Nossa!
o que há com o teu peru?
por
Hilda Hilst
Espírito
natalino é um saco preto, hordas de delinqüentes, turbas de
atoleimados te exigindo caras, posturas, o riso alvar, cestas, granas
e tu mesmo basicamente arruinado, e criancelhas peidando adoidadas, escoiceando
os ares, e mãezinhas num azáfama de um cair de tarde bordelesco,
pra lá pra cá, e Jeshua entregue às traças,
imagine o arrepio do Divino vendo o trotoar dos humanos, enchendo as panças,
arrotando grosso, chupando os dentes, enchendo as latrinas, as mandíbulas
sempre triturando, e o nenen lá na manjedoura, entre a vaca e o
jumento... Que pai é esse que manda o filho pra um planeta de bosta
como é a Terra... Se fosse um bom pai, o filho teria encarnado
num corvo, a gente só ficaria olhando lá pro corvo nas alturas
e dizendo: olha lá o divino, olha que lindo! E o divino com asas,
só de nos ver de longe se escafederia, tem dó, pai, aquela
gente não, por favor, pai, Abracadabra, pai, me transforma em fumaça,
em rojão, em poeira, mas me afasta daqui, me afasta!
E
aquele médico bonzinho que arrancou os olhos do Einstein e pôs
no vidro e agora vai vendê-los por cinco milhões de dólares!
Meu Deus, meu Deus, e o olho tristíssimo (porque viu muito e muito
compreendeu) lá no vidro zoiando...
Sim,
é verdade, eu tenho medo das gentes, pra dizer a verdade eu me
cago de medo das gentes! O que eu tenho visto de pulhas, de máscaras
atadas dia e noite sobre umas caras de pedra... O que eu tenho visto de
mesquinharia, de crueldade, de torpeza, de estupidez... Que Natal? Que
Natal? mudou o quê depois do nascimento do bebê?
"Óia
a véia de novo enfezada! E até sendo paga pra escrevê
só mardade! E nóis aqui no bem-bom comendo esses pardá,
essas rola e esse gato gordo da vizinha! e que que tem cagá? que
que tem rrotá? e chupá dente num é bom? e pur que
ela chama a gente de delinquente? que que é horda, hen? e turba?
E querê que o divino seja corvo, ó dotô, manda prendê
essa muié, que eu até esqueci de fritá os ovo do
menino Josué, também que que tem, é Natar e ele já
tava morto!" Bom dia! Bom almoço!
(Esta crônica
será incluída no segundo volume de "Cascos e Carícias",
a ser publicado pela editora Nankin.)