Poemas
aos Homens do nosso Tempo
de
Hilda Hilst
Amada vida, minha morte demora.
Dizer que coisa ao homem,
Propor que viagem? Reis, ministros
E todos vós, políticos,
Que palavra além de ouro
e treva
Fica em vossos ouvidos?
Além de vossa RAPACIDADE
O que sabeis
Da alma dos homens?
Ouro, conquista, lucro, logro
E os nossos ossos
E o sangue das gentes
E a vida dos homens
Entre os vossos dentes.
(Júbilo
Memória Noviciado da Paixão(1974) - Poemas
aos Homens do nosso Tempo - II)
* * *
Lobos? São muitos.
Mas tu podes ainda
A palavra na língua
Aquietá-los.
Mortos? O mundo.
Mas podes acordá-lo
Sortilégio de vida
Na palavra escrita.
Lúcidos? São poucos.
Mas se farão milhares
Se à lucidez dos poucos
Te juntares.
Raros? Teus preclaros amigos.
E tu mesmo, raro.
Se nas coisas que digo
Acreditares.
(Júbilo
Memória Noviciado da Paixão(1974) - Poemas
aos Homens do nosso Tempo - VIII)
* * *
Bombas limpas, disseram? E tu
sorris
E eu também. E já
nos vemos mortos
Um verniz sobre o corpo, limpos,
estáticos,
Mais mortos do que limpos, exato
Nosso corpo de vidro, rígido
À mercê dos teus
atos, homem político.
Bombas limpas sobre a carne antiga.
Vitral esplendente e agudo sobre
a tarde.
E nós na tarde repensamos
mudos
A limpeza fatal sobre nossas
cabeças
E tua sábia eloqüência,
homens-hienas
Dirigentes do mundo.
(Júbilo
Memória Noviciado da Paixão(1974) - Poemas
aos Homens do nosso Tempo - XIV)
* * *
Ao teu encontro, Homem do meu
tempo,
E à espera de que tu prevaleças
À rosácea de fogo,
ao ódio, às guerras,
Te cantarei infinitamente à
espera de que um dia te conheças
E convides o poeta e a todos
esses amantes da palavra, e os outros,
Alquimistas, a se sentarem contigo
à tua mesa.
As coisas serão simples
e redondas, justas. Te cantarei
Minha própria rudeza e
o difícil de antes,
Aparências, o amor dilacerado
dos homens
Meu próprio amor que é
o teu
O mistério dos rios, da
terra, da semente.
Te cantarei Aquele que me fez
poeta e que me prometeu
Compaixão e ternura e
paz na Terra
Se ainda encontrasse em ti, o
que te deu.
(Júbilo
Memória Noviciado da Paixão(1974) - Poemas
aos Homens do nosso Tempo - IX)
* * *
Ávidos de ter, homens
e mulheres caminham pelas ruas.
As amigas sonâmbulas, invadidas
de um novo a mais querer,
Se debruçam banais, sobre
as vitrines curvas.
Uma pergunta brusca, enquanto
tu caminhas pelas ruas.
Te pergunto: E a entranha?
De ti mesma, de um poder que
te foi dado
Alguma coisa clara se fez? Ou
porque tudo se perdeu
É que procuras nas vitrines
curvas, tu mesma,
Possuída de sonho, tu
mesma infinita, maga,
Tua aventura de ser, tão
esquecida?
Por que não tentas esse
poço de dentro
O incomensurável, um passeio
veemente pela vida?
Teu outro rosto. Único.
Primeiro. E encantada
De ter teu rosto verdadeiro,
desejarias nada.
(Júbilo
Memória Noviciado da Paixão(1974) - Poemas
aos Homens do nosso Tempo - XIII)
* * *
Enquanto faço o verso,
tu decerto vives.
Trabalhas tua riqueza, e eu trabalho
o sangue.
Dirás que sangue é
o não teres teu ouro
E o poeta te diz: compra o teu
tempo.
Contempla o teu viver que corre,
escuta
O teu ouro de dentro. É
outro o amarelo que te falo.
Enquanto faço o verso,
tu que não me lês
Sorris, se do meu verso ardente
alguém te fala.
O ser poeta te sabe a ornamento,
desconversas:
"Meu precioso tempo não
pode ser perdido com os poetas".
Irmão do meu momento:
quando eu morrer
Uma coisa infinita também
morre. É difícil dizê-lo:
MORRE O AMOR DE UM POETA.
E isso é tanto, que o
teu ouro não compra,
E tão raro, que o mínimo
pedaço, de tão vasto
Não cabe no meu canto.
(Júbilo
Memória Noviciado da Paixão(1974) - Poemas
aos Homens do nosso Tempo - XVI)
(Poesia: 1959
- 1979 - São Paulo: Quíron; [Brasília]: INL,
1980.)