de
Hilda Hilst
I
Toma-me. A tua boca de linho
sobre a minha boca
Austera. Toma-me AGORA, ANTES
Antes que a carnadura se
desfaça em sangue, antes
Da morte, amor, da minha
morte, toma-me
Crava a tua mão, respira
meu sopro, deglute
Em cadência minha escura
agonia.
Tempo do corpo este tempo,
da fome
Do de dentro. Corpo se conhecendo,
lento,
Um sol de diamante alimentando
o ventre,
O leite da tua carne, a minha
Fugidia.
E sobre nós este tempo futuro
urdindo
Urdindo a grande teia. Sobre
nós a vida
A vida se derramando. Cíclica.
Escorrendo.
Te descobres vivo sob um
jogo novo.
Te ordenas. E eu deliquescida:
amor, amor,
Antes do muro, antes da terra,
devo
Devo gritar a minha palavra,
uma encantada
Ilharga
Na cálida textura de um rochedo.
Devo gritar
Digo para mim mesma. Mas
ao teu lado me estendo
Imensa. De púrpura. De prata.
De delicadeza.
II
Tateio. A fronte. O braço.
O ombro.
O fundo sortilégio da omoplata.
Matéria-menina a tua fronte
e eu
Madurez, ausência nos teus
claros
Guardados.
Ai, ai de mim. Enquanto caminhas
Em lúcida altivez, eu já
sou o passado.
Esta fronte que é minha,
prodigiosa
De núpcias e caminho
É tão diversa da tua fronte
descuidada.
Tateio. E a um só tempo vivo
E vou morrendo. Entre terra
e água
Meu existir anfíbio. Passeia
Sobre mim, amor, e colhe
o que me resta:
Noturno girassol. Rama secreta.
(...)
[Júbilo
memória noviciado da paixão (1974)]
[in
Poesia: 1959-1979/ Hilda hilst. - São Paulo: Quíron;
(Brasília): INL, 1980.]