"O que me impele é o desejo
e não a necessidade"
(Man Ray)
Sob o reinado de Tibério - conta-nos Plutarco - um piloto de
nome Tamos, ao navegar pelo Mar Egeu, ouviu com nitidez os gritos que
partiam da ilha vizinha: - O grande Pan morreu!!! ...o grande Pan morreu!!!
Alucinações do marujo, certamente alcoólatra mitológico
em busca de notoriedades. Como se sabe, o velho Pan não só
está vivo, como a doçura de sua música permanece
indelével em nossos ouvidos impuros. E, para sempre!!! O mesmo
acontece à boa Literatura e à boa Poesia. Estarão
sempre ali, a enlevar a enfadonha rotina diária que nos açoita.
Entretanto, ouvi noutro dia um amigo, após ter ingerido quantidades
industriais de um mau uísque, dizer que ela havia "morrido" e
que sua obra "agonizava"... Ora, a despeito de respeitável psicólogo,
da antiga camaradagem e de seus irrecuperáveis desvios artísticos,
acredito que a bebida ingerida fosse de péssima qualidade e os
intestinos lhe haviam subido à cabeça, ou então
haveria que meditar sobre a asnice pronunciada com tanta pompa, digna,
aliás, de dezoito bengaladas no lombo e em praça pública...
A obra de Hilda está mais vívida que nunca. Sua poesia,
escrita com a maestria do vate que é, vem iluminando os caminhos
há décadas e, se ainda não foi percebida em sua
plenitude, isso, se deve à alarmante estupidez dos lobbies culturais
e - sobretudo - da excessiva mediocridade que nos é atirada garganta
abaixo, não só pelos críticos sequiosos e venais,
como pela própria midia cultural, televisiva e escrita. Apesar
disso, o frescor de sua obra vibrante está lá, em quase
quarenta volumes... Tempos sombrios estes em que vivemos. Que fazer?
Ao cultivarmos com amor e carinho a poeta-mulher que nos tem enriquecido
com sua produção multifária, esquecêmo-la
ali, em seu
valhacouto sertanejo, com uma miríade de livros, cachorros e
- o que é mais sinistro - vergastada por insidiosos problemas
tributários, indignos à condição de pensadora
que devia ser mantida pela ONU e se dar por inteiro, só pelo
prazer de criar. Lembram-se? Oscar Wilde encerrou sua obra nas masmorras
britânicas e, com a anuência do burgo letárgico...
Quanto à Hilda, conheço-a há tanto e, não
obstante ter cruzado caminhos com grandes gênios produtores do
Belo, a ela devo muito do que aflorou no cerebrozinho de surrealista
e em meu interminável ofício de criar. Dito isto, prostro-me
e conclamo amigos a saborear um pouco mais destes mundos impalpáveis
que a autora nos oferece e que, desafortunadamente, os freqüentadores
das hordas literárias de Frankfurt estarão privados.
Se, como falei acima, andam dizendo por aí que o grande Pan morreu,
ele, olimpico semi-homem, semi-capro, o que não dirão
desta inofensiva senhora com olhos de cão e punhos de poeta?
Minhas palavras, não são apologia gratuita nem intenção
de lhe jogar líricos confetes. Apesar da velha benquerença,
ambos, ela e eu sorvemos uma mesma e simbiótica empatia que tornam
desnecessários tais mistifórios sentimentalóides,
sobretudo, porque seu talento estaria acima disto. Além do amor
pessoal expresso em letras de bronze, o que se pretende aqui, é
um pouco de Justiça e a vontade sincera de levar seres sensíveis
a ingerir maiores quantidades da verdadeira seiva poética que
esta mulher nos tem presenteado há anos. E, quanto aos farisaicos
conspurcadores deste seu mágico legado, não possuo argumentos
que justifiquem, a não ser - é claro - baixando as calças
e mostrando-lhes um belo par de nádegas rosadas.
Bom dia.
(Crônica publicada
no Correio Popular, de Campinas-SP, em 06-06-1994.)