Banqueiros,
editores e pinicos
uma crônica de Hilda Hilst
Aos
79 anos e perneta, ela matou a pinicadas (golpes de pinico) o velhote
(seu marido), quando ele se jactava de antigas façanhas sexuais,
enquanto ela apenas mancava solitária pela casa. Onde foi isso?
Na aldeia de Mókroie? Em Londres, gente! Há duas semanas
atrás. Que vitalidade! Que altaneria! E que rabugice! Se fosse
comigo, aos 79, eu apenas anotaria, quase sucinta, no meu diário:
John, ontem à noite, contou-me deliciosas aventuras e acho que
fez muito bem, porque convenhamos, com o meu coto é difícil
manter-me no coito em equilíbrio.
Aos
79 gostaria de loquear um pouco. É bom ser estranho e velho. Que
menina medonha! É sua filhinha, é? E esse é seu marido?
Ahhh... então é por isso! Coitaaaada! E talvez colocasse
um balde na cabeça à guisa de chapéu, como aquela
baronesa Elza von Fretag von Loringhoven que também enfeitava a
cara com selos... e morava no mesmo bairro onde moravam Henry Miller e
June. Eu andaria com o meu balde e desenharia lindas borboletas na minha
cara, aqui mesmo, na minha torre de capim. E vou dizer muitas verdades
a alguns, principalmente àquele meu amigo banqueiro, riquíssimo
(aliás acho que vou dizer agora) a quem pedi que editasse meu livro
como brinde, no seu banco, e ele disse: você é mesmo boba,
Hilda, ninguém mais lê poesia... Eu disse: mas você
era tão sensível e gostava tanto de poesia e é filho
de um poeta... Ele: agora eu só sou sensível depois das
nove da noite. E eu deveria ter dito a ele o que vou dizer agora: e se
eu te chupar a bronha depois das nove da noite, te sensibiliza e você
edita? Só que aos 79 ia ser melhor porque eu estaria sem dentes...
Ah, banqueiros, meus amigos, caixão não tem gaveta, viu?
Ah, o que eu tenho visto de avareza e hostilidade quando estamos na dureza!
Como é triste ser avarento quando se é velho e rico! Ou
só como é triste ser avarento! E como é sórdido
ser avarento com os poetas. E agora vou terminar com um poema porque já
estou espirocando de ódio em relação a banqueiros
e editores e a crônica foi pras picas. P.S. Querem saber? Acho que
a velhota fez bem. E já vou comprar o meu pinico. Ninguém
vai notar uma velhota aos 63 entrando no banco ou na editora com um pinico
na sacola.
Enquanto faço o verso,
tu decerto vives.
Trabalhas tua riqueza, e eu
trabalho o sangue.
Dirás que sangue é
o não teres teu ouro
E o poeta te diz: compra o
teu tempo
Contempla o teu viver que corre,
escuta
O teu ouro de dentro. É
outro o amarelo que te falo.
Enquanto faço o verso,
tu que não me lês
Sorris, se do meu verso ardente
alguém te fala.
O ser poeta te sabe a ornamento,
desconversas:
"Meu precioso tempo não
pode ser perdido com os poetas".
Irmão do meu momento:
quando eu morrer
Uma coisa infinita também
morre. É difícil dizê-lo:
MORRE O AMOR DE UM POETA.
E isso é tanto, que
o teu ouro não compra,
E tão raro, que o mínimo
pedaço, de tão vasto
Não cabe no meu canto.*
* "Poemas
aos homens do nosso tempo" in Júbilo memória noviciado
da paixão. SP: Massao Ohno. 1974.
(Segunda-feira,
08 de Março de 1993)