em que foram os psiquiatras a atribuir um maior grau de prioridade, i.e., o tópico “Caracterização epidemiológica das perturbações mentais em Portugal”, constata-se que a ordenação média registada junto dos pedopsiquiatras assumiu, em termos comparativos com as dos outros dois grupos de participantes, um valor muito baixo.

A comparação das apreciações da 3ª volta face à zona de proveniência geográfica dos peritos (i.e., Norte, Centro ou Sul) permitiu encontrar diferenças significativas em sete tópicos (Teste de Kruskall-Wallis; Tabela 7), nomeadamente: (1) “Avaliação/Gestão do risco clínico em psiquiatria” (c2k=6.209; p=0.045); (2) “Impacto dos novos modelos de empresarialização na prestação de cuidados aos doentes com perturbações mentais” (c2k=8.272; p=0.016); (3) “Demências: O seu impacto social face aos avanços terapêuticos expectáveis (c2k=6.024; p=0.049); (4) “Factores de risco do suicídio no Alentejo” (c2k=6.544; p=0.038); (5) “Comportamentos de risco na adolescência preditivos da toxicodependência” (c2k=7.718; p=0.021); (6) “Utilização de psicofármacos nos cuidados de saúde primários” (c2k=7.122; p=0.028); e (7) “Reabilitação cognitiva em esquizofrenia” (c2k=6.539; p=0.038).

Numa análise às apreciações da 3ª volta face ao género dos membros do Painel encontrou-se diferenças significativas em seis tópicos (Teste de Mann-Whitney; Tabela 8), nomeadamente: (1) “Caracterização epidemiológica das perturbações mentais na infância e adolescência” (Z= -2.453; p=0.014); (2) “Influências culturais na saúde mental” (Z= -2.078; p=0.038); (3) “Psiconeuroendocrinologia na área do stress” (Z= -2.585; p=0.010); (4) “A depressão e suicídio na adolescência” (Z= -2.057; p=0.040); (5) “Inter-relação entre doença física e processos do foro psíquico” (Z= -2.004; p=0.045); e (6) “A depressão na infância e adolescência e a sua relação com as aprendizagens” (Z= -2.145; p=0.032). Constatou-se que, à excepção do tópico (3) “Psiconeuroendocrinologia na área do stress”, os valores das ordenações médias mais elevadas situam-se todos junto aos membros do Painel do sexo feminino. Constatámos ainda que três desses tópicos referem-se a temas de investigação na área da saúde mental infanto-juvenil.

A comparação das apreciações dos membros do Painel com formação complementar face ao seus diversos níveis de formação complementar permitiu encontrar diferenças significativas em seis tópicos (Teste de Kruskall-Wallis; Tabela 9), nomeadamente: (1) “Psiquiatria comunitária vs Psiquiatria hospitalar” (c2k=6.313; p=0.043); (2) “Prevalência do consumo de álcool em cidadãos estrangeiros residentes no país” (c2k=7.139; p=0.028); (3) “Prevalência da esquizofrenia” (c2k=5.984; p=0.05); (4) “Influências culturais na saúde mental” (c2k=6.880; p=0.032); (5) Indicação/Eficácia da utilização de psicofármacos em crianças (c2k=6.375; p=0.041); e (6) “Modalidades de intervenção em crianças com problemas graves de comportamento” (c2k=6.210; p=0.045). À excepção do tópico (3) “Prevalência da esquizofrenia” constata-se que os membros do Painel com um doutoramento atribuíram um grau de prioridade mais baixo a todos os outros tópicos.

Numa comparação às apreciações da 3ª volta face à situação dos membros do Painel perante a docência no ensino superior encontrou-se diferenças significativas em cinco tópicos de investigação (Teste de Kruskall-Wallis; Tabela 10), nomeadamente: (1) “Psiquiatria comunitária vs Psiquiatria hospitalar” (c2k=10.611; p=0.005); (2) “A comorbilidade em toxicodependência e suas consequências no prognóstico” (c2k=6.545; p=0.038); (3) “Evolução post-alta (6, 12, ... meses) do utente de serviços de apoio a toxicodependentes” (c2k=6.973; p=0.031); (4) “Indicadores de boa (ou má) evolução em toxicodependência” (c2k=6.083; p=0.048); e (5) “Influências culturais na saúde mental” (c2k=10.085; p=0.006).

4. DISCUSSÃO

O facto de se ter registado um consenso em mais de metade dos tópicos de investigação, e de entre esses, 18 terem preenchido os requisitos para classificação enquanto “prioridade de investigação consensual”, não significa que tenham sido encontradas as prioridades “certas” de investigação em saúde mental. Essas prioridades traduzem o que um Painel de psiquiatras e pedopsiquiatras, num dado intervalo temporal, face aos dados ou às percepções que dispunham, considerou serem as áreas de investigação que carecem de mais atenção. Carece ainda ter presente que na medida em que a estratégia de amostragem que utilizámos não tinha como intenção assegurar a representatividade da população médica portuguesa com especialidade em psiquiatria ou pedopsiquiatria, admitimos que embora os resultados possam ser válidos, que estes se encontram restritos ao Painel, devendo pois ser considerados a título indicativo e tendo presente os objectivos do estudo.

Os participantes com as duas especialidades (psiquiatria e pedopsiquiatria) atribuíram um grau de prioridade mais elevado a quase todos os tópicos relacionados com temas de investigação da área da saúde mental infanto-juvenil. Esta situação poderá eventualmente ser explicada pelo facto de na lista de tópicos de investigação existir sob a mesma categoria um tópico de natureza semelhante, mas directamente relacionado com a área de intervenção da pedopsiquiatria, nomeadamente o tópico “Caracterização epidemiológica das perturbações mentais na infância e adolescência”, o que poderá ter conduzido a que este tenha sido privilegiado. Murphy, et al (1998), numa revisão a vários estudos que utilizaram técnicas de desenvolvimento de consenso, alertam para o facto dos membros de uma dada especialidade tenderem a defender intervenções que envolvam a sua especialização, pelo que esta situação não é totalmente surpreendente. Um comentário redigido por um dos participantes - «puxando a “brasa à minha sardinha”, diria que todas as áreas que privilegiei são fundamentais, porque no nosso país pouco se liga à saúde mental infantil (…)» - a título de comentário global às suas apreciações, ilustra de uma forma clara esta possível tendência. Este tipo de observação alerta para a necessidade de analisar o efeito que a homogeneidade ou heterogeneidade de um dado Painel, em termos da sua diversidade profissional, poderá vir a ter na definição de prioridades de investigação.

A semelhança de Iavicoli, et al (2001), num trabalho por estes desenvolvido sobre prioridades de investigação em saúde ocupacional em Itália, também nós encontrámos diferenças significativas a um nível de análise regional. Sobressaiu desde logo o maior grau de prioridade atribuído pelos peritos da zona Sul ao tópico “Factores de risco no suicídio no Alentejo”. Esta diferença era em certa medida expectável devido à percepção da maior prevalência que este fenómeno assume nesta zona do país e de um modo mais particular na região do Alentejo.

Ao nível das diferenças encontradas em termos de género esta foi uma situação à qual não poderá ser alheio o facto da maioria dos membros do Painel com especialidade em pedopsiquiatria ou psiquiatria/pedopsiquiatria serem do sexo feminino. Esta relação torna-se ainda mais evidente se tivermos presente que também foram encontradas diferenças significativas no tópico “A depressão na infância e adolescência e a sua relação com as aprendizagens” quando considerado por especialidade dos membros do Painel.

As diferenças registadas nas apreciações dos membros do Painel face aos seus diversos níveis de formação complementar, nomeadamente em termos da ordenação média nos tópicos “Psiquiatria comunitária vs Psiquiatria hospitalar” e “Influências culturais na saúde mental”, isto é, o valor mais baixo que esta assumiu junto dos peritos com um Doutoramento permite considerar a hipótese que os seus interesses de investigação, comparativamente com os interesses dos outros, estejam orientados para questões de ordem mais prática e conducentes a resultados com uma aplicabilidade mais imediata.

Relativamente às diferenças identificadas face à situação dos membros do Painel perante a docência no ensino superior, o exame dos valores que as ordenações médias assumiram parece sugerir que os peritos que exerciam funções de docência de forma regular atribuíram um grau de prioridade mais elevado a aspectos de ordem mais “operacional” e menos “filosófica” do que aqueles que não exerciam, ou exerciam com uma frequência irregular. Um aspecto que a este nível parece interessante consiste no facto do sentido das diferenças encontradas neste item ser semelhante ao registado nas comparações entre peritos com diferentes níveis de formação complementar.

Numa leitura transversal ao grau de prioridade atribuído a cada um dos 110 tópicos de investigação, e de um modo mais atento às prioridades de investigação consensual que identificámos, sobressaem três situações: (1) a ausência de referências a investigações sobre modalidades de apoio de cariz não-profissional (p.ex., os grupos de ajuda-mútua); (2) o grau de prioridade geralmente elevado, i.e., “muito prioritário” ou “extremamente prioritário”, que foi atribuído a tópicos de investigação que apontam para a necessidade de determinar a incidência, prevalência ou caracterização de um dado risco; e (3) a verificação que a área da promoção e prevenção primária em saúde mental é a mais difícil de percepcionar nas 18 prioridades de investigação consensual, quer de forma explícita ou implícita. Relativamente à primeira situação este é um facto que parece curioso, em parte devido ao interesse crescente que este tipo de modalidade de apoio tem vindo a assumir em vários países devido, entre vários aspectos, ao trabalho desenvolvido ao nível do combate ao estigma associado à doença mental, da luta por uma maior adequação dos serviços de saúde mental, da legislação e da investigação às necessidades dos seus membros (US Department of Health and Human Services, 1999). Ao nível da segunda situação, em parte um resultado esperado, na medida em que esse tipo de informação é fundamental para um adequado planeamento e implementação das respostas a disponibilizar pelos serviços de saúde. Em virtude da pouca informação disponível para caracterização do estado da saúde mental na população portuguesa, seria de esperar com alguma naturalidade que esta fosse uma das áreas de investigação a ser privilegiada pelo Painel. Esta situação era também em parte expectável pelo facto da maioria dos membros do Painel ocuparem posições hierárquicas de topo, às quais geralmente se encontram associadas preocupações de carácter organizativo e de gestão de recursos. A terceira situação merece uma reflexão particular na medida em que essa área é parte integrante das áreas funcionais dos serviços locais de saúde mental (organizados sobre a forma de Departamento ou Serviço), consignadas no Decreto-Lei n.º 35/99 de 5 de Fevereiro, aos quais grande parte dos membros do Painel se encontravam afectos. A área da promoção e prevenção primária em saúde mental está, no entanto, presente nos tópicos de investigação que não reuniram consenso com o grau de prioridade “muito prioritário”, p. ex., “Educação para a saúde mental” e no âmbito dos tópicos que reuniram consenso com o grau “prioritário”, p. ex., “As estratégias de coping na prevenção da doença física e psíquica”. Terá esta situação ficado apenas a dever-se ao critério de consenso que estabelecemos? Ou terá o Painel considerado que investigação nesta área teria um potencial mais reduzido para afectar positivamente os cuidados de saúde a prestar aos utentes dos serviços? Infelizmente, os dados obtidos não permitem, a este nível de análise, sugerir uma hipótese de resposta devidamente fundamentada.

Neste trabalho foram identificadas algumas limitações cuja explicitação se impõe tendo em vista uma mais adequada interpretação dos resultados. Uma delas situa-se ao nível da taxa de resposta na 1ª volta (48.1%) que constitui uma atrição elevada, isto apesar de um modo geral considerarmos o nível de participação bastante satisfatória, particularmente nas duas últimas voltas (83.8% na 2ª volta e 87.1% na 3ª volta).

Aquando da construção, e posterior envio, do questionário da 1ª volta inadvertidamente não foi especificado, na ficha com perguntas para caracterização sócio-profissional do participante, o sentido em que a opção “exercício de docência de forma regular/irregular” deveria ser entendida. Assim, um participante ao assinalar uma dessas opções poderia estar a referir-se ao exercício de funções de docência com um regularidade de uma ou duas aulas por semana, por mês, ou por semestre. Devido a este facto a interpretação das diferenças significativas encontradas nas apreciações da 3ª volta quando consideradas face à situação dos membros do Painel perante a docência no ensino superior ficou substancialmente limitada.

A lista de tópicos de investigação, colocada para apreciação do Painel foi considerada por alguns dos peritos como sendo muito extensa. Poder-se-ia eventualmente ter optado por uma maior agregação desses tópicos conduzindo dessa forma à sua redução. Optou-se no entanto, muitas vezes, por manter alguns desses tópicos separados na medida em que se entendeu ser interessante averiguar a existência ou não de diferenças de apreciação entre tópicos aparentemente semelhantes. Apesar de em várias ocasiões as diferenças encontradas justificarem algumas das opções tomadas, em futuros trabalhos os investigadores terão que chegar a soluções de compromisso entre por um lado um esforço de agregação de tópicos aparentemente similares sob um único tópico, correndo o risco de uma eventual perda de informação que daí possa decorrer, ou por outro lado, manter os tópicos tal qual foram recebidos, ou com um mínimo de tratamento, correndo por sua vez o risco de produzir questionários excessivamente longos e de resposta desmotivante para o Painel.

Apesar de se poder afirmar que alguns participantes “interiorizaram” a necessidade de priorizar, de fazer escolhas, outros, no entanto, parecem ter tido alguma relutância em atribuir graus de prioridade mais baixos, situação esta perceptível pelo facto que em 110 tópicos de investigação apenas em cinco se registou uma mediana inferior ao valor três (valor este que representava a posição central na escala Likert). Em futuros trabalhos será conveniente fornecer ao Painel uma escala Likert com mais opções eventualmente com um número de opções par “forçando” deste modo os participantes a assumirem de uma forma mais clara uma posição de acordo ou discordância face aos diversos itens colocados para sua apreciação.

5. CONCLUSÕES

Na sua maioria as prioridades de investigação consensual produzidas pelo Painel situam-se ao nível da área da investigação epidemiológica, da organização e prestação de cuidados e da identificação de necessidades. Parece, no entanto, importante fazer notar mais uma vez que estas prioridades resultam da interacção de representantes de dois dos vários grupos de actores que actuam no campo da saúde mental. Entende-se por isso ser necessário alargar este tipo de investigação a outros actores tendo em vista averiguar a convergência e/ou divergência de perspectivas, não só em termos de especialização profissional mas também face à sua zona de proveniência geográfica.

Num momento em que em Portugal se começa a debater a necessidade de desenvolver um sistema de investigação em saúde os defensores da saúde mental vêem-se colocados perante desafios adicionais na medida em que lhes competirá assegurar que este campo da saúde seja devidamente considerado na definição de um agenda de investigação em saúde de modo a evitar que este continue a sua já longa história de marginalização e subvalorização a que tantas vezes tem sido remetido. Alcançar neste âmbito pontos de convergência que possam conduzir à defesa de uma agenda comum não será um processo fácil mas, se juntarem forças, poderão mais facilmente igualar a influência de muitos outros lóbis da saúde. Tal como Mechanic (1994), consideramos que, ao concordarem em discordar, centrando-se nos elementos comuns de uma agenda que todos possam apoiar, estes grupos poderão viabilizar a definição de uma agenda da investigação em saúde mental, tornando-a mais visível ao público em geral, aspecto este que não é de somenos importância na medida em que tem vindo a ser demonstrado que a visibilidade social de um problema poderá também determinar a sua colocação nas agendas dos decisores (Peters, 1999). Para tal muito poderá contribuir a adopção de uma estratégia proactiva em que estes numa base regular e dinâmica apresentem aos decisores, num estilo de redacção “directo e simples”, os resultados dos seus esforços de investigação, abandonando procedimentos mais passivos em que tradicionalmente se fica à espera que essas informações sejam solicitadas.

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